Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13729/07.3TBVNG.P2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO
SOLOS
APTIDÃO CONSTRUTIVA
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
RESERVA ECOLÓGICA NACIONAL
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
ANALOGIA
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES / EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Alves Correia, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133.º, n.ºs 3904 a 3014.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP) / 1991: - ARTIGO 24.º, N.º5.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP) / 1999: - ARTIGOS 23.º, 26.º, N.º12.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 679.º, 665.º, N.º 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 62.º, N.º. 2
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10 DE MAIO DE 2012, PROC. N.º 10.600/05.7TBMTS.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 29 DE NOVEMBRO DE 2012, PROC. N.º 11214/05.7TBMTS.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 6/2011, DO DE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 7 DE ABRIL DE 2011, PROC. N.º 1839/06.9TBMTS.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.ºS 275/2004, 118/07, 234/07, 276/07, 469/07, 315/2013, 345/2013 E 641/2013, TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
I - O n.º 12 do art. 26.º do CExp de 1999 – literalmente aplicável ao cálculo da indemnização pela expropriação de “solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infrestruturas e equipamentos públicos por plano municipal…” – não é aplicável aos solos integrados na RAN ou na REN, ou simultaneamente em ambas.

II - O confronto entre o art. 24.º, n.º 5, do CExp de 1991 e o art. 26.º do CExp de 1999, entendido no contexto da jurisprudência e da doutrina que se debruçaram sobre a questão específica da determinação do regime aplicável ao cálculo da indemnização por expropriação de solos que, apesar de estarem integrados em zonas RAN ou REN, reúnem naturalisticamente condições de edificabilidade, impede que se recorra à aplicação do art. 26.º, n.º 12, do CExp, quer por interpretação extensiva, quer por aplicação analógica.

III - Não é possível sustentar que o legislador disse menos do que queria dizer ou que, dentro do espírito do sistema definido pelo CEXp de 1999, a omissão da inclusão da hipótese referida em II no âmbito do n.º 12 do art. 26.º, não tenha sido deliberada.

IV - O afastamento da aplicação do regime previsto no n.º 12 do art. 26.º do CExp aos solos inseridos em zona RAN ou REN não viola os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. No processo de expropriação por utilidade pública, em que figuram como expropriante AA, Sociedade para o Desenvolvimento Programa Pólis em …, SA, e como expropriado BB, relativo a uma parcela desanexada de um prédio situado na Freguesia do …, Vila Nova de Gaia, identificado nos autos, a expropriante recorreu para o Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia da decisão arbitral (fls. 16) que fixou o montante de € 144.963,00 para a indemnização devida ao expropriado, em aplicação do critério fixado no nº 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 314/2000, de 2 de Dezembro (média aritmética dos dois valores mais próximos, uma vez que não foi possível encontrar um valor maioritário entre os árbitros).

Pela sentença de fls. 569, o montante foi fixado € 18.179,00, “actualizável de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE, no período compreendido entre 21 de Julho de 2006 e a data da presente decisão, incidindo tal actualização sobre a quantia total até 6.09.08 e sobre a quantia de € 3 601,38 a partir dessa data”. Este valor foi encontrado em consequência da qualificação da parcela como solo apto para outros fins e, portanto, da aplicação dos critérios definidos pelo artigo 27º Código das Expropriações.

Em síntese, considerou-se na sentença:

– que “a parcela preenche os requisitos previstos no artº 25º, nº. 2, al. a) e b) do Código das Expropriações”. Trata-se dos requisitos necessários para que um solo possa ser qualificado como “apto para construção”, permitindo que a indemnização seja calculada de acordo com os critérios definidos pelo artigo 26º;

– que, no entanto, encontrando-se a parcela expropriada totalmente incluída “em área de salvaguarda RAN/REN, sendo 474 m² inserida em zona RAN e 822 m² em RAN/REN” (ponto 14 dos factos provados), “a sua aptidão construtiva” encontrava-se “à data da DUP, fortemente condicionada”, não podendo ser classificada como solo apto para construção, por a tanto se opor o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2011, de 4 de Julho de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 1839/06.9TBMTS);

– que este Acórdão de Uniformização não impede a aplicação analógica do regime previsto no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, directamente aplicável aos “solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor (…)”;

– que, quando os solos se encontram inseridos em áreas RAN ou REN, as limitações à respectiva aptidão edificativa não são decorrentes meramente do plano de ordenamento do território – instrumento administrativo por natureza mutável – mas da lei, constituindo as restrições nela impostas à utilização de tais terrenos mera consequência da vinculação situacional da propriedade, encaradas, por isso, como meramente conformadoras do conteúdo do direito de propriedade, situação distinta das expressamente previstas no referido nº 12 do artº 26º”;

que, no caso, “se não verificam as razões para a aplicação, por via analógica ou extensiva, do disposto no artº 26º, nº 12, ao cálculo da parcela expropriada, toda ela inserida em RAN e RAN/REN” não ocorrendo “nenhum dos casos excepcionais (…) que eventualmente justificariam a extensão a essas áreas deste regime, nem se verifica a situação a que se reporta o AC do TC 496/07 (expropriação da parcela visa a construção de prédios urbanos)”.


2. O expropriado recorreu para o Tribunal da Relação do Porto; mas o acórdão de fls. 666 negou provimento ao recurso, observando que a orientação seguida na sentença é a “que, a nosso ver, melhor observa os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, equilibrando a posição do expropriado com os proprietários de prédios em igual situação (integrados na RAN ou na REN) mas não abrangidos por expropriação, já que o valor de mercado destes, à data da declaração de utilidade, que é a que importa considerar (artº 23º, nº1, do Código das Expropriações), não poderá olvidar a impossibilidade legal de neles se construir, ou seja, a ausência de aptidão construtiva”.

Novamente recorreu o expropriado, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, com base na alínea d) do nº. 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, invocando contradição com o acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Outubro de 2013 (www.dgsi.pt,m proc. nº 3431/07.1TBMTS.P1.S1 e com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Outubro de 2013 (www.dgsi.pt, proc. nº 10033/06.8TBMTS.P1).

Como se recordou no acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Setembro de 2014 (www.dgsi.pt, proc. nº 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1), a al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil “veio reintroduzir no Código de Processo Civil um caso especial de admissibilidade de revista, que tinha sido eliminado pela reforma de 2007 (Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto), admitindo a revista quando a razão da inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça for estranha à alçada e o acórdão recorrido contrariar outro acórdão da Relação, proferido “no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (…), salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”. Regra semelhante constava do nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil anterior a essa reforma, preceito que, por sua vez, viera substituir o recurso para o Tribunal Pleno previsto no artigo 764º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma de 1994/1995. Tem como justificação o objectivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que nunca podem vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, porque, independentemente do valor das causas a que respeitem, nunca se alcança o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista. É o que sucede, por exemplo, com as decisões proferidas em procedimentos cautelares (cfr. artigo 370º, nº 2 do Código de Processo Civil) (…)”.

      Não é, pois, de estranhar que apenas contemple a hipótese de contradição entre acórdãos das Relações; o que desde já significa que não releva, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2013.

      Todavia, e confrontado o acórdão recorrido com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Outubro de 2013, proc. nº 10033/96.8TBMTS.P1, considera-se verificada uma contradição susceptível de permitir o recurso de revista, de acordo com o disposto na al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, no que respeita à possibilidade de calcular nos termos do nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1999, por interpretação extensiva ou por aplicação analógica deste preceito,  a indemnização devida por expropriação, para implantação de vias de comunicação, de parcela de terreno integrada em zona RAN ou REN, adquirida antes da integração e que preenche os requisitos previstos nas als. a) e b) do nº 2 do artigo 25º do mesmo Código.

        O recurso é, portanto, admissível, nos termos previstos da al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil.

3. Nas alegações de recurso, após sustentar a admissibilidade do recurso, o recorrente formulou as seguintes conclusões:


“ (…) G. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao classificar o solo em apreço como solo apto para outras fins e ao fixar o valor indemnizatório segundo os critérios constantes do art. 27 do CE, por violação do princípio da justa indemnização e do princípio da igualdade, consagrados no art. 62 e 13 da CRP e no art. 23 do CE.

H. Com efeito, rejeita-se a tese acolhida pela decisão recorrida que deverá ser substituída, segundo a qual a simples classificação dos terrenos como RAN e REN afasta a aplicação analógica ou extensiva do art. 26-12 CE, apenas e só, porque a limitações à capacidade edificativa, nestes casos, resulta da lei e não do PDM.

I. Por muito sedutor que possa parecer tal raciocínio – porque impõe ou estabelece um critério mais ou menos uniforme e abstracto, aplicável a um sem n.º de situações idênticas – não podemos escamotear que este tem na sua base o seguinte pensamento: a ratio da norma em apreço é apenas e tão só abolir as manipulações urbanísticas, ainda que não intencionais.

J. Esquecendo-se que a ratio primordial é a salvaguarda dos princípios constitucionais que a norma em apreço procura defender: a Justa Indemnização através da observância do Princípio da Igualdade, entre expropriados e vizinhos não expropriados através da criação de um terceiro critério, um critério alternativo à dicotomia dos critérios de cálculo de indemnização segundo a classificação dos solos: apto para construção ou apto para outros fins – cfr. a este propósito José Vieira da Fonseca e o Acórdão 239/2007 do Tribunal Constitucional.

K. E, em segundo lugar, ainda que a ratio da norma fosse apenas destinada a prevenir e combater eventuais manipulações urbanísticas – que não é! –, a verdade é que a inserção de uma determinada zona em RAN ou REN e a aplicação do seu regime legal decorre do plano administrativo, do PDM e não dos diplomas que contemplam o regime aplicável às parcelas inseridas em RAN ou REN – neste sentido ver o acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no dia 17.10.2013.

L. Acresce que, a impossibilidade legal de construção no terreno não pode ser duplamente valorada, para afastar dois critérios de atribuição da indemnização, quando o critério do art. 26, n.º 12 visa colmatar as insuficiências de uma indemnização atribuída segundo o critério do art. 27.° (solo apto para outros fins) e os excessos de indemnização atribuída segundo o critério do art. 26.°, nºs 1 a 11 (solo apto para construção).

M. A aplicação do critério do n.º 12 por analogia aos terrenos inseridos em RAN/REN não viola o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, quando a aplicação a estes casos visa precisamente garantir essa igualdade: atribuindo uma indemnização não tão elevada como a resultaria da aplicação do art. 26, n.ºs 11 do CE, nem tão baixa como resultaria da aplicação do art. 27.° do CE  cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 641/2013, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 315/2013 e uma vez mais o acórdão-fundamento do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10 .2013.

N. Ao contrário do decidido pelo aresto recorrido, aplicar os critérios do art. 27.° sem atender às concretas características do terreno, aos factores da valorização fundiária, afastando o critério intermédio de cálculo da indemnização ( n.º 12 do art. 26.° do CE) pensado precisamente para estes casos – em que a atribuição da indemnização não segue os critérios do solo apto para construção por restrição legal à construção no terreno em apreço – é defender uma tese violadora do princípio da igualdade, aplicando-se um critério cego decorrente da inserção da parcela expropriada em RAN/REN apesar de esta possuir características de valorização fundiária que se traduzem num aumento do preço de mercado.

O. É aplicar um critério que fará alcançar um valor indemnizatório (cerca de 18 mil euros) irrisório, quando considerarmos a zona onde está inserido o terreno e as suas características concretas, alcançando um valor indemnizatórios manifestamente injusto do pronto de vista do princípio da igualdade dos cidadãos e, por essa razão, violador desse mesmo princípio.

P. Em homenagem a esse mesmo princípio, contrariando a tese acolhida no acórdão recorrido, a aplicação analógica ou extensiva do n.º 12 do art. 26 do CE não viola o principio da igualdade, antes garante o seu respeito e estrita observância, sendo de aplicar no caso concreto, nos termos decididos no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/2007 que considera de forma inequívoca que nas expropriações de parcelas de terrenos efectuadas em situações análogas às dos presentes autos, nomeadamente nos casos em que as mesmas se destinam à construção de vias de comunicação, se deve recorrer ao critério contemplado no art. 26-12 do CE para efeito do cálculo de valor de tais solos.

Q. Consequentemente, e na senda do decidido no acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a aplicação do n.º 12 aos terrenos inseridos em RAN/REN, adquiridos em momento prévio a esta classificação e que reúnam as características que permitiam a sua classificação como solo apto para construção (art.25.º, n.º 2 do CE), ao garantir o integral respeito pelo princípio da igualdade, assegura a atribuição de urna indemnização mais justa, mais próxima dos valores de mercado.

R. Também não havendo, por esta via, violação do princípio da justa indemnização, estabelecida no nº 2 do artigo 62.º da CRP e concretizado no nº 23.º e seguintes do Código das Expropriações – cfr. ponto 9 do sumário do acórdão-fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

S. Em rigor, a defesa dos princípios constitucionais da justa indemnização através da observância do princípio da igualdade entre expropriados e vizinhos não expropriados que está na ratio do art. 26-12 do CE, impõe uma apreciação casuística, afastando, assim, a enunciação da regra segundo a qual a classificação de um terreno como RAN ou REN impede a aplicação analógica ou extensiva do art. 26-12 do CE.

T. Diferentemente, o Tribunal a quo deveria ter aplicado analógica/extensivamente o art. 26-12 do CE, por verificação dos três requisitos de que esta depende, se considerarmos o elemento literal da norma e, bem assim, a mais recente jurisprudência nesta matéria: i) expropriação para o fim aí indicado; ii) capacidade edificativa; ii) aquisição anterior à entrada em vigor do plano de ordenamento do territóriocfr., entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 22.11.2012 disponível em www.dgsi.pt.

U. Em rigor, a parcela foi expropriada tendo em vista a construção da VL2, ligação para sul da marginal entre Afurada e Vale de São Paio, possui capacidade edificativa por preenchimento dos art. 25-2/ a) e b) do CE, – cfr. fls. 19 da sentença, na primeira linha do ponto 6 – e, por fim, foi adquirida no ano de 1963 tendo a sua inserção em RAN/REN apenas ocorrido no ano de 1994 – cfr. factos 18 e 14 da Sentença.

V. Decorre de todo o exposto que estão verificados os três requisitos de que depende a aplicação analógica do art. 26-12 do CE e que, precisamente por esse motivo, a parcela expropriada deverá ser equiparada a solo apto para construção, calculando-se a indemnização segundo os critérios dessa norma.

W. Devendo ser revogado e substituído o aresto recorrido na parte em que classifica o solo expropriado como para outros fins, calculando o valor indemnizatório nos termos do art. 27 do CE, por outro ordene a baixa dos autos para que se proceda ao cálculo do quantum indemnizatório nos termos do n.º 12 do art. 26.º ao caso concreto, com a consequente apreciação das questões de recurso que ficaram precludidas por este segmento decisório – cfr. no ponto III do recurso de apelação interposto da sentença de 1ª Instância, ou seja, do recurso interposto na parte referente ao quantum indemniza tório, mais concretamente no quer respeita ao índice de construção, ao custo de construção e à desvalorização considerada na ordem dos 20%.

SEM PRESCINDIR,

X. E caso se considere que o Supremo Tribunal de Justiça pode, em sede do presente recurso, pronunciar-se sobre as questões que ficaram prejudicadas no recurso de apelação pelo segmento decisório que afasta a aplicação do critério de cálculo da indemnização constante do n. 12 do art. 26.º do CE, desde já se procede ao alargamento do objecto de recurso a estas matérias, nos termos que se seguem:

Y. Quanto ao valor da indemnização a calcular nos termos do art. 26-12 do CE deve observar os critérios fixados no laudo minoritário e na decisão arbitral, porquanto são os critérios mais próximos da realidade imobiliária, dos valores de mercado praticados e, consequentemente, da indemnização mais justa em observância ao princípio da igualdade - cfr. art. 23 do CE e 62 e 13 da CRP.

Z. O critério quanto ao índice de construção de 0,35 é casuística e violador do art. 26-12 do CE, na medida em que desconsidera o índice de construção médio existente a 300 m da parcela, devendo ser acolhido o índice de construção constante do Laudo Minoritário fixado em função deste último critério.

AA. O critério quanto ao custo de construção de € 682,53 por m2 é um critério injusto e violador do cálculo da indemnização por referência a valores de mercado, porquanto atende a custos unitários fixados administrativamente; diferentemente, deve ser adoptado o valor de construção constante do Laudo Minoritário por resultar da média de uma efectiva prospecção de mercado local.

BB. Rejeita-se a desvalorização proposta pelo Laudo Maioritário pelo facto da cota da parcela ser inferior ao nível máximo de Cheias do Rio Douro, considerado um período de retorno de 100 anos, na medida em que se trata de uma falsa questão, especialmente por se tratar de uma zona com uma elevada procura imobiliária junto ao rio e ao mar, onde a questão da alegada inundabilidade não afecta o seu valor de mercado e muito menos na ordem dos 20% !.

CC. Em suma e em respeito às exigências constitucionais em apreço, deve ser afastado o entendimento constante do laudo minoritário, fixando-se o valor da parcela em € 138.087,39, em virtude da irrepreensibilidade dos seus pressupostos/critérios, à luz dos valores da Igualdade e da Justiça!

DD. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu julgou de forma injusta e desatendendo à concreta realidade em apreço, incorrendo em erro de julgamento por violação dos mais elementares princípios da Justa Indemnização e da Igualdade entre expropriados e não expropriados consagrados nos arts. 13 e 62 da CRP e dos arts. 23, 26-12, 27 e 29 do CE.

Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser admitido e julgado totalmente procedente, com a consequente revogação do acórdão recorrido, só assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações e o recurso foi admitido.


4. Vem provado o seguinte:

1. Por Despacho nº 15 632/2006 (2ª série) de 30 de Junho, do Ministro do Ambiente, de Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, publicado no Diário da República, II série, nº 140, de 21 de Julho de 2006, foi declarada a utilidade pública da Expropriação, com carácter de urgência, de um conjunto de parcelas necessárias à execução da VL 2, ligação para sul da marginal entre Afurada e Vale de São Paio, entre elas a denominada parcela nº 21, com a área de 1 296 m2.

2. A execução da VL2 está prevista no Plano Estratégico de Vila Nova de Gaia, aprovado em 27 de Janeiro de 2001, pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que prevê um conjunto de ações a desenvolver no âmbito do Programa Polis – Programa de Requalificação Urbana e de Valorização Ambiental das Cidades, criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2000, de 15 de Maio.

3. A parcela nº 21, acima referida, localiza-se no lugar de …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, sendo a destacar de um prédio de maiores dimensões, com a área de 8 148 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artº …º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ….

4. Foi realizada, em 5 Setembro de 2006, a vistoria ad perpetuam rei memoriam, que consta de fls. 114 a 116, e cujo teor se dá por reproduzido, rectificada em Outubro de 2006, quanto nº da inscrição na matriz rústica, nº da descrição predial e área da parcela, conforme fls. 112 e 113, e, em 30 de Outubro de 2006, a entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela nº 21, conforme auto junto a fls. 93 e 94 cujo teor se dá por reproduzido.

5. A parcela nº 21 expropriada tinha, à data da DUP, as seguintes confrontações do Norte: Rua … e o próprio; sul o próprio; nascente: o próprio; poente o próprio e CC.

6. A parcela nº 21 possuía uma configuração irregular, alongada no sentido noroeste/sudoeste

7. O terreno da parcela era plano, encontrando-se, à data da vistoria, inculto.

8. A parcela possuía como benfeitorias três pequenos muros em pedra de 0,30m x 0,50m e cerca de 3,00 metros de cumprimento.

9. O prédio onde se integrava a parcela expropriada confina com a Rua … numa extensão de 111 metros.

10. A parcela expropriada confina com a Rua … numa extensão de 28 metros.

11. A rua … é pavimentada a betuminoso e estava dotada, à data da DUP; de rede de distribuição pública de água, rede de distribuição pública de energia eléctrica, rede de distribuição pública de saneamento (ainda sem ligação à parcela à data da DUP), rede de distribuição pública de telefone.

12. A Rua … é uma avenida marginal ao Rio Douro.

13. De acordo com aviso publicado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, publicado no DR, II série, de 6.01.89, a freguesia de ..., está incluída na cidade de Vila Nova de Gaia e na zona urbana do concelho Vila Nova de Gaia.

14. De acordo com a planta de ordenamento do Plano Director Municipal de Vila Nova de Gaia, publicado no DR I série-B, nº 105, de 6 de Maio de 1994 (em vigor à data da DUP) a parcela a expropriar está inserida em área de salvaguarda RAN/REN, sendo 474 m2 inserida em zona RAN e 822 m2 em RAN/REN.

15. Nas proximidades do prédio onde se incluiu a parcela existem diversos com arruamentos, que também constituem acesso rodoviário, dotadas de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de telefone, e ao longo dos arruamentos casas de habitação, a que foram atribuídos números de polícia.

16. Na zona envolvente do prédio e da respectiva parcela, no perímetro de 300 m a partir da envolvente, existem construções, na sua maioria moradias unifamiliares, de dois pisos.

17. Na zona envolvente do prédio e da respectiva parcela, no perímetro de 300 metros a partir da envolvente, os terrenos têm a seguinte classificação face ao mesmo PDM: Área de Transformação Condicionada (cerca de 42 000 m2); Áreas de Salvaguarda – Zonas de RAN e REN (cerca de 106 000 m2); Área de Edificabilidade Extensiva (cerca de 10 000 m2), Área de Edificabilidade Extensiva Consolidada (cerca de 62 000 m2), Área de Edificabilidade Intensiva (cerca de 10 000 m2)

18. Da expropriação resultam duas partes sobrantes, que mantêm o acesso à rua …, embora sem qualquer ligação entre elas, tendo uma das partes, a norte, a área de 870 m2 e outra, a sul, a área de 5 982 m2

19. O prédio onde se insere a parcela expropriada é propriedade do expropriado BB, por o haver adquirido, por sucessão do anteproprietário DD, falecido em 5 de Junho de 1963, no estado de solteiro, que, por testamento, lavrado em 29.04.63, o instituído herdeiro, tendo-lhe sido adjudicado em partilha efectuada nos autos de inventário obrigatório que, por óbito de EE e DD, correu termos pelo 1º Juízo da comarca do Porto, 2ª secção, homologada por sentença proferida em 5.02.1965, transitada em julgado em 25.02.65, encontrando-se o direito de propriedade inscrito no registo a favor do expropriado pela inscrição 84 724, de 7.09.1978

20. O Acórdão de Arbitragem – constante de fls. 17/46, e cujo teor se dá por reproduzido, fixou o valor da indemnização devida pela expropriação em € 144 963,00 correspondente, por aplicação do disposto no ponto 4 do artº 9º do Dec-Lei 314/2000, de 2.12., à média dos dois valores mais próximos, uma vez que cada um dos Árbitros intervenientes alcançou valores distintos, a saber o Árbitro Presidente da Comissão Arbitral fixou o valor de 104 976 €, o Árbitro indicado pelo Expropriado fixou o valor de 184 950 € e o Árbitro indicado pela Expropriante o valor de 16 159 €, os dois primeiros partindo da classificação do solo como solo apto para construção calcularam o respectivo valor, nos termos do artº 26º, nº 12, do CE, em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, enquanto o Árbitro indicado pela Expropriante classificou o solo como apto a outros fins e procedeu ao cálculo do seu valor, nos termos do artº 27º, nº 3, do CE, tendo em atenção o seu rendimento agrícola efectivo ou possível.

21. No mesmo Acórdão de Arbitragem o Árbitro presidente e o Árbitro indicado pela Expropriante não consideraram existir desvalorização das parcelas sobrantes, ao contrário do Árbitro indicado pelo Expropriado que considerou a desvalorização da parcela sobrante a norte, com a área de 870 m2, por, dada a sua dimensão ser de difícil aproveitamento, quantificando a depreciação em € 39 150, equivalente a 40% do seu valor calculado com base no valor unitário definido para a parcela expropriada.

22. Ainda no mesmo Acórdão o Árbitro indicado pelo Expropriante avaliou as benfeitorias existentes na parcela, no valor total de € 112,50.

23. O Laudo pericial subscrito pelos Peritos indicados pelo Tribunal e pelo Perito indicado pela Expropriante, considerando que a parcela se situa em área de RAN e REN, optaram pela sua classificação como solo apto para outros fins e efectuaram a sua avaliação segundo o rendimento efectivo e possível como solo agrícola, alcançando o valor unitário de 11,62/m2, e, tendo em conta a sua localização para escoamento dos produtos e facilidade de colocação no mercado abastecedor, aplicando o factor de valorização de 20%, fixaram o valor unitário do terreno em € 13,94/ m2, e o valor da parcela em € 19 510,00 (tomando como referência a área de 1 399 m2 inicialmente referida na vistoria e rectificada para 1296m2).

Avaliaram as benfeitorias no valor total de € 112,50 e, adicionado este ao valor do solo da parcela, fixaram a indemnização devida em € 19.622,50.

Não consideraram, nesta hipótese, qualquer desvalorização das parcelas sobrantes.

24. No mesmo Laudo Pericial, subscrito pelos Peritos indicados pelo Tribunal e pelo Perito indicado pela Expropriante, embora declarando optar pela primeira das hipóteses supra referida em 23., dada a controvérsia jurídica nesta matéria, colocaram subsidiariamente a hipótese da avaliação da parcela nos termos do artº 26º, nº 12 do CE. Para este efeito, tiveram em conta o custo de construção de € 682,53 m2, fixado administrativamente para efeitos de renda condicionada para o ano de 2006, a percentagem de 12% nos termos do disposto no nº 6 do artº 26º do CE e as percentagens de 1,5%, 1%, 1,5% e 1%, nos termos, respectivamente, das alienas a), c), d), e) e i) do nº 7 do mesmo normativo, o índice médio de construção de 0,35m/m2,e assim alcançaram o valor de 43 € m2 e sobre este valor aplicaram uma desvalorização de 20%, pelo facto de a parcela se situar em cota inferior do nível máximo de cheias do Rio Douro, considerando um período de retorno de 20 anos, com o que fixaram o valor unitário do solo da parcela em 34,40€/m2 e o valor do solo da parcela em € 48 130,00 (continuando a tomar como referência a área de 1 399 m2).

25. O Laudo Pericial subscrito pelo Perito indicado pela Expropriado, considerando que a parcela dispõe das infra-estruturas necessárias e está ligada a uma extensa área consolidada a sul e nascente, inserida em núcleo urbano, classificou o solo como apto para construção e, tendo em conta o fim a que se destina a parcela expropriada, procedeu à sua avaliação, de acordo com o disposto no nº 12 do artº 26º do C. E., em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada. Para esse efeito, calculou o índice de construção médio na referida área envolvente, que fixou em 0,568. Considerando o referido índice de construção, o valor unitário de construção de 1 250 €/m2 e o índice fundiário de 15% alcançou o valor unitário do terreno de 106,55€/m2 e, considerando a área da parcela de 1 296 m2, o valor do solo da parcela de € 138087,39. À semelhança do que havia sido entendido em sede de decisão arbitral pelo árbitro indicado pelo expropriado, considerou existir desvalorização da parcela sobrante a norte, com a área de 870 m2, por, dada a sua dimensão, ser de difícil aproveitamento, quantificando a depreciação em € 37 079,02 €, equivalente a 40% do seu valor calculado com base no valor unitário definido para a parcela expropriada.

E, assim, adicionado o valor do solo da parcela à desvalorização da parcela sobrante a norte, alcançou o valor de indemnização de € 175 166,14.


5. Está apenas em causa neste recurso a questão de saber se o disposto no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, é ou não aplicável ao cálculo da indemnização em causa neste processo, nos termos atrás indicados no ponto 2.

Com efeito, independentemente do desfecho do recurso, nunca poderia o Supremo Tribunal de Justiça apreciar as questões colocadas pelo recorrente a título de alargamento do respectivo objecto, nas conclusões X e segs.,como resulta do disposto nos artigos 679º e 665º, nº 2, do Código de Processo Civil.


6. Cumpre, assim, determinar se o nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1999, literalmente aplicável ao cálculo da indemnização pela expropriação de “solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor”, deve ou não aplicar-se a solos integrados na Reserva Agrícola Nacional (Decreto-Lei nº 198/89, de 14 de Julho, na versão vigente à data da declaração de utilidade pública; actualmente, Decreto-Lei nº 73/2009, de 31 de Março) ou na Reserva Ecológica Nacional (então, o Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março; hoje, Decreto-Lei nº 166/2008, de 22 de Agosto), ou simultaneamente em ambas, para além do que a respectiva letra dispõe.

O nº 12 do artigo 26º corresponde, com alterações, ao nº 2 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1991: “2. Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada”; e carece ainda de ser confrontado com a eliminação do nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 (“Para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”). Como se recorda no acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Novembro de 2012 (www.dsgi.pt, proc. nº 11214/05.7TBMTS.P1.S1), ainda não transitado em julgado, este preceito foi objecto de repetida análise pelo Tribunal Constitucional em sucessivos acórdãos, sumariada no seu acórdão nº 275/2004 (www.tribunalconstitucional.pt) nestes termos:

«8. O Tribunal Constitucional teve oportunidade, por diversas vezes no passado, nomeadamente em casos em que estavam em causa acórdãos do Tribunal da Relação do Porto que consideravam inconstitucional – e, consequentemente, desaplicavam –, a norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, de se pronunciar sobre a constitucionalidade desta norma.

De facto, a norma contida no n.º 5 do 24º do Código das Expropriações de 1991 foi efectivamente julgada inconstitucional, “enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para a construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola”, pelo Acórdão n.º 267/97 (publicado no Diário da República, II série, de 21 de Maio de 1997). Este juízo, não veio, todavia, a repetir-se em casos posteriormente julgados neste Tribunal. Assim, no Acórdão 20/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de Abril de 2000), decidiu-se “não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de "solo apto para a construção" solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação”. E esta jurisprudência, no sentido da não inconstitucionalidade, veio a ser confirmada e desenvolvida posteriormente pelo Tribunal, não só em relação a solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação, mas também expropriados para outros fins, nomeadamente nos Acórdãos n.ºs 247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003 (disponíveis na página do Tribunal Constitucional na Internet, no endereçohttp://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), e nos Acórdãos n.ºs 219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002, 155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e 557/2003 (publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 6 e 4 de Julho de 2001, 3 de Junho de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de Outubro de 2003 e de 23 de Janeiro de 2004).

Da jurisprudência do Tribunal decorre que a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 só foi julgada inconstitucional num único caso em que a Administração classificou uma parcela de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola e integrou-a, por isso, na RAN, para, posteriormente e uma vez desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção (a que acresce o facto de que a sua apropriação ocorreu apenas uma semana antes da publicação da Portaria n.º 380/93, que, por sua vez, veio desafectar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela). Em todos os restantes casos citados, nomeadamente em recursos interpostos de acórdãos do Tribunal da Relação do Porto (que recusara a aplicação, por inconstitucionalidade, daquela norma), e em que estavam em causa quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes edifícios, o Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não inconstitucionalidade. Ou seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que a expropriação se não destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de edifícios públicos – por exemplo, escolas –, o Tribunal Constitucional, não tendo dado conta de “qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em «manipulação das regras urbanísticas», com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público”, não julgou a norma inconstitucional.»


O Código das Expropriações de 1999 não contém, pois, uma norma expressa e genericamente aplicável à classificação ou à determinação das regras de cálculo da indemnização em caso de expropriação de solos que, como é o caso presente, preenchem naturalisticamente os requisitos necessários para a qualificação de solos aptos para construção mas que, por se encontrarem incluídos na RAN ou na REN – ou seja, em virtude de “lei ou regulamento”, como se previa no citado nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 – não podem ser utilizados para construção; diversamente, prevê expressamente o caso dos solos a que, por regulamento – legalmente habilitado, naturalmente – foi impossibilitada a utilização para construção, por terem sido assim classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos.

No entanto, pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2011, do de Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 1839/06.9TBMTS.P1.S1, foi fixada a orientação de que “Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do artº 25º, nº 1, alínea a) e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo artº 1º da Lei 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele nº 2, jurisprudência que se segue e que, portanto, exclui a possibilidade de qualificação do solo dos autos como sendo apto para construção, com o efeito de ser aplicável ao cálculo da indemnização, em caso de expropriação, o regime dos nºs 1 a 11 do artigo 26º do Código das Expropriações hipótese que o recorrente, aliás, não coloca no seu recurso.

O que o recorrente sustenta, diferentemente, é que se deve aplicar o nº 12 do artigo 26º, seja por interpretação extensiva, seja por interpretação analógica. Para o efeito, louva-se no acórdão nº 469/2007 do Tribunal Constitucional, no sentido de que ali se prevê um tertium genus, que possibilita a atribuição de uma indemnização inferior à que resultaria da qualificação como solo apto para construção – porque se refere a terrenos onde está vedado essa aproveitamento – mas (eventualmente, como se recorda no acórdão do Tribunal Constitucional nº 345/2013, www.tribunalconstitucional.pt) superior à que decorreria da aplicação do método de cálculo previsto para os solos aptos para outros fins. Na sua perspectiva, este regime deve abranger os terrenos integrados na RAN ou na REN que, apesar disso, preencham os requisitos de qualificação de solo apto para construção, sendo aliás esta a única forma de respeitar os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização (artigos 13º e 62º, nº. 2, da Constituição e 23º do Código das Expropriações de 1999).


No entanto, e como todos sabemos, interpretar extensivamente um texto legal significa atribuir-lhe um sentido mais amplo do que aquele que resultaria da mera interpretação literal; aplicá-lo analogicamente implica detectar uma lacuna de regulamentação e preenchê-la mediante as regras aplicáveis aos casos análogos – ou seja, àqueles em que se encontram a mesma razão de ser que determinou a solução regulada. Não sendo possível nenhuma das vias, no plano estrito do direito ordinário, só através de um juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade se poderia chegar a um resultado interpretativo que permitisse a necessária extensão de regime proposta pelo recorrente, posto que assim se não infrinjam os limites desta interpretação e da admissibilidade de julgamentos de inconstitucionalidade com este resultado ampliativo.

Ora, o confronto entre os textos relevantes do Código das Expropriações de 1991, maxime do nº 5 do seu artigo 24,º e do Código das Expropriações de 1999, entendido no contexto da jurisprudência e da doutrina que se debruçaram sobre esta específica questão da determinação do regime aplicável ao cálculo da indemnização por expropriação de solos que, apesar de estarem integrados em zonas RAN ou REN, reúnem naturalisticamente condições de edificabilidade (ver, por todos, as indicações fornecidas por Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133º, nºs 3904 a 3014, e, nomeadamente, a apreciação ali feita sobre a proposta de lei nº 252/VII, relativa ao Código das Expropriações que veio a ser aprovado), impede que, do ponto de vista do direito ordinário, se conclua, quer num sentido, quer no outro.

Não é possível sustentar que o legislador disse menos do que queria dizer; ou que, dentro do espírito do sistema definido pelo Código de 1999 para o cálculo das indemnizações, a omissão da inclusão dessa hipótese, no nº 12 do artigo 26º, não tenha sido deliberada.

Não se pode concluir pela existência de uma lacuna que cumpra preencher, nem por uma interpretação extensiva como a que o recorrente sustenta. Neste sentido, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Maio de 2012, www.dgsipt, proc. 10.600/05.7TBMTS.S1.


7. Resta a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente, que afirma que o afastamento do regime previsto no nº 12 do artigo 26º viola os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização (artigos 13º. e 62º., nº 2, da Constituição).

Como mais uma vez se dá conta no já citado acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Novembro de 2012 (que se segue de perto na resenha que se junta, com transcrição de alguns excertos), e resulta da jurisprudência posterior a essa data, nomeadamente do seu acórdão nº 315/2013, não tem existido uniformidade nas decisões do Tribunal Constitucional sobre a questão de saber se essa não aplicação infringe ou não aqueles princípios constitucionais:

– no sentido de ser inconstitucional qualificar como solo apto para construção, nos termos do nº 1 do artigo 26º do Código das Expropriações, “o solo integrado na RN, expropriado para implantação de vias de comunicação”, por infracção do “princípio da igualdade entre expropriados e não expropriados”, pronunciou-se o acórdão nº 275/04, também já citado;

– especificamente sobre a aplicação do regime previsto no nº 12 do artigo 26º, decidiu-se, “por ex., nos acs. 114/05 e 239/07 [que] a norma constante do (…) art.26º, nº 12, não é inconstitucional quando interpretada no sentido de não impor, por via extensiva, a equipação, para efeitos indemnizatórios, dos terrenos integrados na RAN e expropriados para implantação de vias de comunicação aos solos qualificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor”;

– no acórdão nº 234/07, o Tribunal Constitucional decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, no sentido de permitir que solos integrados na Reserva Agrícola Nacional à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função “do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”. Os acórdãos nºs 276/07, 315/2013 e 641/2013  decidiram no mesmo sentido;

– nos “acs. 417/06, 118/07 e 196/11”, julgou-se “inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a referida norma, quando interpretada no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no nº 2 do artº 25º do Código, expropriado para implantação de vias de comunicação”.

Ou seja: não se encontra jurisprudência constitucional que se pronuncie no sentido da inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente. No acórdão nº 469/2007, como também se observou já no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2012, foi incluído no julgamento de inconstitucionalidade a finalidade da expropriação, ela própria uma finalidade edificativa, em contradição com a exclusão de tal aptidão pela inclusão do solo em zona RAN, razão pela qual “não é invocável, no específico caso dos autos, o juízo de inconstitucionalidade” então formulado, como ali se escreveu em termos aplicáveis ao caso presente.


8. Não procede a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente.

Com efeito, e ainda que se não conclua no sentido de ser inconstitucional “o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor determinado em função do valor médio do solo edificável da área envolvente, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa)”, como se julgou no acórdão 118707,  www.tribunalconstitucional.pt, sempre se deverá considerar que não se verificam, entre os casos expressamente previstos no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1999 e o dos autos, uma identidade material que torne constitucionalmente censurável um tratamento diferenciado, por parte do legislador ordinário.

E mais uma vez se apela à jurisprudência constitucional para fundamentar esta afirmação, justamente porque é de uma questão de constitucionalidade que se trata; e novamente ao acórdão 118/2007:

«A propósito desta norma [do nº 12 do artigo 26º] disse FERNANDO ALVES CORREIA, “A Jurisprudência Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 133.º, nºs 3911 e 3912, pág. 53, o seguinte:

“Como já tivemos ocasião de escrever noutra altura em relação à norma do n.º 2 do artigo 26.º do Código de 1991 – e agora repetimos perante a norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código de 1999 – tem a mesma como objectivo evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais. Mas sendo este o principal objectivo da norma, está bem de ver que ela só pode abarcar no seu perímetro de aplicação aqueles solos que, se não fosse a sua classificação como “zona verde ou de lazer” (e, agora, também a sua reserva para implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos) por um plano municipal de ordenamento do território, teriam de ser considerados como solos “aptos para construção”, atendendo a um conjunto de elementos certos e objectivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às suas acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de infra-estruturas urbanísticas que atestam a sua aptidão ou vocação objectiva para a edificabilidade”.

(…) A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional é, aliás, na jurisprudência deste Tribunal, uma consequência da “vinculação situacional” da propriedade que incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no acórdão n.º 347/2003 já citado:

“[…] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (DL. N.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DLs. N.os 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica. […]”

Daí que se conclua que, embora em teoria seja crível que se possa construir em qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária. Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação constitucional, respectivamente, no artigo 93º da Constituição, que consagra como objectivos da política agrícola o aumento da “produção e a produtividade da agricultura” e a garantia de um “uso e [] gestão racionais dos solos”, e no artigo 66º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para “garantir a conservação da natureza”. A proibição de construir em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, do que “uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo” (cfr. Acórdão n.º 329/99, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999). Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.”»

Afastam-se, por estes motivos, os obstáculos apontados pelo recorrente – violação do princípio da igualdade e do princípio da justa indemnização.


9. A terminar, acrescentam-se as seguintes notas:

– A ratio da norma contida no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1999 é generalizadamente apontada como sendo a de evitar manipulações; saber se esse é ou não o seu único objectivo não tem consequências no desfecho deste recurso. Sempre se diz, aliás, que se poderá deslocar a comparação que o recorrente apresenta para o confronto entre expropriados e vizinhos não expropriados para a comparação entre a situação de expropriados e vizinhos não expropriados, proprietários de solos também integrados na RAN ou na REN, concluindo em sentido diferente do que o recorrente advoga;

– O sentido útil que se retira do confronto entre resultar da lei ou de PDM a restrição à construção não é apenas o de chamar a atenção para a diferença de grau na hierarquia das normas, ou de esquecer que a concreta inclusão de um solo na REN ou na RAN não decorre imediatamente da lei abstracta, mas sim o de encontrar o fundamento último desta inclusão, com o sentido atrás exposto;

– Tratando-se de um recurso de revista que apenas é admitido com fundamento em oposição de julgados, no qual, portanto, está em causa saber se a indemnização se alcança ou não em aplicação do critério fixado no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, fica excluído que o Supremo Tribunal de Justiça possa controlar a devida ou indevida correcção da concreta aplicação do regime previsto no artigo 27º, que o recorrente sustenta ter conduzido a uma indemnização irrisória.


10. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 26 de Março, de 2015

Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego