Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
801/14.2TBPBL-C.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR JUDICIAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO -
DECLARAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA - SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA E SUA IMPUGNAÇÃO.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS FUNDAMENTAIS - ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS.
Doutrina:
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 3.ª ed., p. 174.
- Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, p. 72.
- Filipa Gonçalves, “O Processo Especial de Revitalização”, in Estudos sobre o Direito de Insolvência, p. 87.
- João Aveiro Pereira, apud Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 6ª ed., p. 302.
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa” Anotada, I, pp. 192 a 194.
- Luís Martins, Insolvência de Pessoas Singulares, I vol., p. 66.
- Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, p. 77.
- Nuno Casanova e David Sequeira, PER- O Processo Especial de Revitalização, pp. 164 a 167.
- Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, pp. 492, 494, 495.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 3.º, N.º2, 10.º, 11.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 12.º, N.º2, 14.º, 17.º-G, N.ºS 3 E 4, 28.º, 29.º, N.º1, 30.º, 35.º, 40.º, N.º 1, A), 42.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) / 2013: - ARTIGOS 154.º, 607.º, 639.º, N.º1, 682.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º, N.ºS 1 E 4, 204.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 26/03/2015, PROCESSO Nº 89/15.8T8AMT-C.P1 (DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ).
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 10/03/2015, PROCESSO N.º 5204/13.3TBLRA-C.C1 (DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT,)
-DE 17/03/2015, PROCESSO N.º 338/13.7TBOFR-A.C1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. O requerimento do administrador judicial provisório tendente à declaração de insolvência do devedor no contexto dos nºs 3 e 4 do art. 17º-G do CIRE não equivale ao pedido de insolvência por apresentação do devedor.

II. Não é aplicável, neste caso e a despeito da remissão constante do nº 4, o segmento inicial do art. 28º do CIRE, pelo que não existe reconhecimento pelo devedor da sua situação de insolvência.

III. Os nºs 3 e 4 do art. 17º-G do CIRE, ao determinarem a insolvência a requerimento do administrador judicial provisório sem prévia audição judicial do devedor e sem que este tenha aceitado a situação de insolvência, padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios contidos nos nºs 1 e 4 do art. 20º da CRP.

IV. Declarada a insolvência nestas circunstâncias, o recurso contra a decisão não supre a omissão do contraditório, nem cabe legalmente ao devedor a possibilidade de exercer o contraditório subsequente mediante oposição por embargos.

V. Por efeito da referida inconstitucionalidade, impõe-se o exercício do contraditório mediante a aplicação, por analogia, dos art.s 30º e 35º do CIRE.
Decisão Texto Integral:

Processo nº 801/14.2TBPBL-C.C1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Coimbra

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA, S.A. (entretanto substituído, no que interessa ao que se discute nos presentes autos, por BB, S.A.) requereu oportunamente (23 de maio de 2014), pelo Tribunal Judicial de Pombal (2º Juízo), a declaração de insolvência de CC, S.A. (doravante denominada Devedora).

Citada a Devedora, deduziu esta oposição.

Mais deu conta de que havia requerido processo especial de revitalização (PER), corrente por outro juízo do mesmo tribunal (proc. nº 904/14.3TBPBL, 3º Juízo).

A instância foi declarada suspensa, nos termos do nº 6 do art. 17º-F do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE[1]) até ao encerramento do PER.

O Administrador Judicial Provisório nomeado no PER veio, nos termos do nº 4 do art. 17º-G do CIRE, a emitir parecer no sentido de que a Devedora se encontrava insolvente, requerendo a respetiva declaração de insolvência.

Por sentença de 20 de março de 2015 (Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Instância Central, Secção de Comércio), proferida nos autos de insolvência, foi decretada a insolvência da Devedora.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Devedora para o Tribunal da Relação de Coimbra, sustentando, além do mais, que a norma ao abrigo da qual fora declarada a sua insolvência era inconstitucional, razão pela qual não podia ter sido aplicada.

Em procedência da apelação, a Relação de Coimbra decidiu o seguinte:

«a) recusar por inconstitucionalidade material, por violação do art. 20º, nº 1, 4 da CRP que consagra o direito a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efetiva, a aplicação do disposto no nº 4 do art. 17º-G do CIRE, interpretado no sentido de que, requerida a insolvência do devedor pelo administrador judicial provisório, se deve aplicar, de imediato, o disposto no art. 28º, com as necessárias adaptações, isto é, que o requerimento do administrador judicial provisório pedindo a insolvência do devedor deve implicar o reconhecimento por este da sua situação de insolvência e a dispensa da sua audiência;

b) revogar a sentença recorrida, ordenando-se a citação da devedora, ora apelante, para, no prazo de dez dias, deduzir oposição nos termos do art. 30º do CIRE, seguindo-se, se houver oposição, audiência de discussão e julgamento nos termos do art. 35º do CIRE.»

Inconformado com o assim decidido, pede revista o BB, S.A.

O recurso foi interposto sob alegação de o acórdão recorrido estar em oposição com o acórdão da mesma Relação de Coimbra de 10 de março de 2015.

Por decisão do relator, e visto o disposto no nº 1 do art. 14º do CIRE, foi considerada verificada a invocada oposição de julgados quanto á mesma questão fundamental de direito, razão pela qual a revista foi tida por admissível.

Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões:

I. O Acórdão recorrido foi proferido em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/03/2015, publicado em www.dgsi.pt.

II. O Acórdão recorrido e o acórdão-fundamento foram proferidos por tribunais superiores, no domínio da mesma legislação e versam sobre a mesma questão essencial de direito, a saber, as consequências da declaração de insolvência, no âmbito do PER, no seguimento do parecer do Senhor Administrador Judicial Provisório.

III. Os dois doutos tribunais decidiram e julgaram os pleitos em sentidos divergentes existindo manifesta contradição de julgados enquadrável no requisito de recorribilidade previsto no nº 1 do art.° 14.°do C.I.R.E.

IV. O douto acórdão-recorrido no sentido da inconstitucionalidade do n.º 4 do art. 17°-G do CIRE por violação do direito à defesa, ao contraditório e ao princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20°, n° 1, 4 e 5 da CRP) quando interpretado no sentido de que, caso o emita parecer de que o devedor se encontra em situação de insolvência, se deve aplicar o art. 28° do CIRE;

V. O douto acórdão-fundamento considerando que a possibilidade de deduzir embargos e/ou interpor recurso da sentença assim declarada (n.º 4 do artº 17. °-G e 28. ° do C.I.R.E) assegura os legítimos direitos de defesa, de tutela e contraditório não determinando, por conseguinte, qualquer inconstitucionalidade material.

VI. Na perspetiva do BB, S.A. não vinga a tese da inconstitucionalidade constante do douto Acórdão-Recorrido.

VII. Desde logo, trata-se de entendimento que contraria a maioria da jurisprudência e doutrina no que concerne aos efeitos do encerramento do PER mediante o parecer do Senhor Administrador Judicial Provisório - vide supra, v.g., transcrições de Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, Coimbra, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in "PER - O Processo Especial de Revitalização, Fátima Reis Silva, in Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente e os Acórdãos da Relação de Lisboa de 14/11/2013; Relação de Coimbra, de 18/12/2013 e Relação de Coimbra, de 10/03/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt

VIII. Depois, não colhem os argumentos de que a Recorrida tenha visto coartados os seus legítimos e constitucionais direitos a um processo justo e equitativo, a uma verdadeira tutela e ao exercício do contraditório.

IX. A CC, S.A. teve ao longo dos largos meses de duração do PER -cirurgicamente apresentado a 6 dias da contestação ao pedido de insolvência intentado pelo BB, S.A., todas as oportunidades para comprovar perante os seus credores a sua solvabilidade apresentando-lhes um plano suficientemente forte e viável suscetível de contrariar o pedido de insolvência entretanto suspenso.

X. Não o logrou fazer.

XI. Mais, notificada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório para se pronunciar sobre o parecer previsto no nº 4 do artº 17º do CIRE nada disse - sibi imputet.

XII. E, assim, falso que, em momento anterior à declaração de insolvência, a Devedora não tivesse tido oportunidade de se pronunciar sobre a sua situação.

XIII. Posteriormente, sempre assistiria à Devedora a possibilidade de se opor à decisão de insolvência mediante Embargos ou Recurso nos termos especificamente previstos nos artºs 40º e 42º do C.I.R.E.

XIV. Nunca foram postos em causa os direitos constitucionais da Insolvente previstos no art.º 20.°, nºs 1, 4 e 5 da C.R.P.

XV. O douto Acórdão recorrido fez errada interpretação dos artigos 17. °-G, nºs 3 e 4, 28º, 40º e 42° do CIRE; 20º, nºs 1, 4 e 5 e 204º da Constituição da República Portuguesa pelo que deve ser substituído por outro que repristine a douta decisão de 1ª instância, mantenha a declaração de insolvência da Recorrida e ordene o regular prosseguimento dos autos.

XVI. Mais sendo fixada jurisprudência no sentido propugnado pelo douto Acórdão-fundamento, ou seja, de que "a aplicação do n.°4 do art.º 17.°-G do C.LR.E. interpretada no sentido de que requerida a insolvência do devedor pelo Senhor Administrador Judicial Provisório se segue a declaração de insolvência nos termos do disposto no artº 28º, do mesmo Código dispensando-se a audiência prévia da Devedora não viola os direitos constitucionalmente consagrados a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efetiva previstos no artº 20º nºs 1,4 e 5 da Constituição da República Portuguesa".

XVII. A aplicação analógica ao PER das regras do artº 30º e 35º do CIRE proposta pelo douto Acórdão-recorrido - como forma de contornar a suposta inconstitucionalidade do nº 4 do artº 17º do C.I.R.E.- coloca questões não apenas de manifesta dificuldade prática como de clara injustiça e parcialidade.

XVIII. A dedução de oposição ao parecer do Sr. Administrador Judicial Provisório não contempla a situação de o mesmo não prever a indicação de prova, não prevê quem seriam as testemunhas a indicar para contraditar os factos alegados pela devedora (todos os credores que votaram contra o plano, por exemplo?) mas, fundamentalmente, viola o espírito de celeridade estendendo de forma inadmissível o stand still já concedido à "Revitalizando" Insolvente.

XIX. Trata-se de matéria cuja apreciação e solução jurídica a avançar por Vossas Excelências se revela de manifesta acuidade e interesse para uma melhor aplicação do Direito - cfr. artº 672º, nº 1, alínea do C.P.C., aplicável ex vi artº 17º do C.I.R.E.

XX. Em síntese final, o contacto que o Administrador Judicial Provisório tem com o devedor ao longo do PER é suficiente para preencher a previsão legal do artigo 17.°-G nº 4 do CIRE.

XXI. As normas constantes no artigo 17º nºs 3 e 4 do CIRE não violam o legalmente previsto no artigo 20. ° nºs 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

XXII. A possibilidade de o Recorrente recorrer ou embargar a decisão que declara a sua insolvência é suficiente para ver salvaguardado o seu direito à defesa e a um processo equitativo.

Termina dizendo que deve ser revogado o acórdão recorrido, mantendo-se, consequentemente, a declaração de insolvência da Devedora decidida pelo Tribunal de 1ª instância ordenando-se o regular prosseguimento dos autos.

Mais diz que «deve uniformizar-se jurisprudência no sentido de julgar que a – “a aplicação do nº 4 do artº 17º-G do C.I.R.E. interpretada no sentido de que requerida a insolvência do devedor pelo Senhor Administrador Judicial Provisório se segue a declaração de insolvência nos termos do disposto no artº 28º do mesmo Código dispensando-se a audiência prévia da Devedora não viola os direitos constitucionalmente consagrados a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efetiva previstos no art. ° 20º nºs 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa”».

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A Devedora contra alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

É questão a conhecer a de saber se deve ou não ser desaplicado por inconstitucionalidade o normativo sobre que se fundou a declaração de insolvência da Devedora. E, em caso afirmativo, a de saber qual o iter processual a seguir.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

Questão prévia:

Como acima se indicou, e é confirmado na conclusão XVI, o Recorrente requer que se uniformize a jurisprudência no sentido por que pugna.

Ora, não é função desta revista e deste coletivo de juízes uniformizar o que quer que seja, visto que não estamos perante procedimento recursório que se possa destinar á uniformização de jurisprudência (v. art. 688º e seguintes do CPCivil). Carece assim de pertinência o que a este título vem aduzido pela Recorrente.

O que significa que improcede a pretensão constante da conclusão XVI.

                                                           +

Quanto ao mais:

Como acima se expôs, a ora Recorrida foi declarada insolvente no contexto do art. 17º-G do CIRE, por isso que se frustrou a possibilidade de se alcançar qualquer acordo no âmbito do PER. Entendeu o Administrador Judicial Provisório (AJP) que a Devedora se encontrava em situação de insolvência.

Segundo o acórdão recorrido, o nº 4 do art. 17º-G do CIRE, interpretado no sentido de que, caso o AJP emita parecer de que o devedor se encontra em situação de insolvência e requeira essa insolvência, se deve aplicar o art. 28º do CIRE, com as necessárias adaptações, enferma de inconstitucionalidade material por violação do princípio do processo equitativo - no que este princípio implica de direito à defesa e de direito ao contraditório, quer no plano da alegação quer no plano da prova - e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20º, nºs 1, 4 e 5 da CRP).

Diferente é o entendimento do Recorrente.

Sustenta este que não se verifica a apontada inconstitucionalidade, sendo que o direito à defesa sempre estaria garantido mediante a dedução subsequente de embargos ou mediante a possibilidade de recurso.

Vejamos:

Estabelece o nº 3 do referido art. 17º-G que estando o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do PER acarreta a sua insolvência a requerimento do AJP. Para tanto, compete ao AJP, após ouvir o devedor e os credores, emitir parecer no sentido da verificação dessa situação, aplicando-se o disposto no art. 28º com as necessárias adaptações.

E de acordo com este art. 28º, a apresentação à insolvência do devedor implica o reconhecimento por parte do mesmo devedor da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial, ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respetivo suprimento.

Uma primeira questão que se põe é a de saber em que dimensão este art. 28º se aplica ao caso, na certeza até de que se trata, como diz a lei, de uma aplicação “com as necessárias adaptações”. Não parece que se possa aplicar a primeira parte da norma, visto que, não sendo o AJP um representante ou substituto do devedor (na realidade, o AJP funciona, por um lado, como um facilitador e fiscalizador do procedimento e, por outro, como um interface com o tribunal), não faz sentido equiparar um tal caso a um reconhecimento por parte do devedor da sua situação de insolvência, que é como quem diz, não faz sentido ver-se na alegação (rectius parecer) do AJP uma confissão dos factos desfavoráveis subjacentes ao pedido de insolvência. O devedor pode não estar de acordo com os fundamentos do parecer do AJP e, como assim, querer contestar o bem fundado do parecer do AJP e do requerimento de insolvência. Como se poderia então falar em reconhecimento da sua situação de insolvência? Dentro desta linha, afigura-se desajustado dizer-se que se trata de insolvência “por apresentação” (como parece sugerir Luís Martins, Insolvência de Pessoas Singulares, I vol., p. 66) ou que o requerimento do AJP “vai equivaler a confissão da situação de insolvência” (Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, p. 72). Na realidade, do que se trata é bem de um caso específico, em que, a par de outros terceiros legalmente legitimados a requerer a insolvência (art. 20º), surge agora também o AJP. No sentido de que não é aplicável ao caso o segmento inicial do art. 28º, pelo que não existe reconhecimento pelo devedor da sua situação de insolvência, pronuncia-se Maria do Rosário Epifânio (O Processo Especial de Revitalização, p. 77). A igual conclusão chega Soveral Martins (Um Curso de Direito da Insolvência, p. 495), expendendo a propósito que nada há na lei que justifique que o AJP possa substituir o devedor na apresentação à insolvência, de sorte que não pode equivaler aquele requerimento à apresentação à insolvência nem pode implicar o reconhecimento pelo devedor da sua situação de insolvência. De resto, equiparar o requerimento do AJP a uma apresentação do próprio devedor à insolvência levaria, tal como o art. 17º-G está gizado, a vários outros anacronismos injustificados (aliás violadores do princípio constitucional da igualdade), como seriam o afastamento da possibilidade de requerer a exoneração do passivo restante ou a de requerer a administração da massa insolvente (v. art.s 236º nº 1 e 224º, nºs 1 e 2).

Sendo pois a insolvência requerida por terceiro, o AJP, a questão que se coloca é a de saber se a decisão judicial suscitada pelo parecer e requerimento do AJP deve ou não ser precedida da audição do devedor. Para além do que sempre decorreria do princípio geral contido no art. 3º do CPCivil, a questão é reforçada quando vista à luz do próprio CIRE, na medida em que neste se prevê precisamente que o devedor é sempre citado para deduzir oposição ao pedido de insolvência contra ele formulado (art. 29º, nº 1), só podendo deixar de o ser no caso específico do nº 2 do art. 12º. Acresce que a despeito dos termos literais do nº 3 do art. 17º-G (“o encerramento do processo (…) acarreta a insolvência do devedor”), termos estes que poderiam ser vistos porventura como sugerindo uma inexorabilidade ou inevitabilidade da declaração da insolvência (v. a propósito Filipa Gonçalves, O Processo Especial de Revitalização, in Estudos sobre o Direito de Insolvência, p. 87), julgamos que competirá sempre ao tribunal sopesar os fundamentos factuais alegados pelo AJP no seu parecer e subsumi-los à lei em ordem a concluir ou não pela situação de insolvência do devedor (art.s 154º e 607º do CPCivil). Neste sentido vai tendencialmente Soveral Martins (ob. cit., p. 492), aí onde observa que estando o devedor em situação de insolvência o juiz deve declarar a insolvência, mas o dever estabelecido na lei não significa que o juiz não tenha margem de apreciação[2]. A ser assim, a lógica apontaria para que também ao devedor pudesse ser dada a oportunidade de contraditar a bondade desses fundamentos factuais. Porém, manifestamente que os nºs 3 e 4 do art. 17º-G não preveem a possibilidade do devedor contraditar judicialmente, de facto e de direito, o parecer do AJP. E não apenas não a preveem, como não querem que a audição tenha lugar, como resulta claro da circunstância da insolvência dever ser declarada no prazo de três dias úteis contados a partir da receção da comunicação de que o processo negocial está encerrado. A lei, de cabeça pensada, contenta-se com a audição, a montante, do devedor, audição essa que simplesmente impõe ao AJP (nº 3).

Na literatura doutrinária que tem abordado o assunto, parece prevalecer a ideia de que o direito de defesa do devedor não fica, ainda assim, comprometido. Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª ed., p. 174) afirmam a propósito que “não há (…) nenhuma lesão definitiva dos interesses tutelados, visto que, no quadro das regras gerais, a sentença declaratória estará sempre sujeita a impugnação, tanto por via de embargos como de recurso, nos termos consagrados nos art.s 40º e 42º”. Em igual sentido vai Maria do Rosário Epifânio (ob. cit., p. 77), com o acrescento de que a aplicação dos art.s 40º, nº 1 a) e 42º se faria por aplicação analógica. Também João Aveiro Pereira (apud Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 6ª ed., p. 302) afirma que “o juiz só tem de decretar ou não a insolvência, sem audição das partes, pois estas já foram ouvidas pelo AJP, não lhes sendo dado aqui oporem-se à decisão, sem prejuízo de poderem impugnar a sentença, nos termos do art. 40º e seguintes”.

Nuno Casanova e David Sequeira (PER- O Processo Especial de Revitalização, pp. 164 a 167) de igual forma sustentam que se deve aplicar analogicamente ao caso o art. 40º, nº 1 a), isto (p. 166) “para assegurar a constitucionalidade do regime”. Estes autores mostram-se, efetivamente, sensíveis à questão da constitucionalidade da solução legal que passa pela não audição judicial do devedor. Aduzem a propósito o seguinte: “(…) afigura-se discutível a admissibilidade e até mesmo a constitucionalidade da interpretação segundo a qual o administrador judicial provisório poderá – depois de ouvidos os credores e o devedor – requerer a insolvência do devedor, com os mesmos efeitos que teria se fosse o devedor a apresentar-se voluntariamente à insolvência. Com efeito, poderá suceder que, por um lado, o devedor entenda que se encontra solvente, mas, por outro lado, o administrador judicial provisório considere, erradamente, todavia, que o devedor está insolvente. Nesta circunstância, será admissível que o administrador judicial provisório requeira a insolvência com os mesmos efeitos (aceitação e reconhecimento da situação da insolvência) que teria se a insolvência fosse requerida pelo próprio devedor?

Não existirá uma injustificável restrição ao direito de propriedade e ao direito de liberdade empresarial do devedor, a atribuir-se ao administrador judicial provisório o poder de confessar a situação de insolvência do devedor contra a vontade deste último? Por que motivo ficará a decisão de assumir a situação de insolvência nas mãos do administrador judicial provisório, quando não é o titular do património do devedor?

Para assegurar o legítimo direito de defesa do devedor, e obstar à eventual inconstitucionalidade da norma, ter-se-á de admitir que o devedor possa deduzir embargos contra a sentença ou recorrer da mesma. Essa solução é conciliável com o elemento literal do artigo 17°-G. Assim, o administrador judicial provisório deverá requerer a insolvência do devedor - se concluir, claro está, que este se encontra insolvente -, devendo o tribunal decretá-la sem audição e contraditório do devedor e no prazo legalmente fixado. Porém, o devedor poderá deduzir embargos ou recorrer nos termos do disposto nos artigos 40º e 42º”.

Numa visão diferente, Soveral Martins (ob. cit., p. 494), depois de constatar (a evidência de) que a lei não prevê que seja dado prazo para o devedor deduzir oposição, defende que a não audição judicial do devedor posterga o princípio do contraditório, de modo que o normativo subjacente é inconstitucional por violação dos nºs 1 e 4 do art. 20º da CRP. Aduz a propósito que “se o devedor não pode pronunciar-se não lhe é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e sobretudo é violado o seu direito a uma decisão mediante processo equitativo”.

Na jurisprudência das Relações não há consenso sobre a necessidade de conferir ao devedor a possibilidade de contraditar previamente à decisão o requerimento do AJP. Assim, por exemplo, no acórdão da RC de 10 de março de 2015 (disponível em www.dgsi.pt, processo nº 5204/13.3TBLRA-C.C1, relator Fonte Ramos) defende-se que, declarada a insolvência, o devedor poderá deduzir embargos ou recorrer nos termos do disposto nos art.s 40º e 42º, do CIRE, assegurando-se, deste modo, o seu direito de defesa. Aduz-se a propósito que “não vemos como seja possível concluir pelo desrespeito de quaisquer preceitos da lei ordinária ou da lei fundamental [por exemplo, não se vê em que possa ter sido ofendido o art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, que regula o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva], na medida em que a resposta encontrada é a reclamada pela realidade apurada no confronto com os normativos aplicáveis”, e sendo que, mais se aduz, “o devedor faz uso dos mecanismos legais sem outras limitações que as inerentes ao quadro normativo aplicável, e que respeita os seus direitos e deveres como parte (especialmente) interessada no desfecho dos autos”. Diferente entendimento se encontra no acórdão da RP de 26 de março de 2015 (disponível em www.dgsi.pt, processo nº 89/15.8T8AMT-C.P1, relator Leonel Serôdio). Aí se aduz que a unidade do sistema jurídico, concretamente o direito de defesa e a exigência de um processo equitativo consagrados no art. 20º n.º1 e 4 da C.R.P. e o principio do contraditório plasmado nos artigos 29º e 30º do CIRE e 3º do CPC, impedem que se interpretem os artigos 17º G n.º 4 e 28º do CIRE, no sentido de equiparar o parecer do AJP de que o devedor está em situação de insolvência ao reconhecimento da insolvência pelo devedor, quando este declarou no processo de revitalização que não se encontrava insolvente. Nesta caso, conclui o acórdão, tem de lhe ser concedido o direito de se defender e provar a sua solvência, atento o disposto no art. 30º n.º 4 do CIRE, ou ainda que o ativo é superior ao passivo, segundo os critérios do art. 3º n.º 3 do CIRE.

A nosso ver, e tal como decorre deste último acórdão, há que distinguir entre o caso em que, ouvido pelo AJP, o devedor aceita que está em situação de insolvência e o caso em que tal não sucede. No primeiro caso é óbvio que não se justifica o exercício judicial do contraditório, competindo ao tribunal decidir de imediato sobre o requerimento de insolvência. Neste particular caso nenhum desvalor constitucional se poderá endereçar às normas em causa.

Mas não assim no segundo caso. Aqui é constitucionalmente inaceitável que se coarte ao devedor a possibilidade de contrariar os fundamentos do parecer e do requerimento do AJP.

Efetivamente, estabelece a Constituição da República Portuguesa (art. 20º, nºs 1 e 4) que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como a que a causa em que intervenham seja objeto de uma decisão mediante um processo equitativo. Seguindo Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, I, p. 192 a 194), podemos dizer que “a exigência de um processo equitativo impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo. Um processo equitativo postula, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas. (…) Do conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta, prima facie, que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efetiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes de o tribunal decidir questões que lhes digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras”. De acordo com a vária jurisprudência do Tribunal Constitucional que tem sido produzida sobre o tema, do princípio do contraditório decorre, em primeira linha, a regra fundamental da proibição da indefesa, de sorte que nenhuma decisão pode ser tomada pelo tribunal sem que previamente tenha sido dada a efetiva possibilidade ao sujeito demandado de a discutir, contestar e valorar.

Ora, na situação que estamos a examinar, nºs 3 e 4 do art. 17º-G, esta indefesa é patente, por isso que quer aqui a lei ordinária que o devedor possa ser declarado insolvente a requerimento do AJP mas ao mesmo tempo cerceia-lhe a prévia possibilidade de contrariar os factos e as provas que a tal efeito podem conduzir. Sendo esta a interpretação que fazemos das ditas normas (e não conhecemos quem faça interpretação diferente), a sua inconstitucionalidade segundo tal interpretação afigura-se-nos incontornável.

Para obviar a esta inconstitucionalidade, poder-se-ia argumentar, como fazem alguns dos autores acima citados, com a possibilidade de defesa subsequente mediante embargos e com a possibilidade de recurso, tudo nos termos supostamente aplicáveis da alínea a) do nº 1 do art. 40º e do art. 42º. Trata-se, porém, de uma argumentação que tem de ser rejeitada.

Isto pelo seguinte:

Não duvidamos que a exigência constitucional de um processo equitativo não impede que o legislador goze de liberdade de conformação na concreta estruturação do processo judicial.

O que não pode é suprimir nessa estruturação o núcleo essencial da garantia constitucional, sem oferecer uma alternativa que a reponha.

É o caso.

A lei começa por suprimir a garantia de um processo equitativo, na medida em que não permite o exercício do contraditório prévio, mas também não oferece qualquer alternativa que possa colmatar essa supressão. Nem o recurso contra a decisão de declara a insolvência nem a oposição por embargos servem de argumento em contrário.

Vejamos:

No que respeita à possibilidade de recurso, podendo embora o recurso ter sempre utilidade para o devedor, resolve-se esta possibilidade numa faculdade desinteressante (inócua) para os estritos fins em causa (garantia do contraditório). Pois que, como bem refere o supra citado acórdão da Relação do Porto, o direito de recorrer não se confunde com o direito ao contraditório, direito este que deve ser assegurado antes (e não depois) do tribunal decidir. O próprio nº 1 do art. 42º, e como não podia deixar de ser, correlaciona o recurso com a discordância que se tenha “face aos elementos apurados”. Por isso, não é o direito de recorrer do devedor que pode suprir a falta do seu chamamento para se opor ao requerimento de insolvência do AJP.

E no que respeita à oposição por embargos?

Em sítio algum previu a lei a possibilidade de um tal contraditório subsequente. Descartando desde já a aplicação direta da alínea a) do nº 1 do art. 40º (pois que a oposição por embargos está aí prevista apenas para o caso do devedor que se encontra em situação de revelia absoluta, e não para um caso como aquele de que estamos a falar), restar-nos-ia a aplicação analógica. E, como acima ficou expresso, há doutrina que aponta para essa solução. Simplesmente, não faz sentido enveredar-se aqui por uma aplicação analógica, pois que não existe qualquer lacuna a preencher (v. art. 10º do CCivil). Efetivamente, dos nºs 3 e 4 do art. 17º-G não se infere que se regista simplesmente um caso omisso, pelo contrário, o que decorre de tal conjunto normativo é o propósito da lei em excluir o contraditório. Com que autoridade pode então enveredar o intérprete por um contraditório subsequente, se a lei não dá qualquer sinal, muito pelo contrário, de o querer? Na realidade, fica por explicar a lógica de um contraditório subsequente mediante embargos, quando nada impediria, caso a lei assim o pretendesse, um contraditório prévio. Acresce dizer que as normas atinentes ao contraditório subsequente têm natureza excecional (isto retira-se claramente do nº 2 do art. 3º do CCivil, conjugado com as normas que, precisamente, admitem um tal contraditório), e a verdade é que as normas excecionais não comportam aplicação analógica (art. 11º do CCivil). Em boa verdade, o recurso aos embargos num caso como o que temos pela frente não passaria de uma forma enviesada de neutralizar a inconstitucionalidade constatada. Sucede que é um contrassenso ir à busca de soluções de conveniência com vista a evitar a declaração de uma inconstitucionalidade que está constituída.

Sendo as supra citadas normas do art. 17º-G inconstitucionais na interpretação que delas se pode fazer, está o tribunal impedido de as aplicar. É o que resulta do art. 204º da CRP.

Volvendo ao caso vertente:

Não consta do acórdão recorrido que a Devedora tenha aceitado o parecer do AJP no sentido da verificação da sua situação de insolvência. Pelo contrário, o acórdão assinala que não resulta dos autos se se pronunciou e, se o fez, em que sentido. Acresce observar que no processo de insolvência que lhe foi movido pelo ora Recorrente, e entretanto suspenso por efeito da apresentação do PER, a Devedora contestou o pedido, sinal de que não se representa como insolvente. Donde, tendo a Devedora sido declarada insolvente mas sem que previamente - isto por efeito da aplicação de normas inconstitucionais (nºs 3 e 4 do art. 17º-G, nos segmentos e na interpretação em causa) - se lhe tivesse sido dado a possibilidade de contraditar o requerimento (rectius, parecer) do AJP, não tinha o acórdão recorrido senão que extrair as devidas consequências. E estas consequências eram o juízo de inconstitucionalidade material do normativo ao abrigo do qual foi proferida a sentença da 1ª instância e, em decorrência, a apodítica revogação desta.

O que significa que improcedem as conclusões VI (2ª parte), VII (no que tem de contrário ao que acima se referiu), VIII, XIII, XIV, XV, XX, XXI e XXII, não merecendo o acórdão recorrido qualquer censura neste particular.

Nas conclusões XVII e XVIII o Recorrente insurge-se contra a solução encontrada no acórdão recorrido para garantir agora o contraditório que se impunha constitucionalmente ter sido observado. O acórdão considerou a propósito que “(…) deixando o requerimento do AJP de valer como confissão de insolvência por parte do devedor, cremos que, agora sim, se justificará, atendendo sobretudo ao princípio do contraditório, a aplicação por analogia, das regras do art. 30º e 35º do CIRE (art. 10º, nº 2 do Cód. Civil)”.

Mas também aqui o acórdão não é passível de qualquer censura.

Efetivamente, desde que está adquirido que a Devedora devia ter sido ouvida mas não foi, impõe-se levar a cabo o contraditório omitido. E à míngua de outra solução legal mais conveniente ou adequada, o contraditório não pode deixar de ser feito valer senão nos termos, aqui aplicáveis por analogia (art. 10º, nº 2 do CCivil), dos art.s 30º e 35º do CIRE. Esta solução, contrariamente ao que afirma o Recorrente, não coloca “questões de manifesta dificuldade prática e de clara injustiça e parcialidade”. A injustiça e parcialidade são argumentos cuja bondade está à partida prejudicada, na medida em que já acima se demonstrou a bondade do contrário: que a justiça e a imparcialidade demandam a audição da Devedora. E as alegadas dificuldades de ordem prática também não existem. Mas mesmo que porventura venham a existir, podem perfeitamente ser superadas pelo tribunal nos termos da última parte do nº 1 do art. 6º do CPCivil, sendo certo que estamos a lidar com uma solução de recurso para resolver um problema e não com uma solução natural programada antecipadamente na lei.

Improcedem pois as conclusões XVII e XVIII.

O que se diz nas conclusões IX e X é irrelevante para o que se discute.

O que se diz nas conclusões XI e XII não corresponde a factualidade que venha assumida factualmente no acórdão recorrido, nem está plenamente provada nos autos. Logo, não pode este Supremo Tribunal de Justiça ocupar-se dela, de forma a extrair as consequências de direito que pudessem merecer, se é que alguma (v. a propósito o art. 682º, nº 1 do CPCivil).

Finalmente, o que consta das conclusões I a V reporta-se exclusivamente à alegada oposição de julgados quanto à mesma questão fundamental de direito, justificadora do conhecimento do presente recurso nos termos do nº 1 do art. 14º do CIRE, recurso que de outra forma não seria admissível. Não se trata de matéria sobre que deva recair pronúncia neste acórdão, na certeza de que (e sem prejuízo para eventual reclamação para a conferência) é da competência do relator aferir da verificação dos pressupostos da admissibilidade dos recursos. De resto, tal matéria nem sequer devia ter sido levada às conclusões do recurso, atento o objeto que lhes está legalmente cometido (v. o nº 1 do art. 639º do CPCivil).

Pelo que fica dito, nenhuma censura merece o acórdão recorrido, devendo por isso ser confirmado.

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

O Recorrente é condenado nas custas da revista.

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Sumário (art.s 663º, nº 7 e 679º do CPCivil):

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Lisboa, 17 de novembro de 2015

José Rainho

Nuno Cameira

Salreta Pereira

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[1]  Pertencerão a este Código todas as referências normativas que doravante se façam sem indicação de outra fonte.
[2] Em conformidade com o ponto de vista em causa, cite-se, entre outros, o acórdão da RC de 17-03-2015 (processo nº 338/13.7TBOFR-A.C1, disponível em www.dgsi.pt, relator Henrique Antunes). Aí se diz adequadamente que “a recusa de homologação do PER não constitui uma causa perentória, inexorável, de decretamento da insolvência, com a consequente execução universal dos bens do devedor. Como a declaração de insolvência tem de se requerida pelo administrador judicial provisório, o juiz não pode considerar-se dispensado de confirmar se existe, de facto, o estado de insolvência do devedor, não a devendo declarar se tiver dúvidas – que não consiga dissipar através o uso dos poderes inquisitórios fortes que a lei lhe reconhece – quanto à sua verificação (artºs 11, 28 e 17-G nº 4 do CIRE). A declaração da insolvência neste contexto sendo, decerto, a consequência mais natural, não pode todavia, ter-se como corolário que não possa ser recusado”