Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
217480/10.6YIPRT.P2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
CONTRADIÇÃO NA MATÉRIA DE FACTO
INVIABILIDADE DE SOLUÇÃO JURÍDICA DO PLEITO
PODERES ANULATÓRIOS DO STJ
Data do Acordão: 05/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA E ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA / REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL RECORRIDO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 682.º, N.º 3.
Sumário :
Verificando-se contradições entre a matéria factual definida pela Relação na sequência de procedência parcial da apelação em que se impugnavam vários pontos da decisão proferida acerca da matéria de facto, cabe ao STJ decretar a anulação do acórdão recorrido, determinando a remessa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que sejam sanadas as contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a solução jurídica do pleito.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.



1. “AA, Lda. deu entrada, no Balcão de Injunções, de um requerimento de injunção contra “BB - Cogumelos cultivados, unipessoal, Lda., que seguiu – na sequência da oposição deduzida - a forma de processo ordinário, peticionando o pagamento da quantia global de €31.536,45, dos quais € 22.379,82 devidos a título de capital e €9.080,13 a título de juros de mora. Para tanto, alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade de comércio de estufas, equipamentos e automatismos para horticultura e floricultura, forneceu à Ré diversos produtos e prestou-lhe diversos serviços, os quais se encontram descriminados na factura n.º 34/20061, de 18/05/2006, no montante de €47.379,82. Porém, dessa quantia, a Ré apenas lhe pagou €25.000,00, encontrando-se em dívida o montante de € 22.379,82.

A Ré, deduziu oposição, impugnando toda a factualidade alegada pela Autora e afirmando que, para a execução de uma obra consistente numa estufa destinada à produção de cogumelos, celebrou com a autora um acordo verbal, pelo qual esta se obrigou a fornecer todo o material, mão-de-obra e apoio e assistência técnica indispensável à mesma e a entregá-la à ré plenamente construída e funcional. A obra deveria estar concluída em maio de 2006, mas só em agosto de 2008 ficou minimamente funcional. Acresce que, do atraso e defeitos na execução da empreitada, decorreram vários prejuízos que descrimina e quantifica, deduzindo pedido reconvencional. Conclui pedindo a improcedência total ou parcial da acção e, em caso de procedência parcial, se julgue procedente a compensação de créditos sobre a Autora.

A Autora, na réplica, sustenta que somente contratou a venda do material e a sua instalação, não sendo da sua autoria o projecto e seu licenciamento; ademais, defende que a construção de todos os respectivos apetrechos, cuja responsabilidade lhe cabia, ficou devidamente pronta e aceite pela Ré em inícios de maio de 2006, sendo que nenhum defeito lhe pode ser assacado. Acrescenta que, após a entrega da obra, a Ré pretendeu proceder a alterações no equipamento de climatização, que se encontrava já instalado no local e a funcionar, pelo que, as posteriores alterações são da exclusiva responsabilidade da Ré e a troca de correspondência a que a Ré alude refere-se a esses trabalhos posteriores. Termina dizendo que os prejuízos invocados não são da sua responsabilidade e conclui pela condenação da Ré no pedido, tal como formulado em sede de injunção.


A Ré apresentou tréplica, na qual conclui como na contestação.

Proferida sentença, na sequência de recurso interposto pela Ré, foi o mesmo julgado procedente, com o que se revogou o despacho que decidiu as reclamações à base instrutória, anulando-se o julgamento a fim de ser ampliada a matéria de facto, de forma a abranger os artigos 3º e 5º da tréplica.

Ampliada a matéria de facto, nos termos assim determinados, procedeu-se a nova audiência de julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:

1. Julga-se a presente acção totalmente procedente e em consequência condena-se a Ré “BB - Cogumelos cultivados, unipessoal, Lda..” a pagar à Autora “AA, Lda.”, a quantia de € 22.379,82 (vinte e dois mil trezentos e setenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), a que acrescem os juros de mora, vencidos e vincendos, a contar da data da constituição em mora, até integral e efectivo pagamento, às taxas de juro aplicáveis aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares e colectivas.

2. Mais se julga a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a Autora “AA, Lda..” de todos os pedidos formulados pela Ré “BB - Cogumelos cultivados, unipessoal, Lda..”.


2. Inconformada, apelou a Ré, impugnando, desde logo, a decisão proferida em sede de matéria de facto; tal impugnação foi apreciada e julgada procedente apenas quanto a um dos pontos de facto impugnados, o constante do ponto 4, o que ditou a estabilização do seguinte quadro factual:

1. Em 07.09.2009, pela Câmara Municipal de … foi emitido o alvará de utilização n.º 68/2009, no âmbito do processo n.º 33/2009/09/014, em nome da aqui Ré, autorizando a utilização de estufa destinada à produção de cogumelos, nos termos que constam do documento junto aos autos a fls. 27, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (al. A) dos factos assentes)

2. O projecto da obra que a Autora realizou para a Ré, na parte de arquitectura e especialidades, não foi da responsabilidade da Autora. (al. B) dos factos assentes)

3. A Autora dedica-se ao comércio de estufas, equipamentos e automatismos para horticultura e floricultura. (item 1º da base instrutória)

4. “A autora emitiu a factura n.º 3…/20…, de 18/05/2006, no montante de € 47.379,82. (item 2º da base instrutória) ”.(alterado pela Relação)

5. Da quantia referida em 4, a Ré pagou € 25.000,00 à Autora. (item 3º da base instrutória)

6. Em data anterior a 2005, a Ré decidiu construir uma estufa destinada à produção de cogumelos, o que implicava a construção em estrutura metálica de um pavilhão com 750m2, dividido em 8 câmaras e um complexo sistema de climatização em seis dessas 8 câmaras necessário à criação das condições de incubação (2 câmaras), frutificação (2 câmaras) e desumidificação (2 câmaras) dos substratos. (item 4º da base instrutória)

7. Dado que a Ré não tinha como assegurar integralmente os custos da construção referida em 6 e a rentabilidade da exploração, candidatou o projecto ao IFADAP, ao abrigo do programa Agro-Medida 1, que veio ser aprovado pelo Investimento de €255.551,70. (item 5º da base instrutória)

8. Do valor aludido em 7, a Ré seria subsidiada pelo IFADAP no montante de €153.331,02. (item 6º da base instrutória)

9. Em 2005.09.05, a Ré assinou o acordo de atribuição de ajuda com o IFADAP, o qual, nos termos da sua cláusula 10ª, previa a execução material do projecto até 2 anos a contar da data da celebração do contrato, por forma a garantir as ajudas e recebimento por parte da Ré do montante aludido em 8. (item 7º da base instrutória)

10. Perante a Ré, a Autora obrigou-se a fornecer o material e mão-de-obra, com vista à instalação do referido pavilhão metálico e o apoio técnico quanto ao sistema de climatização para produção de cogumelos (itens 8º e 59º - parcial - da base instrutória)

11. E a entregar à Ré tal pavilhão e sistema de climatização pronto a funcionar. (item 9º - parcial – da base instrutória)

12. O Engenheiro CC, funcionário da Autora, foi responsável pelo acompanhamento e supervisionou toda a construção que a Autora realizou para a Ré. (item 10º - parcial - da base instrutória)

13. Autora e Ré acordaram que a obra referida em 11 deveria estar concluída e funcional em Maio de 2006. (item 11º da base instrutória)

14. A Ré pagou à Autora as quantias de € 91.000,00 em 2005 e €70.000,00 em 2006. (item12º da base instrutória)

15. A Autora acordou com terceiros a realização da obra referente à instalação ou montagem do sistema de climatização. (item13º da base instrutória)

16. Houve necessidade de efectuar alterações e reparações no sistema de climatização. (item 14º - parcial - da base instrutória)

17. Em 4 de Junho de 2007, o Sr. CC remeteu à Ré um fax com o seguinte teor: “… a obra relativa à climatização das câmaras ficará concluída até ao dia 30 de Junho, excepção feita às câmaras de desumidificação. As duas câmaras de desumidificação, levarão mais algum tempo, em virtude da necessidade da efectuação de um estudo para a obtenção da taxa de evaporação do substrato. Em seguida efectuar-se-á o dimensionamento da instalação convenientemente.


Seguidamente agendar-se-á uma data para a conclusão das mesmas”, conforme documento cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 30, e que aqui se dá por reproduzido. (item 16º da base instrutória)

18. A Autora acordou com a empresa “DD - Instalações mecânicas, Lda.” A obra de climatização aludida em 16 e 17, sendo que tal empresa só em finais de Outubro/início de Novembro de 2007 é que refez/substituiu todo o sistema de montagem da climatização e deu por concluídos os trabalhos nessa parte em 6 de Novembro de 2007. (item17º da base instrutória)

19. Na altura aludida em 18, as 4 primeiras câmaras ficaram funcionais pela 1ª vez e as duas últimas ainda sem funcionar e dependentes da instalação de 2 máquinas de desumidificação, tendo o referido Sr. CC alegado que estas deveriam estar instaladas no prazo de 8/15 dias a contar de 25 de Outubro de 2007. (item18º da base instrutória)

20. Decorreu o período aludido em 19, e mais um mês, e as máquinas ali aludidas não foram entregues à Ré. (item19º da base instrutória)

21. Por fax de 4.12.2007, a Ré reclamou junto da Autora a entrega das máquinas aludidas em 19 e 20, tendo a Autora respondido por fax de 17.12.2007 que só entregaria as máquinas e finalizaria a obra mediante o recebimento do valor que peticiona nestes autos e que não aceitaria qualquer acordo ou acerto de indemnização pelo atraso a não ser que o subempreiteiro também o aceitasse. (item 20º da base instrutória)

22. Na sequência do aludido em 21, a Ré respondeu em 03.01.2008 que não aceitava as condições impostas e solicitou a conclusão da obra, dispondo-se a fazer uma reunião posterior para acerto de contas. (item 21º da base instrutória)

23. A Ré remeteu à Autora carta registada com A/R datada de 17.01.2008 e enviada a 28.01.2008, com o teor que consta da cópia junta aos autos a fls. 41 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, fixando o prazo de 8 dias para a Autora concluir a obra. (item 22º da base instrutória)

24. Por carta registada com A/R datada de 01.03.2008 e registada a 03.03.2008, a Ré fixou um último prazo de 8 dias para a instalação das máquinas e alertou para o facto de o investimento ser alvo de candidatura cujo projecto teria que ser encerrado até 30 de Junho de 2008, depois já de a Ré ter pedido uma prorrogação do prazo, e poder ser a mesma prejudicada pelo atraso na conclusão das obras, nos termos que constam do documento junto a fls. 45 e seguintes, que aqui se dá por reproduzido. (item 23º da base instrutória)

25. Por fax de 10 de Março de 2008, a Autora comunicou à Ré que um seu funcionário iria nesse dia entregar os dois desumidificadores e informou que o Engenheiro CC durante a semana entregaria e livro de obra. (item 24º da base instrutória)

26. A Ré reclamou nos termos constantes do fax de 28.04.2008. (item 26º - parcial - da base instrutória)

27. A Ré remeteu à Autora carta registada com A/R de 4.06.2008, mediante a qual lhe solicitava o encerramento “virtual” das contas sem efectivo pagamento desse valor mas com efectiva transferência do mesmo e emissão do recibo por forma a evitar perder os 60% de comparticipação do IFADAP sobre os €22.379,82, a título provisório e até acertar contas finais, nos termos que constam de fls. 50, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (item 27º - parcial - da base instrutória)

28. À carta referida em 27, a Autora respondeu, a 11.06.2008, que só emitiria o recibo contra o recebimento (integral) do valor em débito, não assumindo ou aceitando qualquer desconto ou acerto de contas em face do atraso verificado na conclusão dos trabalhos, nos termos que constam de fls. 53 que aqui se dá por reproduzido. (item 28º da base instrutória)

29. Perante a posição assumida pela Autora e o aludido em 27, a Ré remeteu nova carta à Autora, datada de 19.06.2008, reiterando o pedido formulado na carta de 4.06.2008, na qual, além do mais, solicitava que aquela apresentasse qualquer outra solução que evitasse a perda dos 60% do valor da factura, correspondente a €10.608,03, que o IFADAP deixaria de pagar caso até 30 de Junho de 2008 não lhe fosse enviado o recibo e comprovativo da transferência do valor global de €22.379,82, nos termos que constam dos documentos cujas cópias se encontram juntas a fls. 54 e seguintes e que aqui se dão por reproduzidos. (item 29º da base instrutória)

30. Em 30.06.2008 a Ré teve que encerrar o projecto sem o envio do remanescente do recibo relativo à factura 34 e do comprovativo da transferência do dinheiro, tendo perdido os referidos €10.608,03 de financiamento. (item 30º - parcial - da base instrutória)

31. Em 09.09.2008, a DRAPC comunicou à Ré que tendo sido inferior o investimento e sendo o subsídio atribuído em função desse investimento, o subsídio não reembolsável ascendeu não a €153.331,02 mas a € 114.468,15. (item 31º da base instrutória)

32. De 11 a 13 de Agosto de 2008 a Autora, através da referida “DD…”, instalou os últimos componentes nas 4 segundas e terceiras salas ou câmaras. (item 32º da base instrutória)

33. Por carta registada, em 2008.09.09, a Ré deu conhecimento à Autora do aludido em j) e solicitou uma reunião para acerto de contas. (item 34º da base instrutória)

34. A Ré enviou uma carta registada com A/R à Autora, datada de 5 de Junho de 2009, cujo teor se dá aqui por reproduzido. (item 38º da base instrutória)

35. A Ré teve um valor de vendas em 2006 de € 27.700,00 e em 2007 de €46.199,00. (item 40º - parcial - da base instrutória)

36. Em 2008 a Autora concluiu a generalidade dos trabalhos nas referidas câmaras e a partir dessa altura as vendas aumentaram, tendo nesse ano as vendas ascendido a € 84.895,00. (item 41º da base instrutória)

37. E em 2009 as vendas foram de € 129.353,00. (item 42º da base instrutória)

38. A Ré teve compras de substratos de cogumelos no valor de €19.577,00 em 2006, €16.017,00 em 2007, €15.483,00 em 2008 e € 17.065,00 em 2009. (item 43º da base instrutória)

39. A Ré mandou implantar as estruturas metálicas em local diferente do constante no processo de licenciamento, o que implicou ulteriores diligências junto do Município de … e levou ao atraso do licenciamento e da passagem do respectivo alvará de utilização. (item 49º da base instrutória)

40. Era a Ré e os seus técnicos que deveriam diligenciar junto da entidade competente pelo licenciamento e obtenção do alvará de utilização. (item 50º da base instrutória)

41. A construção e todos os respectivos apetrechos, incluindo a climatização e todas as suas instruções, que a Autora acordou fazer para a Ré, ficaram prontos e foram aceites pela Ré em inícios de Maio de 2006. (item 51º da base instrutória)

42. Posteriormente à data aludida em 41, e ainda durante o mês de Maio de 2006, a Ré pretendeu alterar o sistema de climatização que havia acordado e, por isso, contactou o Eng. CC, com vista a, junto da Autora, sua entidade patronal, providenciar por tal alteração. (item 52º da base instrutória)

43. No acordo referido em 10, a Autora obrigou-se a fornecer o material e mão- de-obra, com vista à instalação do referido pavilhão metálico, e o apoio técnico para e instalação referente ao material e máquinas colocadas no referido pavilhão. (item 54º da base instrutória)

44. O atraso na emissão da licença de utilização relacionou-se com a alteração que a Ré teve que efectuar ao projecto inicial, por força do erro da implantação do pavilhão em causa. (item 55º da base instrutória)

45. O referido CC foi somente o director técnico da obra. (item 56º da base instrutória)

46. O livro de obra preenchido pelo técnico responsável da Autora só foi entregue à Ré em Março de 2008. (item 58º da base instrutória)

47. A Autora assumiu a responsabilidade em elaborar projectos (se necessário) por forma a conseguir os objectivos ou parâmetros de temperatura, luz, humidade e renovação de ar que constam do documento 30 relativamente a cada uma das câmaras III a VIII. (item 60º - parcial – da base instrutória).


3. Passando a apreciar as questões suscitadas, considerou a Relação no acórdão recorrido:

Analisamos os concretos pontos impugnados e toda a prova produzida, testemunhal, pericial e documental e entendemos que o tribunal recorrido fez uma correcta avaliação de todos os elementos probatórios conforme fundamentação a que se adere e cuja convicção inteiramente sufragamos, com excepção do ponto 4 da matéria assente.


Na realidade não resultou provado quais os exactos termos do acordo realizado entre as partes.

Resulta inequívoco que as estufas de cogumelos com o respectivo sistema de climatização não ficou operacional tendo em conta a actividade de produção de cogumelos levado a cabo pela ré. Isto mesmo resultou das declarações de todas as testemunhas da ré e mais concretamente da testemunha EE, técnica oficial de contas da ré que acompanhou a execução da candidatura deste projecto da ré junto do IFADAP – que a ré se candidatou para obter, ajudas – financiamento. Todas as facturas passavam pela ré (designadamente as facturas proforma – que materializavam na pratica um orçamento, uma vez que tinham de ser apresentadas nesta instituição).

De acordo com esta testemunha a ré foi penalizada pela não conclusão da obra – não estava a trabalhar a 100%- deixando de receber os 40% da verba que foi atribuída (entre outras penalidades) e que deveria ter sido liquidada com seu acabamento. 

Conforme depoimento da testemunha FF estava-se no princípio do fabrico de cogumelos e não se sabia muito bem o que era necessário para efeitos de climatização necessários para a produção em causa. Não colhe a argumentação que cumpriram tudo o que foi acordado, que para se produzir cogumelos basta o ambiente natural, que a climatização seria digamos assim um acerto à temperatura ambiente.

A autora não produziu factos e esclarecimentos concretos sobre o que na realidade as partes acordaram. Acresce que a autora sabia que a obra era financiada pelo IFADAP e que o projecto e a obra deveriam satisfazer determinados requisitos, e, sabemos que as partes devem actuar de boa-fé.

Não chega dizer que cumpriram o que lhes foi pedido, como disseram os representantes legais da autora, entre as quais a GG – que desconhece em absoluto o que foi contratado, sendo certo que uma obra desta envergadura deve conter documentos, orçamentos, etc, que a mesma pode e deve consultar.

Não ficando provado o que concretamente foi acordado entre as partes não deve aquele ponto 4 dos factos assentes ser dado como provado, já que concretamente impugnado.

Na verdade nem a autora nem a ré lograram a prova do que efectivamente ficou cordado entre as partes, designadamente no que diz respeito as sistema de climatização.

Atento o exposto altera-se o ponto 4 dos factos assentes que passa a ter a seguinte redacção:

“A autora emitiu a factura n.º 34/20061, de 18/05/2006, no montante de € 47.379,82. (item 2º da base instrutória) ”.

(…)

No caso presente não resultou provado o que as partes efectivamente acordaram, designadamente quanto à instalação do sistema de climatização das estufas de produção de cogumelos, pelo que não se sabendo os exactos contornos do negócio celebrado entre as partes, não sabemos o que foi prestado e se o foi de acordo com o combinado, não podemos concluir pela procedência da acção, uma vez que é à autora que incumbe a prova dos factos constitutivos do seu direito de acordo com o disposto no artigo 342º, nº 1 do CC.

Na realidade o tribunal não pode abster-se de julgar “alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio” – art. 8º, nº1, do CC -, foi colocado à sua disposição um instrumento, para os casos em que tenha de resolver o litígio muito embora não possa resolver a dúvida, e que é o ónus da prova “uma das figuras de pensamento mais ricas de sentido que a razão dos juristas tem elaborado” – Karl Engisch, in Introdução ao Pensamento Jurídico, pág. 83/85 (3ª edição, 1972, da Fundação Calouste Gulbenkien).

O ónus da prova não é uma regra da prova, mas uma regra da decisão.

O artigo 342º do CC estabelece as regras do ónus da prova.

Acresce que a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita nos termos do artigo 414º do CPC.

“A dúvida do julgador sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova desse facto, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus da prova” – José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto CPC Anotado, vol. 2º, pag. 433.

No caso, existe dúvida sobre a realidade do facto, isto é, sobre os exactos termos do que foi acordado pelas partes.

Por outro lado a Ré também não logrou a prova do seu desiderato pelo não sendo possível saber o que foi contratado não pode assacar-se o incumprimento do contrato a nenhuma das partes. Neste caso incumbiria à ré a sua prova como factos constitutivos do seu direito expresso no pedido reconvencional de igual modo ao abrigo do disposto no artigo 342º, nº1 do CC e 414º do CPC.

Nestes termos e na procedência parcial das alegações de recurso altera-se a sentença recorrida e absolve-se a ré do pedido em tudo o mais se mantendo a sentença recorrida.


4. Inconformada, interpôs a A. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1.    A alteração do n.º 4 dos Factos provados, face a toda a demais matéria constante dos autos, não deveria ter sido realizada, pois facilmente se compreende de todo o processado que as partes contratantes sempre compreenderam o conteúdo do contrato e a sua abrangência, razão pela qual a Ré liquidou parte da última factura, sendo o remanescente aquele que constituiu causa de pedir da presente ação.

2.      Razão pela qual a Ré nunca alegou no seu processado qualquer incompreensão do contrato, identificando claramente no artigo 9º da sua contestação, aceitação essa que nunca foi colocada em crise pela Autora, bem como razão pela qual liquidou o valor de parte da factura.

3.      A controvérsia dos presentes autos cingiu-se ao cumprimento ou não do contrato, ou seja, a Autora sempre afirmou que tudo foi construído e entregue nos prazos contratados, e a Ré defendia que existia incumprimento do prazo de entrega da obra,

4.      A 1ª instância não teve dúvidas sobre a realização da obra, a sua entrega e aceitação por parte da Ré, nos termos contratados - vide n.º 41 dos factos provados (item 51 da base instrutória), sendo que a mesma Ré liquidou parte da última factura, bem se percebendo que estava ciente e consciente do contratado

5.      Mais, claramente referencia a 1ª instância que posteriormente a tal entrega, a Ré pretendeu alterar o sistema contratado, razão pela qual ficaram assente a existência de tais alterações (n.ºs 42, 16, 17 e 18 dos factos provados), alterações essas que não podiam e não foram imputadas à Autora, porque realizadas a pedido da Ré, após a aceitação da obra, pela simples razão de pretender alterar a climatização (n. º 42 dos factos assentes).

6.      Ora o Acórdão recorrido não alterou qualquer destas matérias, pelo que, em momento algum podia a Ré ser absolvida do pedido impetrado pela Autora, mas MERITÍSSIMOS CONSELHEIROS, quando a Ré pagou milhares e milhares de euros do contrato, e até liquidou a última factura, quase na sua maior parte, pelo que a decisão recorrida é totalmente incompreensível.

7.     Bem como, em momento algum deveria ter o Acórdão recorrido alterado parcialmente a matéria do n.º 4 dos Factos assentes, já que esta matéria assente estava e está de acordo com a posição das partes, bem como da prova testemunhal e documental constante dos autos.

8.       E ainda que prevaleça tal alteração parcial do n.º 4 dos Factos Provados, não pode esta parcial alteração conduzir ao desfecho constante do Acórdão recorrido, ou seja, à absolvição da Ré, outrossim, face à demais matéria inserta nos autos, teria sempre que culminar tal Acórdão com a consequente condenação da Ré no pedido impetrado pela Autora

9.      Até porque, e concomitantemente, a Ré viu falecer o seu pedido de incumprimento contratual, base e fundamento da sua contestação, e nenhuma outra razão havia invocado para o incumprimento, pelo que mais difícil se torna compreender o devido no Acórdão recorrido, indo este até, na sua análise e incompreensivelmente, muito para além da matéria alegada pela Ré.

10.      Pelo que, também pelo excesso de pronúncia, constante dos factos insertos no Acórdão recorrido, deverá prevalecer a tese da ora Recorrente.



TERMOS EM QUE dando provimento ao presente recurso de Revista, revogando-se o douto Acórdão recorrido, e decidindo-se conforme o exposto nas presentes conclusões, ou seja, condenando-se a Recorrida CC-Cogumelos Cultivados, Unipessoal Limitada, a pagar á Recorrente, Estruturas Metálicas Florpóvoa Limitada, o valor fixado na decisão da 1ª instância, V. Ex.AS FARÃO COMO SEMPRE JUSTIÇA

A entidade recorrida contra alegou, pugnando pela confirmação do decidido no acórdão recorrido.


5. Em primeiro lugar – e como é evidente - não é possível discutir num recurso de revista, circunscrito à apreciação de questões de direito, a alteração que a Relação, no exercício legítimo dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto, inseriu na factualidade que vinha dada como provada da 1ª instância, com base na valoração de meios probatórios sujeitos a livre apreciação do julgador, determinando a eliminação – do ponto 4 – do segmento em que se dera como provado que, no âmbito da sua actividade, a A. forneceu à R. diversos produtos e prestou-lhe diversos serviços, mencionados na factura emitida e em que se fundava o procedimento de injunção

Tal factura reportava-se ao fornecimento e montagem de sistema de climatização para 6 câmaras, numa estrutura metálica, envolvendo os componentes ali discriminados.

Resta saber se a eliminação do segmento inicial do ponto 4 da matéria de facto – e a indeterminação daí resultante quanto ao teor do clausulado pelas partes na relação contratual que vinham mantendo, configurada na sentença apelada como sendo de empreitada – não poderá, de algum modo, ser suprida pelo teor de outros pontos da matéria de facto que a Relação deixou intocados, enquanto dos mesmos decorre que foi efectivamente acordado entre as partes o fornecimento e instalação de um sistema de climatização para as estufas da R., obrigando-se a A. a entregar à R. um pavilhão e sistema de climatização pronto a funcionar (11), acordando que esta obra devia ser concluída e estar funcional em Maio de 2006 (13), tendo a A. acordado com terceiro/subempreiteiro a instalação e montagem do sistema de climatização (15 e 18), sendo que a construção e todos os respectivos apetrechos, incluindo a climatização, ficado prontos e sido aceites pela R. em inícios de Maio de 2006 (41).

Ou seja: perante a matéria de facto globalmente mantida pela Relação, apesar da amputação do segmento inicial do ponto 4 da matéria de facto, parece poder afirmar-se que foi efectivamente convencionado pelas partes o fornecimento pela A. de um sistema de climatização para as estufas, que teria inclusivamente ficado pronto e sido aceite pela R.

Saliente-se, aliás, que a impugnação deduzida pelo apelante não se circunscrevia apenas à primeira parte do ponto 4 da matéria de facto, envolvendo a impugnação de outros aspectos factuais, tidos como provados na sentença, cuja reponderação seria aliás indispensável para dar plena congruência ao quadro factual subjacente ao litígio – afirmando, nomeadamente na sua apelação:

9ª – Atenta toda a prova produzida nos autos, testemunhal, documental e pericial e nomeadamente a supra referida nas alegações, e pelas razões aí expostas que se dão por reproduzidas, deve, ao nível da matéria de facto:

a) Ser retirados dos factos provados na douta sentença os pontos 41 e 42 e dados como não provados.

b) Dar-se como não provado o teor do artigo 2º da B.I. e ponto 4 dos F.P. admitindo-se que neste âmbito se dê como provado simplesmente que:

“A autora emitiu a factura n.º 3…/20…, de 18-05-2006, no montante de € 47.379,82.

c) Dar-se como integralmente provada a matéria constante do artigo 60º da B.I ou base instrutória, reproduzindo-se o seu teor no artigo 47 dos F.P. e alterar-se a redação do ponto 10 dos F.P. na douta sentença, respondendo aos artigos 8º e 59º da B.I. da seguinte forma:

“Perante a ré, a autora obrigou-se a construir a obra referida em 6 dos F.P. e a fornecer todo o material, mão de obra e assistência técnica indispensável à mesma bem como a executar a empreitada do fornecimento e instalação/montagem do sistema de climatização dessas estufas.”

d) Alterar-se a redacção do ponto 14 dos F.P. que deve reproduzir o artigo 12º da B.I.. sob pena de, tal como está, não se ficar a saber a que titulo pagou a ré à autora os montantes aí referidos, matéria que resulta da conjugação com toda a outra matéria de facto dada como provada e nomeadamente dos pontos 6º, 10º a 13º e 47º dos factos provados na douta sentença.

e) Alterar-se a redacção do ponto 16 dos F.P. o qual deve, respondendo aos pontos 14º e 15º da B.I., ter a seguinte redacção ou outra mas de conteúdo factual idêntico:

“Até Junho de 2007 o gerente da ré reclamou e insistia com a autora no sentido de obter a conclusão da obra, dados os prejuízos que ia acumulando em consequência do atraso no inicio da actividade e o subempreiteiro a quem a autora entregou a obra referida em 15 dos F.P. ia fazendo alterações e reparações sem que conseguisse colocar o sistema a funcionar…”.

f) Ser dado como não provado o artigo 54º da B.I. e retirado dos F.P. na douta sentença o ponto 43, até porque, como exposto, resultaria do mesmo o absurdo de a autora não se ter obrigado a fornecer nem o material (ou pelo menos todo o material) nem mão de obra do sistema de climatização, contrariando toda a prova produzida e a evolvente “chave na mão”, confessada pela ré, tanto mais quanto, como referido e resulta da fatura 34/2006 (ponto 4 do F.P.) emitida pela autora, a mesma não descrimina minimamente nem uma ínfima parte dos materiais a fornecer pela autora à ré, nem quaisquer características dos mesmos, tal como no que respeita à mão de obra.


Ora, a simples amputação do segmento inicial do ponto 4 da matéria de facto (considerando não provado o fornecimento e montagem pela A. do sistema de climatização mencionado na factura 3../20…) conjugado com a integral manutenção de todos os restantes pontos da matéria de facto, incluindo aqueles em que se faz expressa menção ao fornecimento e instalação de um sistema de climatização para as estufas, realizado por subempreiteiro e que teria inclusivamente sido aceite pela R,. origina uma contradição ou incongruência no quadro factual subjacente ao litígio (resultando, ao menos aparentemente, provado e não provado o facto consistente no acordo de fornecimento do dito sistema de climatização) que naturalmente inviabiliza a adequada solução jurídica do pleito.


Na verdade, assente – perante matéria de facto que subsistiu como intocada – que as partes convencionaram efectivamente a instalação, a cargo da A., nas estufas da R., de um sistema de climatização pronto a funcionar e que terá inclusivamente sido aceite pela R. em inícios de Maio de 2006, o cerne essencial do litígio transfere-se da questão da existência de tal acordo ou relação contratual entre os litigantes, tendo como objecto o fornecimento desse sistema de climatização (que aparece suficientemente suportado em factualidade que a Relação deixou imodificada) para a da imputação do valor desse específico equipamento de climatização nos montantes efectivamente pagos, dúvida esta que resulta essencialmente da total fluidez do ponto 14 da matéria de facto, desconhecendo-se a causa real dos pagamentos aí mencionados, de modo a determinar se o valor constante da factura emitida traduz duplicação dos mesmos ou representa antes a liquidação de equipamentos ou serviços ali não compreendidos.


6. Nestes termos, ao abrigo do disposto na parte final do nº 3 do art. 682º do CPC, concede-se provimento à revista, anulando o acórdão recorrido e determinando-se a remessa dos autos à Relação de modo a que – reapreciando a globalidade da impugnação do apelante quanto à matéria de facto – possa eliminar a apontada contradição factual, inviabilizadora da solução jurídica do pleito.

Custas de acordo com o decaimento, apurado a final.


Lisboa, 17 de Maio de 2017


Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

António Piçarra