Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P4377
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: ARGUIDO EM LIBERDADE
CRIME
FALSAS DECLARAÇÕES
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Nº do Documento: SJ200712130043775
Data do Acordão: 12/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :
O arguido em liberdade, que, em inquérito, ao ser interrogado nos termos do art. 144.º do CPP, depois de legalmente advertido, presta falsas declarações a respeito dos seus antecedentes criminais, incorre na prática do crime de falsidade de declaração do art. 359.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal.
Decisão Texto Integral:
1.
O Tribunal Colectivo do 1º juízo da Comarca de Silves (NUIPC 190/05.6GESLV), decidiu, por acórdão de 25.5.2007, julgar improcedente a acusação e, em consequência, absolver os arguidos AA, BB, CC e DD da prática dos crimes de furto qualificado e falsidade de declaração pelos quais estavam acusados.
Inconformado, recorre o Ministério Público, impugnado a absolvição dos arguidos pela prática do crime de falsidade de declaração.
Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência. Nela o Ministério Público reafirmou a tese sustentada no recurso e a defesa pediu justiça.
Cumpre, assim, conhecer e decidir.
2.1.
E conhecendo.
É a seguinte a factualidade apurada.
Factos provados
A – Entre os dias 17 e 21 de Abril de 2005, a hora não concretamente determinada, sujeitos cuja identidade não foi possível apurar, dirigiram-se à residência de férias de FF, GG, sita em Vale de....., Alcantarilha, área desta comarca.
B – Uma vez aí chegados, tais sujeitos partiram o cadeado de uma grade metálica, uma persiana, uma janela panorâmica em alumínio e o respectivo vidro a fim de entrarem no interior da residência, provocando danos nos mencionados objectos no valor de 330,00.
C – E do interior da residência de GG retiraram, pelo menos: um frigorífico da marca “Fricon”, modelo FN28ODP n° ../..., no valor de 335,00; um fogão da marca “Fricon”, modelo 4002 n° ../..., no valor de 225,00; uma máquina de café no valor de 100,00; uma máquina de cozinha, marca CTC HNS 2125, no valor de 15,00; seis copos no valor de 10,00; cinco pratos, no valor de 20,00; uma travessa de vidro no valor de 10,00; uma tigela de vidro, no valor de 10,00; um relógio de parede, no valor de 10,00; uma cómoda em pinho mel, no valor de 190,00; binóculos, no valor de 25,00; duas mesas-de-cabeceira, no valor de 185,00; um cobertor creme, no valor de 20,00; dois cobertores verdes, no valor de 40,00; uma caixa de primeiros socorros, no valor de 10,00; um saco de viagem, no valor de 15,00; uma rede mosquiteira, no valor de 10,00; um rádio leitor de cassetes, no valor de 20,00; uma torneira-misturadora de cozinha, no valor de 30,00; uma travessa de alumínio, no valor de 10,00; tudo no valor de 1290,00.
D – Tais objectos foram posteriormente recuperados pelo seu proprietário.
E -No dia 2 de Fevereiro de 2006, foi o arguido AA constituído como arguido e interrogado nessa qualidade no âmbito dos presentes autos, tendo sido advertido da obrigatoriedade de responder com verdade às perguntas feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais
F - Nessa ocasião declarou o arguido ter respondido em Tribunal - Silves, Albufeira, Lisboa e Guimarães - pelos crimes de condução ilegal, tendo sido duas vezes condenado a pena de prisão.
G - Bem sabia o arguido que tais declarações não correspondiam à verdade pois já havia sido, anteriormente condenado, para além dos referidos crimes de condução ilegal, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, praticado em 12.10.1989, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 12.04.1981, e pela prática de um crime de desobediência (em cúmulo com um crime de condução sem habilitação legal), tendo relativamente a todos os supra descritos crimes sido condenado em penas de prisão, as primeiras duas suspensas na sua execução.
H - Estava o arguido AA ciente da advertência que lhe fora feita de que estava obrigado a responder com verdade relativamente aos seus antecedentes criminais, tendo apesar disso, livre e deliberadamente omitido condenações anteriores.
I - No dia 21 de Fevereiro de 2006 foi o arguido BB constituído como arguido e interrogado nessa qualidade no âmbito dos presentes autos, tendo sido advertido da obrigatoriedade de responder com verdade às perguntas feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais.
J - Nessa ocasião declarou o arguido ter respondido só ter sido preso em 18 de Novembro de 2005.
L - Bem sabia o arguido que tais declarações não correspondiam à verdade pois já havia sido, anteriormente condenado, pela prática de um crime de condução ilegal, em 07.04.2001.
M - Estava o arguido BB ciente da advertência que lhe fora feita de que estava obrigado a responder com verdade relativamente aos seus antecedentes criminais, tendo apesar disso, livre e deliberadamente omitido a condenação anterior.
N - No dia 21 de Fevereiro de 2006 foi o arguido CC constituído como arguido e interrogado nessa qualidade no âmbito dos presentes autos, tendo sido advertido da obrigatoriedade de responder com verdade às perguntas feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais.
O - Nessa ocasião declarou o arguido ter estado preso no ano 2002, tendo cumprido 2 anos e 3 meses da pena por furto qualificado.
P - Bem sabia o arguido que tais declarações não correspondiam à verdade pois já havia sido, anteriormente condenado, para além do referido crime, pela prática em 07.08.1999 de um crime de condução ilegal, pela prática de um crime de roubo, pelo qual foi julgado em simultâneo com o mencionado crime de furto e pela prática em 22.07.2004 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Q – Estava o arguido CC ciente da advertência que lhe fora feita de que estava obrigado a responder com verdade relativamente aos seus antecedentes criminais, tendo apesar disso, livre e deliberadamente omitido condenações anteriores.
R - No dia 21 de Fevereiro de 2006 foi o arguido DD constituído como arguido e interrogado nessa qualidade no âmbito dos presentes autos, tendo sido advertido da obrigatoriedade de responder com verdade às perguntas feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais.
S - Nessa ocasião declarou o arguido ter respondido em Tribunal por falta de carta de condução, tendo cumprido dois meses de pena.
T - Bem sabia o arguido que tais declarações não correspondiam à verdade pois já havia sido, anteriormente condenado, para além do referido crime, pela prática em 12.08.2002 de um crime de deserção, tendo sido condenado na pena única de três meses de prisão militar e pela prática em 08.02.2003 de um crime de deserção, tendo sido condenado na pena de 2 meses de prisão militar.
U – Estava o arguido DD ciente da advertência que lhe fora feita de que estava obrigado a responder com verdade relativamente aos seus antecedentes criminais, tendo apesar disso, livre e deliberadamente omitido condenações anteriores.
V - Os arguidos actuaram em todas as supra descritas condutas de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as sua condutas eram proibidas e punidas por lei.
X - O arguido CC foi condenado por decisão de 14.04.2001, transitada em julgado em 03.05.2001, na pena de 18 meses de prisão, pela prática, em 15.09.2000 de dois crimes furto qualificado e um crime de roubo na forma tentada.
Z - O arguido CC esteve preso à ordem do processo acima referido desde 16.09.2000 até 17.12.2002.
AA - O arguido DD foi condenado por decisão de 13.01.2004, transitada em julgado, na pena de única de 3 meses de prisão pela prática, em 12.08.2002 de um crime de deserção.
BB - O arguido DD esteve preso 58 dias à ordem do processo acima referido entre 13.01.2004 e 30.03.2004.
CC – Os interrogatórios a que se alude em E), I), N) e R) supra decorreram perante órgão de polícia criminal, não se encontrando nenhum dos arguidos detido.
Factos não provados
Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa, designadamente, não se provou que: a) Os arguidos AA e BB tenham, ou não, penetrado no interior da residência de GG nas circunstâncias de tempo e modo referidas em A) e B) supra; ou que os mesmos daí tenham, ou não, retirado os objectos referidos em C), ou quaisquer outros;
Não se provaram, também, quaisquer outros factos que com os provados estejam em contradição.
2.2.1.
Sustenta o Ministério Público junto do Tribunal recorrido que o arguido que, ao ser interrogado, em inquérito, nos termos do art°. 144° do CPP, e ao prestar falsas declarações a respeito dos seus antecedentes criminais, incorre, se legalmente advertido, na prática do crime de falsidade de declaração do art. 359°, n.° 1 e 2 do C. Penal (conclusão 1), independentemente de estar ou não detido e da entidade perante as quais preste tais declarações (conclusão 2).
Que, tendo ficado provado nos autos que os arguidos faltaram à verdade acerca dos seus antecedentes criminais quando interrogados naquela fase processual por OPC e advertidos de que tinham a obrigação de responder com verdade (conclusão 3), fazendo-o de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo ser essa sua actuação punível criminalmente (conclusão 4), deveriam ter sido condenados pela prática daquele crime (conclusão 5), que assim foi violado (conclusão 6).
Pelo que – sustenta – deverá ser revogado e substituído por outro que condene os arguidos AA, BB, CC e DD pela prática de tal crime (conclusão 7).
Argumenta-se e decide-se na decisão recorrida:
«Cada um dos arguidos foi acusado da prática, como autor material, de um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art. 359º, nºs 1 e 2 do Código Penal.
Comete tal crime – no que ao caso importa – quem preste falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deva depor, designadamente, “(…) o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais”- cfr. art. 359º, nºs 1 e 2 do Código Penal.
Assim, para o preenchimento do aludido tipo criminal importa que o agente tenha a qualidade de arguido, que preste declarações relativas à sua identidade ou aos seus antecedentes criminais desconformes com a realidade, que sobre o mesmo impenda o dever de prestar tais declarações e que tenha sido advertido das consequências penais da eventual falsidade.
Ora, o dever de declinar os respectivos antecedentes criminais não se impõe a qualquer arguido, em quaisquer circunstâncias, ao contrário dos elementos relativos à sua identidade, conforme decorre do disposto no art. 61º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal – que contempla, a este propósito, o segmento “quando a lei o impuser”.
Nesta conformidade, há então que apurar em que circunstâncias é que a lei impõe ao arguido o dever de prestar declarações acerca dos seus antecedentes criminais – e, especificamente, prevê-se tal obrigatoriedade em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido (cfr. art. 141º, nº 3 do Código de Processo Penal).
Por remissão do art. 143º, nº 2 do Código de Processo Penal, também no primeiro interrogatório não judicial de arguido detido, se há-de considerar a obrigatoriedade de resposta quanto aos antecedentes criminais, na medida em que se prevê que tal interrogatório obedecerá às regras do art. 141º, na parte aplicável, excepto pelo que respeita à assistência de defensor.
Já nos interrogatórios posteriores de arguido detido e nos interrogatórios de arguido não detido, dispõe o art. 144º, nº 1 do Código de Processo Penal, que obedecem, em tudo quanto for aplicável, às disposições do Capítulo em causa (arts. 140º a 144º).
E, assim, há que determinar se, em interrogatório não judicial de arguido em liberdade, é ou não de impor a obrigação de resposta (verdadeira) quanto aos antecedentes criminais.
Em sentido negativo se vem pronunciando alguma jurisprudência recente (Vd., com interesse, os Acs. da RL de 18.04.2007, acessível em www.dgsi.pt, e da RP de 22.11.2006, em CJ, tomo V/2006, p. 206), e cremos que com razão.
Com efeito, a imposição de tal obrigação em sede de primeiro interrogatório de arguido detido (seja ele judicial ou não) justifica-se pela necessidade de, em acto subsequente ao mesmo, se tomar decisão acerca de eventual medida de coacção a aplicar, para o que a consideração do passado criminal do sujeito será, na maior parte das situações, especialmente relevante – sendo certo que, em regra não é possível o imediato acesso ao registo criminal (nomeadamente, quando existam condenações averbadas, mas também quando se trate de cidadão estrangeiro ou nascido em país estrangeiro).
Ora, quando tal interrogatório acontece no decurso do inquérito, sem que o arguido se encontre privado da liberdade (e, portanto, sem que se imponha uma definição imediata e urgente da sua situação processual), tal necessidade mostra-se claramente esbatida, tanto mais que a lei prevê expressamente a junção do certificado de registo criminal e das certidões pertinentes (cfr. art. 274º do Código de Processo Penal), pelo que qualquer falsidade declarada pelo arguido nestas circunstâncias, resultaria de nulo efeito.
Porque assim é, não vemos razão para impor tal obrigação nesse momento (em sentido contrário, embora sem aprofundar a questão, se pronuncia Medina de Seiça, em anotação ao art. 359º in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo III, p. 455. No mesmo sentido, vd., também, o Ac. da RP de 06.12.2006, CJ, tomo V/2006, p. 216) (aliás, em consonância com a evolução histórica que conheceu a legislação processual penal no que se refere à imposição ao arguido do dever de revelar o seu passado criminal, que se vem restringindo ao mínimo considerado indispensável à realização da justiça).
Desta feita, considerado o caso em mãos, vemos que os quatro arguidos faltaram, efectivamente, à verdade nas declarações que prestaram, perante órgão de polícia criminal, acerca dos respectivos antecedentes criminais, que estavam cientes de que faltavam à verdade e que foram advertidos das consequências penais da falsidade das respostas – o que não vemos, porém, é que estivessem obrigados a prestar tais declarações (ao contrário do que sucede com a resposta acerca da sua identidade, que é sempre obrigatória) e, portanto, necessariamente teremos de concluir pelo não preenchimento do aludido tipo criminal, o que conduz à forçosa absolvição dos arguidos também no que a este crime diz respeito.»

Acompanha-se a fase inicial do raciocínio da decisão recorrida.
Com efeito, dispõe o art. 359.º do C. Penal, resultante da revisão do DL n.º 48/95, de 15 de Março, sobre a falsidade de depoimento ou declaração que quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (n.º 1) e que na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais (n.º 2).
Ocorre este crime quando é prestado:
– falso depoimento ou falsas declarações de assistente e das partes civis prestadas em processo penal (n.º 2).
– relativamente a factos sobre os quais deve depor,
– falsas declarações do arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais
– depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais da prestação de depoimento falso
E o art. 61.º do CPP, estabelece como dever do arguido o de responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais [n.º 3, al. b)]
A lei impõe, desde logo, ao arguido o dever de prestar declarações acerca dos seus antecedentes criminais, durante o seu primeiro interrogatório judicial como arguido detido no art. 141º, nº 3 do CPP («3 - O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho, se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes, sendo-lhe exigida, se necessário, a exibição de documento oficial bastante de identificação. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das mesmas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal»)
Mas impõe-o também no primeiro interrogatório não judicial de arguido detido, por força do disposto no n.º 2 do art. 143.º («2 - O interrogatório obedece, na parte aplicável, às disposições relativas ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, excepto pelo que respeita à assistência de defensor, a qual só tem lugar se o arguido, depois de informado sobre os direitos que lhe assistem, a solicitar. Nesse caso, ao defensor é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 141.º.»)
2.2.2.
Mas já se dissente da restante posição assumida pela decisão recorrida.
Como se viu, entendeu o Tribunal recorrido, quanto aos restantes interrogatórios de arguido detido e não detido, que deveria determinar se, em interrogatório não judicial de arguido em liberdade, é ou não de impor a obrigação de resposta (verdadeira) quanto aos antecedentes criminais, concluindo pela resposta negativa.
Para essa determinação partiu o acórdão recorrido da expressão «em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo» (art.ºs 140.º a 145.º) usada no n.º 1 do art. 144.º; que teve implicitamente por mais restritiva do que a correspondente utilizada no art. 143º, nº 2 (acima transcrito) procurando perscrutar se a imposição de resposta aos antecedentes criminais com verdade se situava na disciplina aplicável, a partir do que entende ser a razão de ser da imposição nos restantes casos e da demonstração da sua falência no caso sujeito.
Mas não se tem esse caminho, que se revê em diversas decisões das Relações, pelo mais adequado.
Dispõe o art. 144.º do CPP que os «subsequentes interrogatórios de arguido preso e os interrogatórios de arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo» (n.º 1), podendo esses interrogatórios, no inquérito, ser feitos por órgão de polícia criminal no qual o Ministério Público tenha delegado a sua realização (n.º 2).
Ora, como melhor se verá em relação ao art. 342.º do CPP, este art. 144.º, n.º 1 refere-se também ao interrogatório do arguido em julgamento, caso em que não pode ser perguntado sobre os seus antecedentes criminais, pelo que houve necessidade de restringir ao “que for aplicável”.
De todo o modo, a expressão “obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo” usada neste n.º 1 não tem sentido diferente, mais restritivo do que a expressão “obedece, na parte aplicável, às disposições relativas ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido” usada no n.º 2 do art. 143.º.
Antes esta última expressão é que restringe as disposições aplicáveis, que são só as do art. 141.º (primeiro interrogatório judicial de arguido detido) e não de todo o capítulo, e mesmo assim com exclusão expressa do que respeita à assistência de defensor («a qual só tem lugar se o arguido, depois de informado sobre os direitos que lhe assistem, a solicitar. Nesse caso, ao defensor é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 141.º» – parte final desse n.º 2).
Não se mostra, assim, adequada a indagação individual do intérprete daquela que ele considera como a disciplina adequada, sem uma base sólida de percepção da ratio legis, tanto mais que se situa no domínio do princípio da incriminação (indirecta), da legalidade e da tipicidade.
Temos, assim, por legítima, nos interrogatórios posteriores do arguido, realizados nos termos do art. 144.º do CPP, a pergunta sobre os antecedentes, com a cominação, e o correspondente dever de responder com verdade.
Não se ignora a evolução que essa questão sofreu, por via da apreciação da constitucionalidade do n.º 2 do art. 342.º do CPP. Com efeito, essa norma (imposição ao arguido do dever de responder a perguntas sobre os seus antecedentes criminais formuladas no início da audiência de julgamento) foi julgada inconstitucional pelos acs. n.ºs 695/95 e 619/98 do Tribunal Constitucional.
E em consequência foi alterado o n.º 342.º do CPP, através do DL n.° 317/95, de 28 de Novembro (cfr. Lei n.° 90-B/95, de l de Setembro) com eliminação da indagação, em audiência pública, dos antecedentes criminais do arguido, sendo mesmo ele obrigado a revelá-los, o que atentava contra a sua dignidade e as suas garantias constitucionais.
Como refere Maia Gonçalves (C. Penal Anotado, 18.ª Edição, pág. 1072): «em tais termos, estes dispositivos do art. 359.° do CP, designadamente o seu n.° 2, não têm aplicação quanto a declarações do arguido na audiência de julgamento nessa fase processual, continuando no entanto a ser aplicáveis a declarações por ele prestadas anteriormente à audiência de julgamento», como é o caso sujeito.
Aliás, o Tribunal Constitucional teve ocasião de pronunciar recentemente sobre esta problemática, no ac. nº 127/2007, não julgando inconstitucionais as normas dos art.ºs 359º, nº 2, do C. Penal e 141º, nº 3, 144º, nºs 1 e 2, e 61º, nº 3, alínea b)do CPP (segundo a qual, no interrogatório feito por órgão de polícia criminal durante o inquérito, o arguido tem de responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais, sob pena de cometer um crime de falsas declarações, pois que àquele interrogatório se aplicam as regras do primeiro interrogatório judicial de arguido detido).

Finalmente, importa notar que este Supremo Tribunal de Justiça já fixou jurisprudência neste sentido, no Ac. n.º 9/2007 de 14.3.2007 (proc. n.º 2925/06-3, DR IS-A de 6.7.2007): «o arguido em liberdade, que, em inquérito, ao ser interrogado nos termos do artigo 144.º do Código de Processo Penal, se legalmente advertido, presta falsas declarações a respeito dos seus antecedentes criminais, incorre na prática do crime de falsidade de declaração, previsto e punível no artigo 359.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.»

Da matéria de facto já referida resulta que os arguidos AA, BB e DD foram interrogados como tal pelos OPC, no âmbito deste processo, sobre os seus antecedentes criminais e advertidos da obrigatoriedade de prestarem declarações conformes à verdade, livre e deliberadamente omitiram condenações anteriores.

Constituíram-se assim, como autores, cada um, de 1 crime do art. 359.º, n.º 2 do C. Penal.
Sucede, porém, que não foram recolhidos nos autos, quaisquer elementos sobre a personalidade e as condições familiares, laborais e sociais dos arguidos, pelo que falecem elementos para a determinação da pena.
Elementos que devem ser recolhidos pelo Tribunal recorrido, designadamente nos termos do art. 371.º do CPP, que determinará depois as enas concretas a aplicar pela prática daqueles crimes, de acordo com o juízo de culpabilidade emitido por este Supremo Tribunal de Justiça.
3.
Pelo exposto, acordam os juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e em julgar os recorridos como autores, cada um, de um crime do n.º 2 do art. 359.º do C. Penal e em ordenar ao Tribunal recorrido que, produzida prova complementar, determine as respectivas penas concretas.
Custas pelos recorridos, com a Taxa de justiça de 4 Ucs a cada um.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2007

Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho
Rodrigues da Costa
Arménio Sottomayor