Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P2147
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RAÚL BORGES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NATUREZA
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL
PENA DE EXPULSÃO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ200812100021473
Data do Acordão: 12/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Sumário :

I - A consagração da revisão de sentença na lei ordinária é uma decorrência constitucional, que actualmente encontra assento no art. 29.º da Lei Fundamental, todo ele subordinado à aplicação da lei criminal.

II - Mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica – José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, pág. 310.

III - Admitindo que a sentença judicial não tem o alcance de modificar a realidade do direito substantivo, transformando por misericordiosa ficção o injusto em justo, deverá tirar-se a consequência de que nenhuma decisão judicial seria definitiva e irrevogável.

IV - Contra esta consequência se move, porém, a necessidade de segurança jurídica que, em largo limite, assim é chamada a restringir a justiça – Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, Lisboa, 1958, pág. 36; de modo concordante, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª edição, 1974 – Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 42-45.

V - A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excepcional e com fundamentos taxativos – Vicente Gimeno Sendra, Derecho Procesal Penal, Editorial Colex, 1.ª edição, 2004, pág. 769.

VI - O fundamento para revisão de sentença previsto na al. f) do n.º 1 do art. 449.º do CPP [segundo o qual a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação] foi introduzido no respectivo elenco com a reforma do CPP operada pela Lei 48/2007, de 29-08, não sendo isento de equívocos, já se tendo discutido se a declaração do TC deve, ou não, ser posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda – assim, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, Rei dos Livros, 2008, pág. 219.

VII - Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2007, em anotação ao art. 449.º, nota 21, pág. 1217) expende: «A Lei nº 48/2007, de 29.8, resolve o problema da inexistência de um meio de execução no processo penal das sentenças do TC que declarem, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha constituído ratio decidendi da condenação, devendo, portanto, a declaração do TC ser posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda».

VIII - A própria constitucionalidade da norma é questionada, conforme Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., pág. 220: «… afigura-se que a norma da al. f) do n.º 1 do art. 449.º é inconstitucional. Com efeito, ela vem atribuir efeitos à declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação, em todos os casos penais já julgados, a apreciar em processo de revisão pelos tribunais judiciais. No entanto, é a própria Constituição que estabelece, em termos não coincidentes, os efeitos dessa mesma declaração, competindo tão só ao Tribunal Constitucional balizar os efeitos retroactivos dessa declaração. Na verdade, dispõe o n.º 3 do art. 282.º da Constituição que: “ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”».

IX - A expulsão é uma medida de autodefesa da ordem jurídica, política, económica e social dos Estados que tem de conciliar-se com as liberdades e as garantias dos direitos fundamentais do homem. Por outras palavras, esse direito de defesa dos Estados não pode coarctar o direito à liberdade e à segurança da pessoa humana (na medida, como é óbvio, em que estas não devam ser legitimamente afectadas) – cf. Parecer da PGR n.º 146/76, de 25-11-1976, BMJ 269.º/52.

X - Como regra instituiu-se a equiparação, contida no n.º 1 do art. 15.º da CRP, dos estrangeiros e apátridas aos nacionais.

XI - Não obstante, o direito a não ser expulso (n.º 1 do art. 33.º da CRP) é, após a revisão constitucional de 1997 (Lei 1/97, de 20-09), um dos direitos que marca a diferença de estatuto entre cidadãos portugueses e cidadãos estrangeiros.

XII - O direito à não expulsão confere aos cidadãos nacionais um direito à residência em território nacional, que se configura como um direito, liberdade e garantia.

XIII - Não existe um direito dos estrangeiros a entrarem e fixarem-se em Portugal – direito de imigração –, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional, podendo ser extraditados e, verificadas certas condições, expulsos; os direitos dos estrangeiros são apenas o direito de asilo e o direito de não serem arbitrariamente extraditados ou expulsos – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2007, pág. 531.

XIV - Atento o teor do art. 30.º, n.º 4, da CRP, de harmonia com o qual «Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos», muito se discutiu se seria admissível a imposição (automática), a um cidadão que tivesse cometido determinado tipo de infracções, da pena acessória de expulsão.

XV - O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 14/96, de 07-11-1996 (proferido no Proc. n.º 45 706, da 3.ª Secção, e publicado no DR, Série I-A, n.º 275, de 27-11-1996, e no BMJ 461.º/54), resolvendo a querela a propósito da pena acessória de expulsão de estrangeiros, então prevista no art. 34.º, n.º 2, do DL 430/83, de 13-12, fixou a seguinte jurisprudência: «A imposição a estrangeiro da pena de expulsão prevista no n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação por qualquer dos crimes previstos nos seus artigos 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º e 30.º, devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação».

XVI - E, pese embora as modificações legislativas, a jurisprudência deste STJ tem vindo a acentuar a ponderação, a razoabilidade, a necessidade, a adequação e a proporcionalidade ínsitas à sua aplicação – cf., exemplificativamente, os Acs. de 12-06-1996, Proc. n.º 303/96 - 3.ª (CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 197), a propósito do art. 34.º do DL 15/93 e citado no AUJ n.º 14/96; de 10-07-1996, Proc. n.º 48 675 (na mesma CJSTJ, pág. 229); de 08-10-1997, Proc. n.º 671/97 (SASTJ n.º 14, pág. 134); de 26-11-1997, Proc. n.º 878/97 (SASTJ, n.º 14/15, pág. 184); de 15-04-1998 (BMJ, 476.º/66); de 06-10-2004, Proc. n.º 2502/04 - 3.ª; de 14-10-2004, Proc. n.º 3018/04 - 5.ª; de 06-01-2005, Proc. n.º 3490/04 - 5.ª; de 11-05-2005, Proc. n.º 1279/05 - 3.ª; de 08-06-2005, Proc. n.º 1672/05 - 3.ª; de 08-06-2006, Proc. n.º 1923/06 - 5.ª (CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 211), fazendo aplicação do art. 101.º do DL 244/98, na redacção dada pelo DL 4/2001, de 10-01; de 06-09-2006, Proc. n.º 1391/06 - 3.ª (CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 179) [A decisão de expulsão, que constitui uma ingerência na vida da pessoa expulsa, pressupõe, pois, sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade, de fair balance entre o interesse público, a necessidade da ingerência e a prossecução das finalidades referidas no art. 8.º, n.º 2, da Convenção Europeia, e os direitos do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e nas relações familiares, que podem sofrer uma séria afectação com a expulsão, especialmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece os laços com o país de origem]; de 27-09-2006, Proc. n.º 2802/06 - 3.ª; de 16-11-2006, Proc. n.º 4088/06 - 5.ª; de 27-09-2006, Proc. n.º 2802/06 - 3.ª; de 16-01-2008, Proc. n.º 4638/06 - 3.ª (CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 198); de 31-01-2008, Proc. n.º 1411/07 - 5.ª; de 26-03-2008, Proc. n.º 444/08 - 3.ª; de 28-05-2008, Proc. n.º 583/08 - 3.ª; e de 12-06-2008, Proc. n.º 1901/07 - 5.ª.

XVII - Em processo de fiscalização abstracta sucessiva, o TC, reunido em plenário, no âmbito do Proc. n.º 807/99, pelo Ac. n.º 232/2004, de 31-03-2004 (in DR Série I, n.º 122, de 25-05-2004, decidiu:
«(…) c) - Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da Constituição, das normas do artigo 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e do artigo 125º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária, da norma do artigo 68º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e da norma do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional;
d) - Fixar os efeitos da inconstitucionalidade das normas referidas na alínea anterior de modo que não fiquem ressalvados os casos julgados relativamente a penas acessórias de expulsão ainda não executadas aquando da publicação desta decisão».

XVIII - Tal entendimento baseia-se na regra da proibição da separação dos filhos dos pais ser apenas uma das manifestações da protecção constitucional dada à família e constituir não só um direito subjectivo dos pais a não serem privados dos filhos, mas também um direito destes de não serem afastados dos pais.

XIX - O raciocínio ali desenvolvido é o de que a expulsão de estrangeiros com filhos portugueses a seu cargo implica uma de duas consequências, ambas beliscando princípios constitucionais: ou os menores acompanham o progenitor expulso e, ipso facto, estar-se-iam a expulsar cidadãos portugueses, infringindo-se o art. 33.º da Constituição; ou, em alternativa, os menores permanecem em território nacional, em clara afronta ao art. 36.º, n.º 6, do texto fundamental – Carlota Pizarro de Almeida, Exclusões Formais, Exclusões Materiais – O Lugar do Outro; Discriminação Contra Imigrantes, RFDUL, Volume XLV, n.ºs 1 e 2, Coimbra Editora, 2004, págs. 37-45, maxime pág. 43.

XX - A primeira destas hipóteses configura a expulsão consequencial, em que a expulsão do progenitor estrangeiro, para evitar a quebra do agregado familiar, implica a expatriação do filho menor, ainda que português, não sendo mais do que uma forma indirecta de expulsão. Por isso, tenha-se presente que «(…) atendendo ao princípio de proibição de expulsão de nacionais, mesmo que o cidadão não tenha nacionalidade portuguesa, poderá haver situações de expulsões de cidadãos estrangeiros que se configurem como de “analogia à expulsão de nacionais” (não se poderá deixar de ter em consideração o grau de inserção do cidadão estrangeiro no território português, p. ex., a residência há muito tempo, ou ainda a consideração de que uma medida de expulsão pode ter como efeito indirecto a expulsão de nacionais, p. ex., quando ligados por laços familiares ao que deva ser expulso)» – Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, I, págs. 364-370, maxime pág. 367.

XXI - E, perante esta evidência, há quem defenda (cf. Rui Elói Ferreira, Boletim da OA, n.º 31, Março/Abril de 2004, pág. 42) que deve repensar-se a aplicação da pena acessória de expulsão, designadamente, nos casos de pessoas que tenham logrado organizar suas vidas em Portugal.

XXII - O que é certo e é realçado nessa decisão é que a protecção constitucional do art. 36.º, n.º 3, não pode ser levada ao limite, já que isso inviabilizaria fenómenos como os da emigração, divórcio, separação ou imposição de penas privativas da liberdade aos progenitores.

XXIII - Não é demais relembrar que, por via do art. 8.º da CEDH, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem salientado que as medidas que possam conflituar com o direito à vida familiar, para além de terem de ser justificadas por necessidades sociais imperiosas, têm também de ser as menos gravosas das disponíveis e proporcionais ao fim a atingir; em suma, devem limitar-se a regular o exercício do direito, jamais podendo atingir a substância do mesmo – Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2005, págs. 181-201, designadamente págs. 194, in fine, e 197-198.

XXIV - No que tange à fixação dos efeitos desta declaração de inconstitucionalidade, deflui do n.º 1 do art. 282.º da CRP que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos ex tunc, isto é, desde a data da entrada em vigor da norma julgada inconstitucional.

XXV - Tendo em consideração que:
- a causa de revisão prevista na al. f) do n.º 1 do art. 449.º do CPP consiste em declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma que tenha servido de fundamento à condenação;
- da leitura da decisão revidenda é inequívoco que a norma que foi aplicada e sobre a qual assentou a pena acessória de expulsão do território nacional não foi a disposição do art. 101.º, n.ºs 1, als. a), b) e c), e 2, do DL 244/98, na versão inicial, esta sim, declarada inconstitucional com força obrigatória geral, na dimensão normativa explanada supra, mas sim o referido art. 101.º, n.º 1, na reformulada redacção do DL 4/2001;
- mostra-se assente que o recorrente não é cidadão nacional e que se encontrava a residir em Portugal desde 2000, sem que fosse detentor de autorização de residência, pelo que não é “estrangeiro residente” para os fins preconizados pelo art. 101.º, n.º 4, al. b), do diploma mencionado, revisto pelo DL 4/2001;
- a decisão revidenda afastou claramente o regime contido neste n.º 4, al. b), porquanto o recorrente não reunia as condições legais para ser considerado residente em território nacional e, sendo assim, o caso enquadra-se na previsão normativa geral do n.º 1 do art. 101.º; é de concluir que a norma aplicada não foi aquela sobre a qual incidiu o juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, razão pela qual cumpre negar a pretendida revisão de sentença.


Decisão Texto Integral:




No âmbito do Processo Comum Colectivo que, com o n.º 594/02.6S6LSB, correu termos pela 2.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Loures, contra o arguido AA, solteiro, pedreiro, nascido em 30-05-1966, natural de Santiago, Cabo Verde, de nacionalidade caboverdeana, residente na Damaia de Cima, Reboleira, Amadora, e actualmente preso em cumprimento de pena, por acórdão de 17 de Outubro de 2003 (certidão junta de fls. 73 a 86) foi deliberado:
a) Condenar o arguido, pela prática de:
a. 1) - Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea d), ambos do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão;
a. 2) - Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º e 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas foi o arguido condenado na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão;
c) Condenar o arguido na pena acessória de expulsão do território nacional por igual período de 18 (dezoito) anos.

Irresignado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, o qual, por acórdão datado de 17 de Março de 2004, proferido no processo n.º 4433/03 - 3.ª secção, cuja certidão faz fls. 87 a 99, julgou-o parcialmente procedente e, mantendo as penas parcelares, alterou, reduzindo, a pena única para 17 (dezassete) anos de prisão, bem como o período de interdição de entrada no País para 12 (doze) anos.

Ainda inconformado, desta feita cingindo-se à pena acessória de expulsão, vem apresentar recurso extraordinário de revisão de sentença – fls. 18 a 29, instruído com cópias dos assentos de nascimento relativos a BB e a CC, a fls. 30 a 33 – finalizando a sua motivação, enunciando as transcritas conclusões:
“1. In casu, o arguido recorrente foi condenado na pena acessória de expulsão, por acórdão de 17.10.2003.
2. O Tribunal a quo decidiu-se pela aplicação da pena acessória de expulsão ao arguido, subsumindo tal sanção na norma prevista no artigo 101º, nº 1 do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto.
3. Ora, salvo o devido respeito, a pena acessória de expulsão aplicada ao recorrente, além de padecer do vício de fundamentação (não impugnável no presente acto recursório), olvidou importantes orientações jurisprudenciais produzidas pelo Tribunal Constitucional, como fossem as constantes dos Acs. TC nº 16/84, 91/84, 127/84, 310/85, entre outros.
4. Por seu turno, por Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, n.º 232/2004, de 31.03.2004, foi deliberado declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, nº 1 e 36º, nº 6, da CRP, das normas do artigo 101º, nº 1, als. a), b) e c), e nº 2, e do artigo 125º, nº 2, do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, e da norma do artigo 34º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional.
5. Neste último Aresto do Tribunal Constitucional estava em discussão a admissibilidade de uma pena acessória e a sua conformidade com as normas constitucionais pertinentes.
6. Trata-se, pois, de uma pena acessória, a de expulsão, que a Constituição manifestamente não tem por imperiosa, de tal modo que a proíbe expressamente em certos casos.
7. Importa assim regular a situação do arguido em novos termos pela aplicação da dimensão normativa mais favorável, ou seja, pela aplicação dessas normas com o sentido de não permitirem a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional, como é precisamente o caso do impetrante.
8. O Acórdão visava entre outras, as normas dos artigos 101º, nº 1 do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto.
9. No caso vertente, constata-se e atesta-se e o recorrente é pai e tem a seu cargo duas crianças menores nascidas e residentes em território nacional, além de viver em união de facto com uma cidadã titular de autorização de residência, e estar ele próprio radicado em Portugal desde há largos anos.
10. Por conseguinte, foi neste “balanceamento” entre as razões de interesse e ordem pública na expulsão e o interesse na conservação da unidade familiar que o TC entendeu ser de ditar a inexecução específica da medida judicialmente decretada.
11. O TC fixou assim os efeitos da inconstitucionalidade das normas referidas no ponto 4, de modo a que não fiquem ressalvados os casos julgados relativamente a penas acessórias de expulsão ainda não executadas aquando da publicação da decisão, como é o caso sub judicio.
Na procedência do recurso pede seja ordenada a revisão do acórdão recorrido, revogando-se a pena acessória de expulsão e de interdição aplicada ao arguido.

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O Ministério Público junto do Tribunal a quo, pronunciou-se - fls. 105/7 - no sentido de não se verificar o condicionalismo aludido pelo artigo 449.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, porquanto e em síntese:
“… A decisão de aplicar a pena acessória de expulsão, tomada pelo tribunal de primeira instância e posteriormente confirmada quanto aos fundamentos, pelo Supremo Tribunal de Justiça, funda-se na previsão do art. 101º nº 1 do Decreto-Lei nº 244/98 de 8.8 com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 4/2001 de 10.1. Tal decisão expressamente afastou a hipótese de aplicar ao arguido a norma prevista pelo nº 4 al. b) da citada norma uma vez que o arguido, não obstante ter filhos menores a residirem em território português, não pôde ser considerado “residente no País” pois não era titular da necessária autorização de residência.
Por outro lado é bom de ver que a “decisão fundamento” do T.C. invocada pelo arguido declarou inconstitucional com FOG a norma do art. 101º nº 1 do Decreto-Lei nº 244/98 na redacção original, na medida em que tal disposição, ao não salvaguardar da expulsão os estrangeiros residentes no país que tivessem filhos menores também residentes em Portugal, violava as disposições conjugadas dos arts. 33º nº 1 e 36º nº 6 da Constituição.
Constata-se, assim, que a decisão expulsiva tomada nos autos não se fundamentou na norma que veio a ser declarada inconstitucional.
Bem pelo contrário, tal decisão foi tomada já no quadro legal formado por uma nova redacção da norma editada precisamente para remediar as apontadas desconformidades às normas e princípios constitucionais”.

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Respiga-se da informação prestada de harmonia com o artigo 454.º do Código de Processo Penal, que:
“ (…) a tese apresentada pelo arguido, como fundamento para o pedido de revisão, assenta num equívoco manifesto.
Com efeito, o fundamento do recurso de revisão, formulado ao abrigo do disposto no art. 449, nº 1, al. f) do CPP, consiste na declaração superveniente, por força do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2004 de 31/03/2004, da inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma que, na opinião do arguido, terá fundamentado a aplicação da pena acessória de expulsão.
Contudo, tal afirmação não é exacta.
A decisão de aplicar a pena acessória de expulsão ao arguido, proferida pelo tribunal de 1ª instância e, posteriormente, confirmada quanto aos fundamentos pelo STJ, funda-se na previsão do art. 101º, n.º 1 do DL 244/98 de 8/8, na redacção dada pelo DL 4/2001 de 10/1.
Tal decisão afastou expressamente a hipótese de aplicar ao arguido a norma prevista na alínea b) do n.º 4 do referido art. 101º, uma vez que o arguido, não obstante ter filhos menores a residirem em território português, não pode ser considerado “residente no país”, como resulta do disposto no art. 3º do citado DL 244/98, pois não é titular da necessária autorização de residência.
Por esta razão, a sua situação integra-se na previsão do nº 1 do art. 101º do DL 244/98 de 8/8, na redacção dada pelo DL 4/2001 de 10/1.
Por outro lado, importa referir que o Acórdão do Tribunal Constitucional invocado pelo arguido como fundamento do recurso de revisão declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, as normas do art. 101º, n.º 1, al. a), b) e c) e n.º 2 do DL 244/98 de 8/8 na sua versão originária, na medida em que tal disposição, ao não salvaguardar da expulsão os estrangeiros residentes no país que tivessem filhos menores também residentes em Portugal, violava as disposições conjugadas dos arts. 33º, n.º 1 e 36º, n.º 6 da CRP.
Constata-se, assim, que a decisão de expulsão do arguido de território nacional proferida nos autos não se fundamentou na norma que veio a ser declarada inconstitucional.
Antes, tal decisão foi tomada já no quadro formado por uma nova redacção da norma editada, precisamente para remediar as apontadas desconformidades com as normas e princípios constitucionais” – fls. 125 a 128.

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Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer de fls. 133 a 141, concluindo que “… na douta decisão revidenda não foram aplicadas as normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral dos arts. 101º, n.º 1, als. a), b) e c) e n.º 2 e 125º, n.º 2 do Dec-Lei n.º 244/98 de 08.08 na versão originária (mas sim na versão revista pelo Dec-Lei n.º 4/2001, de 10.01 como se observou), carece de justificação o fundamento, o previsto na al. f) do n.º 1 do art. 449º do C.P.P., invocado pelo recorrente para obter a revisão da douta decisão condenatória que, entre o mais, lhe impôs a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período, não de 18 anos como refere, mas de 12 anos.
Termos em que, por manifesta falta de fundamento legal para o efeito, se entende ser de denegar a peticionada revisão”.

Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência a que alude o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

O objecto do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas da motivação do recorrente, sem embargo das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Sendo assim, a única questão a decidir é a das implicações (se algumas existem), da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, proferida pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 232/2004, de 31-03-2004 – isto é, em momento temporal subsequente à data da decisão revidenda – na pena acessória de expulsão que foi imposta ao recorrente.

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A matéria de facto, segundo emerge da decisão da 1.ª instância (fls. 75 a 79):
“2.1 - Factos provados e não provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 25 de Julho de 2002, pelas 8h 10m, o arguido e o seu colega de trabalho EE, conhecido pelos “três metros”, encontravam-se no interior de um prédio em construção, no piso 2, do Bloco 2, do lote ..., sito na Rua Ilha dos Amores, no Parque das Nações, na área desta comarca.
2. Encontrava-se também presente o colega de trabalho DD entre outros.
3. A determinada altura o arguido e o EE encetaram uma discussão por causa dos instrumentos de trabalho de cada um, tendo o arguido iniciado a mesma, dirigindo-se ao EE para lhe retirar um “macaco” que este utilizava.
4. Terminada a discussão e pouco depois, o arguido muniu-se de uma tábua e atingiu o EE na cabeça com a mesma.
5. Perante tal atitude do arguido, o EE reagiu e pegou num martelo com a intenção de ripostar.
6. Contudo, os colegas que se encontravam presentes conseguiram acalmá-lo.
7. Passados alguns minutos, reiniciou-se a discussão entre o arguido e o EE, envolvendo-se os dois numa luta corpo a corpo, acabando o DD por intervir e separá-los.
8. O EE pegou, então, num tijolo e dirigiu-se ao arguido fazendo menção de o atirar contra ele, o que não fez por ter sido impedido pelo DD.
9. Acto contínuo, quando o DD se encontrava de costas para o arguido, a segurar o EE, o arguido empunhou uma arma de fogo, que trazia no bolso das calças, de calibre 6,35 mm Browning (25 ACP ou 25 AUTO), semi-automática, e quando se encontrava a cerca de meio metro de distância do EE disparou na sua direcção e do DD, que se encontrava entre os dois.
10. O arguido disparou dois tiros que atingiram o EE no pescoço e igualmente o DD, sendo este de raspão na zona das costas.
11. Depois de ter feito os disparos, o arguido colocou-se em fuga, levando a arma consigo.
12. O arguido desceu as escadas e dirigiu-se à 2ª subcave do prédio em construção, onde trocou de roupa, e desapareceu do local.
13. O EE acabou por falecer naquele local.
14. Em consequência dos disparos efectuados pelo arguido, o EE sofreu:
a) Hematoma na região parietal posterior, com 1 cm para a direita da linha média, com um diâmetro de cerca de 3 cm e 1 cm de espessura.
Congestão meningo-encefálica.
b) Infiltração sanguínea do músculo esterno-cleido-mastoideu esquerdo.
Hematoma do músculo esterno-cleido-mastoideu à direita.
Ferida transfixiva, perfuro-contundente, do lobo superior do pulmão direito, orientada da esquerda para a direita, de cima para baixo e de frente para trás.
Ferida transfixiva, perfuro-contundente, do 4º espaço intercostal latero-posterior direito. Na musculatura do ângulo para fora desta ferida foi encontrado um projéctil de arma de fogo, calibre 6,35 mm, encamisado, não deformado.
Focos pulmonares de aspiração de sangue no lobo pulmonar superior direito.
Hemorragias sub-endocárdicas.
Hematoma retro-traqueal.
Vísceras anemiadas.
Ferida "em canal" da traqueia, terço superior, bordo anterior.
15. As graves lesões traumáticas torácicas supra referidas na alínea b), produzidas por um projéctil de arma de fogo, foram causa directa e necessária da morte de EE.
16. Em consequência dos mesmos disparos, o DD sofreu ferida contusa linear na face posterior do hemitórax esquerdo, 4 dedos abaixo do ângulo da omoplata com 2,5 cm de extensão, oblíqua para baixo e para dentro, sendo que tais lesões determinaram-lhe um período de doença de 10 dias, sem incapacidade para o trabalho.
17. O arguido dava-se mal com o EE por causa dos instrumentos de trabalho.
18. Assim, naquele dia 25 de Julho de 2002, o arguido, irritado por ver os seus instrumentos de trabalho na mão da vítima EE, firmou o propósito de lhe tirar a vida.
19. O arguido, apesar de ver o colega DD junto à vítima, não desistiu dos seus intentos.
20. Na verdade, ao ver os dois juntos tal não constituiu impedimento para não disparar, sabendo que podia atingir ambos, como de facto sucedeu.
21. O arguido procurou atingir as aludidas regiões corporais do EE, encontrando-se a curta distância e disparando por duas vezes, por forma apropriada a tirar-lhe a vida, o que veio a suceder.
22. Admitiu que com os disparos podia atingir o DD e da mesma forma lhe podia provocar a morte, e conformou-se com tal possibilidade, sendo que tal não aconteceu por circunstâncias inteiramente alheias à sua vontade.
23. O arguido quis e agiu da forma supra descrita, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
24. Provou-se, ainda, que o arguido tinha uma relação de trabalho com o EE e o DD.
25. O arguido encontra-se a residir em Portugal desde 2000, sem autorização de residência.
Mais se apurou que:
- O arguido, de 37 anos de idade, é solteiro e tem como habilitações a 4ª classe. À data dos factos, trabalhava como pedreiro por conta de um empreiteiro da construção civil, auferindo o salário diário de € 50.
Vivia com uma companheira, que trabalha como empregada de limpeza, da qual tem duas filhas gémeas de 10 meses de idade.
O arguido tem mais 8 filhos menores, de idades compreendidas entre os 3 e os 16 anos, de várias companheiras com quem se relacionou em Cabo Verde, os quais estão a viver na sua terra natal com as respectivas mães, e para cujo sustento costumava contribuir antes de ter sido detido.
Encontra-se a trabalhar na brigada de obras do E.P. de Lisboa, onde aufere € 2,20 por dia, contribuindo com os seus ganhos para as despesas do seu agregado familiar.
No Estabelecimento Prisional tem mantido um comportamento dentro das normas regulamentares.
O arguido não tem antecedentes criminais. Encontra-se preso preventivamente no E.P. de Lisboa desde 25/07/2002, à ordem dos presentes autos.

Nenhum outro facto se provou com interesse para a boa decisão da causa, para além dos supra descritos, designadamente:
- que o EE tivesse permanecido calado;
- que o EE tivesse atirado um pedaço de tijolo contra o arguido;
- que o arguido tivesse levado a arma na mão e a tivesse largado na 2ª subcave do prédio em construção;
- que o arguido fosse visto entre os colegas como uma pessoa irritante e de difícil trato, estando em conflito frequente com os colegas de trabalho.
Quanto à restante matéria constante da acusação, a mesma não foi incluída nos factos provados e não provados por se tratar de meios de prova ou de matéria conclusiva.

2.2 - Motivação de facto e de direito.
2.2.1 - Meios de prova (aqui se recenseando apenas os que directamente dizem respeito à questão decidenda):
O Tribunal baseou a sua convicção, quanto aos factos provados, nos seguintes elementos probatórios:
a) - nas declarações do arguido em audiência de julgamento, apenas no que se refere às circunstâncias da sua vida pessoal (…); levou-se, ainda, em consideração as suas declarações na parte em que confirmou não ter autorização de residência em Portugal;
(...)
k) - nas certidões de nascimento juntas a fls. 541 e 542 dos autos”.

No segmento do “Enquadramento jurídico-criminal”, mais concretamente no tocante à “Pena acessória de expulsão”, expendeu-se no acórdão da 1.ª instância:
Conforme resulta dos factos provados, o arguido é cidadão estrangeiro e encontrava-se a residir em Portugal sem autorização para o efeito.
Esta circunstância, aliada à gravidade dos crimes ora em apreço e das penas correspondentes, são demonstrativas de que o arguido não se pauta pelas elementares regras de convivência e pela lei impostas no nosso país. Por outro lado, embora o arguido tenha duas filhas menores nascidas e residentes em território português, não sendo ele um cidadão residente no nosso país (uma vez que não dispõe de autorização para o efeito), não poderá beneficiar do dispositivo do art°. 101°, n°. 4 do DL 244/98 de 8/8, na redacção dada pelo DL 4/2001 de 10/1, razão por que se deverá determinar a sua expulsão do território nacional, ao abrigo do n.°1 do citado art°. 101° (não alterado pelo DL 34/2003 de 25/2)”.

Por seu turno, lê-se no acórdão proferido por este Supremo Tribunal, no que interessa à questão em apreciação:
Em suma o recorrente sustenta o seguinte:
(…)
- Os elementos ponderados no acórdão não são suficientes para fundamentar validamente a pena acessória de expulsão aplicada;
- Sob pena de violação da lei fundamental, o preceituado no artigo 102.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, não é de aplicação imediata;
- A expulsão apenas pode ser ordenada se for necessária para a segurança nacional ou pública, para o bem estar económico do país, para a defesa da ordem e prevenção de infracções penais, para protecção da saúde e da moral ou para a protecção dos direitos e liberdades;
- Não se aceita o fundamento invocado no acórdão de que o recorrente não pode beneficiar do disposto no artigo 101.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, dado que está provado que nasceram em Portugal as suas filhas gémeas, menores;
- Deve ficar sem efeito a aplicação da pena de expulsão do território nacional.
(…)
2.ª Questão
Alega o recorrente que os elementos ponderados no acórdão não são suficientes para fundamentar validamente a pena acessória de expulsão aplicada.
O tribunal colectivo considerou que a circunstância de o recorrente ser cidadão estrangeiro e se encontrar a residir em Portugal sem autorização para o efeito, aliada à gravidade dos crimes cometidos e penas aplicadas, é demonstrativa de que o mesmo não se pauta pelas elementares regras de convivência e pela lei imposta no País. E que, embora tenha duas filhas menores nascidas em território português, não sendo ele um cidadão residente no país, uma vez que não dispõe de autorização para o efeito, não pode beneficiar do dispositivo do artigo 101.°, n.° 4, do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto. Daí o fundamento para a sua expulsão do território nacional, ao abrigo do n.° 1 do citado artigo”.
E após reproduzir o que estabelece o artigo 101° do Decreto-Lei nº 244/98, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n° 4/2001, de 10 de Janeiro, expende:
“O recorrente é cidadão de Cabo Verde, encontrando-se a viver em Portugal, mas sem autorização de residência, desde 2000. Deste modo, não pode ser considerado «residente no País», como resulta do disposto no artigo 3.° do referido diploma.
Não obstante ter filhos menores residentes em território português não lhe é aplicável o disposto no n.° 4, alínea b), do referido artigo, por não ser «estrangeiro residente».
Assim, a sua situação integra-se na previsão do n.° 1 do artigo 101.°.
Como é hoje pacífico, a pena acessória de expulsão não é de aplicação automática.
No caso, verifica-se, a par de uma situação de ilegalidade de permanência no território nacional, a prática de crimes dolosos muito graves, em circunstâncias que suscitam forte censura e sem que o recorrente tivesse manifestado arrependimento, tudo evidenciando o perigo de futuras condutas delituosas lesivas de bens jurídicos fundamentais da sociedade.
Ocorre pois fundamento para ser aplicada a pena de expulsão do território nacional.
Todavia, mostra-se algo exagerado o período fixado - 18 anos. Com efeito, se o recorrente tiver de cumprir toda a pena, atendendo à sua idade (37 anos), poucos anos lhe restarão de vida para poder entrar em território nacional, não se mostrando necessário um período tão longo, após o cumprimento da pena, para se poder ter como seguro que não voltaria a praticar crimes graves no País. Assim, deve tal período ser fixado em 12 anos”.

Apreciando.

A consagração da revisão de sentença na lei ordinária é uma decorrência constitucional, que actualmente encontra assento no artigo 29.º da Lei Fundamental, todo ele subordinado à aplicação da lei criminal.
No que releva, verte o n.º 6 deste preceito, que:
Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.
Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: "Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” – Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.º Autor).
Mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica – José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, pág. 310.
Admitindo que a sentença judicial não tem o alcance de modificar a realidade do direito substantivo, transformando por misericordiosa ficção o injusto em justo, deverá tirar-se a consequência de que nenhuma decisão judicial seria definitiva e irrevogável.
Contra esta consequência se move, porém, a necessidade de segurança jurídica que, em largo limite, assim é chamada a restringir a justiça – Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, Lisboa, 1958, pág. 36; de modo concordante, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª Edição 1974 – Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 42 a 45.
A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excepcional e com fundamentos taxativos Vicente Gimeno Sendra, Derecho Procesal Penal, Editorial Colex, 1.ª Edição, 2004, pág. 769.

O presente pedido de revisão de sentença circunscreve-se à condenação em pena acessória de expulsão.
A pretensão recursiva alicerça-se na alínea f) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, segundo o qual:
“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação”.
Tal fundamento para revisão de sentença foi introduzido no respectivo elenco com a reforma do Código de Processo Penal, operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, conjuntamente com dois outros fundamentos – a descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas [n.º 1, alínea e)] e sentença vinculativa do Estado Português, proferida por instância internacional, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça [n.º 1, alínea g)].
O regime pretérito só abrangia como fundamentos deste recurso extraordinário a falsidade dos meios de prova, reconhecida por sentença transitada; a sentença transitada que tenha dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo (fundamentos pro reo e pro societate); a inconciliabilidade entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, desde que da oposição resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação e a descoberta de novos factos ou meios de prova que, por si só ou confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitassem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (fundamentos exclusivamente pro reo).
Nas palavras de Luís Osório de Oliveira Batista, no Comentário ao Código de Processo Penal Português, Coimbra Editora, 1934, 6.º volume, págs. 402/403: “O princípio da res iudicata pro veritate habetur é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar. (…) A revisão tem a natureza de um recurso. (…) A revisão é um exame do caso quando surgem novos e importantes elementos de facto. Pode assim dizer-se que se não trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos”.
Na óptica do recorrente, a revisão de sentença funda-se na circunstância de ter sido lavrado acórdão pelo Tribunal Constitucional, declarando inconstitucional, com força obrigatória geral, norma de conteúdo menos favorável ao arguido.
O dispositivo do artigo 449.º, n.º 1, alínea f), não é isento de equívocos, já se tendo questionado se a declaração do Tribunal Constitucional deve, ou não, ser posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda - assim, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª Edição, Editora Rei dos Livros, 2008, pág. 219.
Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2007, em anotação ao artigo 449.º, nota 21, pág. 1217, expende: “A Lei nº 48/2007, de 29.8, resolve o problema da inexistência de um meio de execução no processo penal das sentenças do TC que declarem, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha constituído ratio decidendi da condenação, devendo, portanto, a declaração do TC ser posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda”.
A própria constitucionalidade da norma é questionada, conforme Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., pág. 220: “… afigura-se que a norma da al. f) do n.º 1 do art. 449.º é inconstitucional. Com efeito, ela vem atribuir efeitos à declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação, em todos os casos penais já julgados, a apreciar em processo de revisão pelos tribunais judiciais.
No entanto, é a própria Constituição que estabelece, em termos não coincidentes, os efeitos dessa mesma declaração, competindo tão só ao Tribunal Constitucional balizar os efeitos retroactivos dessa declaração.
Na verdade, dispõe o n.º 3 do art. 282.º da Constituição que: “ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”.

*

Vejamos a evolução legislativa quanto ao tratamento da actual pena acessória de expulsão de estrangeiros.

No domínio do Código Penal de 1852/1886 a expulsão do território nacional era encarada
como substitutivo de medida de segurança:
Sob a epígrafe “Aplicação de medidas de segurança”, estabelecia o artigo 71º, § 3º, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39688, de 5 de Junho de 1954, com a rectificação de 29 do mesmo mês, que “Em relação aos estrangeiros, as medidas de segurança poderão ser substituídas pela expulsão do território nacional”.
e como pena acessória:
Estabelecia o artigo 151º, na redacção introduzida pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 32832, de 7 de Junho de 1943: “A condenação por qualquer crime previsto neste capítulo (crimes contra a segurança exterior do Estado) será acompanhada das seguintes penas acessórias:
2º - Se o criminoso for português (…); se o criminoso for estrangeiro, a execução da pena será sempre seguida de expulsão do território nacional sem limitação de tempo”.

Em 15 de Março de 1976 é publicado o Decreto-Lei n.º 189-B/76, que estabeleceu as condições em que podiam ser expulsos do País cidadãos estrangeiros, versando apenas a expulsão administrativa da competência da Direcção do Serviço de Estrangeiros, considerando-se então «estrangeiro» todo aquele que não provasse possuir a nacionalidade portuguesa e «residente habitualmente em Portugal» o cidadão estrangeiro que há mais de 6 meses tivesse residência no País e tivesse cumprido com as disposições de polícia aquando da sua entrada e durante a estada em Portugal - artigo 1º, n.º s 3 e 4.

Com a entrada em vigor da Constituição da República de 1976, que na versão originária previa a pena de expulsão no artigo 23º, nº 4 (A extradição e a expulsão só podem ser decididas por autoridade judicial), revelou-se necessário proceder à alteração do DL 189-B/76, a fim de se harmonizar o regime jurídico da expulsão com os preceitos da Lei Fundamental.
E assim surge o Decreto-Lei n.º 582/76, de 22 de Julho, cujo artigo 2º dispõe: “Sempre que um estrangeiro seja condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, a sentença que o condenar determinará acessoriamente a sua expulsão”.
Versando este diploma, confrontar Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 146/76, de 25-11-1976, in BMJ 269, 52 e acórdão do STJ de 10-05-1978, in BMJ 277, 107.

Seguiu-se-lhe o Decreto-Lei n.º 264-C/81, de 3 de Setembro, (alterado pelo Decreto-Lei n.º 333/82, de 19-08 e completado pelo Decreto n.º 1/83, de 13-01 e pelo Decreto-Lei n.º 312/86, de 24-09, que revogou o anterior), que regulava a entrada, permanência e saída de estrangeiros.
Inserto no Capítulo VI “Expulsão do território nacional”, estabelecia o artigo 43º:
«Sem prejuízo do disposto na legislação penal, será aplicada a pena acessória de expulsão:
a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão;
b) Ao estrangeiro residente no País há menos de cinco anos condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão;
c) Ao estrangeiro residente no País há mais de cinco anos e menos de vinte condenado a pena maior».

Entretanto é publicado o novo Código Penal de 1982.
Inserido no Título VI do Livro I, sob a epígrafe «Das medidas de segurança», numa linha de continuidade com o artigo 71º, § 3º, do Código Penal de 1852/1886, passou a dispor o artigo 96º:
“Em relação a estrangeiros, o internamento de inimputáveis pode ser substituído pela expulsão do território nacional”.

Com a 3ª alteração do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, passou a reger o artigo 97º, que sob a epígrafe “Inimputáveis estrangeiros”, dispõe: «Sem prejuízo do disposto em tratado ou convenção internacional, a medida de internamento de inimputável estrangeiro pode ser substituída por expulsão do território nacional, em termos regulados por legislação especial». (O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/04, de 31-03, infra referido, não declarou a inconstitucionalidade desta norma).

O Decreto-Lei n.º 264-C/81 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, (regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 43/93, de 15-12), cujo artigo 68º sucede ao artigo 43º do diploma revogado, reproduzindo-o quase na totalidade, apenas com a diferença de, na parte final da alínea c), em vez de referir “pena maior”, passar a constar “pena superior a 3 anos de prisão”.

Este diploma legal veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, emergindo da Lei de autorização legislativa n.º 8/98, de 13 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 97/99, de 26-07 (sem interesse para a questão que nos ocupa), regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 5-A/2000, de 26-04 (após rectificação pela Declaração de Rectificação n.º 7-B/2000, DR, I-A, de 30-06, já que saíra como Decreto-Lei n.º 65/2000).
A pena acessória de expulsão passa a estar prevista no artigo 101º, estabelecendo na linha do artigo 43º do DL 264-C/81 e do artigo 68º do DL 59/93:
«Sem prejuízo do disposto na legislação penal, pode ser aplicada a pena acessória de expulsão:
a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão;
b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 4 anos condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão;
c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 4 anos e menos de 10 condenado em pena superior a 3 anos de prisão».

Estabelecia o artigo 111º, sob a epígrafe “Expulsão judicial” que «A expulsão será determinada por autoridade judicial quando revista a natureza de pena acessória (…)».
A grande diferença do diploma de 1998 relativamente ao regime anterior é que dantes a aplicação da pena de expulsão era injuntiva, “será aplicada”, e passou a facultativa, “pode ser aplicada”.

A Lei n.º 24/2000, de 23-08, confere autorização ao Governo para alterar as atribuições do SEF, sendo uma das competências reconhecer o direito ao reagrupamento familiar - artigo 2º, n.º 4, alínea e).

A Lei n.º 27/2000, de 8 de Setembro, autoriza o Governo a alterar o regime que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, nomeadamente no sentido de:
Artigo 2º:
h) Acolher os princípios adoptados pela União Europeia em matéria de reagrupamento familiar, alargando o direito a familiares de cidadãos residentes que se encontrem já em território nacional;
j) Alterar o regime jurídico da pena acessória de expulsão, excepcionando a sua aplicação a cidadãos nascidos em território nacional onde residem habitualmente, a cidadãos que tenham filhos menores a seu cargo em Portugal, a cidadãos que se encontrem em território nacional desde idade inferior a dez anos e aqui residam habitualmente (…).

Emergindo dessa Lei é publicado o Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10-01 (Declaração de Rectificação n.º 3-A/2001, de 31-01), que altera e republica o Decreto-Lei n.º 244/98, de 08-08.
O artigo 101º é inteiramente remodelado, passando a dispor:
«1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão;
2 - A mesma pena pode ser aplicada a um cidadão estrangeiro residente no País condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.
4 - Não será aplicada a pena acessória de expulsão aos estrangeiros residentes, nos seguintes casos:
a) Nascidos em território português e que residam habitualmente;
b) Tenham filhos menores residentes em território português sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal à data dos factos que determinaram a aplicação da pena, e a quem assegurem o sustento e a educação, desde que a menoridade se mantenha no momento previsível de execução da pena.
c) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e que aqui residam habitualmente.
5 - (...)»
Na sequência, o Decreto Regulamentar n.º 5-A/2000, de 26-04 é alterado e republicado pelo Decreto Regulamentar n.º 9/2001, de 31-05.

A Lei n.º 22/2002, de 21-08, veio autorizar o Governo a nova alteração no sentido de clarificar o conceito de residente, considerando-o como aquele que é titular de autorização de residência.
Na sequência é publicado o Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro (Declaração de Rectificação n.º 2-D/2003, de 31-03), que altera vários preceitos do Decreto-Lei n.º 244/98, republicando-o, deixando intocado o artigo 101º e definindo residente no artigo 3º nestes termos «Considera-se residente o estrangeiro habilitado com título válido de autorização de residência em Portugal».
Nesta versão o Decreto-Lei n.º 244/98 é regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2004, de 26-04, constando do preâmbulo: “Consagra-se também que os menores estrangeiros nascidos em território português até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 34/2003, de 25 de Fevereiro, e que não se tenham ausentado do território nacional ficam dispensados de visto para obtenção de autorização de residência. Idêntico regime é aplicado aos progenitores que relativamente ao menor efectivamente exerçam o poder paternal”.

Finalmente, a Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, aprovou novo regime, revogando o Decreto-Lei n.º 244/98, definindo no artigo 3º, alínea p) o «residente legal» como o cidadão estrangeiro habilitado com título de residência em Portugal, de validade igual ou superior a um ano.
A pena acessória de expulsão é prevista no artigo 151º em termos similares ao artigo 101º do Decreto-Lei n.º 244/98 sem o equivalente ao nº 4, mas com os limites estabelecidos no
Artigo 135º:
«Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:
a) Tenham nascido em território português e aqui residam;
b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;
c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação;
d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam».

Esta lei veio a ser regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05-11, lendo-se no preâmbulo “No que diz respeito ao afastamento/expulsão de estrangeiros do território nacional, consagram-se legalmente os limites genéricos à expulsão que decorrem da Constituição e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.

No caso concreto dos crimes de tráfico de estupefacientes, a expulsão começou igualmente por ser imposta para passar a facultativa.
Assim no Decreto-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, estabelecia o artigo 12º “Se o delinquente for estrangeiro, a execução da pena será sempre seguida de expulsão do território nacional, sem limitação de tempo”.
No domínio do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, dispunha o artigo 34º, n.º 2 “Se a condenação pelos crimes previstos no nº 1 do presente artigo (ou seja, os previstos nos artigos 23º, 24º, 25º, 26º, 28º, 29º e 30º) for imposta a um estrangeiro, será ordenada na sentença a sua expulsão do País, por período não inferior a 5 anos”. (No nº 1 a aplicação de outras penas acessórias era facultativa).
E no âmbito do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, estabelece o artigo 34º: “Sem prejuízo do disposto no artigo 48º, em caso de condenação por crime previsto no presente diploma, se o arguido for estrangeiro, o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a 10 anos, observando-se as regras comunitárias quanto aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia”.

*

A expulsão é uma medida de autodefesa da ordem jurídica, política, económica e social dos Estados que tem de conciliar-se com as liberdades e as garantias dos direitos fundamentais do homem. Por outras palavras, esse direito de defesa dos Estados não pode coarctar o direito à liberdade e à segurança da pessoa humana (na medida, como é óbvio, em que estas não devam ser legitimamente afectadas) - citado Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 146/76, de 25-11-1976, BMJ 269, 52.
A expulsão é uma medida individual, devendo sancionar um comportamento individual - Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, págs. 527 a 537, maxime, pág. 531.
Numa acepção lata, a expulsão consiste no acto unilateral pelo qual o Estado, por considerações de interesse nacional de que é juiz soberano, obriga um estrangeiro que permaneça no seu território a abandoná-lo. [...] Do lado do Estado, a expulsão surge como um acto de natureza soberana; do lado do indivíduo, a ameaça de expulsão é o símbolo da precariedade do seu estatuto jurídico e que resulta do facto de, em regra, não possuir o direito absoluto de permanecer sobre o território de um Estado que não é o seu – Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 77/94, de 27-04-1995, não publicado, maxime, fls. 18, ponto 5.1, citado no Parecer n.º 7/2002 infra referenciado e que teve por objecto a situação de retenção, na zona internacional de porto ou aeroporto, de estrangeiro que tente penetrar irregularmente no País.

Como regra instituiu-se a equiparação, contida no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição, dos estrangeiros e apátridas aos nacionais.
Não obstante, o direito a não ser expulso (n.º 1 do artigo 33.º da Constituição) é, após a revisão constitucional de 1997 (Lei nº 1/97, de 20-09) um dos direitos que marca a diferença de estatuto entre cidadãos portugueses e cidadãos estrangeiros.
O direito à não expulsão confere aos cidadãos nacionais um direito à residência em território nacional, que se configura como um direito, liberdade e garantia.
Não existe um direito dos estrangeiros a entrarem e fixarem-se em Portugal – direito de imigração –, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional, podendo ser extraditados e, verificadas certas condições, expulsos; os direitos dos estrangeiros são apenas o direito de asilo e o direito de não serem arbitrariamente extraditados ou expulsos – Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 531.
Afirma-se no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 7/2002, datado de 14-03-2002 e publicado no Diário da República, II Série, n.º 145, de 26-06-2002, versando o caso Tellechea Maya, que “no plano constitucional, e sobre a temática da expulsão de estrangeiros rege o disposto no artigo 33.º, n.º 2, introduzido com a 2.ª revisão constitucional; anteriormente regia nesta matéria a versão originária da Constituição que dispunha que a expulsão só podia ser decidida por autoridade judicial.
Após uma primeira fase do sistema, em que dominou a exigência constitucional de que toda e qualquer ordem de expulsão teria que ser emitida por um juiz, inaugurou-se com a revisão de 1989 uma nova fase, em que o legislador constitucional veio permitir uma distinção entre duas modalidades de expulsão, consoante o estrangeiro se encontre numa situação regular ou irregular. Em conformidade com a disposição constitucional em causa, deve entender-se por situação regular aquela em que se encontra o estrangeiro que tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional, que seja titular de autorização de residência ou que tenha apresentado pedido de asilo não recusado. Só nos casos em que o estrangeiro se encontre nessa situação regular é que se impõe a utilização da expulsão judicial; nos restantes casos, i. é., de situação irregular, passou a ser possível a expulsão por via administrativa.(…)
Ou seja, incluem-se na modalidade da expulsão judicial as três situações descritas no texto constitucional, que correspondem às alíneas do preceito legal citado (art. 111.º do DL 244/98), a par da situação de aplicação da pena acessória de expulsão, a qual, dada a integral jurisdicionalização da aplicação de penas principais em processo penal, teria de ser atribuída necessariamente a autoridade judicial”.
Sobre a distinção entre extradição, expulsão fundada em comportamentos insusceptíveis de constituírem ilícitos criminais e expulsão como pena acessória, veja-se Marques Ferreira, A Pena Acessória de Expulsão de Nacionais de Estados Membros das Comunidades Europeias, in Tribuna da Justiça, 1990, nº 2, pág.189.

Atento o teor do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República, de harmonia com o qual “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”, muito se discutiu se seria admissível a imposição (automática) a um cidadão que tivesse cometido determinado tipo de infracções, da pena acessória de expulsão.
Este n.º 4, introduzido na revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro) e já proposto por Jorge Miranda em 1975, pretendeu acolher o entendimento de política criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas constante do artigo 65º, nº 1, do Código Penal, (reproduzindo este preceito ipsis verbis, apenas incluindo “quaisquer”), impedindo o funcionamento de uma aplicação automática, meramente ope legis, relativamente a efeitos penais da condenação ou penas acessórias, constituindo um corolário do que o Professor Eduardo Correia chamava a “teoria unitária da pena”, a qual rejeita que se liguem automaticamente certos efeitos a certas espécies de penas, como acontecia dantes em relação às penas maiores.
O princípio constitucional vertido no artigo 30º, nº 4, proíbe que a privação de direitos seja uma simples consequência - por via directa da lei - da condenação por infracções de qualquer tipo.
Neste sentido e pronunciando-se pela declaração de inconstitucionalidade, por violação daquele n.º 4, confrontar, inter altera, os acórdãos do Tribunal Constitucional:
Acórdão n.º 282/86, publicado no DR, Iª Série, de 11-11-1986, declarando a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do § único do artigo 160º do Código da Contribuição Industrial 1963, que estipulava que ao técnico de contas julgado por determinadas transgressões fiscais seria cancelada a inscrição se a decisão viesse a ser condenatória, e da norma do artigo 130º do Código do Imposto de Transacções 1966 que dispunha similarmente;
Acórdão n.º 255/87, publicado no DR, II Série, de 10-08-1987, julgando inconstitucional a norma do artigo 37º, nº 2, do CJM, que estatuía que «a condenação pelos mesmos crimes (os referidos no nº 1) de oficial ou sargento dos quadros de complemento, bem como das praças graduadas em situação militar equivalente, produz a baixa de posto»;
Acórdão n.º 284/89, de 09-03-1989, publicado no DR, II Série, de 12-06-1989 (e BMJ 385, 159), julgando inconstitucional a norma constante do nº 1 do artigo 18º da Lei nº 9/77/M, de 27-08, que proíbe a entrada nos casinos de Macau a indivíduos condenados pela prática dos crimes previstos nos artigos 14º e 15º da mesma lei;
Acórdão n.º 224/90, de 26-06-1990, publicado no DR, I Série, de 08-08-1990 (e BMJ 398, 245), que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nas alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 2 do artigo 46º do Código da Estrada 1954, que proibiam indivíduos condenados pela prática de determinados crimes de conduzirem veículos automóveis;
Acórdão n.º 748/93, de 23-11-1993, processo n.º 109/93-1ª secção, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 23-12 (e BMJ 431, págs. 124 e ss.), que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas de várias leis eleitorais de 1976, 1979 e 1980, na parte em que estabeleciam a incapacidade eleitoral activa dos definitivamente condenados a pena de prisão por crime doloso enquanto não expiassem a respectiva pena.

Para além dos citados pelo recorrente, sendo que os acórdãos n.ºs 16/84, 127/84 e 310/85 (publicados no DR, II Série, de 12-05-84 (e BMJ 341, 174), 12-03-85 e 11-04-86 (e BMJ 360, Suplemento, 837), julgaram inconstitucional o n.º 1 do artigo 37º do CJM, e na sequência destes arestos e ainda dos n.ºs 75/86 e 94/86 (publicados no DR, II Série, de 12 e 18 de Junho de 1986), veio o
Acórdão n.º 165/86, publicado no DR, I Série, de 03-06-1986, declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade daquela norma do Código de Justiça Militar, que determinava que «a condenação de oficial ou sargento dos quadros permanentes ou de praças em situação equivalente por crime de ultraje à Bandeira Nacional, deserção, falsidade, infidelidade no serviço, furto, roubo, prevaricação, corrupção, burla e abuso de confiança produz a demissão, qualquer que seja a pena imposta».
Acórdão n.º 91/84 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 8º do Decreto da Assembleia Regional n.º 18/84 (descaminho de direitos na indústria de bordados).
Mais recentemente o acórdão n.º 154/2004, de 16-03-2004, processo n.º 254/2000, DR, I Série-A, de 17-04, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 4º do DL n.º 263/98, de 19-08, por violação do n.º 4 do artigo 30º da CRP (acesso à profissão de motorista de táxi).

Esta orientação foi acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, nos acórdãos de 11-07-1990, CJ1990, tomo 4, pág. 8 e de 11-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 170 e mais tarde no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 14/96, proferido no recurso nº 45 706, da 3ª secção, de 7 de Novembro de 1996, publicado no DR, Iª Série - A, n.º 275, de 27-11-1996, e BMJ 461, 54, resolvendo a citada querela a propósito da pena acessória de expulsão de estrangeiros, então prevista no artigo 34º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13/12, e fixando a seguinte jurisprudência: “A imposição a estrangeiro da pena de expulsão prevista no n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação por qualquer dos crimes previstos nos seus artigos 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º e 30.º, devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação”.

E, pese embora as modificações legislativas, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a acentuar a ponderação, a razoabilidade, a necessidade, a adequação e a proporcionalidade ínsitas à sua aplicação – exemplificativamente, os acórdãos de 12-06-1996, processo n.º 303/96-3ª, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 197, a propósito do artigo 34º do DL 15/93 e citado no AUJ n.º 14/96; de 10-07-1996 do mesmo relator no processo n.º 48675, na mesma CJSTJ, pág. 229; de 08-10-1997, processo n.º 671/97; SASTJ nº 14, pág. 134; de 26-11-1997, processo n.º 878/97, SASTJ, n.º 14/15, pág. 184; de 15-04-1998, BMJ, 476, 66; de 06-10-2004, processo n.º 2502/04 - 3.ª; de 14-10-2004, processo n.º 3018/04 - 5ª; de 06-01-2005, processo n.º 3490/04 –5.ª; de 11-05-2005, processo n.º 1279/05 - 3.ª; de 08-06-2005, processo n.º 1672/05 - 3.ª; de 08-06-2006, processo 1923/06-5ª, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 211 (fazendo aplicação do artigo 101º do DL 244/98, na redacção dada pelo DL n.º 4/2001, de 10-01); de 06-09-2006, processo n.º 1391/06-3ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 179 (A decisão de expulsão, que constitui uma ingerência na vida da pessoa expulsa, pressupõe, pois, sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade, de fair balance entre o interesse público, a necessidade da ingerência e a prossecução das finalidades referidas no art. 8º, nº 2, da Convenção Europeia, e os direitos do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e nas relações familiares, que podem sofrer uma séria afectação com a expulsão, especialmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece os laços com o país de origem); de 27-09-2006, processo n.º 2802/06 - 3.ª; de 16-11-2006, processo n.º 4088/06 - 5.ª; de 27-09-2006 processo n.º 2802/06-3ª, do mesmo relator dos acórdãos de 06-10-2004 e de 06-09-2006; de 16-01-2008, processo n.º 4638/06-3ª, em que interviemos como adjunto e em que é citado o trecho supra do acórdão de 06-09-2006, e publicado in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 198; de 31-01-2008, processo n.º 1411/07 - 5ª; de 26-03-2008, processo n.º 444/08 - 3ª; de 28-05-2008, processo n.º 583/08-3ª e de 12-06-2008, processo n.º 1901/07 - 5.ª.
Veja-se em sede de recurso de revisão o acórdão de 17-04-2008, processo n.º 4840/07-3ª, e reconhecendo a existência de circunstância superveniente e o direito a uma decisão - noutro contexto fora do recurso - sobre a alteração das circunstâncias que estiveram subjacentes ao decretamento da expulsão, cfr. o acórdão de 21-03-2007, processo n.º 34/07-3ª, in CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 220; de 23-01-2008, processo 4570/07-3ª.
E defendendo a possibilidade de uso do meio processual previsto no artigo 371º-A, do CPP, vejam-se os acórdãos de 08-10-2008, processo n.º 2893/08-3ª e de 22-10-2008, processo n.º 2042/08-3ª.

Alguma jurisprudência do STJ tem vindo a invocar o artigo 8º da CEDH e decisões do TEDH, proclamando a necessidade de um justo equilíbrio entre, por um lado, o direito da pessoa a expulsar, como o direito ao respeito da vida privada e familiar e a protecção da ordem pública e a prevenção de infracções criminais, por outro.
Neste sentido, para além dos citados acórdãos de 12 de Junho e de 10 de Julho de 1996, podem ver-se os acórdãos de 06-02-1997, processo n.º 1059/96, SASTJ, n.º 8, pág. 82; de 05-03-1997, processo n.º 1011/96, SASTJ n.º 9, pág. 60; de 09-04-1997, processo n.º 1322/97, BMJ 466, 392 e de 19-06-1997, BMJ 468, 159, todos do mesmo relator daqueles e o de 09-04-1997, processo n.º 1269/96, BMJ 466, 162, em que aquele interveio como adjunto, e os acórdãos de 06-10-2004, de 06-09-2006 e de 27-09-2006, supra citados.

A temática da expulsão como consequência de uma condenação penal, seja no comando do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 15/93, como na primitiva redacção dos artigos 101.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, 125.º, n.º 2, ambos do DL 244/98, foi alvo de várias apreciações por parte do Tribunal Constitucional.
Acórdão n.º 181/97, datado de 05-03-1997, processo n.º 402/96 - 2.ª, publicado no DR II Série, n.º 94, de 22-04-1997 (e BMJ 465, 120), em sede de fiscalização concreta, julgando inconstitucional a norma constante do artigo 34º do DL 15/93 de 22-01, enquanto aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa, com eles residentes em território nacional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, nº 1 e 36º, nº 6, da CRP.
Acórdão n.º 470/99, de 14-07-1999, processo n.º 535/98 -3ª secção, publicado no DR II Série, n.º 62, de 14-03-2000 e BMJ 489, 40, aderiu a solução idêntica ao do acórdão 181/97, julgando inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 90º do DL 59/93, de 03-03 (crime de violação de ordem de expulsão), enquanto aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa, com eles residentes em território nacional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, nº 1 e 36º, nº 6, da CRP.
Com interesse, também em fiscalização concreta e reportados à aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional, entre muitos, os Acórdãos n.º 434/93, de 13-07-1993, processo n.º 44/93 - 2.ª, in DR, II Série, n.º 15, de 19-01-1994, págs. 54 e ss. e BMJ 429, 205 (inconstitucionalidade do artigo 34º do DL 430/83); n.º 442/93, de 17-07-1993, no mesmo DR, II Série, n.º 15, de 19-01-1994, págs. 515 e ss. e no mesmo BMJ 429, 221; nº 288/94, de 23-03-1994, processo n.º 485/93-2ª, in DR, II Série, de 17-06-1994; nº 41/95, de 01-02-1995, processo n.º 713/93-2ª, in DR, II Série, de 27-04-1995 e com os n.ºs 359/93, de 25-05-1993, processo n.º 584/92 - 2.ª; 577/94, de 26-10-1994, processo n.º 10/94 - 1.ª, disponíveis no site do Tribunal Constitucional.

Em processo de fiscalização abstracta sucessiva, desencadeado pelo Provedor de Justiça, o Tribunal Constitucional, reunido em Plenário, no âmbito do processo n.º 807/99, por Acórdão com o n.º 232/2004, proferido em 31-03-2004, publicado no DR, I Série, n.º 122, de 25-05-2004, decidiu:
“(…)
c) – Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da Constituição, das normas do artigo 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e do artigo 125º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária, da norma do artigo 68º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e da norma do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional;
d) – Fixar os efeitos da inconstitucionalidade das normas referidas na alínea anterior de modo que não fiquem ressalvados os casos julgados relativamente a penas acessórias de expulsão ainda não executadas aquando da publicação desta decisão”.

Para a melhor compreensão do alcance da declaração de inconstitucionalidade e revertendo ao caso em apreço, constata-se que o texto do diploma legal que, à data, corporizava o regime jurídico respeitante à entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português – DL 244/98, de 08-08 – foi modificado conforme se viu acima, sendo objecto de revogação pela Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
No que concerne ao preceito legal em crise – artigo 101.º –, a sua redacção sofreu apenas a alteração conferida pelo DL 4/2001, de 10-01.
Promana da versão originária, sob a epígrafe “Pena acessória de expulsão”, na parte relevante:
“1- Sem prejuízo do disposto na legislação penal, pode ser aplicada a pena acessória de expulsão:
a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão;
b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 4 anos condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão;
c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 4 anos e menos de 10 condenado em pena superior a 3 anos de prisão.
2- A pena acessória de expulsão pode igualmente ser aplicada ao estrangeiro residente no País há mais de 10 anos, sempre que a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional”.
E após a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10-01:
“1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses.
2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.
4 - Não será aplicada a pena acessória de expulsão aos estrangeiros residentes, nos seguintes casos:
a) Nascidos em território português e aqui residam habitualmente;
b) Tenham filhos menores residentes em território português sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal à data da prática dos factos que determinaram a aplicação da pena, e a quem assegurem o sustento e a educação, desde que a menoridade se mantenha no momento previsível de execução da pena;
c) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente”.
Este segmento normativo tem que ser conexionado com o disposto pelos artigos 2.º e 3.º do DL 244/98 – inalterados nas sucessivas revisões do diploma –, os quais definem os conceitos de estrangeiro e de residente.
Respectivamente, os mesmos dispõem:
Artigo 2º - “Para efeitos do presente diploma, considera-se estrangeiro todo aquele que não prove possuir a nacionalidade portuguesa”; e
Artigo 3º - “Considera-se residente o estrangeiro habilitado com título válido de residência em Portugal”.

O entendimento expresso no aresto do Tribunal Constitucional, na esteira dos acórdãos n.ºs 181/97 e 470/99, baseia-se na regra da proibição da separação dos filhos dos pais ser apenas uma das manifestações da protecção constitucional dada à família e constituir não só um direito subjectivo dos pais a não serem privados dos filhos, mas também um direito destes de não serem afastados dos pais.
O princípio da protecção da unidade da família, encontra no direito à convivência, uma das suas representações mais emblemáticas, ou seja, o direito dos membros de um agregado familiar viverem juntos.
O raciocínio ali desenvolvido é o de que a expulsão de estrangeiros com filhos portugueses a seu cargo implica uma de duas consequências, ambas beliscando princípios constitucionais: ou os menores acompanham o progenitor expulso e, ipso facto, estar-se-iam a expulsar cidadãos portugueses, infringindo-se o artigo 33.º da Constituição; ou, em alternativa, os menores permanecem em território nacional, em clara afronta ao artigo 36.º, n.º 6, do texto fundamental – Carlota Pizarro de Almeida, Exclusões Formais, Exclusões Materiais – O Lugar do Outro; Discriminação Contra Imigrantes, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume XLV, n.ºs 1 e 2, Coimbra Editora, 2004, págs. 37 a 45, maxime, pág. 43.
A primeira destas hipóteses configura a expulsão consequencial, em que a expulsão do progenitor estrangeiro, para evitar a quebra do agregado familiar, implica a expatriação do filho menor, ainda que português, não sendo mais do que uma forma indirecta de expulsão.
Por isso, tenha-se presente que “ (…) atendendo ao princípio de proibição de expulsão de nacionais, mesmo que o cidadão não tenha nacionalidade portuguesa, poderá haver situações de expulsões de cidadãos estrangeiros que se configurem como de “analogia à expulsão de nacionais” (não se poderá deixar de ter em consideração o grau de inserção do cidadão estrangeiro no território português, p. ex., a residência há muito tempo, ou ainda a consideração de que uma medida de expulsão pode ter como efeito indirecto a expulsão de nacionais, p. ex., quando ligados por laços familiares ao que deva ser expulso)” – Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, Tomo I, págs. 364 a 370, maxime, pág. 367.
E, perante esta evidência, há quem defenda – Rui Elói Ferreira, Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 31, Março/Abril de 2004, pág. 42 –, que deve repensar-se a aplicação da pena acessória de expulsão, designadamente, nos casos de pessoas que tenham logrado organizar suas vidas em Portugal.
O que é certo e é realçado nessa decisão é que a protecção constitucional do artigo 36.º, n.º 3, não pode ser levada ao limite, já que isso inviabilizaria fenómenos como os da emigração, divórcio, separação ou imposição de penas privativas da liberdade aos progenitores.
Não é demais relembrar que por via do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“1. Qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista pela lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros”), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem salientado que as medidas que possam conflituar com o direito à vida familiar, para além de terem de ser justificadas por necessidades sociais imperiosas, têm também de ser as menos gravosas das disponíveis e proporcionais ao fim a atingir; em suma, devem limitar-se a regular o exercício do direito, jamais podendo atingir a substância do mesmo – Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2005, págs. 181 a 201, designadamente, págs. 194, in fine, e 197/198.
No que tange à fixação dos efeitos desta declaração de inconstitucionalidade, deflui do n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos ex tunc, isto é, desde a data da entrada em vigor da norma julgada inconstitucional.
Perante a declaração de que o artigo 101.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), e 2, do DL 244/98, é materialmente inconstitucional – na dimensão em que permite a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional –, de harmonia com a 2.ª parte do n.º 3 do citado artigo 282.º, por razões de justiça, igualdade e equidade, entendeu o Tribunal Constitucional não ressalvar os casos julgados em que tenham sido aplicadas penas de expulsão ainda não executadas, posto que assim seria possível evitar que se efectivassem decisões que, dado este quadro circunstancial diferente, surgissem como “supervenientemente injustas”.
Como refere Anabela Costa Leão, Expulsão de Estrangeiros com Filhos Menores a Cargo, Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2004, in Jurisprudência Constitucional, AATRIC, n.º 3, Julho/Setembro de 2004, págs. 25 a 35, concretamente págs. 34/35, “Ao proceder à limitação, o Tribunal Constitucional faz depender de uma circunstância aleatória e administrativa – a celeridade da execução da expulsão – o exercício do direito fundamental à convivência, pelo que será legítimo questionar se tal critério será objectivamente fundado e razoável para não se considerar ferido também o princípio da igualdade”.

Feitos estes considerandos, pode avançar-se na dilucidação do caso concreto: o recorrente pretendia que fosse regulada a sua situação em novos termos, pela aplicação da dimensão normativa mais favorável, isto é, expurgando o mencionado artigo 101.º da dimensão considerada inconstitucional, o que equivale a dizer com o sentido de não permitir a expulsão de cidadãos estrangeiros, que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa, residentes em território nacional (conclusão 7.ª).
Olvidou, no entanto, que o artigo 449.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal pressupõe a inconstitucionalidade de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha constituído ratio decidendi da condenação - Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 1217.
A causa de revisão consiste em declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma que tenha servido de fundamento à condenação.
Da leitura da decisão revidenda é inequívoco que a norma que foi aplicada e sobre a qual assentou a pena acessória de expulsão do território nacional, não foi a disposição do artigo 101.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), e 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, na versão inicial, esta sim, declarada inconstitucional com força obrigatória geral, na dimensão normativa melhor explanada supra.
A decisão expulsiva estribou-se no referido artigo 101.º, n.º 1, mas na reformulada redacção do Decreto-Lei n.º 4/2001.
Mostra-se assente – facto provado n.º 25 - que o recorrente não é cidadão nacional e que se encontrava a residir em Portugal desde 2000, sem que fosse detentor de autorização de residência.
Destarte, não é “estrangeiro residente” para os fins preconizados pelo artigo 101.º, n.º 4, alínea b), do diploma mencionado, revisto pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, cuja redacção se transcreveu.
A decisão revidenda afastou claramente o regime contido neste n.º 4, alínea b), porquanto o recorrente não reunia as condições legais para ser considerado residente em território nacional – cfr. facto provado n.º 25, combinado com o teor do artigo 3.º do mesmo diploma.
Sendo assim, o caso enquadra-se na previsão normativa geral do n.º 1 deste artigo 101.º.
Na situação em causa, a norma aplicada não foi aquela sobre a qual incidiu o juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, razão pela qual soçobra a pretensão do recorrente.
Como tal, cumpre negar a pretendida revisão de sentença.


Pelo exposto, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão pedida por AA.
Custas pelo recorrente, com 6 UC de taxa de justiça, nos termos dos artigos 456.º e 513.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal e 74.º, 87.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, e 89.º, todos do Código das Custas Judiciais.
Foi observado o disposto pelo artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2008

Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
Pereira Madeira