Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B3569
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO
REMUNERAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ20071115035692
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1 . No contrato de mediação imobiliária, a remuneração só é devida se houver uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato.
2 . Fixada pela Relação a relação causal, o Supremo Tribunal de Justiça não a pode pôr em causa na vertente naturalística, restando-lhe a apreciação, já jurídica, da sua adequação, em abstracto.
3 . Assim, se a Relação estabeleceu a relação causal entre a actividade da mediadora que angariou um cliente e a compra que este veio a fazer do imóvel cuja venda se visava com a mediação, não obstante esta ter sido levada a cabo depois de ele ter referido não estar interessado no negócio e de ter sido denunciado o contrato de mediação, o Supremo Tribunal de Justiça só pode apreciar se, em abstracto, tal actividade era adequada à efectivação da venda.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – No Tribunal Judicial do Seixal, AA – BB Imobiliária demandou:
CC e mulher, DD.

Alegou, em síntese, que:
No exercício da sua actividade de mediadora imobiliária, acordou com os RR em promover a venda do prédio urbano destes que identifica, pelo preço que refere, mediante comissão de 4% acrescida de IVA;
Realizou as diligências próprias com vista à venda e angariou um cliente.
Os réus enviaram-lhe uma carta a declarar extinto o contrato, mas, depois, venderam o prédio urbano ao cliente por ela angariado.
Pelo que tem direito à comissão estipulada.

Pediu, em conformidade:
A condenação dos réus a pagarem-lhe € 16.233,90, acrescidos de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal de 7%, correspondente à comissão de 4%.

Os RR. contestaram para, no essencial, dizerem que, por terem perdido o interesse na mediação encomendada à A., denunciaram atempadamente o contrato, vindo a venda do seu prédio a realizar-se já depois dessa denúncia.

A acção prosseguiu a sua normal tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença que a julgou improcedente, tendo absolvido os réus do pedido.

II – Apelou a autora e com êxito parcial, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa condenou os réus a pagarem-lhe € 9.337,50 acrescidos de juros legais desde 20.3.2002 até integral pagamento.

Entendeu, em resumo, a Relação, que:
Tendo a autora angariado um potencial comprador e tendo os réus, ainda que após a denúncia do contrato de mediação, vendido o prédio a este, aquela havia contribuído para a realização do negócio, tendo direito à respectiva comissão;
Como a venda foi efectuada por 40.000.000$00, é sobre este valor que a mesma comissão deve ser calculada.

III – Pedem revista os réus.

Concluem as alegações do seguinte modo:

1. A recorrida veio pela presente acção, pretender exercer o direito a uma comissão que diz ter existido, mas para a qual prova nenhuma apresenta, a não ser a existência de um contrato de mediação; a promoção do imóvel e o contacto feito com um terceiro que até se recusou a concretizar o negócio;
2. Assim encontra-se provado entre outros e sem nunca estar em crise que entre a A. e os RR. foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, sendo que, por via de tal contrato, a entidade mediadora se obrigou a conseguir interessado para a compra do imóvel identificado nos autos, propriedade dos RR. Recorrentes;
3. Sabe-se também que o valor da comissão foi fixado em 4%, que foi acordado sobre o preço da venda, pois foi aquele valor que as partes autora e RR. fixaram como justo e adequado do ponto de vista contratual, para a remuneração dos serviços da Recorrida;
4. De acordo com a corrente jurisprudencial firmada, para o mediador ter direito à comissão é suficiente ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a realizar o negócio, pondo o comprador em contacto com o vendedor e que isso tenha influído na realização do negócio - Ac. STJ. 18/3/97 e Ac. STJ. 20/4/2004;
5. O direito ao valor correspondente à comissão só existe se a mediação tiver conduzido a um resultado, ou seja, à conclusão do negócio, que se consumou com a escritura de venda ao interessado comprador, conseguido, pela mediadora;
6. O mesmo é dizer que o mediador só adquire direito a uma remuneração quando o negócio é concluído por efeito da sua intervenção;
7. Resulta dos autos, que a A./Recorrida não demonstrou como lhe cabia que as suas diligências tivessem conduzido à venda da moradia dos RR./Recorrentes, nem demonstrou que os recorrentes tivessem aceitado a quantia proposta na al. H) da matéria assente, ou mesmo, que alguma vez tivesse apresentado as partes, ou seja, os Recorrentes ao Terceiro, no decurso das negociações, para acordo do preço e celebração do negócio;
8. Comitentes e Terceiro nunca se conheceram na fase das negociações;
9. Assim de acordo com o referido em 7, falha desde logo, o condicionalismo fáctico articulado pela A./Recorrida, necessário e suficiente, para que esta possa defender que lhe assiste direito a uma comissão, pela realização de um negócio que outro concretizou;
10. E tendo ficado provado na al. L) da matéria assente que na fase da negociação a Recorrida, contactou directamente com Terceiro e directamente com os Recorrentes, e que a pessoa angariada rejeitou o negócio por concluir que o preço era elevado para os seus "bolsos", o negócio ficou sem efeito, por desistência do Terceiro;
11. Significa isto, que a Recorrida não concluiu o negócio, ficando desde logo afastado a concretização do mesmo;
12. A conclusão da mediação é, condição essencial para que o mediador tenha direito à remuneração; Ac. STJ de 19/1 /2004;
13. Ora acontece, que a não concretização do negócio dos autos, entre A./Recorrida e Terceiro, conforme se conclui, não se ficou a dever a qualquer interferência dos Recorrentes, porquanto estes nem sequer sabiam, porque desconheciam, quem era a pessoa angariada, uma vez que a Recorrida sempre contactou na fase das negociações do modo já indicado em 10, e sem nunca ter demonstrado nos autos que os tivesse apresentado;
14. Assim, só se pode concluir da matéria da matéria de facto assente, que os Recorrentes e Terceiro não se conheciam ao tempo das negociações encetadas pela Recorrida, porque foi sempre esta, que no decurso das negociações, contactou, negociou e informou directamente quer o terceiro, quer o recorrente, no que concerne ao valor das propostas apresentadas por este, quer ainda aquando da recusa absoluta do angariado, na celebração do negócio da venda da moradia dos autos; Cfr. al.E) a L) da matéria assente;
15. Porém, os autos fornecem ainda outros elementos claros, ou seja, que os recorrentes posteriormente às falhadas negociações decorridas entre Recorrida e angariado denunciaram o contrato de mediação, desvinculando-se dos serviços da A.; Cfr. al. O) da matéria assente;
16. E os RR., ao enviarem a carta em 04.06.2001, com efeitos a partir de 24.06.2001, passaram a poder contratar livremente, o que fizeram, e escrituraram a moradia dos autos em 23.7.2001;
17. A denúncia do contrato feita pelos Recorrentes é válida e produz efeitos, sendo a causa da interrupção do nexo de causalidade entre a actividade recorrida e dos recorrentes;
18. Na verdade o nexo de causalidade só tem de colocar-se perante um contrato ainda válido ou subsistente;
19. E continua a não deixar de ser verdade que os autos fornecem elementos mais do que suficientes para se concluir que os Recorrentes não estão obrigados ao pagamento de qualquer comissão, pela realização da venda que fizeram ao terceiro, e negar esta verdade é negar factos provados, notórios e evidentes e com tal negação não se realiza a justiça;
20. E o negócio feito entre os Recorrentes e Terceiro coloca-nos perante um novo negócio, porquanto não há interferência da mediadora; é efectuado após a recusa da compra da moradia pelo terceiro à Recorrida; sem ter havido qualquer apresentação, conhecimento entre Recorrentes e Terceiro, na fase das negociações encetadas pela A.; e sendo realizado após a denúncia do contrato;
21. Daí que se possa afirmar, pelo facto da moradia objecto do contrato de compra e venda, ter sido vendida a terceiro em momento posterior à denúncia do contrato de mediação, e até por um preço inferior ao inicialmente pedido, o que não tem aqui o menor relevo, não se mostra minimamente demonstrado pela Autora/Recorrida que os RR/Recorrentes, por tudo quanto acima foi referido, hajam intencionalmente provocado uma situação de frustração do negócio a que o contrato de mediação dizia respeito, a fim de posteriormente, concretizar idêntico negócio directamente com terceiro interessado na aquisição da moradia;
22. Está por isso, afastado o eventual conluio entre terceiro e comitente, porque ambos nunca se conheceram, como já se disse, na fase das negociações feitas entre A./Recorrida e Terceiro;
23. É que resulta da matéria assente na alínea L) de uma forma clara, como aliás já foi acima referido, que as negociações entre a Recorrida e Terceiro foram um fracasso, ou seja, este acabou por dizer directamente àquela que já não estava interessado na compra, uma vez que ia adquirir uma outra moradia por Esc. 65.000.000$00;
24. O terceiro ao recusar a compra da moradia identificada nos autos, deu sem efeito a proposta que anteriormente tinha apresentado no valor de 67.000.000$00, ou seja, já nem por aquele preço a quis comprar; Cfr. al. H) da matéria assente
25. Por tudo quanto foi exposto, mais uma vez se afirma que a aqui Autora/Recorrida não tem direito a qualquer comissão por inexistência de fundamento, conforme e bem decidiu o Tribunal "a quo", a cuja decisão os Recorrentes aderem em absoluto.
26. Os autos fornecem-nos elementos que permitem tirar uma referência conclusiva que permite esclarecer toda a verdade e a boa aplicação do direito.
27. É manifesto, pois, que o acórdão recorrido violou os artigos 405° (art.° 27° n.º1 da Constituição) e art.° 406° n.º1 ambos do Código Civil entre outros.

Contra-alegou a parte contrária, pugnando pela manutenção do decidido.

IV – Ante as conclusões das alegações, importa saber se, face ao contrato efectuado, a autora não tem direito a haver da ré a quantia relativa à sua comissão, não obstante ter angariado o que veio a, já após a denúncia do contrato, adquirir o prédio que, conforme tal contrato, se pretendia vender.

V – Vêm provados os seguintes factos:

DA MATÉRIA ASSENTE:

A) A A. dedica-se à actividade de mediação imobiliária, estando para tal habilitada com a licença n.º 2540 do IMOPPI - Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (cfr. doc. de fls. 52, que aqui se dá por reproduzido).
B) No âmbito daquela actividade, a A. e o 1.º R. celebraram o acordo, datado de 24-02-2001, cuja cópia consta de fls. 8-9 com o seguinte teor:
"CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
(. .. )Entre AA - BB Imobiliária (. .. ) e EE (...) adiante designado como segundo contratante na qualidade de proprietário (. .. ).
Cláusula 1.ª (Identificação do Negócio)
A BB obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na venda de um imóvel com as características a seguir indicadas, pelo preço máximo de Esc. 71. 760.000$00, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.
Cláusula 2.ª (Características do imóvel)
Fracção autónoma destinada a habitação constituída por cinco assoalhadas, com uma área total aproximada de 300 m2 sito na zona de Belverde-Seixal.
Cláusula 3.ª (Regime de contratação)
O segundo contratante contrata a BB em regime de não exclusividade.
Cláusula 4.ª (Remuneração)
1- Pela prestação dos serviços descritos na cláusula 2.ª o segundo contratante obriga-se a pagar à BB a título de remuneração a quantia de 4%, acrescida de IVA à taxa legal de 17% sobre o valor da venda.
2- O pagamento da remuneração será efectuado nas seguintes condições: o total da remuneração aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado, cujo pagamento seria efectuado no acto de celebração da escritura. (. . .)
Cláusula 7.ª (Prazo de duração do contrato)
O presente contrato tem uma validade de 120 dias contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.
(...)”
C) Após a celebração do acordo aludido em B) a A. promoveu a venda do imóvel aí referido através de publicidade inserida em diversos jornais, na Internet, na montra do local de atendimento e através de contactos com potenciais clientes.
D) Em resultado do trabalho desenvolvido pela A., MJ e AL mostraram interesse na compra do imóvel referido em B).
E) No seguimento do que consta em D), AL deslocou-se pela primeira vez à fracção referida em B), acompanhado por um vendedor da A ..
F) Durante a visita referida em E), AL apresentou uma proposta de compra por Esc. 69.000.000$00.
G) A proposta referida em F) foi transmitida aos RR, que a aceitaram.
H) Quando a A. entrou em contacto com AL, para lhe transmitir a aceitação por parte dos RR, este disse que só compraria se o preço baixasse para Esc. 67.000.000$00 .
I) A A. voltou a contactar os RR para lhes transmitir a proposta referida em H).
J) A proposta referida em H) não foi aceite pelos RR.
L) Entretanto, AL contactou a A. informando-a que já não estava interessado na compra, uma vez que ia adquirir outra moradia por Esc. 65.000.000$00.
M) Nessa altura, por ter urgência em vender a casa referida em B), a 23 Ré baixou o preço da venda para Esc. 69.500.000$00.
N) E a A .. passou a pubIicitá-Ia por esse preço. (cfr. doc junto a fls. 2 I, cujo teor se dá aqui por reproduzido)
O) A A. recebeu a carta, cuja cópia consta de fls. 22, enviada e assinada pelo 1.º R. e datada de 04.06.2001 com o seguinte conteúdo: "(...) Em referência ao contrato de mediação imobiliária n.º 480 de angariação de moradia, silo Rua ... n.º 0, Belverde - 2840-506 Amora, daqui em diante designado por "0 Contrato" assinado entre eu próprio, Paulo CC e V. Ex.as AA - BB Imobiliária em 24 de Fevereiro de 2001, e cuja cópia se junta em anexo, venho por esta carta registada e com aviso de recepção declarar o seguinte:
De acordo com a cláusula 7.ª de O "Contrato", cujo conteúdo prevê a sua denúncia por uma ou ambas as partes com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo, venho com data da presente carta, 4 de Junho de 2001, fazer uso da referida cláusula e declarar extinto "O Contrato" com efeito a partir de 24 de Junho de 2001, data do termo de "O Contrato" (...)"
P) O R. enviou em 4.06.2001, a carta referida em O), mediante registo e aviso de recepção. (cfr. docs. juntos a fls. 46-48)
Q) A Advogada da A. enviou aos RR a carta, cuja cópia consta de fls. 26 e 18, datada de 11 de Março de 2002, com o seguinte conteúdo: "(...) Encarrega-me a minha cliente de informar V. Ex.ª que se encontra por liquidar o montante de Euros 16.223,90 relativo à comissão acrescida de IVA a taxa legal pelos serviços por ela prestados e não pagos por V. Ex.ªs no âmbito da venda do imóvel silo na Rua ... n. º 5, em Belverde (...)
A quantia poderá ser liquidada nos próximos 8 dias. (. . .) "
R) Por escritura pública outorgada no dia 23.07.2001, no Primeiro Cartório Notarial de Almada, a fls. 108-108v, do Livro 221-N, os RR e AL declararam: "(...) os primeiros outorgantes que, pelo preço de quarenta milhões de escudos, que do segundo outorgante já receberam, a este vendem o prédio urbano, destinado exclusivamente a habitação, sito na rua das ...., n.º 0, Belverde, freguesia de Amora, concelho do Seixal, descrito na Conservatório do Registo Predial de Amora, sob o número quatro mil seiscentos e setenta e seis, com a aquisição registada a seu favor, pela inscrição G-dois, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 8671 (…)
Declarou o segundo outorgante: que aceita a presente venda nos termos exarados. (... )"( cfr. doc. de fls. 23-25)

DA BASE INSTRUTÓRIA:

1.º Aquando do envio da carta referida em O), os RR. não tinham intenção de proceder ao pagamento dos serviços descritos em B).
2.° Durante a vigência do acordo referido em B) a Autora apenas angariou o AL. I
3.º Apesar do facto referido em L), o AL continuou interessado em adquirir a moradia referida em B).

VI – Durante muito tempo, o que já vinha sendo denominado contrato de mediação foi um contrato atípico.
Em 19.12.1992, veio, porém, a lume o Decreto-Lei n.º 285/92, de 19 de Dezembro, que, tipificando-o, estatuiu, essencialmente, sobre o acesso e permanência na actividade de mediador imobiliário, tendo como principais objectivos assegurar a transparência da sua actuação e garantir a qualidade dos serviços prestados. A este diploma seguiu-se o Decreto-Lei n.º 77/99, de 16 de Março que, por sua vez, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto.
O contrato invocado no presente caso teve lugar antes da entrada em vigor deste último diploma e antes de tal entrada em vigor se projectaram todos os efeitos que estão aqui em discussão. Temos, assim, de nos mover no âmbito daquele Decreto-Lei n.º77/99 (que, aliás, não difere, quanto ao que nos interessa, da lei vigente).

VII – Do seu artigo 3.º, n.º1 retira-se a definição de contrato de mediação, que não difere relevantemente da já carreada por Vaz Serra na RLJ, 100, 343. Definia-o este Autor como “um contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte”.
Integra-se perfeitamente em tal definição o contrato que as partes levaram a cabo.

VIII – Nos termos do artigo 19.º, n.º1 ainda do referido Decreto-Lei, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado com a mediação, estabelecendo o n.º2 ressalvas que não nos interessam. Está aqui um requisito para que seja devida a retribuição, qual seja o da conclusão e perfeição do contrato visado pela mediação.
Mas, para além disso, encerra o preceito, conjugado com a alínea f) do n.º1 do artigo 20.º e tendo como “pano de fundo” o regime geral das obrigações, a ideia de que a remuneração só será devida se a empresa mediadora tiver contribuído para a conclusão ou perfeição do contrato. Como refere Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, em Estudos do Instituto do Direito do Consumo, I, 203, “Naturalmente que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro.”
Portanto, só se houver uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato, a remuneração é devida. (1) . O que corresponde a orientação amiúde seguida por este tribunal, como se pode ver, entre outros, nos Acórdãos de 31.3.1998 (BMJ, 475, 680), 10.10.2002 e 20.4.2004, estes em www.dgsi.pt.

IX – Reporta-se, assim, o nosso caso, essencialmente, à questão de saber se a actuação da autora foi causal relativamente ao negócio que veio a ser concluído.
Ela angariou o cliente, este referiu-lhe já não estar interessado na compra, o réu marido denunciou o contrato e, depois, o negócio veio a ser concretizado com aquele cliente angariado, que, apesar do que declarara à autora, continuou interessado em adquirir a moradia.
É neste quadro que se põe a questão da causalidade.
Arrastando ela a dos limites de conhecimento deste tribunal. Por regra, constante do artigo 26.º da LOFTJ, só conhece de direito. Especificamente, quanto ao recurso de revista, aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, nos termos do artigo 729.º, n.º1 do Código de Processo Civil. Comporta esta regra algumas ressalvas, previstas no n.º2 do artigo 722.º e no n.º3 daquele mesmo artigo 729.º, mas estas aqui, manifestamente, não cabem. Se a relação de causalidade for considerada matéria de facto, tem este tribunal que acolher o que lhe chega das instâncias.
Tal relação, atento o disposto no artigo 563.º do Código Civil, há-de ser aferida tendo como ponto de referência a teoria da causalidade adequada.
A qual, para os efeitos que aqui nos importam, deve ser decomposta entre:
A relação naturalística entre o evento e a pretendida consequência;
A adequação causal, em abstracto, entre o aquele e esta.
Além está matéria de facto, e aqui matéria de direito, conforme entendimento constante (Exemplificativamente, os Ac.s deste Tribunal de 9.2.1993, no BMJ 424, 582, 3.2.199, na CJ STJ, 1999, I, 73, 2.3.2005, no BMJ 445, 445, 19.5.2005, revista n.º117/05, 22.06.2005, revista n.º867/05, 7.12.2005, revista n.º 3028/05 e 27.09.2007 - este com transcrição em www.dgsi.pt – e, bem assim, no plano doutrinário, Abel Freire, CJ STJ, 2003, III, 7).
A vertente factual da relação de causalidade pode constar, expressa ou implicitamente, dos factos provados ou pode ser alcançada por presunção natural nos termos do artigo 351.º. Nestes casos, perante os factos provados, as instâncias chegam à mencionada relação que naqueles não estava contida. Também o extrair ou não de presunções naturais escapa à censura deste tribunal, por estar fora dos limites do recurso de revista, o que aqui tem sido reiterado de modo muito frequente e uniforme (cfr-se os Ac.s de 9.3.95, no BMJ 445, 424, de 20.5.2004, 7.12.2005, 26.1.2006, 6.7.2006, 7.11.2006, 14.11.2006, 5.12.2006, 19.12.2006, 1.3.2007 e 24.5.2007, estes em www.dgsi.pt).

X – Ora, pode-se ler, no acórdão recorrido, o seguinte:

“O comprador da fracção dos RR. foi o interessado encontrado em consequência da actividade contratada e desenvolvida pela A; esse interessado visitou a fracção dos RR. acompanhado por um colaborador da A, em função do que apresentou uma proposta de compra, aceite pelos RR. e, não obstante ter alterado a sua proposta inicial, manifestando o seu desinteresse na compra à A, continuou sempre interessado em adquirir a fracção dos RR (resposta ao quesito 50 da base instrutória), não se tendo provado que estes tenham tido contactos com outros interessados para lá do angariado pela A, nomeadamente após a denúncia do contrato, que, singularmente, ocorreu apenas menos de dois meses antes da realização do negócio visado pela mediação.
Ora, neste enquadramento, não vemos como não reconduzir as negociações entre os RR. e o interessado angariado pela A e o próprio negócio entre ambos outorgado à actividade de mediação desenvolvida por aquela, não podendo legitimamente afirmar-se que esse negócio se finalizou sem tal contribuição, o que basta, no entendimento perfilhado, para lhe ser devida a respectiva retribuição.”

Está aqui, claramente, o estabelecimento duma relação naturalística entre a actividade que a autora levou a cabo e a concretização do negócio. A qual temos de acolher.
Fica-nos reservada apenas a questão de saber se, em abstracto, tal actividade era adequada a essa mesma concretização. Mas a resposta afirmativa não oferece dúvidas.

XI – Face ao exposto, nega-se a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 15 de Novembro de 2007

João Bernardo (relator)
Oliveira Rocha
Gil Roque

__________________________
(1) O que não significa que seja, necessariamente, devida por inteiro. Se concorreram várias actuações causais – como, por exemplo, no caso de contrato com vários mediadores em que a actuação de todos tenha contribuído para a conclusão do contrato – caberá ao tribunal, perante o caso concreto, fixar a percentagem retributiva de cada um (Cfr-se ainda Lacerda Barata, Estudo citado, 206).