Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18853/12.8YYLSB-A.L1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
DOCUMENTO PARTICULAR
REQUERIMENTO EXECUTIVO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
EXTINÇÃO
Data do Acordão: 04/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / OBRIGAÇÃO CONDICIONAL OU DEPENDENTE DE PRESTAÇÃO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / HIPOTECA / HIPOTECAS VOLUNTÁRIAS / FORMA.
Doutrina:
-Calvão da Silva, Direito Bancário, p. 365;
-Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª Edição, p. 96, 164 e 165;
-Lopes do Rego, Requisitos da obrigação exequenda, em Reforma da Acção Executiva, Themis, Ano IV, n.º 7, p. 69,
-Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4.ª Edição p. 639 e 640;
-Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, 207 e 209;
-Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, p. 56 e 57.

Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 715.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 714.º..
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPEMO TRBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-03-2005, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-02-2007, CJ STJ XV, 1, 69;
- DE 17-04-2007, SUMÁRIO, IN WWW.STJ.PT;
- DE 05-05-2011, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Pode definir-se a abertura de crédito como o contrato pelo qual um banco se obriga a ter à disposição da outra parte uma quantia pecuniária, que esta tem direito a utilizar nos termos aí definidos, por certo período de tempo ou por tempo indeterminado.

II. O banco não se constitui, desde logo, credor de uma prestação pecuniária, pois isso só vem a verificar-se com a posterior mobilização pelo creditado das importâncias disponibilizadas pelo banco.

III. No caso, o contrato de abertura de crédito é, com referência ao anterior art. 46º, nº 1, al. c), do CPC, um documento particular assinado pelos executados e importa a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente.

IV. Essa determinação deve ser feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respectivos montantes.

V. Não sendo apresentada documentação complementar suficiente, deve ser formulado convite para aperfeiçoamento do requerimento executivo; só no caso de a exequente não aceder a tal convite e não suprir o vício é que deverá ser decretada a extinção da execução.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA E BB vieram opor-se à execução contra eles instaurada por CC, PLC para pagamento da quantia € 646.613,14, com base em quatro contratos assinados pelos executados.

Como fundamento, e no que interessa a este recurso, alegaram que celebraram um contrato de facilidades de crédito com garantia, com as respectivas alterações.

No dia 13.08.2007, os Executados celebraram novo mútuo com hipoteca com o Exequente, no valor de 650.000 euros, contrato que configurou um reforço parcial dos créditos anteriormente concedidos pelo Exequente aos Executados, porque parte do valor destes havia sido liquidado, isto é, o Exequente ampliou o montante de concessão de crédito aos Executados.

O exequente deduziu contestação, pugnando pela improcedência da oposição.

Seguidamente, por o processo o permitir, foi proferido saneador sentença com este dispositivo:

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo parcialmente procedente a presente Oposição à execução, e, em consequência, absolvo os Executados do pedido reportado ao contrato de crédito em conta corrente, a que corresponde a quantia exequenda de €579.781,91, acrescida de juros e legais acréscimos, prosseguindo a execução quanto ao demais peticionado.

Discordando desta decisão, a exequente interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformada, a exequente veio pedir revista, excepcional, que foi admitida, formulando extensas conclusões, que constituem, no fundo, mera reprodução das alegações apresentadas.

II.

Questões a resolver:

A questão essencial colocada no recurso consiste em saber se o contrato de facilidades de crédito – contrato de abertura de crédito em conta corrente garantida – e documentação posterior, junta pela recorrente, constitui título executivo.

A recorrente entende que sim, fundamentalmente por estas razões:

- Consta do contrato celebrado entre as partes que os executados se confessaram devedores da exequente (clª 23ª);

- O documento particular, que titula esse contrato, foi alterado e convertido em escritura pública; mesmo que não fosse reconhecida força executiva a esse documento particular, este, ao ser aditado por escritura pública, deveria ser considerado título executivo;

- Também se verifica que, em termos materiais, o mesmo reveste as características da obrigação exequenda – exigibilidade, certeza e liquidez;

- A exequente juntou toda a documentação necessária, que comprova a disponibilização dos créditos aos executados.

Os recorridos contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

III.

Foram considerados provados os seguintes factos:

Do requerimento executivo

1. O Exequente e os Executados celebraram um contrato de abertura de conta à ordem principal, bem como de emissão e utilização de um cartão a débito e crédito Gold ..., conforme resulta do doc. 1, cuja cópia está junta a fls. 31 a 44 do processo principal e se dá por integralmente reproduzida.

2. O Exequente atribuiu à conta à ordem principal o n.° 140/..., nos termos da alínea c) do n.° 1 das condições gerais do referido contrato.

3. O Exequente e os Executados acordaram que a conta à ordem principal seria solidária, ou seja, movimentada livremente pelos Executados a débito e a crédito, podendo estes conferir poderes a terceiro para tanto, nos termos das condições de movimentação e do ponto II. da alínea a) da cláusula 1.1. das condições gerais do contrato junto aos presentes autos como doc. 1.

4. O Exequente e os Executados acordaram, igualmente, que o Exequente emitiria e entregaria um cartão a crédito e a débito Gold ..., no âmbito da utilização da conta referida no artigo 3.° supra, nos termos da cláusula 4a das condições gerais do contrato junto aos presentes autos como doc. 1.

5. Posteriormente, o Exequente celebrou com os Executados um Contrato de Facilidades de Crédito com Garantia, na modalidade de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante máximo de €250.000,00, destinado a financiamento de tesouraria, por escrito particular de 22/08/2005, conforme doc. 2, junto a fls. 45 a 62 do processo principal e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6. Como garantia do cumprimento do contrato referido no facto anterior, foi constituído penhor sobre Unidades de Participação em Fundos de Investimento Mobiliário.

7. Ambas as partes estipularam que as quantias, no valor máximo de €250.000,00, seriam entregues pela Exequente aos Executados, por crédito em conta corrente na conta de depósito à ordem com o n.° 140/..., da qual os Executados são titulares junto do CC Pie.

8. Nos termos da cláusula 23ª das condições gerais do contrato, os executados "confessam-se devedores perante o banco por qualquer obrigação decorrente do presente contrato, constituindo-se como responsáveis solidários pelo integral cumprimento do presente contrato".

9. Por escritura pública de 30.09.2005, outorgada no Cartório Notarial de DD, em Lisboa, as partes aceitaram e estipularam, a substituição do penhor de Unidades de Participação em Fundos de Investimento Mobiliário, por hipoteca, a favor da Exequente, sobre as seguintes fracções autónomas identificadas sob as letras, A, B, C, D, E, F, G e H, para habitação, que fazem parte do prédio urbano situado na Rua …, n.° …, da freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.° …, e, inscrito na matriz predial urbana da …, sob o art.° 882, conforme doc. 3, cuja cópia está junta a fls. 63 a 68 do processo principal e se dá por integralmente reproduzida.

10. Em 20/10/2006, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de DD, em Lisboa, as partes acordaram alterar o contrato de facilidades de crédito com garantia, "no sentido de a indicada linha de crédito [ser] até ao montante de quatrocentos mil euros" e ampliar a hipoteca sobre as fracções autónomas descritas, conforme doc. 5, cuja cópia está junta a fls. 95 a 100 do processo principal e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

11. O Exequente e os Executados celebraram, ainda, os seguintes contratos:

a) Contrato de crédito pessoal, por escrito particular de 25/01/2007, conforme doc. 6, junto a fls. 102 a 107 do processo principal e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, documento que se mostra assinado pelo exequente;

b) Contrato de crédito pessoal, por escrito particular de 15/12/2010, conforme doc. 7, junto a fls. 108 a 111 do processo principal e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. Nos termos dos referidos contratos, o Exequente entregou aos Executados as quantias de €15.169,90 e €25.000,00, respectivamente, ambas destinadas à aquisição de bens de consumo / serviços - cfr. condições especiais do contrato identificado na al. a) e cláusula 1.' dos contratos.

13. Os Executados receberam os montantes supra identificados e confessaram-se devedores do Exequente - cfr. cláusula 13ª e 12ª das condições gerais dos contratos juntos como doc. 6 e doc. 7, respectivamente.

14. As partes acordaram, igualmente, que os valores acima identificados, acrescidos dos juros remuneratórios e encargos associados, seriam pagos ao Exequente pelos Executados, através de 96 e 84 prestações mensais, respectivamente, constantes e sucessivas, vencendo-se as primeiras um mês após a data de concessão do crédito, as restantes em igual data dos meses subsequentes e as últimas no termo de cada um dos contratos - cfr. condições especiais do contrato junto como doc. 6 e cláusula 3ª do contrato junto como doc. 7.

15. A partir de Fevereiro de 2011, os Executados passaram a ter a conta à ordem a descoberto, cujo saldo negativo não regularizaram até à presente data.

16. O mesmo aconteceu quanto ao cartão a débito e a crédito, que passou a apresentar um saldo devedor.

17. Os Executados deixaram ainda de proceder ao pagamento das prestações a que estavam obrigados no âmbito dos contratos de crédito pessoal.

18. Exequente, por carta registada com aviso de recepção, datada de 11/11/2011, interpelou os Executados para procederem ao pagamento do montante em dívida no âmbito dos contratos referidos nos factos 1 e 12, no prazo de 15 (quinze) dias, sendo que a falta de regularização implicaria o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas até final, acrescidas de juros de mora e demais encargos que fossem devidos, conforme doc. 9 e 10, juntos a fls. 142 e 143, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

19. Em 04/09/2012, a conta à ordem identificada no facto n.° 2 apresentava um descoberto não autorizado de €22.559,13.

20. Na mesma data o cartão de crédito CC Gold ... apresentava um saldo devedor de €4.326,46.

21. Em 04/09/2012, o capital em dívida no âmbito de cada um dos contratos de crédito identificados nas alíneas a) e b) do facto n.° 11, ascendia à quantia de €8.524,34 e €25.000,00, respectivamente.

Da Oposição

22. No dia 13.08.2007, no Cartório Notarial de EE, os Executados celebraram novo mútuo com hipoteca com o Exequente, no valor de 650.000 euros (seiscentos e cinquenta mil euros), pelo prazo de 120 meses contados da data da sua celebração, cuja garantia prestada assentou na hipoteca das mencionadas fracções a favor do Exequente, cuja cópia se encontra junta a fls. 13 a 29 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

23. O Exequente exigiu ao Executado AA, a celebração de um contrato de seguro de vida, no valor total do referido crédito - €650.000 euros, contrato que foi formalizado junto da companhia seguradora do grupo CC - …, Compania de Seguros, SA - agência Geral em Portugal, através da apólice n…/0000, do qual o Exequente é beneficiário.

24. 0 executado em accionou o dito seguro em 26/01/2011, invocando a sua invalidez com início em 26/06/2010.

IV.

Ficou provado que a exequente celebrou com os executados um contrato de facilidades de crédito com garantia, na modalidade de abertura de crédito em conta-corrente, até ao montante máximo de €250.000,00, destinado a financiamento de tesouraria, por escrito particular de 22/08/2005. A garantia acordada era constituída por penhor sobre unidades de participação em fundos de investimento mobiliário.

As quantias, naquele valor máximo, seriam entregues pela exequente aos executados, por crédito em conta corrente na conta de depósito à ordem de que estes eram titulares junto da exequente; as utilizações seriam feitas através de saques efectuados na conta de depósitos à ordem referida (ponto 2.1.1.1. da clª 2ª).

Por escritura pública de 30/09/2005, as partes estipularam a substituição do referido penhor por hipoteca, a favor da exequente, sobre as fracções autónomas aí identificadas.

Por escritura pública de 20/10/2006, as partes acordaram alterar o contrato de facilidades de crédito com garantia, "no sentido de a indicada linha de crédito [ser] até ao montante de quatrocentos mil euros" e ampliar a hipoteca sobre as fracções autónomas descritas.

Vemos, pois, que, entre exequente e executados, foi celebrado um contrato de abertura de crédito, que pode definir-se como o contrato pelo qual um banco se obriga a ter à disposição da outra parte (creditado) uma quantia pecuniária, que esta tem direito a utilizar nos termos aí definidos, por certo período de tempo ou por tempo indeterminado[2].

Decorre desta noção que se trata de um contrato consensual por oposição a contrato real quoad constitutionem: "fica perfeito com o acordo entre as partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária, ao contrário do que sucede com o mútuo clássico"[3].

Por outro lado, a abertura de crédito pode ser simples ou em conta-corrente – naquele caso, o beneficiário pode utilizar o crédito de uma só vez ou recorrer a utilizações parciais até atingir o limite fixado, mas sem poder repor o valor inicial; no segundo caso, as restituições das quantias utilizadas permitem repor – no todo ou em parte, de acordo com o valor restituído – a disponibilidade (abertura de crédito revolving)[4].

De referir ainda que a abertura de crédito pode ser garantida (se o banco beneficia de garantia que assegure a restituição das quantias utilizadas) ou a descoberto.

Está sujeita à forma escrita, como o mútuo bancário, exigindo, porém, escritura pública se for prestada garantia que que requeira esta formalidade, como a hipoteca (cfr. art. 714º do CC).

No caso, a abertura de crédito foi celebrada por documento particular e na modalidade de conta-corrente, garantida por penhor.

A exequente obrigou-se, assim, a colocar à disposição dos executados a quantia acordada, para que estes a pudessem utilizar nos termos previstos no contrato. A exequente não se constituiu, desde logo, credora de uma prestação pecuniária, pois isso só veio a verificar-se com a posterior mobilização pelos executados das importâncias disponibilizadas pela exequente.

Por outro lado, conforme dispõe o art. 45º, nº 1, do CPC, na redacção aqui aplicável[5], toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

O título executivo é, assim, o documento que serve de base à execução, o meio legal de demonstração da existência do direito do exequente.

"Trata-se de um documento a que, com base na aparência ou probabilidade do direito nele documentado, o ordenamento jurídico assinala um suficiente grau de certeza e de idoneidade para constituir uma condição de exequibilidade extrínseca da pretensão"[6].

O art. 46º, nº 1, al. c), do CPC confere força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.

O documento particular, para constituir título executivo, deve, pois, satisfazer estes requisitos:

- conter a assinatura do devedor;

- importar a constituição ou reconhecimento de obrigação;

- a obrigação reportar-se ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, à entrega de coisa ou à prestação de facto.

No caso, como decorre do que acima se referiu sobre a abertura de crédito, no contrato celebrado em 22.08.2005 não foi constituída ou reconhecida qualquer obrigação pecuniária pelos executados, não certificando aquele contrato, por si só, qualquer dívida destes.

Não resulta daí, na verdade, a efectiva entrega de qualquer montante aos executados; apenas importaria a futura constituição de obrigações, mediante a mobilização pelos executados dos fundos colocados à sua disposição pela exequente.

Assim se decidiu no Acórdão do STJ de 08.03.2005[7], em cujo sumário se pode ler:

II - Num contrato de abertura de crédito, o Banco apenas se vincula a realizar no futuro as prestações que o cliente venha a exigir nos termos contratados, consistindo a prestação imediata do Banco apenas na manifestação de vontade de vir a tornar-se credor.

III - O cliente não fica desde logo titular efectivo de qualquer soma em dinheiro, apenas tendo a disponibilidade de a ele vir a recorrer (que pode ou não vir a utilizar), dependendo a disposição dos fundos da sua manifestação de vontade.

Tal como se afirmou no referido Acórdão, pode dizer-se, com referência ao citado art. 46º, nº 1, c), do CPC, que o contrato de abertura de crédito é um documento particular assinado pelos executados, importando a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente.

Essa determinação deveria ter sido feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respectivos montantes.

Conforme dispõe o art. 804º do CPC (actual art. 715º), quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente que se efectuou ou ofereceu a prestação.

Assim, não resultando do contrato celebrado a concessão efectiva de qualquer crédito, o que só ocorreria posteriormente com a mobilização pelos executados do montante disponibilizado, tornava-se necessário que a exequente, através de documentação complementar, demonstrasse que os executados utilizaram efectivamente aquele montante, como foi alegado.

Ora, a exequente juntou extractos da conta corrente e da conta à ordem associada de que os executados eram titulares. Todavia, esses extractos, para além de incompletos, são da autoria da exequente, não estando assinados pelos executados; não podem, por isso, considerar-se constitutivos ou recognitivos da obrigação.

Assim, ao invés do que vem alegado pela recorrente, não foi junta aos autos toda a documentação necessária para comprovar a concessão do crédito aos executados.

Alega, porém, a recorrente que consta do contrato celebrado entre as partes que os executados se confessaram devedores da exequente.

Com efeito, nos termos da cláusula 23ª das condições gerais, os creditados confessam-se, desde já, devedores perante o Banco por qualquer obrigação para si decorrente do presente contrato, constituindo-se como responsáveis solidários pelo integral cumprimento do presente contrato, podendo o banco exigir o cumprimento a qualquer deles de qualquer das obrigações decorrentes do contrato, nomeadamente o reembolso ou o pagamento dos juros e demais despesas, impostos e encargos que se mostrem devidos.

Com o devido respeito, esta cláusula nada acrescenta de útil à questão aqui debatida. Não está em causa, na verdade, que os executados sejam responsáveis pelas obrigações que assumiram no contrato, uma vez que, como é típico da abertura de crédito, se vincularam a reembolsar a exequente das importâncias levantadas e demais acréscimos que se mostrem devidos. O que se discute, para além disso, é saber que importâncias foram efectivamente utilizadas pelos executados, o que os elementos juntos aos autos não permitem certificar.

Acrescenta ainda a recorrente que o documento particular, que titula o contrato, foi alterado e convertido em escritura pública. Assim, mesmo que não seja reconhecida força executiva a esse documento, este, ao ser aditado por escritura pública, deve ser considerado título executivo.

Sem razão, também aqui.

Com efeito, lendo as escrituras de 30.09.2005 e de 20.10.2006, parece inequívoco que a intenção prosseguida pelas partes foi apenas a de, naquele caso, alterar a garantia prestada, substituindo o penhor pela hipoteca; e neste, a de reforçar esta garantia, acompanhando a ampliação da linha de crédito para € 400.000,00.

Na escritura de 30.09.2005, fazendo-se referência ao contrato anterior, alude-se, é certo, de forma menos rigorosa, ao "contrato de mútuo celebrado em 22.08.2005" e ao "empréstimo" de € 250.000,00.

Porém, como aí se acrescenta, dá-se por integralmente reproduzido o aludido contrato. O objectivo das partes vem indicado de seguida: pela presente escritura e em alteração do contrato atrás referido, estipulam e aceitam a substituição da caução, objecto do penhor das referidas unidades de participação por hipoteca, das seguintes fracções autónomas.

Parece, pois, evidente que, com excepção da garantia, os outorgantes não alteraram substancialmente o contrato anterior, para ele remetendo, mantendo-se deste modo o seu conteúdo.

Já a escritura de 30.10.2006 repõe os termos formalmente correctos, aludindo ao contrato de facilidades de crédito com garantia. A intenção das partes foi, também aqui, manifestamente, a de "ampliar a hipoteca", por forma a garantir o aumento da linha de crédito.

Assim, a forma utilizada – escritura pública – foi imposta, necessariamente, pela natureza da garantia prestada. O contrato, na sua estrutura essencial, manteve-se o mesmo – um contrato de abertura de crédito, na modalidade de conta corrente garantida.

Será de referir, de todo o modo, que, mesmo no entendimento da recorrente, as referidas escrituras públicas, constituindo documentos exarados por notário, não importariam, por si só, a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação (cfr. art. 46º, nº 1, al. b), do CPC); remetendo para o contrato anteriormente celebrado, teriam de ser integradas e completadas pelo conteúdo deste, que apenas prevê, como se disse, a futura constituição de obrigações. Assim, não dispensariam – só poderiam servir de base à execução com – a prova complementar de que essas obrigações vieram a ser efectivamente constituídas, concretizando a previsão das partes – art. 50º do CPC[8]. Prova essa que, no caso, não foi feita.

Conclui-se, por conseguinte, que o contrato de abertura de crédito e a documentação junta pela exequente não constituem, só por si, título executivo (mesmo os extractos das contas, que não constituiriam documento complementar suficiente, estão incompletos).

Porém, não parece que daí decorra, forçosamente, a extinção da execução com base na insuficiência do título executivo, como foi decidido.

Com efeito, uma das linhas mestras que, desde a reforma de 1995, enformam o processo civil é a de garantir a prevalência do fundo sobre a forma, privilegiando-se a providência de mérito, em detrimento da aplicação estrita de normas de índole formal.

Esta orientação concretiza-se, no âmbito da acção executiva, designadamente, no dever de convidar o exequente a suprir a falta de pressupostos processuais e as irregularidades de que enferma o requerimento executivo, desde que sanáveis, como se prescreve expressamente no art. 812-E, nº 3, do CPC.

Será o caso da execução baseada em título de que resulte a incerteza da obrigação ou a inexigibilidade da prestação e não seja imediatamente oferecida e efectuada prova complementar do título[9].

A formulação desse convite para o aperfeiçoamento do requerimento executivo é ainda possível para além da fase liminar da execução, como decorre do disposto no art. 820º (actual art. 734º) do CPC[10].

Só no caso de tal convite não ter resposta adequada, não sendo aperfeiçoada a petição e suprido o vício, é que deverá ser decretada a extinção da execução (cfr. art. 812-E, nº 4)[11].

V.

Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, devendo a exequente ser convidada na 1ª instância a apresentar novo requerimento executivo em que proceda a detalhada liquidação da quantia exequenda, juntando documentação complementar que comprove e justifique essa liquidação.

Custas, nesta revista e nas instâncias, pelos recorridos.

                                            

Lisboa, 10 Abril de 2018

Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

____________________
[1] Proc. nº 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2
F. Pinto de Almeida (R. 223)
Cons. José Rainho; Consª Graça Amaral
[2] Cfr. Calvão da Silva, Direito Bancário, 365; Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, 207; Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4ª ed., 639.
[3] Menezes Cordeiro, Ob. Cit., 640.
[4] Pestana de Vasconcelos, Ob. Cit., 209.
[5] Anterior à Reforma de 2013, como decorre do disposto no art. 6º, nº 3, da Lei 41/1013, de 26/6.
[6] Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, 56 e 57.
[7] Acessível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Acórdãos do STJ de 06.02.2007, CJ STJ XV, 1, 69 e de 17.04.2007 (sumário), em www.stj.pt.
[9] Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª ed., 96; Lopes do Rego, Requisitos da obrigação exequenda, em Reforma da Acção Executiva, Themis, Ano IV, nº 7, 69.
[10] Cfr. Lebre de Freitas, Ob. Cit., 164 e 165.
[11] Cfr. os Acórdãos do STJ de 08.03.2005, acima citado, e de 05.05.2011, acessível também em www.dgsi.pt.