Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
338/11.1TBCVL.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
DEFEITO DA OBRA
CADUCIDADE
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / CONTRATOS EM ESPECIAL / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 297.º, N.º2, 333.º, 798.º, N.º1, 1225.º, N.ºS 1, 2 E 5.
DECRETO-LEI N.º 67/2003, DE 8 DE ABRIL, COM O ADITAMENTO DO DECRETO-LEI Nº 84/2008, DE 21 DE MAIO: - ARTIGO 5.º-A.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 7 DE JANEIRO DE 2010, PROC. Nº 542/09.2YFLSB, DE 10 DE MARÇO DE 2011, PROC. N.º 9195/03.0TVLSB.L1.S1), AMBOS EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 29 DE ABRIL DE 2010, PROC. 2622/07.0TBPNF.P1. S1, DE 28 DE SETEMBRO DE 2010, PROC. Nº 171/2002.S1; AMBOS EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 24 DE MAIO DE 2012;
-DE 14 DE MARÇO DE 2013, PROC. Nº 78/09.1TVLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Conforme tem entendido o STJ, na execução do mandato forense o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do cliente, com respeito das regras de conduta próprias da profissão, e dispõe de uma significativa margem de liberdade técnica, que tem de ser respeitada.

II - Essa liberdade, no entanto, tem âmbitos diferenciados, consoante as situações, e deve ser exercida de acordo com o fim do contrato.

III - No cumprimento desse mandato não se inclui, pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide; trata-se, como habitualmente se refere, de uma obrigação de meios, e não de resultado.

IV - Numa acção movida contra mandatário forense, com fundamento em não ter proposto, no prazo legal, acção de reparação de danos decorrentes de defeitos num imóvel, independentemente da divergência relativamente ao prazo de caducidade aplicável, a perda de oportunidade só poderia fundamentar uma indemnização se, para além da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, pudesse reconhecer-se uma elevada probabilidade de vir a ser declarada a caducidade do direito à reparação dos defeitos e, simultaneamente, uma elevada probabilidade de procedência da acção correspondente se tivesse sido instaurada a tempo.

V - Não sendo linear qual o regime aplicável, nem tendo sido uniformizada jurisprudência que, com elevada probabilidade, seria seguida se a acção tivesse sido intentada, não pode concluir-se que, se essa acção tivesse sido proposta, teria sido julgada improcedente por caducidade do direito exercido, posto que os demais elementos de facto e de direito apontassem no sentido de haver uma forte probabilidade de ganho de causa.

VI - A indemnização por perda de oportunidade de apreciação judicial, entendida como dano autónomo e susceptível de ser indemnizado mesmo que não se consiga estabelecer um nexo de causalidade entre a propositura (hipoteticamente) tardia da acção e os danos decorrentes dos defeitos do imóvel comprado pela autora, tem por base a forte probabilidade de procedência da acção, se tivesse sido proposta, e não um julgamento a posteriori pelo tribunal da acção de indemnização.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA instaurou uma acção contra BB, advogada, e CC - Corretores de Seguros e Companhia de Seguros DD, SA, pedindo:

– que se declarasse que a primeira ré não cumpriu o contrato de mandato forense entre ambas celebrado “tendo em vista a resolução de um diferendo que a opunha à Imobiliária (…), o que pressupunha na falência da resolução consensual, o recurso à via judicial nos prazos legalmente estabelecidos para o efeito”,

– que se reconhecesse “o incumprimento contratual e a consequente perda de chance da A. em ver apreciada judicialmente a sua pretensão”,

– que, “em consequência dessa violação contratual a A. sofreu danos”

– e que as rés fossem condenadas no pagamento de € 129.657,54, acrescidos de IVA, “quando aplicável”, por danos patrimoniais, do “montante das rendas vincendas após Fevereiro de 2011”, de € 100.000,00 por danos não patrimoniais, tudo com juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até ao pagamento integral, por não ter “agido atempadamente”, propondo a necessária “acção judicial dentro do prazo de garantia do imóvel”, que apresentava defeitos de construção que o tornavam inabitável.

Relativamente às segunda e terceiras rés, a autora invocou terem celebrado com a primeira ré contratos de seguro destinados a garantir eventual “responsabilidade civil profissional”.

BB contestou. Por entre o mais, delimitou os termos do mandato aos “problemas (…) relacionados apenas e só com a água que surgia” no interior da habitação, afirmou que, após a notificação judicial avulsa dirigido ao “construtor/vendedor”, referida pela autora, tinha a “intenção imediata” de propor uma acção “utilizando o instituto jurídico do enriquecimento sem causa” mas que a autora revogou o mandato, sem lhe permitir “aprofundar (…) as questões (…) essenciais” para o efeito, negou que as rendas a que a autora se refere se pudessem ligar causalmente aos defeitos do imóvel e impugnou diversos factos alegados pela autora. Requereu ainda a intervenção principal de EE Company (Europe).

A autora apresentou réplica.

Também contestaram: a ré CC – Corretores de Seguros, SA. Sustentou a sua ilegitimidade e defendeu-se por impugnação; e a ré Companhia DD, SA, nomeadamente afirmando desconhecer muitos dos factos alegados e questionando o nexo de causalidade entre a omissão atribuída à primeira ré e os danos invocados; a ambas as contestações a autora respondeu, em réplica.

Pelo despacho de fls. 356 foi admitida a intervenção de EE Company (Europe), que veio contestar.

No despacho saneador, a ré CC – Corretores de Seguros, SA foi absolvida da instância

Pela sentença de fls. 506, a acção foi julgada improcedente nestes termos: “(...) quando a A. constitui novo mandatário, podia ainda ser intentada acção contra a construtora/vendedora para fazer valer os direitos daquela, relativa aos alegados defeitos do imóvel, denunciados em 2008. E assim, não pode concluir-se, como pretende a A., que a 1.ª R. incumpriu o contrato de mandato forense que lhe foi conferido, ao não intentar atempadamente a competente acção judicial. E com esta conclusão, sequer cumpre apreciar as demais questões suscitadas, porque logicamente prejudicadas.”

A autora recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, juntando um parecer jurídico, do Prof. Doutor José Luís Bonifácio Ramos; mas a Relação negou provimento à apelação, confirmando a sentença: “(…) é de concluir, como fez a decisão recorrida, que quando a autora constitui novo mandatário, o que sucedeu em finais de 2009, princípios de 2010, revogando tacitamente o mandato conferido à 1ª ré (artigo 1171º do Código Civil), ainda não estava findo o prazo para a autora exercer judicialmente os seus direitos contra a vendedora do imóvel.

(…) Se a autora, quando revogou tacitamente o mandato conferido à 1ª ré, ainda tinha a possibilidade de accionar judicialmente a vendedora e de ter sucesso na sua demanda, não se pode declarar, como pede a ora recorrente, que a mesma, em consequência da omissão da 1ª ré, perdeu a “chance” de ver apreciada judicialmente a sua pretensão.

Note-se por último que, mesmo laborando no pressuposto em que labora a recorrente, ou seja, no pressuposto de que a 1ª ré deixou passar o prazo previsto na lei para propor a mencionada acção, não se podia concluir, sem mais, que a acção havia caducado (…). Uma vez que a caducidade da acção não era de conhecimento oficioso, pois a matéria em causa não estava excluída da disponibilidade das partes (artigo 303º do Código Civil aplicável pela remissão do n.º 2 do artigo 333º do mesmo diploma), a caducidade necessitava, para ser declarada, de ser invocada judicialmente pela vendedora (Sociedade Imobiliária FF, SA).

Daí que a circunstância de a 1ª ré não ter proposto a acção dentro do prazo de caducidade previsto na lei não determinava sem mais a caducidade da acção. O que se podia dizer era que, caso a acção fosse intentada, seria muito provável que a ré invocasse a caducidade e que o tribunal a declarasse, com a consequente absolvição da demandada dos pedidos (artigo 576º, n.º 3, do Código Civil). Por outras palavras, mesmo laborando no pressuposto em que laborou a recorrente, a caducidade não podia dar-se como certa; apenas como provável ou muito provável.

Considerando que todos os pedidos laboram no pressuposto de que a 1ª ré deixou caducar o direito de a autora exigir judicialmente à vendedora do imóvel a reparação dos defeitos e a indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes dos defeitos e que este pressuposto não se verifica, bem andou a decisão recorrida em julgar improcedente a acção e em absolver as rés dos pedidos”.


*


2. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, interpondo recurso de revista excepcional, que foi admitido pelo acórdão de fls. 895.

Nas alegações que apresentou, e deixando de lado a parte relativa à justificação da admissibilidade da revista excepcional, a autora formulou as seguintes conclusões, no que releva para a definição do objecto do recurso (artigo 635º, nº 4, do Código de Processo Civil):


(…) II. Em primeiro lugar, cumpre decidir se o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, relativo às garantias dos bens de consumo, se aplica aos contratos de compra e venda e empreitada de bens imóveis celebrados antes de Junho de 2008,

III. Em segundo lugar, e sem conceder, caso se entenda que ao contrato dos presentes autos, assim como, em geral, aos contratos de compra e venda e empreitada de imóveis, celebrados após 8 de Abril de 2003 e antes de 20 de Junho de 2008 (data da entrada em vigor do Decreto-Lei n,º 84/2008, de 21 de Maio, cujo âmbito de aplicação abrange já os bens imóveis corpóreos), se aplica o regime constante do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, o que se admite por mero dever legal de patrocínio forense, sempre haveria que analisar uma segunda vexata quaestio, que se relaciona com a eventual aplicação retroactiva do Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio, aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.

(…) V. No caso em apreço, cumpria resolver o incumprimento do contrato de mandato celebrado entre a Autora e a 1ª Ré; reconhecer e declarar o incumprimento contratual e a consequente perda de chance da Autora em ver apreciada judicialmente a sua pretensão; reconhecer e declarar que em consequência dessa violação contratual a Autora sofreu os danos invocados bem como reconhecer que o direito de acção da Autora caducara, em razão da aplicação ao caso da normação do Código Civil ou, sem prescindir, e caso se entenda que regulará esta as normas relativas à defesa do consumidor, apenas o disposto no DL 67/03, de 8.04, sem as alterações do DL 84/2008 de 21.05.

VI. Aquando da outorga do mandato à 1ª Ré, em 16 de Junho de 2008, a A. deu a conhecer àquela todos os elementos relativos à situação dos defeitos evidenciados pelo imóvel, designadamente a carta de denúncia dos defeitos remetida em 10 de Janeiro de 2008 à sociedade construtora/vendedora e o teor do Auto de Vistoria realizado ao imóvel em 25 de Março de 2008, para que procedesse de imediato à propositura da acção judicial competente.

VII. A 1ª Ré manteve uma inacção desde Junho de 2008 a Novembro de 2009, retirando à A. a possibilidade do exercício do direito de acção quando é certo conhecer a 1ª R. os exactos termos e limites desse exercício, em concreto a sua caducidade, sendo certo que a própria declaração da entidade fiscalizadora, autora da vistoria, permitia à A. a afirmação quanto á probabilidade da procedência da acção a propor contra a sociedade construtora/vendedora pelos defeitos de construção verificados no imóvel.

VIII. Tais defeitos, comprovados no Auto de Vistoria, foram identificados como emergentes de vício ou erros na construção e como tal indemnizáveis ao abrigo do regime previsto no artigo 1225º do Código Civil, aplicável in casu em face da dupla qualidade da Imobiliária FF, S.A. como vendedora e construtora do imóvel - cfr. nº 4 do artigo 1225º do Código Civil, sendo que em 16 de Junho de 2008, estava ainda em curso o prazo de garantia legal de 5 anos e bem assim o prazo para propositura da acção respectiva previstos no artigo 1225º do Código Civil.

(…) XII. Sem prescindir do alegado supra, caso se entenda dever aplicar-se ao contrato sub judice o Decreto-Lei n.º 67/2003, o que se admite por mero dever legal de patrocínio forense, sempre haveria que concluir pela inaplicabilidade do diploma que procedeu à alteração daquele, mormente o artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.

XIII. A decisão da aplicação à questão dos autos das normas contidas nos preceitos constantes dos artigos 4º, nº 1, 5º, nº 1, 5º, nº7 e 5º A, nº 3, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n. 84/2008, de 21 de Maio, fazendo valer o prazo para o exercício de direitos além consignado, constitui, como no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.10.2011, uma verdadeira actividade legislativa, vedada ao intérprete, porquanto o Decreto-lei n.º 84/08, que alterou e republicou o Decreto-Lei n.º 67/03, e que entrou em vigor em 20 de Junho de 2008, não é de aplicação retroactiva.

XIV. Tal circunstância consubstancia uma verdadeira actividade legislativa, vedada ao intérprete, por colidir com o princípio constitucional da separação de poderes e da vinculação dos Tribunais à Lei, sendo, portanto, inconstitucional por violação do disposto nos artigos 111º, 202º, nº 2 e 203º da Constituição da República Portuguesa

(…) XX. Ao considerar aplicável, in casu, o artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 84/20081 de 21 de Maio, viola o Acórdão recorrido o princípio geral da não retroactividade das leis, consagrado pelo artigo 12º, n" 1, do Código Civil, que estatui que as mesmas só dispõem para o futuro.

(…) XXVI. Caso a 1ª Ré tivesse intentado a acção judicial em devido tempo, a verificação dos flagrantes e graves defeitos evidenciados no imóvel dentro do prazo legal da garantia e a denúncia dos mesmos efectuada atempadamente pela Autora, seriam pressupostos cuja prova não levantaria qualquer dificuldade e que, em face da respectiva demonstração, permitiriam responsabilizar a sociedade construtora/vendedora nos termos do regime legal dos imóveis destinados a longa duração.

(…) XXX. Verificado o incumprimento contratual da 1.ª Ré e subsequente obrigação de indemnizar, deverão também as 3ªs e 4ªs Rés ser condenadas no pedido, por via da existência de contratos de seguro válidos e eficazes entre a 1ª Ré e estas para cobertura dos danos causados aos lesados no âmbito da respectiva actividade profissional.

(…) Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser admitido, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC e, reconhecida a interpretação defendida pela recorrente quanto às questões fundamentais de direito, nomeadamente quanto à inaplicabilidade, in casu, do artigo 5.º - A do Decreto-lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que julgue a acção procedente, com as legais consequências.»


Contra-alegaram EE Company, Ltd. e DD, SA, sustentando a inadmissibilidade do recurso e, em qualquer caso, a confirmação do acórdão recorrido.


O recurso de revista excepcional foi admitido pelo acórdão de fls. 895, proferido pela formação prevista no nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil,


3. Vem provado o seguinte:

1. A 1.ª Ré exerce a actividade profissional de advogada, sendo portadora da cédula profissional n.º …C.

2. Por documento escrito denominado “Procuração”, outorgado em 16 de Junho de 2008, a Autora declarou que constituía sua bastante procuradora a Sra. Dra. BB, advogada, portadora da cédula profissional n.º…-C, com domicílio profissional na …, … Covilhã, a quem conferiu os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos, incluindo os de transigir, confessar e desistir, poderes para a representar em Sedes de Câmaras Municipais mais especificamente em Departamentos de Obras e Urbanismo, assinar o necessário para os referidos fins, todos os poderes de representação, representa-la em todos os actos judiciais pessoais que a lei permite, celebrar escrituras de compra e venda, de arrendamentos, e de todos os tipificados na lei civil, proceder aos respectivos registos na Conservatória do Registo Predial, representá-la em quaisquer repartições públicas, imobiliárias e empresas privadas e instituições bancárias.

3. Por escritura pública denominada de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Fiança”, outorgada em 22 de Março de 2004, no Cartório Notarial da Covilhã, GG, em representação de "Imobiliária FF, Sociedade Anónima", NIPC …, com sede da …, freguesia de São Pedro, 6200-… Covilhã, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Covilhã sob o número …, declarou vender a AA, um prédio urbano, composto de rés-do-chão, primeiro andar e sótão, com a área coberta de 131 m2 e logradouro com a área de 196 m2, sito no lote n.º …, na Quinta …, na freguesia …, concelho da Covilhã, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de 67.320,00€, descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o n.º …, da freguesia …, pelo preço de cento e cinquenta mil euros, e esta declarou aceitar a referida transmissão.

4. Em 26 de Novembro de 2009 foi entregue no Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, por via electrónica, Notificação Judicial Avulsa da qual consta como requerente AA, como requerido "Imobiliária FF, S.A." e como mandatário subscritor BB, com a cédula …C.

5. Na peça processual referida em 4), a autora comunicou que apresentava Notificação Judicial Avulsa de "Imobiliária FF, S.A.", com os seguintes fundamentos: “1.º - Requerente e requerida celebraram entre si escritura de compra e venda de imóvel sito em Urbanização Quinta …, lote …, Rua …, 6200-… Covilhã, que corresponde a prédio urbano composto por Edifício de r/c, 1.º andar e sótão, e logradouro, correspondente ao lote n.º14, sob o artigo … inscrito na matriz da freguesia …. 2.º - A requerente verifica que há água no exterior da laje térrea no alpendre da fachada principal no imóvel da fachada principal do imóvel supra indicado. 3.º - No interior do seu edifício observa a presença de humidade excedente por capilaridade na parede das divisões do r/c, nomeadamente do hall, quarto, sal e lavandaria. 4.º - Verifica que a água é limpa e transparente em todo o chão da sala e lavandaria. 5.º- Esta água é visível nas divisões já mencionadas sempre que é aberta a torneira de corte geral da rede de abastecimento de água. 6.º - A requerente considera que devem ser efectuados trabalhos de sondagem à canalização de abastecimento de água no piso do r/c para posterior reparação ou substituição da mesma, incluindo todos os trabalhos de reposição da mesma. 7.º A requerente considera ainda necessário reparar o estuque com limpeza e pintura em todas as paredes com presença de humidade no piso do r/c. 8.º - Quer o trabalho de sondagem, quer todos os trabalhos de reparação, são estritamente necessários para o imóvel reunir condições higiossanitárias aos seus residentes. Com esta notificação pretende-se: Dar conhecimento ao notificando das condições de salubridade do imóvel; Dar conhecimento das diligências necessárias para averiguação dos pontos de saída da água; Dar conhecimento das diligências necessárias para a reparação dos defeitos encontrados bem como dos danos causados; Solicitar a comparência do (s) representante (s) legal (ais) na morada do escritório da mandatária subscritora da peça no prazo de 10 dias úteis após o recebimento desta notificação, devendo para este efeito agendar data e hora para os contactos constantes em rodapé; Solicitar que, após a referida reunião, seja vistoriado o imóvel por V. Exas. em conjunto com esta mandatária e perito (s) técnicos em engenharia civil que coadjuvarão na análise e resolução das referidas situações mencionadas em artigos 6.º, 7.º e 8.º”.

6. De documento escrito denominado “Auto de Vistoria de Conservação, Segurança e Salubridade de Edificação”, datado de 25 de Março de 2008, consta que na Urbanização Quinta… lote … - Rua …, n.º …, Covilhã, onde foi realizada vistoria, compareceram a Sra. Eng. HH, a Sra. II, o Sr. Arq. JJ na qualidade de representantes da Câmara Municipal da Covilhã, os quais fazem parte da Comissão de Vistoria e do representante do delegado de Saúde Dr. KK, na presença do pai e mãe como representantes da notificada e proprietária, Sra. Dra. AA, tendo verificado o seguinte: “a) a presente vistoria foi realizada na sequência do requerimento n.º 1286/08 efectuado pela proprietária Sra. Dra. AA datado de 26/02/2008; b) a comissão procedeu à vistoria do imóvel, actualmente habitado, constituído por dois pisos de habitação unifamiliar, com estrutura em betão armado, paredes de alvenaria em tijolo rebocado e pintado, localizado na Rua … n.º …, Covilhã (anexo 1); c) a comissão verificou a presença de água no exterior da laje térrea do alpendre da fachada principal. No interior do edifício observou-se a presença de humidade ascendente por capilaridade nas paredes das divisões do r/chão nomeadamente, no hall, quarto, sala e lavandaria. Verificou a presença de água limpa e transparente em todo o chão da sala e lavandaria, (anexo 2). Situações que atestam a falta de condições de salubridade e higiossanitárias. d) A comissão foi informada pelos representantes da proprietária que existe presença de água nas divisões acima mencionadas, sempre que abrem a torneira de corte de geral da rede de abastecimento de água. e) A comissão verificou que o alvará de utilização n.º 254/03 datado de 04/0912003, documento apenso ao processo em apreço. Pela vistoria agora realizada e em conformidade com o previsto no art. 89 do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro alterado pelo Lei n.º 60/2007 de 4 de Setembro a Comissão propõe: que sejam efectuados trabalhos de sondagem à canalização de abastecimento de água no piso do r/chão para posterior reparação e/ ou substituição da mesma, incluindo todos os trabalhos de reposição de pavimento; que sejam efectuados os trabalhos de reparação do estuque com limpeza e pintura em todas as paredes com presença de humidade no piso do rés-do-chão, e forma a reunir as condições de higiossanitárias necessárias à saúde pública.

7. O agregado familiar da Autora é composto por LL, MM, NN e OO.

8. A 1.ª Ré transferiu a sua responsabilidade civil profissional, emergente de danos corporais e/ou materiais causados no exercício da sua profissão, para a 3.ª Ré Companhia de Seguros DD, mediante “contrato de seguro” titulado pela apólice …, até ao limite de 100.000,00 € (cem mil euros), celebrado em 02/02/2006.

9. Consta da cláusula 14, nº 2, das Condições Gerais, do contrato referido em 8), que “existindo à data do sinistro, mais de um contrato de seguro garantindo o mesmo risco”, tal “Apólice apenas funcionará em caso de inexistência, ineficácia ou insuficiência de seguros anteriores”.

10. A 1.ª Ré transferiu a sua responsabilidade civil profissional, emergente de erros ou omissões causados no exercício da sua profissão, para a 4.ª Ré Seguradora EE (Europe), através do “contrato de seguro” titulado pelas apólices DP/OI018/10/B e DP/02416/10/B.

11. Nas Apólices de Seguro de Responsabilidade Civil profissional referida em 10) consta como Tomador do Seguro a Ordem dos Advogados.

12. E como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos advogados.

13. As apólices identificadas em 10) tiveram o seu início de vigência em 01.01.2010, com duração de 12 meses, renováveis, retroagindo os seus efeitos de cobertura, ilimitadamente, a “sinistros” ocorridos antes dessa data.

14. Tendo como limite de indemnização o capital total de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), correspondendo à apólice DP/01018/10/B o capital de € 50.000,00€, respeitante a danos decorrentes de actos dolosos e negligentes, e à DP/02416/10/B o capital de € 100.000,00, respeitante a danos provocados por negligência.

15. Da cláusula 12.º das Condições Especiais das Apólices referidas em 10) consta que “Se qualquer SEGURADO for titular, individualmente ou através de sociedade de advogados, de outra APÓLICE de Responsabilidade Civil que proporcione cobertura idêntica à da presente APÓLICE, fica estabelecido que esta funcionará apenas na falta ou insuficiência daquela, entendendo-se aquela como celebrada primeiro. Se a Apólice ou Apólices de cobertura análoga pré-existentes contiveram uma provisão respeitante à ocorrência de seguros em termos idênticos à presente, entende-se então que esta Apólice actuará em concorrência com as mesmas, cada uma respondendo proporcionalmente aos limites garantidos”.

16. Entre Março e Abril de 2008 a Autora solicitou os serviços de advocacia da 1.ª Ré para resolver o diferendo que a opunha à “Imobiliária FF, S.A.”, relativamente ao prédio identificado em 3).

17. O que pressupunha, não sendo possível uma resolução consensual, o recurso à via judicial.

18. Em Abril de 2004 o imóvel referido em 3) apresentava problemas nos acabamentos, que foram objecto de denúncia por parte da Autora.

19. A resolução dos mesmos ocorreu em 2006.

20. Em Abril de 2006 constataram-se problemas na estrutura do referido imóvel.

21. Os mesmos não foram resolvidos.

22. Em consequência da inacção da construtora, a Autora constituiu a 1.ª Ré sua mandatária, nos termos referidos em 2).

23. Tal aconteceu após a elaboração do documento referido em 6).

24. A diligência referida em 4) teve por base a peritagem efectuada em Junho de 2009, ao imóvel referido em 3).

25. Com vista à verificação dos defeitos e sua eliminação.

26. Após a diligência referida em 4) a 1.ª Ré comunicou ao Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal da Covilhã que desse sem efeito o procedimento administrativo-urbanístico determinado no Auto de Vistoria referido em 6).

27. Após a Notificação Judicial Avulsa referida em 4) a "Imobiliária FF, S.A.", não se deslocou ao imóvel para verificação dos defeitos, nem admitiu a pretensão de reparação.

28. Em 26 de Abril de 2004, a Autora solicitou à "Imobiliária FF, S.A." toda a documentação relativa ao imóvel, as chaves e o comando da garagem.

29. A Autora iniciou a utilização do imóvel em Junho de 2004.

30. Nessa data a Autora denunciou à “Imobiliária FF, S.A." que: a fechadura da porta principal da moradia referida em 3) se encontrava partida; a porta de madeira da cozinha, o corrimão do último vai das escadas de acesso ao sótão tinham sido remendados com massa castanha ao invés de terem sido aplicados em estado de novo; a base do chuveiro da casa de banho do rés-do-chão estava terminada com borracha de duas cores (preto e branco); a persiana da casa de banho comum, do 1.º andar, não tinha mecanismo de segurança; e a tijoleira da entrada principal estava incompleta.

31. Em 4 de Abril de 2006, a Autora solicitou à Imobiliária a reparação da falta de instalação eléctrica na lavandaria, a reparação da Infiltração de água no tecto da sala de jantar e cozinha, com dano no estuque, a reparação da clarabóia instalada no sótão a qual permitia a entrada de água e quando chovia, a falta de drenagem no quintal, que originava acumulação de águas, as rachas do muro frontal, parede interior caída e as caixas do gás, electricidade e água "torcidas", a reparação do soalho e paredes, parede do corredor e azulejos da casa de banho devido a inundação no escritório do rés-do-chão, verificada em Agosto de 2005.

32. A construtora procedeu à reparação da instalação eléctrica na lavandaria, à falta de drenagem no quintal, às rachas do muro frontal, à reparação da parede interior e à reparação das caixas do gás, electricidade e água e à reparação do soalho e das paredes e dos azulejos da casa de banho.

33. Em 2006 a Autora reuniu com a "Imobiliária FF, S.A" para resolverem as questões pendentes, tendo ficado acordada a resolução das anomalias detectadas e não reparadas.

34. Tal situação nunca foi solucionada até Setembro de 2006.

35. As anomalias não foram reparadas.

36. A 24 de Dezembro de 2007 ocorreu uma inundação na cozinha, proveniente do entupimento da fossa do imóvel, que se prolongou até dia 26 do mesmo mês.

37. Para que os serviços técnicos da Câmara solucionassem o problema foi necessário localizar a fossa.

38. Foi necessário destruir o jardim para que a mesma fosse encontrada.

39. Na primeira semana de Janeiro de 2008 foi detectada água no rés-do-chão a sair entre a junção do soalho, como se brotasse do solo.

40. Tal situação manteve-se, tendo sido detectada a origem do problema com a destruição do soalho, em 2010.

41. Em 10 de Janeiro de 2008, a autora denunciou as situações referidas em 39) e 40) à Imobiliária FF, SA.

42. As quais só então foram detectadas.

43. Tendo-lhe dado conhecimento da necessidade da existência de uma caixa-de-ar como infra-estrutura para a placa térrea do imóvel, em face da infiltração de humidades em todas as paredes do rés-do-chão e todas as paredes do 1º andar.

44. Os elementos constantes do documento referido em 6) foram dados a conhecer à ré para que procedesse de imediato à propositura de acção judicial.

45. A 1ª ré não procedeu à instauração de qualquer acção judicial contra a “Imobiliária FF, SA” nem antes nem depois da notificação judicial avulsa referida em 4).

46. Aquando da propositura da acção existiam no rés-do-chão da moradia identificada em 3) manchas de humidade, de fungos e de bolor e deteriorações dos revestimentos das paredes (rebocos, estuque e pintura) em todos os compartimentos com exclusão da cozinha e manchas de humidade e problemas nos revestimentos do pavimento (soalho em madeira e pavimento cerâmico) em todos os compartimentos e nos rodapés e nas madeiras dos aros das portas.

47. No 1º andar existiam diversas fissuras no revestimento das paredes da escada de acesso do rés-do-chão para o 1º andar e fissuras no revestimento das paredes do corredor.

48. Nos quartos o revestimento das paredes apresenta fissuras e na base da parede adjacente ao quarto de banho existiam manchas de humidade.

49. No quarto com casa de banho privativa existia uma fissura com desenvolvimento longitudinal em toda a extensão do tecto.

50. No sótão existia humidade no pano de parede por baixo do peitoril da janela localizada no patamar da escada de acesso ao sótão.

51. E na parte superior do pano de parede localizado acima da referida janela e na parte do tecto a ela adjacente.

52. Existia infiltração de águas pluviais na clarabóia situada no compartimento do vão do telhado.

53. Existia um (pequeno) compartimento por acabar, localizado à direita da entrada do compartimento que possui a clarabóia.

54. No logradouro anterior da moradia existem manchas e deteriorações no reboco e pintura dos muros laterais.

55. As manchas de humidade e as deteriorações nas paredes interiores do corredor e compartimentos do rés-do-chão atingem uma altura entre 1,20 e 1,70 metros.

56. E atingem também as soleiras, os peitoris e as carpintarias dos vãos interiores.

57. Quando se abre a torneira de corte geral - torneira de segurança - aparece água ("limpa") no chão da sala, na zona adjacente à lareira e parede comum com a cozinha e no soalho de todo o rés-do-chão.

58. Para a reparação dos danos enunciados a Autora terá que gastar a quantia de 83.925,00 (a que acresce IVA, à taxa legal).

59. A reparação referida em 58) compreende: Remoção de todos os revestimentos em madeiras e cerâmicas do rés-do-chão, assim como todos os aros dos portados e rodapés; Picagem e remoção de todos os rebocos e gessos que não ofereçam condições de segurança; Reparação e verificação de todas as redes de águas quentes e frias, electricidade e esgotos; Aplicação de todos os rebocos e gessos que forem necessários para um bom acabamento; Aplicação de todos os revestimentos cerâmicos e madeiras em paredes e em pavimentos; Aplicação de novos aros nos portados e novos rodapés e substituição das portas com deficiências; Reparação de todas as fissuras da habitação e pintura geral do interior da mesma; Acabamento de um compartimento no sótão, incluindo reboco projectado ou outro devidamente pintado e betonilha afagada; Reparação das deficiências no telhado junto à clarabóia e das deficiências junto à janela do patamar da escadaria; Pintura dos muros exteriores do alçado principal; Limpeza dos granitos e tratamento dos mesmos.

60. As condições da moradia contribuíram para a mudança de residência do agregado familiar da A. para Coimbra, primeiro para um apartamento sito na Urbanização …, Lote …, Coimbra, depois para o apartamento sito na Rua …, Lote …, Coimbra e, desde Março de 2010, para outro apartamento sito na Urbanização …, Lote …, 1-A, Coimbra.

61. Apesar de desempenhar a sua actividade profissional em Coimbra, sempre foi propósito da Autora manter a sua residência na moradia referida em 3), por aí se situar o seu centro de vida, local onde residia com a sua família, onde tinha todos os seus bens pessoais.

62. A Autora sentiu desgosto e angústia com o estado em que se encontra a moradia e por isso passou a residir, exclusivamente, juntamente com os seus familiares, em Coimbra.

63. A mudança de residência implicou o transporte do recheio da habitação para a casa arrendada em Coimbra e levou a que alguns dos móveis que se encontravam na moradia fossem guardados numa garagem.

64. Foram realizados três transportes de mobiliário da Covilhã para Coimbra, custando cada viagem a 650,000 (a que acresce IVA).

65. Os elementos do agregado familiar permaneceram na habitação, aos fins-de-semana, até meados do Verão de 2009.

66. Desde Dezembro de 2007 que para uso da água é necessário recorrer constantemente à torneira de segurança localizada no exterior da moradia, com o uso de baldes para enchimento dos autoclismos, lavagem da loiça e roupa à mão.

67. Sendo necessário aquecer no fogão recipientes com água e transportá-los para a casa de banho situada no 1.º piso, para a realização da higiene diária dos elementos do agregado familiar.

68. A humidade e inundações do piso térreo, o bolor existentes nas paredes de todas as divisões desse piso, não permitem o uso das mesmas e o contacto com qualquer tipo de móvel, cortinados, tapetes, quadros.

69. Em renda de casa a Autora despendeu, até Fevereiro de 2011, inclusive, a quantia de 13.425,00€.

70. No restauro do mobiliário danificado, a Autora despendeu a quantia de 18.242,65€.

71. Para repor a cozinha, quer ao nível de estruturas, quer de equipamento, a Autora gastará 12.114,89€.

72. Os factos referidos de 66º) a 71º) afectam a saúde física e psíquica da Autora e do seu agregado familiar.

73. A Autora teve que manter a mensalidade bancária, os contadores de luz e água, o que a afectou emocionalmente.

74. A Autora sente-se angustiada e ansiosa por não poder usar e fruir, com o seu agregado familiar, o imóvel adquirido.

75. A Autora não pode usufruir dos bens que constituíam o recheio da moradia, nomeadamente peles, tapeçarias, lustres, artigos de arte, peças de roupa, assim como peças de mobiliário.

76. Tais bens foram destruídos pela humidade da habitação e por terem sido armazenados e transportados para outro local.

77. Parte desses bens foram herdados e adquiridos pela A. e demais elementos do agregado familiar.

78. A Autora sente tristeza e angústia por assistir à sua degradação.

79. A Autora sente-se angustiada e triste com o sofrimento dos seus familiares que consigo habitavam a moradia.

80. Com a permanência na habitação agravou-se o estado de saúde dos familiares da Autora.

81. NN encontrou-se acamada e totalmente dependente e era portadora de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, dependente de oxigénio, tendo necessidade de recorrer ao serviço de urgência.

82. LL é doente com patologia reumática, tendo a sua situação de saúde agravado devido às condições de salubridade e higiossanitárias da moradia.

83. A autora tem na sua moradia uma cama articulada, uma casa de banho adaptada, aquecimento central e acesso facilitado de entrada/saída, que não podem ser usados pelo seu agregado familiar.

84. Com isso a Autora sente-se triste, ansiosa, nervosa e angustiada e condiciona, no seu dia-a-dia, o desempenho da sua actividade profissional.

85. A Autora não pode receber visitas na habitação pelas condições de deterioração da mesma, não recebendo ninguém há mais de 3 anos, nem lá celebrando qualquer festividade.

86. O referido em 85º) entristece e angustia a Autora.

87. A Autora é pessoa sociável e gosta de receber e conviver com familiares e amigos.

88. Após ter efectuado a diligência referida em 4), a 1.ª Ré pretendia instaurar uma acção judicial, solicitando na mesma uma peritagem às causas da proveniência da água na moradia da Autora.

89. Em finais de 2009/início de 2010 a Autora contratou os serviços de outro advogado.

90. A Autora foi trabalhar para Coimbra em 2009, após ter terminado o estágio, tendo aí arrendado uma casa.


4. A primeira questão a resolver, neste recurso, é a de saber se ocorreu ou não incumprimento culposo do contrato de mandato forense celebrado entre a autora e a primeira ré, traduzido na falta de propositura atempada de uma acção destinada a obter a responsabilização pelos defeitos que apresentava o imóvel identificado nos autos, comprado pela autora a uma sociedade que, simultaneamente, o tinha construído.

Verificado que houve o incumprimento, caberá então apurar as respectivas consequências, tendo em conta os danos invocados pela autora e o correspondente pedido de indemnização pela perda da oportunidade de os ver judicialmente apreciados (perda de chance), por não ter sido proposta a acção correspondente. Não apurado o incumprimento, nada mais haverá que averiguar, por faltar um pressuposto essencial da responsabilidade invocada pela autora (nº 1 do artigo 798º do Código Civil). Neste sentido decidiram ambas as instâncias, como se viu já.


5. Pese embora existir alguma divergência quanto ao respectivo âmbito, não se discute nos autos que foi celebrado um contrato de mandato forense entre a autora e a primeira ré, advogada, destinado a resolver o diferendo que opunha a autora à vendedora/construtora do imóvel em causa, que apresentava defeitos vários que punham em causa a sua aptidão para o fim a que se destina (habitação).

Também não se discute que esse mandato abrangia a eventual necessidade de recorrer à via judicial para obter a reparação dos defeitos e/ou a indemnização pelos danos por eles causados; sabe-se ainda que houve vários danos que, não obstante serem denunciados pela autora, não foram objecto de reparação; e que a primeira ré não propôs a acção destinada a obter a correspondente reparação ou indemnização, não obstante estar para tanto mandatada pela autora, e munida da necessária procuração.

A divergência da recorrente, relativamente à sentença e ao acórdão recorrido, reside em saber se, quando a autora substituiu a primeira ré por outro advogado, por esta via revogando o mandato vigente entre ambos, tinha ou não decorrido já o prazo de caducidade do direito de propor a acção para obter a reparação dos defeitos e/ou uma indemnização pelos danos por eles provocados. E, como se sabe, a divergência resulta de desacordo quanto ao regime legal aplicável à determinação desse prazo, tendo em conta a data em que a autora denunciou os defeitos do imóvel: se valia o prazo de um ano a contar da denúncia, efectuada dentro do prazo de garantia de cinco anos, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 1225º do Código Civil, aplicável por foça do seu nº 5, como sustenta a recorrente; ou se era  antes aplicável o prazo de três anos, contados daquela mesma denúncia, de acordo com o disposto no artigo 5º-A do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, aditado pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio, conjugado com o nº 2 do artigo 297º do Código Civil (aplicação, aos prazos em curso, da lei nova que os venha alongar).

Na primeira perspectiva, o termo do prazo de caducidade ocorreu em 10 de Janeiro de 2009; na segunda, verificar-se-ia dois anos mais tarde, ou seja, depois de a autora ter sido substituída por outro advogado

Com efeito, o contrato de compra e venda do imóvel foi celebrado em 22 de Março de 2004, o imóvel foi entregue entre 26 de Abril e Junho de 2004 (rectius, o que vem provado é que a autora solicitou as chaves à vendedora em 26 de Abril de 2004 e que a autora “iniciou a utilização do imóvel em Junho de 2004), a denúncia dos defeitos que agora relevam foi efectuada em 10 de Janeiro de 2008, o mandato foi celebrado entre Março e Abril de 2008, a procuração foi conferida em 16 de Junho de 2008 e o mandato foi revogado em consequência da constituição de outro advogado, em finais de 2009, princípios de 2010.


6. Da diferença de regimes decorre, como é bom de ver, a verificação – ou não verificação – do incumprimento do contrato de mandato forense por parte da 1ª ré, incumprimento no qual a autora assenta o pedido de indemnização pelos danos dele decorrentes, traduzidos na “perda de chance da A. em ver apreciada judicialmente a sua pretensão” (petição inicial).

Com efeito, não tendo a vendedora/construtora reparado os defeitos denunciados em 10 de Janeiro de 2008, não restava alternativa à autora que não fosse a de exigir judicialmente essa reparação, cumulativamente ou não com um pedido de indemnização.

Como já por diversas vezes se afirmou neste Supremo Tribunal (cfr. a título de exemplo o acórdão de 14 de Março de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 78/09.1TVLSB.L1.S1, com a mesma relatora, e que se seguirá de perto em alguns pontos), ao contrato de mandato forense aplicam-se as regras definidas no Código Civil (em especial, as dos seus artigos 1157º e segs.), no Código de Processo Civil (maxime, nos artigos 35º e segs., na versão vigente à data da celebração, actuais artigos 40º e segs.) e no Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro de 2005 (cfr., em especial, os artigos 92º e segs.).

        Na execução desse mandato, o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do cliente, com respeito das regras de conduta próprias da profissão, e dispõe de uma significativa margem de liberdade técnica, que tem que ser respeitada (cfr., por exemplo, cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 542/09.2YFLSB, de 10 de Março de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 9195/03.0TVLSB.L1.S1); essa liberdade, no entanto, tem âmbitos diferenciados, consoante as situações, e deve ser exercida de acordo com o fim do contrato;

Pelo menos em regra, no cumprimento do mandato forense não se inclui a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide; trata-se, como habitualmente se refere, de uma obrigação de meios, e não de resultado (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 29 de Abril de 2010,  www.dgsi.pt,  proc.  2622/07.0TBPNF.P1. S1, de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. Nº 171/2002.S1).

No caso, e independentemente da averiguação dos demais pressupostos da responsabilidade civil – dos quais levanta maiores dificuldades o do nexo de causalidade, como se dá conta desenvolvidamente no acórdão que se está a seguir –, a ser certo que tivesse decorrido o prazo de caducidade, poder-se-ia concluir no sentido do incumprimento com segurança suficiente. Com efeito, a circunstância de a caducidade não ser de conhecimento oficioso (artigo 333º do Código Civil), não seria apta a afastar tal conclusão, uma vez que equivaleria a deixar nas mãos do responsável pelos defeitos, que os não corrigiu apesar de a tanto ser instado, a decisão sobre a sua absolvição.


7. Mas não é possível concluir nesse sentido. É certo que, sem propor a acção, a autora não conseguiria a condenação da vendedora/construtora, nem na reparação dos defeitos, nem no pagamento da indemnização que pretende. Mas é igualmente certo que, se a acção ainda estivesse em tempo de ser proposta quando o mandato foi revogado, por não ter decorrido o prazo de caducidade do direito à reparação, não se poderá ter como não cumprida a obrigação da primeira ré e, portanto, dar como assente que a autora perdeu a chance de o pedido de reparação dos defeitos e /ou de indemnização ser judicialmente apreciado, por facto imputável à ré (omissão de propositura da correspondente acção).

A recorrente pretende que se decida nesta acção e, portanto, neste recurso, qual o regime aplicável, nos termos já indicados. No entanto, a posição que viesse aqui a ser definida não relevaria para o efeito de fundar um juízo sobre a probabilidade de proceder ou não uma caducidade que pudesse ter sido invocada numa acção contra a vendedora/construtora, pedindo a reparação dos defeitos ou uma indemnização, proposta depois da revogação do mandato e antes de decorridos três anos sobre a data da denúncia.

Os termos com que a recorrente justifica a admissibilidade do recurso de revista excepcional, invocando divergência de decisões, são por si só reveladores da inviabilidade do pedido de indemnização pela perda de oportunidade de apreciação do diferendo que a opunha à vendedora/construtora do imóvel que adquiriu. Tal perda de oportunidade só poderia fundamentar uma indemnização se, para além da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, pudesse reconhecer-se uma elevada probabilidade de vir a ser declarada a caducidade do direito à reparação dos defeitos (recordem-se, a este propósito, as dificuldades de estabelecer um nexo de causalidade indispensável à procedência de um pedido de indemnização por perda de chance, relacionadas com as diversas “opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores”, apontadas pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1.) e, simultaneamente, uma elevada probabilidade de procedência da acção correspondente (quanto a este ponto, que só teria de ser abordado na presente acção na hipótese de se concluir pelo incumprimento, pronunciou-se desenvolvidamente o já citado acórdão de 14 de Março de 2013).

Ora é fortemente plausível que, a ter sido instaurada a acção no lapso de tempo decorrido entre um e três anos após a denúncia dos defeitos, os tribunais tivessem perfilhado o entendimento sustentado pelas instâncias, no sentido de não ter decorrido o prazo de caducidade do direito. Repare-se que não é necessário sustentar uma aplicação retroactiva do prazo de três anos, previsto no artigo 5º-A do Decreto-Lei nº 67/2003 desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 84/2008, para se concluir no sentido de não ter ocorrido a caducidade – e, portanto, o incumprimento imputado à primeira ré. Como se decidiu, por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2012, citado no parecer junto aos autos, que afirma a não aplicabilidade retroactiva do regime de denúncia introduzido em 2008 a contratos anteriores, as leis novas que alongam prazos aplicam-se aos que se se encontram em curso, à data da sua entrada em vigor.

No caso, quando o Decreto-Lei nº 84/2008 entrou em vigor, estava a correr o prazo para a propositura da acção, uma vez que a denúncia foi efectuada em Janeiro desse mesmo ano, quer se entendesse que valia o prazo de seis meses previstos na versão inicial do Decreto-Lei nº 67/2003, quer se optasse pelo prazo de um ano fixado pelo nº 2 do artigo 1225º do Código Civil, para a propositura da acção, subsequente à denúncia. O novo prazo, de acordo com disposto nesse nº 2 do artigo 297º, é aplicável aos prazos em curso.


8. Como se disse já, a recorrente sustenta que este Tribunal deve clarificar qual o regime aplicável, optando pelo do artigo 1225º do Código Civil e concluindo que, quando o mandato foi revogado, a primeira ré tinha incumprido irremediavelmente o contrato de mandato forense, pois tinha já decorrido o prazo de caducidade do direito de pedir a reparação dos defeitos.

No entanto, não sendo linear qual é o regime aplicável, nem tendo sido uniformizada jurisprudência que, com elevada probabilidade, seria seguida se a acção tivesse sido intentada, não pode concluir-se que, se essa acção tivesse sido proposta, teria sido julgada improcedente por caducidade do direito exercido, posto que os demais elementos de facto e de direito apontassem no sentido de haver uma forte probabilidade de ganho de causa.

Este tribunal não pode substituir-se ao tribunal a quem caberia julgar essa hipotética acção, e como que julgar o pedido de condenação na reparação dos defeitos, ainda que na perspectiva da substituição por uma indemnização. A indemnização por perda de oportunidade de apreciação judicial dauqela pretensão, entendida como dano autónomo e susceptível de ser indemnizado mesmo que não se consiga estabelecer um nexo de causalidade entre a propositura (hipoteticamente) tardia da acção e a os danos decorrentes dos defeitos do imóvel comprado pela autora, tem por base a forte probabilidade de procedência da acção, se tivesse sido proposta, e não um julgamento a posteriori pelo tribunal da acção de indemnização.


9. A recorrente afirma ainda que seria inconstitucional, por violação do princípio da “separação de poderes e da vinculação dos tribunais à lei”, decidir aplicar “à questão dos autos” as “normas contidas nos preceitos constantes dos artigos 4º, nº 1, 5º, nº 1, 5º, nº 7 e 5º-A, nº 3, do Decreto-Lei nº 67/2003” basicamente “porquanto o Decreto-Lei nº 84/08, que alterou e alterou e republicou o Decreto-Lei n.º 67/03, e que entrou em vigor em 20 de Junho de 2008, não é de aplicação retroactiva.”

Em primeiro lugar, neste recurso não se decide aplicar ou não aplicar as “normas contidas nos preceitos constantes dos artigos 4º, nº 1, 5º, nº 1, 5º, nº7 e 5º-A, nº 3, do Decreto-Lei nº 67/2003”, uma vez que não está agora em causa nenhuma acção de condenação na reparação dos defeitos do prédio, ou de indemnização por esses defeitos, mas sim uma acção na qual se pede uma indemnização pelos danos decorrentes da perda de oportunidade de ver aquela outra acção ser apreciada judicialmente. Por esta razão, e como se disse já, o que interessaria seria determinar qual seria o prazo de caducidade que seria tido em conta se aquela acção tivesse sido proposta, nos termos já expostos; determinação que se não afigura possível, com um grau suficiente de certeza, para o que agora interessa.

De qualquer forma, sempre se diz que, ainda que fosse confirmada a opção feita pelo acórdão recorrido, no sentido de que valeria o prazo de três anos previsto no artigo 5º-A, introduzido no Decreto-Lei nº 67/2003 pelo Decreto-Lei nº 84/2008, nunca se estaria a aplicar retroactivamente disposição nenhuma; mas antes a aplicar o regime definido pelo nº 2 do artigo 297º do Código Civil para a aplicação no tempo de leis que vêm alongar prazos.

E ainda se acrescenta que, ainda que houvesse qualquer aplicação retroactiva, que não há, apenas se poderia discutir a correcção dessa aplicação, do ponto de vista das regras legalmente definidas para a aplicação no tempo da lei nova. Não se poderia falar de qualquer invasão do âmbito do poder legislativo, em violação do princípio da separação de poderes; a aplicação retroactiva de uma lei, indevidamente, poderá colocar dúvidas de constitucionalidade se respeitar a áreas em que a retroactividade é constitucionalmente censurada; mas tal hipótese nada tem a ver com o caso dos autos.


10. Não está pois demonstrado o incumprimento do contrato de mandato forense, celebrado entre a autora e a primeira ré, e por aquela revogado. Tanto basta, portanto, para que o recurso não possa ter provimento.


Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 30 de Abril de 2015


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego