Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4706/10.8TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SESSÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
NULIDADE
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
PROPRIEDADE HORIZONTAL
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
PERDA DO INTERESSE DO CREDOR
Data do Acordão: 10/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
Doutrina:
- A. Varela in Direito, Das Obrigações Em Geral I, 10ª Ed., p. 802; in RLJ, Ano 119, p. 216.
- Baptista Machado, “Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, pp. 348/349, 352/353.
- Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 11ª ed., p.118.
- Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed. Revista e Actualizada, p. 129.
- P. Lima e A. Varela, “Código Civil”, Anotado, II, pp. 40, 46.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, N.º1, 280.º, N.º1, 401.º, N.º1, 442.º, N.º2, 792.º, 801.º, 808.º, N.ºS1 E 2.
LEI Nº 3/99 DE 13/01 ( LOFTJ): - ARTIGO 26.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 29.9.1992, IN CJ ANO XVII, TOMO IV P. 82.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 9.05.2006, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT ;
-DE 22.06.2010, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT ;
-DE 28.06.2011 ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1- Constando já do título de constituição de propriedade horizontal que a fracção objecto do contrato promessa de compra e venda se destinava a “ restaurante”, não obstante as dificuldades correntes de licenciamento de um estabelecimento desse tipo, não se pode concluir quer pela impossibilidade física, quer jurídica, de instalar um restaurante, que consubstancie uma impossibilidade originária da prestação principal, quando se prova que esse licenciamento é possível e está dependente apenas da obtenção de elementos também perfeitamente possíveis e alcance quer do promitente vendedor, quer do promitente comprador, circunstância, que à partida afasta a nulidade do próprio contrato de promessa de compra e venda.( cfr. art. 280 nº1 e 401 nº1 ambos do C. Civil).

2- A declaração resolutiva feita pela A no pressuposto errado do indeferimento definitivo do projecto para instalação do restaurante na fracção, desacompanhada de outros factos complementares nomeadamente que atestassem também, pelo menos, a perda de interesse no negócio ,não pode essa declaração per si emitida pelo promitente comprador ( A ) significar por banda da A como recusa definitiva do cumprimento do contrato de promessa em apreço, quando se prova que o licenciamento do restaurante a instalar na fracção destinada pelo título de propriedade horizontal a restaurante está apenas dependente de elementos perfeitamente possíveis e alcance do promitente vendedor e até também do próprio promitente comprador,

3- E não havendo recusa do cumprimento e nem se provando a perda de interesse por banda da A na prestação ( art.808 nº1 do C. Civil), temos que o contrato de promessa de compra e venda celebrado pelas partes permanece válido e em vigor.

Decisão Texto Integral:

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

AA – Restauração Ldª intentou a presente acção contra BB- …  Ldª pedindo que esta fosse condenada a restituir-lhe em dobro , o que a autora lhe tinha entregue a título de sinal e reforço de sinal no âmbito de um contrato promessa , bem como a indemniza-la pelas despesas que foi tendo e de benfeitorias que foi fazendo na expectativa da efectivação do negócio .

Alega para o efeito no essencial o incumprimento definitivo do aludido contrato promessa por banda da Ré, circunstância que preencheu a cláusula resolutiva do contrato prevista no contrato a favor da autora.

            A Ré contestou, impugnando os factos alegados pela autora e em reconvenção pede a perda a seu favor das quantias que a autora lhe tinha entregue , por entender que a resolução do contrato por parte da autora equivale á recusa em cumpri-lo ,preenchendo com isso outra cláusula resolutiva do contrato.

            A autora replicou, impugnando a razão de direito da reconvenção ,concluindo pela sua improcedência e ampliou o pedido pedindo , agora, para o caso de se entender que a ré não teve culpa na frustração do negócio prometido, a condenação dela a restituir-lhe , em singelo as quantias que lhe tinha entregue.

            Depois do julgamento foi dada respostas aos quesitos, tendo sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela autora, entre o mais condenando , com base na nulidade do contrato ( questão que foi oficiosamente conhecida) ,a ré a restituir à autora os €180.000,00 entregues a título de sinal , bem como a indemniza-la de uma série de outras despesas com juros e julgou improcedente a reconvenção.

            A Ré não se conformou com esta decisão e interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo Acórdão de fls. 640 a 652 v, revogou a sentença da 1ª instância, substituindo  por uma decisão, que julgou a  acção e a reconvenção improcedentes.

            A Ré não se conformou e interpôs recurso de revista.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

Por declaração recebida pela recorrente em 26JAN10 (doe. 24) a recorrida declarou resolvido o contrato-promessa referido nos autos.

5.2.

Resolução que a recorrente considerou indevida e injustificada, o mesmo julgando o acórdão recorrido:

"...é certo que, face aos factos provados nestes autos e apenas perante eles, se pode agora dizer, como aliás já se disse neste acórdão, que a autora, face à comunicação da CM de 29/10/2009, devia ter exibido a licença de utilização do prédio e ter-lhe explicado que o facto de o pedido ter sido titulado de alteração de uso se devia a um lapso seu, já que o uso a que destinava a fracção era já de restaurante. Depois disso e com o resultado dessa actuação é que eventualmente poderia vir a resolver o contrato-promessa, se a licença para a utilização do restaurante lhe tivesse a ser recusada ou se ficasse demonstrado que tal necessariamente aconteceria por culpa da ré." (negrito nosso).

5.3.

Após tal declaração e excedendo os factos provados o acórdão recorrido lança mão de afirmações conjecturais, hipotéticas e opinativas, acabando por decidir "que a resolução do contrato pela autora - que, nestes autos, perante os factos provados, se tem de considerar indevida, por falta de prova do fundamento invocado - se pode, ao mesmo tempo, considerar como uma resolução baseada numa representação não culposa do incumprimento da ré (parafraseia-se Brandão Proença), o que impede que se identifique a declaração de resolução com declaração tácita de recusa de cumprimento e por isso não justifica uma resolução do contrato pela ré.

Ou seja, nesta parte não tem razão a ré, pelo que a reconvenção não pode proceder.".

5.4.

Assim decidindo, o acórdão recorrido fez errado enquadramento jurídico dos factos e errada interpretação e aplicação da lei. Efectivamente,

5.5.

Da   indevida   resolução   contratual   efectuada   pela   recorrida   resulta necessariamente o seu incumprimento contratual.

5.6.

Com a consequente perda das quantias pagas a título de sinal.

5.7.

E mesmo que se aceitasse, o que se não concede, que a resolução indevida não é equiparável à recusa em cumprir, nunca se poderia, no caso dos autos, considerar que a resolução se baseou numa representação não culposa de incumprimento da recorrente. Vejamos,

5.8.

A recorrida solicitou à recorrente que dos elementos solicitados pela DAE lhe fossem facultados os referentes aos pontos 1. e 2. do ofício, tendo-se a recorrente apressado a entregar-lhe o documento relativo ao n°. 1 e a comunicar-lhe que o do n°. 2 não era necessário.

5.9.

A recorrida nada mais voltou a solicitar à recorrente.

5.10.

A recorrida não utilizou junto da DAE nem o documento nem a informação a recorrente lhe facultara.

5.11.

Nem ali entregou nenhum dos restantes elementos pela DAE solicitados.

5.12.

A recorrida, que sempre contactou a recorrente através dos seus advogados, bem sabia que, se não apresentasse os documentos solicitados pela DAE nem confirmasse junto dela que estando a loja aprovada para restaurante não era necessária a autorização dos condóminos, o processo de emissão da licença específica para o exercício da restauração não teria seguimento.

5.13.

o

Nada disso tendo feito não se vê que possa deixar de ser culposa qualquer representação de incumprimento da recorrente.

5.14.

A recorrida sabia bem que, quando resolveu o contrato, não havia sido indeferido o seu projecto, nem recusada a emissão da licença para o exercício da restauração.

5.15.

Não vem provado que a recorrente se tivesse recusado a prestar à recorrida qualquer informação, documento ou auxílio que ela lhe tivesse pedido.

5.16.

Quando decidiu resolver o contrato a recorrente estava confessadamente em incumprimento, já que deixara há 5 meses de pagar as prestações mensais do preço.

5.17.

Que a recorrente desistiu do seguimento do processo de emissão da licença para o exercício da restauração, é a conclusão lógica e indiscutível dos factos provados nos autos.

Assim sendo,

Deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente o pedido reconvencional, com a consequente perda a favor da recorrente das quantias que recebeu a título de sinal e seus reforços, por ser de

JUSTIÇA.

A A apresentou contra-alegações concluindo:

1.         A "BB- …, Lda", vem insurgir-se contra a parte do Acórdão que julgou improcedente o pedido reconvencional por si deduzido.

2.         A Recorrente vem agora alegar que a Recorrida desistiu do seguimento do processo camarário e que tal fundamento não foi considerado pelo tribunal "a quo".

3.         Nunca na Douta Contestação foi alegado pela Recorrente que tivesse existido, por parte da Recorrida, qualquer desistência do seguimento do processo camarário, nem nenhum facto surtiu provado que pudesse conduzir a tal conclusão.

4.         A Recorrida, para que o processo camarário pudesse prosseguir os respetivos trâmites, teria de se munir de documentos que não estavam ao seu alcance, como eram a licença de Utilização e a autorização dos condóminos.

5.         A loja em causa não estava licenciada para restauração, facto que impunha a alteração ao uso e a concordância dos condóminos.

6.         Uma das licenças do edifício não continha a fração em causa e a outra licença, a entregue pela Recorrente por duas vezes à Recorrida, apenas tinha as finalidades de habitação, estacionamentos e comércio.

7.         Não sendo a loja destinada a habitação nem a estacionamento, por exclusão de partes, só poderia destinar-se ao comércio, e COMÉRCIO NÃO É RESTAURAÇÃO!

8.         Contudo, até se podia dar o caso de a Recorrida desistir do seguimento do processo camarário mas continuar com interesse na celebração do contrato definitivo, nem que fosse para não abdicar dos valores entretanto entregues à Recorrente, a título de sinal e reforços de sinal.

9.         Em lado algum, nem mesmo na remissão global contida no art. 58. da sua Contestação-Reconvenção, a Recorrente baseia o incumprimento da Reconvinda na alegada desistência do seguimento do processo camarário, pelo que esteve bem o Tribunal "a quo" ao entender que se tratava de matéria nova que não podia ser apreciada.

10.       A desistência do seguimento é uma conclusão que a Recorrente pretende, agora, à falta de melhor e mais válido argumento, lançar mão para tentar fazer valer um direito que sabe perfeitamente não lhe assistir.

11.       A Recorrida, que entregou à Recorrente a quantia de € 180.000,00 e que suportou diversas despesas e encargos, não iria, pura e simplesmente, desistir do seguimento do processo camarário e perder as quantias em causa.

12.       A Recorrida foi confrontada com diversas situações que a impediram de continuar na prossecução dos seus objetivos, expressos no contrato promessa de compra e venda.

13.       Alega a Recorrente que a Recorrida não entregou nenhum dos documentos solicitados junto do Departamento das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais (DAE), mas tal facto não foi alegado nos articulados, não ficou assente nem foi quesitado, sendo até contrariado pela prova testemunhal produzida.

14.       Existem, sim, factos que provam que a Recorrente não facultou à recorrida um dos elementos solicitados pela DAE: a autorização dos condóminos.

15.       Vem a Recorrida acusada de não ter confrontado a DAE com a licença de utilização. A licença em causa foi junta, tendo sido na sua base que a DAE aferiu a necessidade de alteração ao uso da fração e a consequente exigência de aprovação dos condóminos do edifício.

16.       Não fazia qualquer sentido, a Recorrida confrontar a DAE com a certidão camarária emitida pelo Departamento de Urbanismo: não havendo licença para restauração, teria sempre de existir uma alteração ao uso da ioja em causa e a alteração ao uso de uma fração autónoma carece da aprovação de maioria de 2/3 dos condóminos.

17.       Quem sabe se é ou não necessária a aprovação dos condóminos é o DAE, não a Recorrente ou a Recorrida e foi o DAE quem solicitou esse documento.

18.       Aliás, a confrontação da DAE com a certidão camarária do Departamento de Urbanismo foi feita em juízo e o seu resultado foi no sentido de continuar a não ser permitido o licenciamento sem a autorização dos condóminos, abrindo-se um novo problema: a existência de obras ilegais.

19.       Se a Recorrente não soubesse que, independentemente da legalização das obras efetuadas na fração em causa seria ainda necessária a (dupla) autorização do condomínio (para a chaminé e para a alteração ao uso) teria, certamente, pugnado pelo pedido de reapreciação do processo urbanístico e pela consequente remessa ao Departamento de Urbanismo, de forma a tentar ainda a concretização do negócio celebrado com a Recorrida, relativamente ao qual ainda tinha a receber a quantia de € 436.250,00 mas preferiu, contudo, a Recorrente discordar da resolução operada pela Recorrida e guardar para si a quantia recebida por conta do acordo celebrado, lucrando, de forma fácil, o montante de € 180.000,00 à custa da confiança que a Recorrida nela sempre depositou, causando-lhe, ainda, outros prejuízos.

20.       É evidente que a Recorrente "celebrou com a Autora um contrato promessa que ... sabia que muito provavelmente não poderia ser cumprido", como vem doutamente defendido no acórdão colocado em crise.

21.       Ficou bem patente nos autos a extrema dificuldade em legalizar o espaço como restaurante: existem obras ilegais e é necessária a autorização de um condomínio com o qual a Recorrente mantém um diferendo.

22. A Recorrente continua a lucrar com a situação duvidosa em que a loja em causa se encontra envolta, tendo celebrado, em dezembro de 2012 (ainda no decurso da apreciação judicial do presente pleito), um contrato em que a loja se destina a fins tão díspares quanto o "comércio de artigos de decoração, móveis, tecidos e utensílios, artigos de gourmet, míni-mercado, salão de chá e restaurante", cfr. Cláusula 7a do "CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL COM PRAZO CERTO".

23.       Repare-se que a Recorrente já teve o cuidado de, na descrição da loja, já não a indicar como sendo um "espaço amplo destinado a restaurante com uma copa na cave", contrariamente ao que havia assumido por escrito no contrato celebrado com a Recorrida, certamente, por ter plena consciência que nunca se conseguirá a aprovação da loja para restaurante.

24.       Existe uma posição expressa e inabalável dos condóminos do edifício quanto ao funcionamento de um restaurante na loja em causa, tendo a Recorrente perfeita consciência da impossibilidade de funcionamento do restaurante.

25.       Existe matéria probatória bastante para considerar que a Ré tinha conhecimento da imprescindibilidade da aprovação dos condóminos para a aprovação do restaurante, a qual se mostrava, também, impossível de obter.

26.       A dificuldade de licenciamento do espaço para restauração não pode ser olvidada e existe ampla prova documental e testemunhal a este propósito.

27.       A Recorrente tentou, várias vezes, a todo o custo, obter uma licença de utilização obviando a realização de vistorias camarárias, pois bem sabia que a loja em causa não iria ser alvo de aprovação, quer devido às obras ilegais construídas no piso inferior, quer, decerto, devido à chaminé ilegal existente.

28.       A Recorrente tinha perfeito conhecimento da dificuldade/impossibilidade em obter a licença da loja para restaurante, conclusão que se retira: do vasto historial de antecedentes inerentes à loja, quer junto da Câmara Municipal de Cascais, quer junto do condomínio do edifício; do recebimento do ofício do Departamento das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais datado de 29 de Outubro de 2009 e atuação posterior; da aceitação do teor da cláusula 6a n. 3 do Contrato Promessa de Compra e Venda; e do resultado da reunião que teve com a arquiteta do Departamento das Atividades Económicas.

29. Nada garante que a Recorrida conseguisse obter, com qualquer atuação da sua parte, um efeito útil junto da Câmara Municipal, sendo as garantias, antes, as inversas: independentemente da atuação da Recorrida, nunca iria ser conseguida a licença de utilização da loja para restauração.

30. Quanto  ao  ponto  3.6,  diga-se,  apenas  que  foram  três  os  indeferimentos  que surtiram provados nos autos: o constante da resposta dada ao quesito 22; o constante da resposta dada ao quesito 24; e o constante da resposta dada ao quesito 44; ou seja, dois indeferimentos no ano de 2004 e mais uni em 2005.

31.       É evidente que tal histórico obrigava a Recorrente a ter um cuidado acrescido na celebração de contratos sobre a loja, que tivessem a ver com o fim de restauração, cuidado esse que a Recorrente não teve (porque não lhe interessava) e que em muito prejudicou a Recorrida.

32.       A conclusão de que "a viabilidade do licenciamento da utilização da fracção como restaurante, está ainda dependente, na tese da ré, da aptidão de um sistema de exaustão que utilize uma conduta que tem a sua saída acima do telhado do edifício de que faz parte a fracção dos autos, o que está muito longe de estar demonstrado nos autos", que a Recorrente ataca no seu ponto 3.7, tem perfeito cabimento na prova produzida.

33.Verifica-se pela  leitura da  certidão emitida  pela Câmara  Municipal de Cascais datada de 21/02/2011 e junta aos autos em 1/03/2011 que a chaminé em causa foi considerada ilegal pela edilidade e alvo de ordem de demolição.

34.       Quanto ao ponto 4. das Alegações da Recorrente, diga-se que, mesmo que se entendesse que a Recorrida havia desistido do seguimento do processo, o que não é verdade, sempre se diria, como no Acórdão ora recorrido, que a desistência no seguimento do processo camarário não implica, de per si, uma recusa em cumprir o contrato promessa, razão pela qual teria de falecer, liminarmente, tal fundamento da Recorrente.

35.       A Recorrente defende que a Recorrida, ao declarar resolvido o contrato promessa de compra e venda, está a manifestar uma recusa em cumpri-lo, mas, como consta do Douto Acórdão, "p_ comportamento da ré permitiu claramente a convicção da autora de que seria impossível, por culpa da ré, vira ser celebrado o contrato definitivo."

36.       Quanto a nós, a questão terá de ser apreciada num prisma mais elevado: mais do que não poder vir a ser celebrado o contrato definitivo, trata-se de nunca vir a poder licenciar um restaurante na loja em causa e sempre por motivos que cabem na cláusula sexta, número 3 do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado entre as partes.

37.       A Recorrida não vislumbrava (como, aliás, ainda hoje não vislumbra) qualquer hipótese de obter a legalização da loja prometida comprar para efeitos de na mesma ser exercida a atividade de restauração.

38.       Perante o cenário em causa, não se mostra condenável ou censurável a postura da Recorrida em optar pela resolução do contrato promessa celebrado com a Recorrente.

39.       A Recorrida era a principal interessada em ver concretizado o negócio definitivo: a compra da loja para efeitos de restauração, uma vez que tinha projetos definidos para o restaurante e tinha já entregado à Recorrente a quantia de € 180.000,00

40.       Por outro lado, a Recorrida tinha já despendido diversas quantias para pagamento a técnicos, para a aquisição de equipamentos e de matéria-prima, que se encontravam na loja para a construção da cozinha.

41.       Ou seja, a Recorrida estava a postos para a construção da cozinha, para a preparação do restaurante e para a compra da loja à Recorrente.

42.       Contudo, quando confrontada com a posição irredutível da maioria dos condóminos do edifício, manifestada na Assembleia realizada no dia 28 de outubro de 2009, no sentido de não permitir quer a construção da chaminé alternativa, quer com a afetação da loja para restaurante, a Recorrida sentiu-se coartada na possibilidade de levar a bom porto o negócio pretendido e, legitimamente, entendeu não ter alternativa senão a de resolver o contrato promessa celebrado com a Recorrente.

43.       Esta realidade é reforçada, posteriormente, com o ofício do Departamento de Atividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais, quando solicita a entrega de uma "autorização escrita de todos os condóminos para a alteração ao uso".

44.       Se a construção da chaminé havia já ficado chumbada pelo condomínio e se a atividade de restauração, apesar de não requerida expressamente, foi liminarmente inviabilizada, ficou implícito que o mesmo condomínio não iria prestar a autorização solicitada pela edilidade.

45.       Ainda assim, sem grandes esperanças na obtenção de tal autorização, dados os mencionados antecedentes, a Recorrida tentou a atuação da Recorrente para tal propósito,

46.       A Recorrida carecia de uma dupla autorização do condomínio: uma para a construção da chaminé (uma vez que a existente era inútil e ilegal) e outra para o funcionamento legal de um restaurante naquele espaço (alteração ao uso da fração) e o certo é que não conseguiu, nem conseguiria, obter nenhuma das duas, o que deitava por terra a possibilidade de concretização do contrato assinado.

47.       E, para a Recorrida, os motivos da não concretização do contrato eram imputáveis à Recorrente, situação que teria cabimento na Cláusula Sexta, número três do Acordo.

48.       Ao invés de diligenciar no sentido de obter a autorização contida no ofício camarário, a Recorrente limita-se a informar a Recorrida que tal autorização não era necessária (certamente por ter perfeito conhecimento que nunca essa autorização seria conseguida, devido ao diferendo existente coim os condóminos do edifício) o que colocou a Recorrida num beco sem saída pois, por um lado, tinha a edilidade a solicitar uma autorização do condomínio que, está provado, não lhe seria concedida e, por outro, deparava-se com uma promitente vendedora que não a auxiliava pois entendia que tal documento não era necessário.

49.       A própria Recorrente, munida da certidão camarária de fls. 311, tem uma reunião com a arquiteta do Departamento das Atividades Económicas, onde é informada que a existência de obras ilegais teria sido motivo para a suspensão do processo de pedido alteração ao uso e a para a respetiva remessa para o Departamento de urbanismo.

50.       Mesmo que o problema das obras não licenciadas fosse resolvido pelo Departamento de Urbanismo, quando o processo regressasse às Atividades Económicas para apreciação do processo de obtenção da licença para restauração, continuaria a existir o problema da falta da autorização dos condóminos para tal alteração ao uso, problema esse que, quer a Recorrida, quer a Recorrente, tinham consciência que não se conseguiria ultrapassar.

51.       Terá de considerar-se legítimo que, para a Recorrida, existiram válidos fundamentos para a comunicação da resolução do contrato promessa de compra e venda, não consubstanciando esta declaração de resolução qualquer intenção de recusa no cumprimento do contrato.

52.       Não assiste à Recorrente, como bem decidido no aresto em crise, o direito à sua resolução.

53.       Segundo o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão proferido no proc. 2312/10.6TBVFR-P1 (in www.ltlí.ptl: "/ - A declaração de um contraente ao outro de que considera resolvido o contrato celebrado entre ambos, por incumprimento definitivo deste, consubstancia, tão só, uma declaração resolutiva por culpa imputável à contraparte.

II - Dessa declaração resulta implícito que era vontade do contraente declarante cumprir, pela sua parte, o contratado, tal só não sucedendo, na altura, pelo incumprimento da sua contraparte".

"Tal ê o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do declaratário real, cfr. art.0 236° n°1 do C.Civil dela entenderia. Dessa mesma declaração resulta ainda implícito, para um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, que era vontade do contraente declarante cumprir, pela sua parte, o contratado, tal só não sucedendo, na altura, pelo incumprimento da sua contraparte. Mas dela não resulta que não obstante a declaração resolutiva, esse contraente declarante, não venha a reconsiderar, havendo disposição favorável da contraparte, e consequentemente venha a ser celebrado o contrato definitivo. Ou seja, da referida declaração não resulta clara e inequivocamente que o contraente declarante perdeu o interesse em cumprir a sua parte nesse contrato, ou não tenha mais vontade de celebrar o contrato definitivo, pois tal não seria o entendimento, o sentido da declaração a que chegaria um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, e que podia deduzir do comportamento do declarante, ã luz dos ditames da boa fé e das circunstâncias atendíveis no caso concreto."

54.       Importa sublinhar que a Recorrente, após receber a carta de resolução, no dia 25 de Janeiro, continuou a manter o interesse no negócio, ou, pelo menos, não atribuiu à declaração resolutiva da Recorrida os efeitos que agora, em fase judicial, pretende ver satisfeitos.

55.       A Recorrente entendeu perfeitamente as razões da Recorrida ao declarar resolvido o contrato, apesar de discordar das mesmas, tanto que, no dia 3 de Fevereiro de 2010 lhe enviou uma carta contendo fotocópia da certidão emitida pelo Departamento de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Cascais e, no dia 4 de Fevereiro de 2010, uma cópia das telas finais.

56.       Logicamente que a Recorrente, se tivesse dado valor de "incumprimento" à declaração resolutiva da Recorrida, nada mais teria sentido necessidade de comunicara esta.

57.       Atente-se no teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido ao abrigo do proc. n. 6509/04.OTBVNG.PI (in www.itii.pt1: 'A possibilidade de os promitentes vendedores fazerem seu o sinal apenas ocorre na situação de incumprimento definitivo por culpa do promitente comprador, como vem sendo sustentado pela jurisprudência de modo que, se não é unânime, é peto menos largamente maioritário (por todos, além dos arestos acima citados, os Acórdãos do STJ de 9-03-2010 e 27-5-2010, Proc. n° 5674/05.6TVLSB1.S1 e 6882/03.7TVLSB.L1.S1).

No caso, inexistindo culpa dos promitentes compradores e existindo até falta de colaboração dos promitentes vendedores, não se verificou o incumprimento susceptível de fundamentar a resolução do contrato com fundamento em culpa dos ora recorrentes, pelo que o pedido dos Autores improcede. Tal implica a revogação do decidido na sentença recorrida, pelo que nesta parte procede a apelação."

58.       Assim, entende-se que o pedido reconvencional da Recorrente não poderia ter sido alvo de

procedência, ao contrário do que esta pretende no recurso do acórdão revidendo.

59.       Termos em que deve manter-se na íntegra o decidido pelo tribunal "a quo" quanto ao pedido reconvencional.

60.       A Recorrente não cumpriu o disposto no art. 685°-A do Código de Processo Civil, uma vez que as suas Doutas Conclusões não contém a indicação das normas jurídicas que considera terem sido violadas, nem o sentido com que no seu entender as normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas nem a norma jurídica que entendia dever ser aplicada.

A A interpôs também recurso subordinado no qual adianta as seguintes conclusões:

1.         Foram alegados factos pela Recorrente que permitiam a conclusão de que a conduta de exaustão não tinha o diâmetro e o alinhamento legalmente exigidos para o funcionamento de uma cozinha de restaurante, pelo que o tribunal "a quo" não poderia ter dado aos quesitos 14 e 15 a resposta que deu.

2.         Mas o tribunal de Ia Instância, produzida a respetiva prova, entendeu que apenas dispunha de elementos para declarar que "a única conduta de exaustão não tinha o diâmetro e o alinhamento necessários para o funcionamento de uma cozinha de restaurante".

3.         De qualquer modo, também existe nos autos prova suficiente para alcançar taí conclusão.

4.         Aliás, até existe prova testemunhal (CC e DD) e documental suficiente para declarar a completa ilegalidade da construção da referida conduta, o que torna irrelevante a questão de saber se o diâmetro e o respetivo alinhamento são legais ou não.

5.         Pela leitura da certidão emitida pela Câmara Municipal de Cascais datada de 21/02/2011 e junta aos autos em 1/03/2011, verifica-se que a chaminé em causa foi considerada ilegal pela edilidade e alvo de ordem de demolição.

6.         À data da instauração da ação, a Recorrente não tinha ainda tido acesso à confirmação oficial de que as chaminés eram, em si mesmas, ilegais, uma vez que a informação que o confirma apenas surge em 1/03/2011, com o acesso à referida certidão camarária, mas a Recorrente sabia que (pelo menos) o diâmetro e o alinhamento da conduta não correspondiam às normas legais nem serviam para a finalidade pretendida.

7.         Se a conduta é ilegal (porque nem sequer vem prevista nas telas finais), não pode ter um diâmetro e um alinhamento legal, logo, não terá o diâmetro e ao alinhamento necessários para o funcionamento do restaurante.

8.         Mesmo que se admitisse que não existia matéria para considerar o diâmetro e o alinhamento da conduta como não sendo os necessários para o funcionamento de uma cozinha de restaurante, o certo é que estes fatores perdem toda a relevância quando confrontados com a ilegalidade da própria construção da conduta.

9.         Mesmo que a conduta tivesse o diâmetro e o alinhamento necessário e/ou legalmente exigidos, isso não a tornaria uma chaminé legal, uma vez que a construção é, na sua base, ilegal.

10.       A conduta de exaustão em causa, além de inútil para o fim pretendido, era também ilegal.

11.       Mesmo entendendo restringir a resposta dada ao quesito 14, como faz o tribunal "a quo", a nosso ver , mal, que manteve apenas a indicação de que "a única conduta de exaustão existente na fração não se encontrava prevista nas telas finais", sempre se chegaria à conclusão que, não tendo uma conduta de exaustão legal, a fração dos autos não estaria apta a funcionar como restaurante, pelo que o contrato promessa de compra e venda se manteria nulo, por impossibilidade originária.

12.       Esta conclusão, com o devido respeito, era permitida, e até exigida, ao Tribunal "a quo", pelo que deveria ter mantido a decisão de considerar nulo o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes.

13.       O próprio tribunal "a quo" reconhece a situação de ilegalidade da conduta quando defende, a fls. 27 do seu Douto Acórdão, que "a viabilidade do licenciamento da utilização da fracção como restaurante, está ainda dependente, na tese da ré, da aptidão de um sistema de exaustão que utilize uma conduta que tem a sua saída acima do telhado do edifício de que faz parte a fracção dos autos, o que está muito longe de estar demonstrado nos autos".

14.       Entende a Recorrente que, nem a matéria constante do art. 37° da petição inicial, nem a dos quesitos 14° e 15° reveste caráter conclusivo.

15.       A Recorrente alegou que o diâmetro e o alinhamento da conduta de exaustão eram ilegais, não encerrando, salvo o devido respeito, qualquer matéria conclusiva, mas antes factos para serem apurados na fase da instrução, o que, efetivamente, sucedeu.

16.       Dizer que determinada conduta tem um diâmetro ou um alinhamento que não são os necessários ou os legalmente exigidos não é uma afirmação conclusiva, mas antes factos materiais que podem apreender-se diretamente da realidade, razão pela qual foram corretamente levados à quesitação.

17.       O quesito 15° e a resposta que lhe foi dada pelo Tribunal de Ia Instância faziam todo o sentido: se não havia uma conduta de exaustão (necessária ou legal), mostrava-se necessária a construção de um sistema de exaustão na cobertura, pelo que este quesito e a respetiva resposta deveriam ter sido mantidos pelo tribunal "a quo".

18.       A razão da nulidade do contrato não residia apenas na questão física do alinhamento ou diâmetro da conduta de exaustão.

19.       Foi referido e surtiu provado que a referida conduta não estava prevista nas telas finais, ou seja, não existia para efeitos administrativos.

20.       A nulidade do contrato residia também na impossibilidade legal de obtenção da respetiva licença de utilização para restauração.

21.       O tribunal "a quo" teve em consideração a existência de um documento assinado pelo Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Cascais que dizia não ser permitida a instalação de uma unidade de restauração na referida fracção (a fls. 25).

22.       Se a própria edilidade assume que o espaço prometido vender pela Recorrida nunca seria legalizada para os fins de restauração, deveria o contrato promessa revestir nulidade, por impossibilidade originária.

23.       Subscrevem-se na íntegra os fundamentos contidos na Douta Decisão do Tribunal de Ia Instância no que se refere à má-fé da Recorrida, a qual violou o disposto no art. 227° n. 1 do Código Civil.

24.       A Recorrida  não negociou com a Recorrente munida da boa-fé necessária,      33 razão pela qual deverá responder pelos danos que lhe causou.

25.       A Recorrida atuou de modo a instilar na Recorrente a crença de que a fração estava preparada para acolher um estabelecimento de restauração, quando sabia da ilegalidade das obras realizadas na fração e as omitiu à Recorrente.

26.       Por outro lado, a Recorrida afirmou que o espaço referido como "copa" estava preparado para receber a instalação de uma cozinha de restaurante, facto que, em virtude da modificação do contrato, consubstancia um comportamento que "reforça a convicção da aptidão da fracção, como um todo, para a finalidade prosseguida peia demandante".

27.       A boa-fé pressupõe, na fase pré-negocial, a observância de deveres de informação, esclarecimento e lealdade, tendo em vista os interesses legítimos da contraparte sendo que a responsabilidade pré-contratual abrange os danos provenientes da violação desses deveres secundários do dever de boa-fé pré-negocial.

28.       Esta responsabilidade tem a sua razão de ser na proteção da confiança depositada por cada um dos contraentes nas expectativas legítimas que o outro lhe crie durante as negociações, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua formação, pois visa-se a tutela da confiança do sujeito na correção, na honestidade, na lisura, na lealdade e na colaboração ativa da contraparte na satisfação das expectativas alheias, que a anulação do contrato não afasta.

29.       A Recorrida acedeu à outorga de uma procuração a favor da Recorrente, onde lhe concedia poderes para a representar na Assembleia de Condóminos, sem nunca a alertar que a estava a atirar para uma "jaula de leões".

30.       Tendo surtido provado o quesito 20° onde se refere que entre a Ré e a maioria dos condóminos existia um litígio e tendo em conta o historiai da loja em causa, não se concebe a existência de qualquer ingenuidade por parte da Recorrida, mas, antes, malícia e má-fé da sua parte, que mais não fez do que criar na Recorrente falsas expetativas de que iria ser possível, naquela assembleia, obter a autorização necessária para a montagem da nova chaminé.

31.       Assim, deveria ter sido mantido o procedimento parcial dos pedidos deferidos em Ia instância com a condenação da Recorrida.

32.       Mas, tendo o tribunal "a quo" entendido que o contrato promessa de compra e venda não se encontrava ferido de nulidade, importava apurar se os fundamentos para a resolução apresentados pela Recorrente se mostravam suscetíveis de fazer cessar o mesmo, por motivos imputáveis à Recorrida.

33.       É entendimento da Recorrente que existiu manifesta razão para resolver o contrato promessa com base em incumprimento da Recorrida.

34.       Não pode a Recorrente concordar com a afirmação contida a fls. 18 e 26 do Douto Acórdão, em que assume que "... o uso da fracção iá era o de restaurante".

35.       É que o uso da fração é-nos dado mediante uma licença de utilização e é     34 sabido que a loja em causa não tinha licença de utilização para restaurante, logo, o uso da fração não poderia ser o de restaurante.

36.       Alicerça-se o tribunal "a quo" nos factos I, AM e 46 para concluir pela existência de uso da fração, quando a leitura de tal matéria conduz-nos a um sentido diverso, uma vez que apenas vem referido que a loja estava "destinada a restaurante".

37.       /Vão vem referido que a loja tem um uso para restaurante, mas sim que se destinava a restaurante, conceitos que, administrativamente, não são coincidentes.

38.       Conforme amplamente explanado pelas testemunhas inquiridas, o destino da fração é atribuído no projeto de construção, ao passo que o uso da fração é atribuído, a posteriori, terminada a obra, pela DAE e a DAE nunca atribuiu qualquer uso de restauração à fração em causa.

39.       Andou, assim, mal o tribunal "a quo" ao entender que a loja tinha o uso de restauração. E, com base nesta premissa errada, todo o posterior raciocínio se manifesta viciado.

40.       Foi exatamente pelo facto de a loja não ter o uso de restauração que foi necessário peticionar a alteração ao uso junto da DAE. O uso tem de ter na sua base uma prévia destinação, mas a destinação para um determinado fim não acarreta automaticamente, a atribuição ao uso da fração para o fim a que se destina.

41.       O que ficou provado nos autos foi, apenas, que a loja se destinava a ter um uso de restauração, não que tinha licença para tal uso.

42.       A destinação é atribuída na constituição da propriedade horizontal, a qual, como vimos, pode ser, como foi no caso em apreço, efetivada com base no projeto de construção do edifício. A licença de utilização (ou licença de uso) é atribuída após concluída a obra e averiguada a existência dos requisitos necessários para o fim pretendido.

43.       A própria Recorrida informa a Recorrente que a nLoja I do piso 0 não tem licença de utilização, uma vez que a vistoria exigia que a mesma já se encontrasse equipada para o uso de restauração" (facto assente AK).

44.       Veja-se o disposto no art. 62° do Regime Jurídico das Urbanizações e Edificações: "A autorização de utilização ... das fracções autónomas destína-se a verificar a conformidade da obra concluída com o projeto aprovado".

45.       Foi por essa razão que a Câmara Municipal de Cascais chumbou os pedidos de licença de utilização solicitados pela Recorrida (ver resposta aos quesitos 22, 24 e 44).

46.       É certo que não consta que tenha havido qualquer recusa de emissão de licença de utilização por parte da Câmara Municipal de Cascais mas sabe-se que para existir recusa, tornava-se mister que fossem entregues todos os elementos solicitados pela edilidade.

47.       Na realidade, para que o processo camarário pudesse prosseguir os respetivos trâmites, a Recorrente teria de se munir de documentos que não estavam ao seu alcance, como eram a licença de Utilização e a autorização dos condóminos.

48.       Como a loja não estava licenciada para o uso de restauração, não tinha licença para restauração, impunha-se a alteração ao uso e a concordância dos condóminos.

49.       Como verificado, uma das licenças do edifício não continha a fração em causa e a outra apenas tinha as finalidades de habitação, estacionamentos e comércio (vide resposta ao quesito 23 e análise do Doc.8 - a fls. 56 e Doe. 19 - a fls. 220).

50.       Não sendo a loja destinada a habitação nem a estacionamento, por exclusão de partes, só poderia destinar-se ao. comércio. E COMÉRCIO NÃO É RESTAURAÇÃO! Tal como amplamente testemunhado (EE, FF e GG).

51.       Apesar do Departamento das Atividades Económicas não ter invocado que as obras constantes do rés-do-chão impossibilitassem a legalização da loja para o fim de restaurante, o certo é que quando tomou conhecimento da existência de tais obras (sempre em momento posterior à emissão do ofício autuado como Doe. 27 junto à petição inicial) informou que se tivesse tido tal conhecimento, o processo ficaria suspenso até que o Departamento de Urbanismo decidisse a questão (HH, FF e GG).

52.       A posição da DAE foi no. sentido de continuar a não ser permitido o licenciamento sem a autorização dos condóminos, surgindo, aliás, um novo problema: o das obras ilegais.

53.       A Recorrente foi confrontada com diversas situações que a impediram de continuar na prossecução dos seus objetivos junto da DAE.

54.       A Recorrida estava consciente que, independentemente da legalização das obras efetuadas na fração em causa seria ainda necessária a (dupla) autorização do condomínio (para a chaminé e para a alteração ao uso) teria, certamente, pugnado peio pedido de reapreciação do processo urbanístico e pela consequente remessa ao Departamento de Urbanismo, de forma a tentar ainda a concretização do negócio celebrado com a Recorrente, relativamente ao qual ainda tinha a recebera quantia de € 436.250,00 (quatrocentos e trinta e seis mil, duzentos e cinquenta euros). Preferiu, contudo, discordar da resolução operada pela Recorrente e guardar para si a quantia recebida por conta do acordo celebrado, lucrando, de forma fácil, o montante de € 180.000,00 à custa da confiança que a Recorrente nela sempre depositou, causando-lhe, ainda, outros prejuízos.

55.       A Recorrente continua a lucrar com a situação duvidosa em que a loja em causa se encontra envolta, tendo celebrado, em dezembro de 2012 (ainda no decurso da apreciação judicial do presente pleito), um contrato em que a loja se destina a fins tão díspares quanto o "comércio de artigos de decoração, móveis, tecidos e utensílios, artigos de gourmet, mini-mercado, saião de chá e restaurante", cfr. Cláusula 7a do "CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL COM PRAZO CERTO".

56.       Repare-se que a Recorrente já teve o cuidado de, na descrição da loja, já não a indicar como sendo um "espaço amplo destinado a restaurante, com uma copa na cave", contrariamente ao que havia assumido por escrito no contrato celebrado com a Recorrida, certamente, por ter plena consciência que nunca se conseguirá a aprovação da loja para restaurante.

57.       A Recorrente tinha perfeito conhecimento da dificuldade/impossibilidade em obter a licença da loja para restaurante, conclusão que se retira: do vasto historial de antecedentes inerentes à loja, quer junto da Câmara Municipal de Cascais, quer junto do condomínio do edifício; do recebimento do ofício do Departamento das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais datado de 29 de Outubro de 2009 e atuação posterior; da aceitação do teor da cláusula 6a n. 3 do Contrato Promessa de Compra e Venda; e do resultado da reunião que teve com a arquiteta do Departamento das Atividades Económicas.

58.       Nada garante que a Recorrida conseguisse obter, com qualquer atuação da sua parte, um efeito útil junto da Câmara Municipal, sendo as garantias, antes, as inversas: independentemente da atuação da Recorrida, nunca iria ser conseguida a licença de utilização da loja para restauração.

59.       É evidente que a Recorrida "celebrou com a Autora um contrato promessa que ... sabia que muito provavelmente não poderia ser cumprido", como vem defendido a fls. 26 no Douto Acórdão Revidendo, tendo ficado bem patente nos autos a extrema dificuldade ou mesmo a impossibilidade em legalizar o espaço como restaurante: existem obras ilegais e é necessária a autorização de um condomínio com o qual a Recorrente mantém um diferendo.

60.       É sabido e resultou provado nos autos, que existe uma posição expressa e inabalável dos condóminos do edifício quanto ao funcionamento de um restaurante na loja em causa (depoimento de CC, HH, factos assentes em AP) e AQ) e a resposta dada ao quesito 20°).

61.       . Ou seja, existe matéria probatória bastante para considerar que a Recorrida tinha conhecimento da imprescindibilidade da aprovação dos condóminos para a aprovação do restaurante, a qual se mostrava, também, impossível de obter.

62.       A Recorrida tentou, por várias vezes e a todo o custo, obter uma licença de utilização para a loja em causa, obviando a realização de vistorias camarárias, pois bem sabia que a mesma não iria ser alvo de aprovação, quer devido às obras ilegais construídas no piso inferior, quer, decerto, devido à chaminé ilegal existente.

63.       Como bem refere o Douto Acórdão Revidendo "a autora então já sabia destes indeferimentos e não tinha, por isso, razão para confiar no saber-fazer da ré, nem na utilidade da resposta desta", conclusão esta que vem a ser reiterada quando defende, a fls. 27 do Douto Acórdão ora recorrido, que "a viabilidade do licenciamento da utilização da fracção como restaurante, está ainda dependente, na tese da ré, da aptidão de um sistema de exaustão que utilize uma conduta que tem a sua saída acima do telhado do edifício de que faz parte a fracção dos autos, o que está muito longe de estar demonstrado nos autos".

64.       A este respeito, veja-se o que supra ficou explanado quanto à ilegalidade e ordem de demolição da conduta existente na loja em causa.

65.       É evidente que tal histórico obrigava a Recorrida a ter um cuidado acrescido na celebração de contratos sobre a loja, que tivessem a ver com o fim de restauração, cuidado esse que a Recorrida não teve (porque não lhe interessava) e que em muito prejudicou a Recorrente.

66.       Consta também do Douto Acórdão que "o comportamento da ré permitiu claramente a convicção da autora de que seria impossível, por culpa da rér vir a ser celebrado o contrato definitivo." (a fls. 24) mas, com o devido respeito, a questão terá de ser apreciada num prisma mais elevado: mais do que não poder vir a ser celebrado o contrato definitivo, trata-se de nunca vir a poder licenciar um restaurante na loja em causa, e sempre por motivos que cabem na cláusula sexta, número 3 do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado entre as partes.

67.       A Recorrente não vislumbrava (como, aliás, ainda hoje não vislumbra) qualquer hipótese de obter a legalização da loja prometida comprar para efeitos de na mesma ser exercida a atividade de restauração.

68.       Perante este cenário, mostra-se, para a Recorrente, preenchido o requisito necessário para a resolução do contrato promessa celebrado com a Recorrida.

69.       A Recorrente era a principal interessada em ver concretizado o negócio definitivo: a compra da loja para efeitos de restauração, uma vez que tinha projetos definidos para o restaurante e tinha já entregado à Recorrida a quantia de € 180.000,00.

70.       Sabia a Recorrente, como, aliás, é mencionado pelo tribunal "a quo", que "ex/sfe sempre, na prática, enorme dificuldade em se conseguir a restituição de dinheiro" (a fls. 26).

71.       A Recorrente tinha já despendido diversas quantias para pagamento a técnicos, para a aquisição de equipamentos e de matéria-prima, que se encontravam na loja para a construção da cozinha, ou seja, estava a postos para a construção da cozinha, para a preparação do restaurante e para a compra da loja à Recorrida.

72.       Contudo, quando confrontada com a posição irredutível da maioria dos condóminos do edifício, manifestada na Assembleia realizada no dia 28 de outubro de 2009, no sentido de não permitir quer a construção da chaminé alternativa, quer com a afetação da loja para restaurante, a Recorrente sentiu-se coartada na possibilidade de levar a bom porto o negócio pretendido e, legitimamente, entendeu não ter alternativa senão a de resolver o contrato promessa celebrado com a Recorrida (veja-se o depoimento de II e de CC).

73.       Esta realidade é reforçada com o ofício do Departamento de Atividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais, quando solicita a entrega de uma "autorização escrita de todos os condóminos para a alteração ao uso" (Doe. 20 junto à petição inicial).

74.       Se a construção da chaminé havia já ficado chumbada pelo condomínio e se a atividade   de   restauração,   apesar   de   não   requerida   expressamente,   foi   liminarmente inviabilizada, ficou implícito que o mesmo condomínio não iria prestar a autorização solicitada      38 pela edilidade.

75.       De facto, como atrás exposto, a Recorrente carecia, no seu entender e face aos elementos expostos, de uma dupla autorização do condomínio: uma para a construção da chaminé (uma vez que a existente era inútil e ilegal) e outra para o funcionamento legal de um restaurante naquele espaço (alteração ao uso da fração) e o certo é que não conseguiu, nem conseguiria, obter nenhuma das duas, o que deitava por terra a possibilidade de concretização do contrato assinado.

76.       Para a Recorrente, os motivos da não concretização do contrato promessa são imputáveis à Recorrida, situação que tem perfeito cabimento na Cláusula Sexta, número três do Acordo.

77.       A Recorrida, ao invés de auxiliar a Recorrente no sentido de obter a autorização contida no ofício camarário, limita-se a informar que tal autorização não era necessária (certamente por ter perfeito conhecimento que nunca essa autorização seria conseguida, devido ao diferendo existente com os condóminos do edifício).

78.       A Recorrente ficou num beco sem saída: por um lado, tinha a edilidade a solicitar uma autorização do condomínio que, está provado, não lhe seria concedida e, por outro, deparava-se com uma promitente vendedora que não a auxiliava pois entendia que tal documento não era necessário.

79.       A própria Recorrida, munida da certidão camarária de fls. 311, tem uma reunião com a arquiteta do Departamento das Atividades Económicas, onde é informada que a existência de obras ilegais teria sido motivo para a suspensão do processo de pedido alteração ao uso e a para a respetiva remessa para o Departamento de urbanismo.

80.       Mesmo que o problema das obras não licenciadas fosse resolvido pelo Departamento de Urbanismo, quando o processo regressasse às Atividades Económicas para apreciação do processo de obtenção da licença para restauração, continuaria a existir o problema da falta da autorização dos condóminos para tal alteração ao uso, problema esse que a Recorrida tinha consciência que não se conseguiria ultrapassar (ver depoimento de HH).

81.       Terá, assim, de considerar-se que existiram válidos fundamentos para a comunicação da resolução do contrato promessa de compra e venda por parte da Recorrente, termos em que deve revogar-se o Douto Acórdão recorrido e entender-se que a comunicação constante do facto provado em AL) consubstancia válida declaração de resolução unilateral do contrato promessa celebrado com a Recorrida.

82.       Consequentemente, validado o contrato, deveria ter sido declarada procedente resolução operada pela Recorrente, com fundamento no incumprimento da Recorrida, deveriam proceder os pedidos formulados pela Recorrente na sua petição inicial, corrigida com a matéria de facto provada.

83.       O Tribunal "a quo", ao alterar os quesitos 14 e 15 e ao responder-lhes de     39 forma diversa, violou os art.s 511° e 653° do Código de Processo Civil.

84.       O Tribunal "a quo" fez também uma errada apreciação da prova documental e testemunhal produzida, a qual se mostrava suficiente para prolação de decisão diversa.

85.       O art. 62° do RJUE não foi aplicado pelo Tribunal "a quo".

86.       A Cláusula Sexta, números 1 e 3, do Contrato Promessa de Compra e venda foi mal interpretada pelo Tribunal "a quo", uma vez que a mesma se aplica ao caso nsub íudice".

87.       Deveriam ter sido, em alternativa, aplicados os art.s 227° n. 1 e 401° n. 1 do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito que V.s Ex.as doutamente se dignarão suprir, deverá ser proferido acórdão que julgue validamente resolvido por banda da recorrente o contrato promessa de compra e venda, celebrado em 11 de Novembro de 2008, condenando-se a recorrida a:

a) Pagar à recorrente os valores recebidos a título de sinal (€ 150.000,00) e reforços de sinal (€ 30.000,00), em dobro, no montante que totaliza € 360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros);

b)         A indemnizar a recorrente pelo mobiliário, maquinaria, equipamento e matéria-prima colocada no imóvel prometido vender, em montante a apurar em incidente de liquidação;

c)         A pagar à recorrente o valor referente aos honorários dos técnicos que elaboraram o projecto, no montante de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros)/

d)        A pagar à recorrente o valor referente ao projecto de gás, no montante de € 900,00 (novecentos euros);

e)         Pagar à recorrente os valores despendidos a título de quotas de condomínio do imóvel prometido vender, no montante de € 952,00 (novecentos e cinquenta e dois euros);

f)         A pagar à recorrente o montante do parecer médico do centro de saúde, no montante de € 14,96 (catorze euros e noventa e seis cêntimos); e

g)         A suportar os valores de honorários e despesas apresentados pela mandatária da recorrente pela assessoria jurídica, no montante de € 8.000,00 (oito mil euros);

Bem como dos respectivos juros legais.

Em alternativa, deverá ser proferido acórdão que, mantendo a decisão de 1ª instância,   julgue   nulo,   por   impossibilidade   objetiva   originária, o contrato promessa de compra e venda, celebrado em 11 de Novembro de 2008, com a condenação da recorrida em:

a)         restituir à recorrente os valores recebidos a título de sinal (€ 150.000,00) e reforços de sinal (€ 30.000,00), no total de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros);

b)         restituir à recorrente os valores dispendidos a título de quotas de condomínio do imóvel prometido vender, no montante de c 952,00 (novecentos e cinquenta e dois euros);

c)         indemnizar a recorrente no valor de € 1.264,96 (mil duzentos e sessenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos);

d)        indemnizar a recorrente pelos valores despendidos com a aquisição de uma "hotte" e "buffets" , bem como o valor dos tijolos, areia e cimento, a apurar em incidente de liquidação posterior ;

e)         a pagar à recorrente os valores de honorários que a recorrente venha a pagar aos advogados que a assistiram;

f)         a pagar à recorrente os juros de mora sobre as quantias referidas em a), b) e c), à taxa legal de juros civis, desde 2 de julho de 2010; e

g)    a pagar à  recorrente  os juros de  mora sobre as demais quantias desde a data da sentença de liquidação, tudo como é do direito e da JUSTIÇA!

A Ré contra-alegou, reafirmando que o contrato promessa em apreço não é nulo e que a autora incumpriu ao resolvê-lo indevidamente, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:

 II-Fundamentação:

 Os factos provados são os seguintes:

A) A ré é proprietária da fracção autónoma designada pelas letras "AA", correspondente ao …o andar, loja …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ..., Edifício ..., ..., lugar da ..., freguesia e concelho de Cascais, descrito na Ia Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.° …, ao qual corresponde o artigo matricial ….

B) Autora e ré celebraram, em 11/11/2008, um escrito particular, que designaram por "Contrato Promessa de Compra e Venda", em que a ré prometeu vender à autora e esta prometeu comprar-lhe, livre de ónus e encargos, o imóvel acima referido.

C) Da cláusula 3a do escrito particular consta que: "O preço a pagar pela autora à ré, pela compra da fracção autónoma em apreço será de 725.000€.

D)   Conforme acordado pelas partes na cl. 4a, a autora
entregou à ré 150.0006, a título de sinal e princípio de pagamento.

E) De acordo com o estipulado na cl. 473, "o remanescente
do preço - 575.0006 - será pago em prestações mensais - as quais
serão consideradas como reforço de sinal - iguais e sucessivas, de
3.0006 cada, com vencimento a I
a no primeiro dia útil do mês
seguinte à assinatura do presente contrato e as restantes no
primeiro dia útil da cada mês seguinte, até à data da celebração da
escritura de compra e venda prometida e, no acto de outorga da
mesma, será pago pela autora à ré o remanescente dó preço que
ainda se encontrar em falta".

F)  A autora entregou à ré, entre os meses de Dezembro de
2008 e Agosto de 2009, a quantia de 30.0006, a título de reforço de
sinal.

G) No dia 12/11/2008, a ré entregou à autora as chaves do
imóvel, de modo a permitir que
esta iniciasse a montagem do
equipamento do restaurante e efectuasse as obras de adaptação que
se mostrassem necessárias.

H) Na fase preliminar do negócio, aquando da discussão e elaboração da minuta do contrato, a ré facultou à autora cópias da caderneta matricial, certidão predial, plantas do imóvel e uma licença de utilização.

I) Da certidão da CRP de Cascais, junta a fls. 53, consta a seguinte descrição da fracção autónoma referida em A): "Loja …, espaço amplo destinado a restaurante, situado no …o piso, uma copa no rés do chão e uma garagem situada na sub-cave designada pelo nº ...

J) Estipularam as partes, na cl. 6a do acordo, o seguinte:

2. Se a autora faltar ao cumprimento do ora contratado fica a ré e na qualidade em que intervém, com o direito de rescindir o presente contrato de promessa, guardando para si sem necessidade de marcação de novos prazos o que houverem recebido daquela como sinal e principio de pagamento e eventuais reforços"; e

"3. ...a autora terá direito de resolução do contrato e ao recebimento das quantias referidas no ponto um da presente cláusula, no caso da recusa de emissão de licença de utilização, pela não aprovação do projecto de alterações (a apresentar por esta junto da competente Câmara Municipal), por motivos imputáveis à ré, nomeadamente defeitos ou vícios na construção ou desconformidade do imóvel com as disposições legais em vigor."

K) Para além do alvará de utilização fornecido pela ré à autora na fase das negociações, era ainda necessário obter uma licença de utilização própria para restauração, a emitir pelo Departamento das Actividades Económicas da Câmara Municipal de' Cascais, o qual exige a apresentação de projecto com equipamentos.

M) Para a emissão da referida licença de utilização era necessária a apresentação e aprovação de um projecto com todo o equipamento inerente à montagem de um restaurante, incluindo a cozinha.

N) Tendo em conta a necessidade de obtenção de licença de utilização específica para o exercício de restauração, foi introduzida no documento referido em B) a cl. 6a, n° 3.

O) Para efeitos de apresentação do competente projecto de licenciamento da loja junto das AE da CM de Cascais, contemplando a substituição da copa por cozinha, a autora contratou os serviços de um técnico para a sua elaboração.

P) As plantas fornecidas pela ré, aquando da celebração do negócio aludido em B), não coincidem com as telas finais aprovadas pela CM de Cascais.

Q) A certidão da CRP referida em I), entregue pela ré na fase de negociação do contrato, menciona a existência de uma "copa" no rés-do-chão, enquanto que as telas finais juntas a fls. 57 e 58 dos autos, referem que o espaço estava aprovado para o fim de "arrecadação".

R) No rés-do-chão do edifício encontravam-se diversas tubagens necessárias à montagem da copa.

S) Existem elementos físicos no rés-do-chão que denotam a preparação do local para a montagem de uma cozinha, nomeadamente um bocal de chaminé.

1. A ré disse à autora que o espaço que vem referido como "copa" nas plantas que lhe forneceu estava preparado para nele poder ser instalada a cozinha do restaurante.

2. A zona de arrumos, vestiário e instalações sanitárias, identificada nas plantas fornecidas pela ré à autora na fase negocial do acordo e já construída, figura nas telas finais aprovadas pela CM aquando do licenciamento da construção do prédio como "garagem".

3. O técnico contratado pela autora conforme referido em O) disse àquela que na zona indicada como "arrecadação" nas telas finais aprovadas pela CM nunca seria possível a aprovação da construção de uma cozinha.

5. A ré assumiu perante a autora que a construção da cozinha no rés-do-chão era de difícil aprovação pela CM.

T) A instalação da cozinha no Io piso implicaria uma diminuição substancial da área reservada às mesas de clientes.

9.  O facto referido em T) diminuiria o valor comercial da
loja.

U) Autora e ré concordaram em celebrar, a 09/06/2009, um documento que denominaram "aditamento", e que introduzia alterações ao escrito particular referido em B).

V) O "aditamento" previa a diminuição do preço de compra do imóvel, que passaria a ser 616.2506.

W) Previa, também, na aditada cl. 1 Ia, a obrigação da ré em obter o aumento de potência da coluna de fornecimento de energia eléctrica até 31/08/2009, para o dobro da até aí existente.

10.  A potência de energia eléctrica máxima contratada não
era suficiente para a montagem e funcionamento de todo o
equipamento de restauração.

X) A ré obteve o acordado aumento da potência da coluna de fornecimento da energia eléctrica.

Y) Acordaram ainda as partes e fizeram incluir no "aditamento", a alteração da data limite para outorga da escritura, que passou para o dia 15/05/2010.

Z) Foi contratada pela autora a elaboração de um projecto de alterações que contemplava a construção da cozinha no Io piso.

L) O projecto com equipamentos foi elaborado e entregue, pela autora, no DAE da Câmara Municipal de Cascais em 09/10/2009.


14. A única conduta de exaustão existente na fracção não se encontrava prevista nas telas finais c não tinha o diâmetro o o alinhamentonecessáriosao funcionamentodeumacozinhade restaurante, [a parte em itálico é eliminada por força da decisão do recurso, fundamentada abaixo].

15. Mostrando se necessária a construção de um sistema de exaustão na cobertura da loja. [todo este ponto de facto é eliminado por força da decisão do recurso, fundamentada abaixo].

AA)  A autora, através de carta registada com a/r, emitida
pelos seus mandatários e dirigida à administração do condomínio
do prédio identificado em A), na gerência da empresa JJ
- ..., Lda", datada de 24/07/2009,
solicitou que esta providenciasse pela prestação e obtenção dos
pareceres e autorizações necessários para as alterações que
pretendia realizar no imóvel e que elencou da seguinte forma:

"a) Instalação de um sistema de filtragem electrostática e de controle de gorduras e odores, cujo módulo será colocado na cobertura da fracção, por detrás da cúpula existente, de modo a não ser visível quer da via pública, quer das varandas das restantes fracções autónomas;

b)    Instalação de equipamentos e maquinaria de
restauração, nomeadamente balcões, fornos e fogões e outros
utensílios de cozinha, bem como de elementos decorativos; e

c) Instalação de três painéis de reclames luminosos".

L) Tendo em conta que a autora não era a proprietária do imóvel, foi solicitada pela administração do prédio, uma procuração da ré a conceder poderes à autora para estar presente na assembleia a realizar.

M) A ré assinou, em 09/09/2009, uma procuração em que concedia à autora poderes bastantes para a representar perante a administração de condóminos do prédio, e nas assembleias-gerais a realizar para deliberar sobre todos os assuntos relacionados com a fracção indicada em A), que posteriormente remeteu à autora.

AD)  No dia 28/10/2009, realizou-se uma assembleia de
condóminos extraordinária, da qual resultou a acta n.° 13, onde
após debate sobre o ponto um da ordem de trabalhos (autorização
para a realização de alterações no imóvel, com o fim de
implementar aí um restaurante), o mesmo resultou não aprovado,
tendo obtido 52,3% dos votos contra dos condóminos presentes,
3,2% de abstenção e 28,9% a favor.

AE)   Do conteúdo da acta n.°13 da assembleia de
condóminos retira-se o seguinte:

"O Sr. CC, membro do C. E. e Presidente da Mesa da Assembleia, referiu que não era de autorizar um restaurante.

 [•••]

Rebateu o Sr. CC membro do CE. e Presidente da Mesa da Assembleia dizendo que não existe sistema capaz de retirar na totalidade todos os cheiros provenientes de um restaurante.

O condómino Sr. KK, membro do conselho efectivo, proprietário do R/C referiu a existência de um documento assinado pelo Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Cascais, dizendo que não é permitida a instalação de uma unidade de restauração na referida fracção.

[...] que se tratava de um documento datado de 18/05/2007.

[...]

O Presidente da Mesa da Assembleia, Sr. CC, declara que já existiram firmas que queriam montar unidades similares no espaço em questão, nunca obtendo o acordo dos condóminos, por isso não deveria, na sua opinião, este caso ser tratado como único. Anteriormente outros projectos apresentados para a fracção foram vetados pelos condóminos. Um deles foi inclusive um projecto para instalação de uma clínica."

AF)  No decurso da referida assembleia, a autora tomou
conhecimento que a ré já havia celebrado dois contratos promessa
de compra e venda, que tinham como objecto a loja identificada em
A), visando o primeiro deles a utilização desta como restaurante.

AG) Retira-se da mesma acta n.° 13 que:

"O Presidente da Assembleia faz uma declaração de voto em nome próprio e em nome dos condóminos que representa, declarando que não há máquina nem sistema que retire os cheiros dos pratos da comida, com a agravante de haver um terraço que será uma esplanada do restaurante, e estando o restaurante do lado norte e sendo o vento predominante desse lado, vai trazer o cheiro para todo o condomínio, nomeadamente para os apartamentos que possui. Que sendo o edifício um condomínio fechado, as portas abertas vão ser um factor de insegurança para todo o condomínio, e como o edifício não foi isolado acusticamente, os moradores nas suas casas vão passar a ouvir todos os ruídos do restaurante nomeadamente as conversas dos clientes, os talheres nos pratos e o movimento nocturno de veículos que não tem actualmente, prejudicando o sono de todos os residentes; há condóminos que desconheciam que havia uma loja para restaurante."

13. A ré sabia que a autora tinha elaborado e entregado na CM de Cascais um projecto para licenciamento da utilização da loja como restaurante.

16. A ré havia anteriormente celebrado o contrato-promessa referido em 40, o qual visava a venda da loja para instalação de um estabelecimento de restaurante e que não havia sido cumprido com a outorga da pertinente escritura pública.

20. Existe um diferendo entre a ré e a maioria dos condóminos do edifício onde se localiza a fracção, o que a primeira sabia.

22. Em 2004, a ré solicitou à CM de Cascais a emissão de licença de restauração e bebidas para a loja, a qual foi recusada por inexistir "espaço equipado para o fim em vista."

23. O imóvel tem duas licenças de utilização com o mesmo número e data de emissão, as quais são diferentes entre si, na medida em que uma identifica as fracções a que se refere e outra não contém essa identificação.

24. A ré, em 2005, requereu a anulação da alteração do uso, para que a loja passasse a ser considerada "espaço comercial", não tendo obtido provimento para tal.

AH) Na sequência da entrega do projecto de alterações pelo técnico no DAE, a autora é notificada do ofício n.° …, datado de 29/10/2009, no qual a CM de Cascais (DAE) vem solicitar a apresentação, em 60 dias úteis, de diversos elementos que se encontravam em falta, entre eles "fotocópia da licença de utilização do prédio" e "autorização de todos os condóminos para a alteração ao uso."

AI) No dia 03/12/2009, a autora encaminhou o referido ofício à ré, por fax, no sentido desta obter os elementos solicitados pela CM de Cascais dentro do prazo concedido pela edilidade.

AJ) O conteúdo do fax anteriormente referido é remetido por carta registada com a/r à ré, em 10/12/2009.

AK) Em resposta, a ré envia à autora um telefax, com o seguinte conteúdo:

"O edifício tem licença de utilização (fotocópia anexa). Tal como sempre informámos a fracção "AA" Loja I do piso 0, não tem licença de utilização, uma vez que a vistoria exigia que a mesma já se encontrasse equipada para o uso de restauração. O projecto foi aprovado pela CM de Cascais, e já solicitamos cópia das plantas para confirmação do que se expõe, pelo que não é necessária a aprovação dos condóminos."

25.  A ré não entregou à autora a "autorização de todos os
condóminos para a alteração ao uso" referida em AH).

AL) No dia 25/01[/2010], a autora comunica à ré, por carta registada  com   a/r,   O   seguinte:   [alterou-se a redacção desta alínea,transcrevendo-se agora o teor integral da carta, em vez de se sintetizar a mesma e de a dar por reproduzida]:

"Serve o presente para informar que verificada da parte de V. Exas. a omissão de disponibilização dos documentos referidos nos pontos n°s 1 e 2 do ofício n.° … da Câmara Municipal de Cascais, de 29/10/2009, dentro do prazo concedido pela edilidade, o projecto em causa será indeferido.

Deste modo, mostra-se definitivamente inviabilizada a prossecução do contrato-promessa de compra e venda da loja em causa, por falta de licença de utilização para restauração.

De facto, conclui-se que a inexequibilidade do contrato promessa se ficou a dever à recusa de emissão de licença de utilização por motivos unicamente imputáveis à promitente vendedora, uma vez que não foi aprovado o projecto de alterações apresentado pela nossa cliente junto da Câmara Municipal de Cascais.

Além da falta de autorização dos condóminos (que o referido ofício exige), o certo é que fracção prometida vender não está conforme às disposições legais em vigor (nem sequer possui licença de utilização), pelo que não se mostra possível obter a competente licença de utilização para restauração.

Assim, não resta outra solução à nossa Cliente senão a de dar sem efeito o contrato-promessa de compra e venda celebrado com V.s Ex.as em 11/11/2008, o que fazem pelo presente meio de resolução.

Consequentemente, a nossa Cliente tem direito, na esteira do disposto nos números um e três da cláusula sexta, do referido contrato, a ser reembolsada das quantias entregues a título de sinal e respectivos reforços (em dobro), o que totaliza a quantia de 354.0006.

Ao valor acima referido, acrescem as despesas de condomínio da loja, suportadas pela nossa cliente no valor de3.000€.

A computar ainda as benfeitorias realizadas pela nossa cliente na fracção em causa, a título de mobiliário e equipamento, no montante de 23.5006 (vinte mil euros) [sic].

A nossa cliente despendeu também, para elaboração dos projectos de arquitectura, água e gás e acompanhamento jurídico, a quantia de 15.0006 para pagamento aos técnicos e mandatários.

Assim, deverão V.s Ex.as efectuar o pagamento da quantia total de 395.5006 no prazo máximo de 15 dias a contar da recepção da presente carta.


Decorrido o prazo acima mencionado sem que se encontre efectuado o correspondente pagamento, não teremos outra alternativa senão a de recorrer aos meios judiciais para defesa dos direitos da nossa Cliente.

Sem mais de momento, aguardamos as vossas prezadas notícias e, com os melhores, subscrevemo-nos."

AM) No dia 03/02/2010, a ré envia carta à autora contendo fotocópia de certidão emitida pelo Departamento de Gestão Urbanística da CM de Cascais, datada de 01/02/2010, na qual pode ler-se: "que a loja …, identificada nas plantas respeitantes ao projecto de alteração cujo licenciamento ocorreu em 19/02/2004 no âmbito do processo n. …, está destinada a restaurante. A fracção em causa apresenta obras/alterações não licenciadas e por conseguinte em desconformidade com o projecto aprovado."

AN) No imóvel identificado em A) estão construídas pela ré diversas obras desconformes ao projecto aprovado pela CM.

AO) As datas do processo n.° … (2001), cujo licenciamento ocorreu em 19/02/2004, são anteriores à data da celebração do contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e ré.

AP) A ré tinha conhecimento da situação em que a loja se encontrava descrita nos documentos existentes na CM de Cascais.

AQ) A ré sabia que na loja tinham sido realizadas obras, na copa, casas de banho, vestiários e arrumo, que não correspondiam ao projecto aprovado pela CM, cujo fim era para arrecadação e garagem.

AR) No dia 04/02/2010, a ré envia à autora uma cópia das telas finais referentes à loja, onde constam "arrecadação" e "garagem" no piso inferior e não "copa", "casas de banho", "vestiários" e "arrumos", conforme constava das plantas fornecidas por aquela na fase de negociações e antes da assinatura do negócio celebrado pelas partes em B).

AS) Em 20/04/2010, a autora é notificada do ofício n.° … emitido pelo DAE, com o seguinte conteúdo: "informamos que não foram entregues os elementos solicitados pelo nosso ofício n.° … de 29/10/2009, em anexo. Assim, nos termos do Código de Procedimento Administrativo e uma vez que estes documentos são necessários à apreciação do pedido, não será dado seguimento ao procedimento de emissão de licença de utilização para estabelecimentos de restauração e bebidas."

28. A autora adquiriu equipamento e maquinaria para a instalação do restaurante, do qual não conseguiu devolver uma "hotte" e vários "buffets".


29. A autora adquiriu, para a construção da cozinha do restaurante, tijolos, areia e cimento.

30. A autora pagou a um dos técnicos que interveio na elaboração o projecto a quantia de 350€.

31. Para a elaboração do projecto de gás, a autora pagou 900€.

32. De quotas pagas ao condomínio do edifício a autora gastou 952€.

33. Para pagamento do parecer médico do Centro de Saúde a autora despendeu a 14,95€.

34.    Para pagamento dos serviços dos advogados que
assistiram a autora no processo tendente à compra e venda da loja
foi elaborada, em 18/05/2010, uma nota de honorários e despesas
no montante de 8.0006.

Vindos dos articulados da ré:

35.   Antes de assinar o escrito referido em B), a autora, na
pessoa dos seus sócios-gerentes, visitou duas vezes a fracção
objecto do mesmo, tendo, cada uma dessas visitas, durado cerca de
30 minutos.

38. A garagem identificada com o n° 25 nos documentos n°s 1, 2 e 6 anexos à petição inicial não é a que está assinalada nas telas finais do rés-do-chão (piso "0") do edifício como adjacente à área que no mesmo documento surge como "arrecadação".

40. Em 2004, o Sr. LL, de nacionalidade chinesa, prometeu comprar à a fracção em causa nesta acção, tendo sido no âmbito desse acordo que foram executadas as obras para futura instalação de uma cozinha no rés-do-chão e as obras de construção da zona de arrumos, vestiário e instalações sanitárias referida em 2.

41. Em 27/03/2009 a autora deu conhecimento à ré de que haveria dificuldade em aprovar a cozinha no rés-do-chão, propondo na eventualidade de não ser aprovada a cozinha nesse local mas apenas no Io piso, a redução do preço em 25%, ficando a obtenção da licença de utilização por conta da ré.

42. A ré respondeu dizendo-se disponível para reduzir o preço em 15%.

43. A conduta de exaustão tem a sua saída acima do telhado do edifício de que faz parte a fracção dos autos.

44. Aquando da deslocação da ré, em 2004, à CM de Cascais, foi-lhe foi dito que a licença de utilização da fracção identificada em A) para restaurante só poderia ser emitida depois de a fracção estar equipada para essa função.

45. Em 2007, por ter aparecido um interessado em instalar
uma clínica na fracção, a ré tentou obter o acordo dos condóminos
do prédio para a alteração da finalidade da fracção de "restaurante"
para "consultório médico".

AT) A "Memória Descritiva e Justificativa" que acompanha o projecto entregue pela autora no DAE da CM de Cascais, em 09/10/2009, começa dizendo: "A presente Memória Descritiva e Justificativa refere-se à alteração ao uso num edifício implantado...".

AU) O ofício n.° … da CM de Cascais, assinado pela Directora da DAE, e dirigido à autora tem como assunto a "Alteração ao Uso de Alvará de Licença de Utilização para um estabelecimento de Restauração, sito na Av.a …, Quinta …, em Cascais", e notifica a autora para apresentar, entre outros elementos, a "Autorização de todos os condóminos para a alteração ao uso."

46. A autora sabia que a fracção se destinava a restaurante.

48. A DAE não invocou que as obras constantes do rés-do-chão impossibilitassem a legalização da loja para o fim de restaurante.

Apreciando:

 Antes de mais registe-se as divergências das instâncias:

 A 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à autora com base na nulidade do contrato- promessa de compra e venda a quantia de €180.000,00, correspondente às quantias que  a autora entregou a título de sinal e reforços,  bem com a pagar-lhe as despesas que o dispositivo da sentença elenca  nomeadamente sob as alíneas b) a g) acrescidas dos juros, julgando improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré.

Por seu turno, a Relação julgou a acção e reconvenção improcedentes, o que significa, aliás, no dizer do próprio Acórdão recorrido, que permanece em vigor o contrato promessa em apreço.

A Ré interpõe a presente revista, aqui, como recurso principal, pugnando pela procedência do pedido reconvencional deduzido ( perda das quantias entregues pela A a título de sinal e respectivos reforços) e, isto porque considera nas conclusões de recurso que a  declaração resolutiva da A indevida e injustificada é equiparável  à recusa em cumprir o contrato.

A Autora no recurso subordinado que interpôs, pugna no fundamental para que seja julgada válida a resolução do contrato levada a cabo pela A , considerando ,por essa via, incumprido definitivamente o contrato e consequentemente pede a restituição em dobro das quantias entregues a título de sinal e respectivos reforços, bem como o pagamento  das despesas que teve de suportar com vista á instalação do restaurante.

Porém, em alternativa a A pede que se confirme a nulidade do contrato de promessa, por impossibilidade originária da prestação a que alude o contrato promessa em apreço e celebrado em 11.11. 2008, ou seja, que se confirme a decisão da 1ª instância.

Feito este enquadramento das questões sublinhe-se, desde já, que a nulidade do contrato promessa, que vem suscitada em sede de recurso subordinado, se situa a montante das questões suscitadas  pela Ré, que se prendem fundamentalmente  em saber se  houve ou não incumprimento do contrato por banda da A ,  nomeadamente quando emite a declaração resolutiva, o que leva em termos metodológicos a apreciar em 1º lugar a problemática da nulidade do contrato.

Nulidade do contrato: 

Conforme se constata a 1ª instância considerou ocorrer uma impossibilidade originária da prestação, por se verificar uma impossibilidade física de instalação de um estabelecimento  de restaurante, consubstanciada nos factos que a 1ª instância havia dado como provados como sejam:  a única conduta de exaustão de fumos existente na fracção, além de  não estar previstas nas telas finais da construção do prédio , era inapta para funcionar como conduta de um restaurante  por não ter  nem as dimensões nem o alinhamento necessários , sendo necessário instalar um sistema de exaustão  alternativo na cobertura da mesma fracção, sendo que essa inovação não foi aprovada pela assembleia de condóminos.

Acontece que a Relação na apreciação que fez da matéria de facto, não deu como provados aqueles factos , mas tão só que  “ a única conduta de exaustão existente na fracção não se encontrava prevista nas telas  finais “  não  dando com provado a inaptidão para funcionar como conduta  de um restaurante, nem a necessidade de instalar um sistema de exaustão alternativo e, daí que  tenha concluído pela não verificação à data do negócio da impossibilidade originária da prestação,

Estamos, aqui, no domínio da matéria de facto, que, como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, que conhece apenas matéria de direito ( cfr. art.26º da Lei nº 3/99 de 13/01 ( LOFTJ), não pode sindicar e, daí que  na parte do recurso subordinada em que a Autora impugna  nomeadamente aquela matéria de facto, o recurso não possa  proceder .

Como refere o Prof. A. Varela in Direito das Obrigações Em Geral I, 10ª Ed. pag. 802  “ a possibilidade da prestação determina-se no momento em que a obrigação é constituída , de harmonia com critérios práticos de normalidade ou razoabilidade ,que relevem para a apreciação jurídica dos factos, pouco importando, porém, que a impossibilidade seja conhecida dos interessados após a constituição da obrigação”

Como também se diz no Ac. deste Supremo de 9.05.2006 Relator : Cons. Sebastião Póvoas acessível via www.dgsi.pt a impossibilidade física ( “ex rerum natura”) é apurada em termos objectivos, resulta da coisa em si mesma , não tem a ver com a pessoa do obrigado , nem com a maior dificuldade ou mais onerosidade no cumprimento”. 

No caso dos autos, além da fracção, segundo  o próprio  título de constituição de propriedade horizontal, estar destinada  especificamente para  restaurante,( cfr. al. I) dos factos provados- conforme certidão do Registo Predial de Cascais),  não se provou, não obstante as  normais e correntes dificuldades de licenciamento que, aliás,  até são muito comuns e recorrentes no país, que houvesse impossibilidade física à partida ( ab initio ) de instalar  um restaurante na fracção.

Quanto ao sistema de exaustão necessário temos de nos ater à matéria de facto, que a Relação definitivamente fixou.

Isto para dizer que em função da factualidade que vem provada e á data em que o negócio foi celebrado, não se verificava qualquer impossibilidade física originária da prestação em causa.

            Não há, por isso, que censurar o Acórdão recorrido quando afasta a nulidade do contrato de promessa com fundamento na não ocorrência da dita impossibilidade originária da prestação.

 2 Incumprimento do contrato:

Como é sabido, só incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contraente fiel o direito à resolução do contrato ( cfr. art. 801 do C. Civil) e desencadeia a aplicação das sanções previstas no art. 442 nº2 do C. Civil( sinal em dobro ou a perda do sinal passado) ( cfr. Galvão Teles  in Direito das Obrigações 7ª ed. Revista e Actualizada, pag. 129 , Calvão da Silva  in “ Sinal e Contrato-Promessa  11ª ed. Pag.118 e A. Varela in RLJ Ano 119 pag. 216).

Havendo uma situação de mora, esta só se converte em incumprimento definitivo na hipótese prevista no art. 808 nº1 do C. Civil( perda do interesse do credor ).

A perda do interesse do credor a apreciar objectivamente ( art.808 nº2 do C. Civil), na celebração do contrato prometido.

Feito este enquadramento importa agora fazer o confronto com a realidade material que vem provada, que destacamos:

Antes de mais importa  registar que a A fundamenta o alegado direito de resolução do contrato na cláusula 6ª nº3 que  estipula o seguinte:

A autora terá direito de resolução do contrato e ao recebimento das quantias referidas no ponto 1 da presente cláusula, no caso de recusa de emissão de licença de utilização, pela não aprovação do projecto de alterações ( a apresentar por esta junto da competente Câmara Municipal) por motivos imputáveis à Ré , nomeadamente defeitos ou vícios na construção ou desconformidade do imóvel comas disposições legais em vigor”.

Vejamos, então, o que se passou com emissão das licenças de utilização:

Para além do alvará de utilização fornecido pela Ré à autora na fase das negociações, era ainda necessário obter uma licença de utilização própria para restauração, a emitir pelo Departamento das Actividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais, o qual exige a apresentação de projecto com equipamentos.-K)

Para emissão da referida licença de utilização era necessário a apresentação e aprovação de um projecto com todo o equipamento inerente à montagem de um restaurante, incluindo a cozinha -M).

As plantas fornecidas pela ré, aquando da celebração do negócio aludido em B) ( contrato-promessa) não coincidiam com as telas finais aprovadas  pela CM de Cascais-P)

A certidão da CRP de Cascais referida em I) entregue pela ré na fase da negociação do contrato, menciona a existência de uma “ copa” no rés do chão, enquanto que nas telas finais juntas a fls. 57 e 58 dos autos referem que o espaço estava aprovado para o fim de “ arrecadação”-Q)

No rés do chão do edifício encontravam-se diversas tubagens necessárias à montagem da copa-.R)

Existem elementos físicos no rés do chão que denotam a preparação do local para a montagem de uma cozinha, nomeadamente um local de chaminé.-S)

A ré assumiu perante a autora que a construção da cozinha no rés do chão era de difícil aprovação pela CM.S.5

            A instalação da cozinha no 1º piso implicaria uma diminuição substancial da área reservada às mesas de clientes, facto que diminuiria o valor comercial da loja –… .9

            Circunstância que fez com que autora e  ré concordassem em celebrar a 9/6/2009 um documento que denominaram “ aditamento” e que introduziu  alterações ao escrito particular referido em  B) aditamento que previa uma diminuição do preço de compra do imóvel que passaria a ser de € 616.250,00, previa também na aditada clª 11 a obrigação da ré em obter  o aumento de potência de fornecimento de energia eléctrica até 31/08/2009 para o dobro até aí existente- U) V) e W) e acordaram ainda a alteração da data limite para outorga da escritura que passou para odia 15/0%/2010 ( Cfr. Y).

            A ré obteve o acordado aumento da potência da coluna de fornecimento da energia eléctrica-X)

O projecto com equipamento foi elaborado e entregue pela A no DAE da Câmara Municipal de Cascais em 9/10/2009.

Na sequência da entrega do projecto de alterações pelo técnico no DAE , a autora é notificada do ofício nº … datado de 29.10.2009 , no qual a CM de Cascais( DAE )  vem solicitar a apresentação em 60 dias úteis , de diversos elementos que se encontravam em falta , entre eles “ fotocópia da licença de utilização do prédio “ e “ autorização de todos os condóminos para alteração do uso “.AH

A Ré não entregou à autora a  “ autorização de todos os condóminos para a alteração ao uso” referida em AH.25.

Em 20/04/2010 a autora é notificada do ofício nº … emitido pla DAE com o seguinte conteúdo:” informamos que não foram entregues os elementos solicitados pelo nosso ofício …  de 29.10.2009 em anexo . Assim nos termos do Código de Procedimento Administrativo e uma vez que estes documentos são necessários à apreciação do pedido, não será dado seguimento ao processo de emissão de licença de utilização para estabelecimento de restauração e bebidas.”AS.

            Importa registar que a prestação principal do contrato promessa em apreço, aqui, é constituída pela realização do contrato prometido – escritura pública de compra e venda, mas que paralelamente a esta prestação derivam ou podem derivar os denominados deveres secundários da prestação (dos quais se distinguem os simples deveres acessórios de conduta).

            No caso em apreço, entre os referidos deveres secundários de prestação importa caracterizar os denominados deveres acessórios da prestação principal que, como observa o Prof. A. Varela, se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução  da prestação principal.( cfr. sobre a matéria  Ac. deste Supremo de 28.06.11 acessível via www.dgsi.pt)

            São, por conseguinte instrumentais do cumprimento da obrigação principal, encontrando-se a ela ligados funcionalmente.

Na formulação de Mota Pinto tais deveres secundários ou acessórios distinguem-se entre os deveres secundários com prestação autónoma e deveres secundários acessórios da prestação principal.( cfr. o citado Ac.de 28.06.2011)

Enquanto a violação de um dever secundário de prestação autónoma não fará ,por regra, o violador entrar em mora quanto à obrigação principal emergente do contrato ,nem justificará ,por maioria de razão, a resolução do negócio ( embora possa gerar obrigação de indemnizar pelos prejuízos emergentes)uma vez que o seu incumprimento , sendo independente da obrigação principal, não arrasta o incumprimento desta, já a violação de um dever acessório da prestação principal pode gerar qualquer uma das referidas situações ( mora ou incumprimento definitivo) se o seu incumprimento determinar o retardamento ou o incumprimento definitivo da obrigação principal que visa preparar ou cujo cumprimento visa assegurar.

            Também Baptista Machado in Resolução por Incumprimento, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor  J. J. Teixeira Ribeiro,pag.353,  refere “ a importância da obrigação violada será diferente conforme se trate de uma prestação principal e típica , de uma prestação acessória ou um dever lateral de conduta. Em regra, a obrigação cuja violação fundamenta o direito de resolução refere-se a uma prestação principal. Mas pode bem tratar-se da violação de uma obrigação acessória”.

 “Considerando concretamente o quadro contratual a importância da obrigação violada há- de definir-se por referência ao interesse do credor. Ao fim e ao cabo é este interesse e a medida em que ele é afectado que decidem da importância do incumprimento para efeitos da resolução”.

            No caso apreço, parece não haver dúvidas que a instalação do restaurante dependia do licenciamento camarário, nomeadamente da aprovação por parte do Departamento das Actividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais.

            No entanto, A autora sabia que a fracção se destinava a restaurante, sendo certo também que a DAE não invocou que as obras constantes do rés do chão impossibilitassem a legalização da loja para o fim do restaurante.

            O contrato promessa na sua clª 6ª nº3 as partes estipularam que a segunda outorgante ( autora) terá direito á resolução do contrato e aos recebimento das quantias  entregues , no caso da recusa de emissão de licença de utilização ,pela não aprovação do projecto de alterações ,por motivos imputáveis à primeira outorgante ( Ré) nomeadamente defeitos ou vícios na construção ou desconformidade do imóvel com as disposições legais.

            Daqui, parece resultar que incumbia à Ré a obrigação de diligenciar pelo fornecimento dos  elementos com vista aos licenciamentos necessários.

            Mas a matéria de facto apurada não resulta que tenha havido um recusa em termos definitivos da emissão das licenças necessárias,  pela entidade competente, porque, o que se apurou foi que não foram apresentados os elementos necessários à apreciação do pedido formulado pelo autora  e daí que a entidade camarária  tenha notificado a autora no sentido de que não daria  seguimento ao procedimento de emissão de licença de utilização de estabelecimentos de restauração.

            Isto não significa recusa definitiva do licenciamento, pois, a DAE não invocou que as obras constantes do rés do chão, impossibilitassem a legalização da loja para o fim de restaurante ( 48)  e, daí que à partida tenha havido  precipitação da autora ao accionar a referida cláusula 6ª nº3  do contrato promessa ao julgar ou representar que havia uma impossibilidade legal de instalação do restaurante na  fracção.

            Note-se também que quando a autora endereçou à Ré carta em 25.01.2010 ainda não sabia o teor da decisão  do DAE, que tem a data de 24/04/10, sendo certo que o DAE não invocou que as obras constantes do rés do chão impossibilitassem a legalização da loja para o fim de restaurante .

            Isto para dizer que quando a A emite a declaração resolutória parte de um equívoco nomeadamente quando refere que o” projecto em causa será indeferido”. Não houve indeferimento do projecto , mas apenas um” não seguimento do processo  de apreciação do projecto por falta dos elementos solicitados pela entidade competente”. 

Como bem observa o Acórdão recorrido, para poder dizer preenchido o fundamento resolutivo tinha o ónus de tentar fazer com que o processo administrativo prosseguisse e chegasse ao fim com o indeferimento do pedido, ou então teria que demonstrar ,inequivocamente que o processo não tinha prosseguido por culpa da ré, sendo que os factos apontam antes em sentido contrário.

            Entre  o mais porque só por falta ( culpa) da autora o processo se iniciou como alteração de uso , quando não havia razões para isso, porque  o destino na fracção constante do título da propriedade horizontal já era afecto  para restaurante, não sendo, por isso, sequer  necessária a  autorização dos condóminos.  Tudo indicia antes  que  existiu, aqui, erro por parte da A na instrução do processo junto da  DAE nomeadamente quanto à alteração do uso da fracção que não se justificava, porque o próprio título de propriedade horizontal já previa para  a fracção em causa a afectação  para  “restaurante”, não havendo, assim,   necessidade da autorização dos condóminos.

“ O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se  verificar-se um facto que crie esse direito - melhor , um facto ou situação a que a lei liga uma como consequência a constituição ( o surgimento) desse direito potestativo”. Tal facto ou fundamento é o facto do incumprimento ou situação de inadimplência – Cfr. J. Baptista Machado” Pressupostos ob.cit. pag. 348/349

A respeito da inadimplência por impossibilidade de comprimento o citado Autor  refere que se podem configurar as seguintes situações:

a) De impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor-art.793 nº2 ;

b) De impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor – art.801 nº2 ;

c) De impossibilidade imparcial e definitiva imputável ao devedor- art.802 todos do C. Civil.

Para além disso, o inadimplemento só possibilita a resolução do contrato se for suficientemente grave para pôr em crise o programa negocial.

É” o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para o efeito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento capaz de fundamentar  o direito de resolução – Baptista Machado , ob.cit. pag. 352 . cfr também Ac. da Relação de Coimbra de 29.9.1992 in CJ Ano XVII, Tomo IV pag. 82

 Fazendo o confronto com a materialidade que vem provada temos que  o fundamento invocado pela A na carta resolutiva não se verifica, ou melhor não vem provado, ou  seja, não se provou que o projecto de instalação do restaurante tivesse sido definitivamente indeferido  pela referida entidade camarária, que se limitou apenas a não dar seguimento ao processo de apreciação por falta dos elementos  que havia solicitado.  

 Mas aquela declaração resolutiva contida na carta equivale à recusa de cumprimento do contrato como pretende a  Ré ?

            Neste particular e seguindo o entendimento dos Autores doutamente citados no Acórdão  recorrido acolhemos as conclusões nele explanadas nomeadamente quando consideram que a declaração de resolução indevida  se estiver baseada numa representação não culposa do incumprimento da contraparte , não permite que se extaria uma declaração tácita de recusa de cumprimento e por isso não justifica uma resolução do contrato pela contraparte , não sendo equiparável  à recusa de cumprimento.

Como se refere  também no Ac deste Supremo de 22.06.2010 Relator: Cons. Fonseca Ramos acessível via www.dgsi.pt “ deve considerar-se, em homenagem ao princípio do pontual cumprimento dos contratos – art. 406 nº1 do C. Civil. é a confiança que os contraentes depositam no cumprimento das prestações recíprocas , que constitui fundamento para a resolução do contrato a violação grave do princípio da boa fé , que abrange os deveres acessórios de conduta , sobretudo nos casos em que o devedor evidencie uma clara e inequívoca vontade não cumprir.”

            E acrescenta “ esta clara vontade não cumprir pode não ser expressa, admite-se que possa resultar de uma declaração negocial tácita, de comportamentos concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente, em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos actos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objectivamente revelem inquestionável censura ,não sendo justo que o credor-por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento – esteja atido à vontade lassa do devedor.

            Efectivamente, no caso em apreço a declaração resolutiva da A ,como vimos, feita no pressuposto errado do indeferimento do projecto para a instalação do restaurante não pode equivaler ainda que tacitamente  à recusa por parte da A  em cumprir o contrato,  pois, além de não se provarem factos complementares nesse sentido, a factualidade provada também não revelam  essa probabilidade.( cfr. art. 217 nº1 do C. Civil),sendo certo também  que nada vem provada que revele da parte da A desinteresse na manutenção do negócio, matéria esta que a A para levar para diante o seu desiderato resolutivo  devia alegar e provar, sendo certo também que a A  não aproveitou  sequer  o momento  para se   pronunciar ou melhor fazer uma referência ainda que em termos intimatórios   à  data prevista para a escritura ( 15.05.2010- cfr. al.Y).

            Há que confrontar a situação em apreço com o art.792 do C. Civil que no seu nº1 estatui “ Se a impossibilidade for temporária, o devedor não responde pela mora no cumprimento.

            E nº 2 diz “ a impossibilidade só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação ,se mantiver o interesse do credor.

Ora, no caso em apreço, a matéria de facto apurada não permite concluir  pela perda de interesse da A na manutenção do negócio, sendo certo também que nada se  alegou nesse sentido.  

Efectivamente, segundo oart.808 nº1 do C. Civil “ se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”, o que equivale no dizer dos Profs. P. Lima e A. Varela in C. Civil Anotado, II pag. 46  a converter a mora em incumprimento definitivo, isto é, corresponde a mandar aplicar à situação o art. 801 . 

Portanto, embora se verifique uma situação de mora,(  de retardamento) mas  não se provando a perda de interesse, e não  havendo prazo fixado  para a realização da escritura, a situação em apreço deve ser qualificada ( caracterizada)  à luz do citado art.792 do C. Civil como apenas de impossibilidade temporária para a realização da escritura.

            A respeito deste artigo os Prof. P. Lima e  A. Varela in C. Civil Anotado vol.II pag.40  referem:

   “A impossibilidade temporária não conduz em princípio, nem à extinção da obrigação, nem à mora do devedor. É o que resulta do disposto no nº1 deste artigo( cfr. neste sentido o art. 1250 alínea 2 do Código Italiano).O cumprimento é apenas protelado para um momento posterior ( para quando for possível)  sem consequência para o devedor. Este fica exonerado apenas enquanto a impossibilidade se mantiver, não incorrendo em mora por não cumprir durante o período de impedimento.”

 E acrescentam:

 “A impossibilidade só é, pois, temporária quando o cumprimento da obrigação for susceptível de mora . Nos outros casos quando existe um termo essencial fixado  por lei, estipulado pelas partes, resultante dos usos ou circunstâncias concretas do caso, o retardamento da prestação equivale à impossibilidade definitiva”.

Isto para dizer que a declaração resolutiva feita pela A no pressuposto errado do indeferimento definitivo do projecto para a instalação do restaurante na fracção, desacompanhada de outros factos complementares nomeadamente que atestassem também, pelo menos a perda do interesse no negócio( cfr.art.808 nº 1e 2 do C. Civil)   não pode significar por parte da A como recusa definitiva no cumprimento do contrato em apreço, quando se prova que o licenciamento para a instalação do restaurante está apenas  dependente da obtenção de  elementos perfeitamente possíveis e ao alcance   do  promitente vendedor e até também  do próprio promitente comprador.

 Não havendo, assim, recusa de cumprimento e   não estando também demonstrado a perda de interesse por banda da A no negócio nos termos do art.808 nº1 do C. Civil , temos que, o contrato promessa em apreço, permanece válido e em vigor para as partes. 

   .

 Não merece, por isso, censura o Acórdão recorrido.

Em conclusão:

1- Constando já do título de constituição  de  propriedade horizontal que a fracção objecto do contrato  promessa de compra e venda se destinava a “ restaurante”, não obstante as dificuldades correntes de licenciamento  de um estabelecimento  desse tipo, não se pode concluir  quer pela impossibilidade física, quer jurídica, de instalar um restaurante, que consubstancie uma impossibilidade originária da prestação principal, quando se prova que   esse licenciamento é possível  e está dependente apenas  da obtenção de  elementos também  perfeitamente possíveis e alcance quer do promitente  vendedor, quer do promitente comprador, circunstância, que à partida afasta a nulidade do próprio contrato de promessa de compra e venda.( cfr. art. 280 nº1  e 401 nº1 ambos do C. Civil).

2- A declaração resolutiva feita pela A no pressuposto errado do indeferimento definitivo do projecto para instalação do restaurante na fracção, desacompanhada de outros factos complementares nomeadamente que atestassem também, pelo menos, a perda de interesse no negócio  ,não pode essa declaração per si emitida pelo promitente comprador ( A ) significar por banda da A como recusa definitiva do cumprimento do contrato de promessa em apreço, quando se prova que o licenciamento do restaurante a instalar na fracção destinada pelo título de propriedade horizontal a restaurante está apenas dependente de elementos perfeitamente possíveis e alcance do promitente vendedor e até também do próprio promitente comprador,

3- E não havendo recusa do cumprimento e nem se provando a perda de interesse por banda da A na prestação ( art.808 nº1 do C. Civil), temos que o contrato de promessa de compra e venda celebrado pelas partes permanece válido e em vigor. 

 III Decisão:

 Nestes termos e considerando o exposto acordam os Juízes deste  Supremo em negar a revista , confirmando  Acórdão recorrido

 Custas pela A e Ré na proporção do respectivo decaimento.

 Lisboa  e Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Outubro de 2013

Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria