Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
605/09.4TTFAR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DE POSTO DE TRABALHO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 09/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO / ILICITUDE DO DESPEDIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, p. 368.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 218.º, 224.º, N.º1, 230.º, N.º1, 235.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 664.º, 713.º, N.º 2, 726.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 337.º, 349.º, Nº4, 365.º, 369.º, 370.º, 371.º, 372.º, 384.º, 390.º, N.º2, 391.º, N.º2.
Sumário :
1.  Provando-se que a empregadora comunicou ao trabalhador que, «pelo facto de a empresa se deparar com um decréscimo significativo de trabalho o seu posto de trabalho será extinto a partir de 31/03/2009», resulta de tal declaração, para um declaratário normal, colocado na posição do trabalhador, uma inequívoca decisão da empregadora de extinguir o seu posto de trabalho, a partir da mencionada data.

2.  O despedimento consubstancia uma declaração receptícia que se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário, ou é dele conhecida, sendo irrevogável a partir desse momento, salvo declaração em contrário.

3.  Não resultando da matéria de facto provada que o autor tenha aceite a revogação da comunicação de cessação do contrato de trabalho e visto que o silêncio só vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção, o que não se verifica no caso, a não manifestação de discordância, por parte do autor, relativamente àquela revogação não pode ser entendida como um consentimento tácito em continuar a prestar a actividade laboral à empregadora.

4. Tendo o autor liquidado o valor da indemnização em substituição da reintegração a que se julga com direito, a condenação deve ter por limite o pedido formulado.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 29 de Setembro de 2009, no Tribunal do Trabalho de Faro, Secção Única, AA instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB – CONSTRUÇÕES, Lda., acção que se considera proposta no dia 24 de Março de 2009, data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono, e na qual pediu, após correcção do articulado inicial, a condenação da ré a pagar-lhe: a) a quantia de € 1.089, referente à retribuição do mês de Março de 2009; b) a quantia de € 4.678,67, pertinente a férias não gozadas; c) a quantia de € 4.678,67, respeitante a subsídio de férias; d) a quantia de € 4.678,67, concernente a subsídio de Natal; e) a quantia de € 12.782, relativa a trabalho suplementar; f) a quantia de € 3.190, atinente a subsídio de alimentação; g) a quantia de € 8.506,67, a título de indemnização por despedimento ilícito [«caso não se entenda pela ilicitude do despedimento deve o A. ser pago com a compensação prevista no artigo 366.º por remissão do Código do Trabalho, no valor de € 4.678,67»]; h) «a quantia por liquidar referente às retribuições até ao trânsito em julgado da sentença, que de 1 de Abril a 31 de Agosto de 2009 cifra-se em € 4.840»; i) a quantia de € 20.000, correspondente a indemnização por danos não patrimoniais.

Termina concluindo «que deve ser a Ré condenada a pagar ao A. a quantia total já vencida de € 64.443,68 [soma das importâncias discriminadas nas alíneas a) a i) do pedido acima enunciado], relativa a créditos emergentes do contrato individual de trabalho, acrescida de juros legais desde a data de citação até integral pagamento, com as demais consequências quanto a custas, procuradoria e demais encargos».

Alegou, para tanto e em suma: trabalhou por conta da ré, sob a sua direcção e fiscalização, desde 1 de Junho de 2004 até 31 de Março de 2009, com a categoria de pedreiro de 2.ª, e embora do contrato de trabalho constasse a retribuição mensal de € 427,80, auferia uma retribuição de € 5,50 por hora, trabalhando nove horas diárias, de segunda a sexta-feira, e sete horas e meia aos sábados, excepto no mês de Março de 2009, em que laborou de segunda a sexta-feira; por carta de 27 de Fevereiro de 2009, a ré comunicou-lhe a cessação do contrato de trabalho, por extinção do posto de trabalho, e, posteriormente, a ré deu-lhe ordem verbal de transferência do local de trabalho, a partir de 17 de Março de 2009, deixando de exercer funções na obra de construção de uma moradia, em frente ao Centro de Saúde de T..., e passando a laborar numa obra em B..., T..., que distava cerca de 8 km da anterior; a ré, apesar de transportar, diariamente, os seus trabalhadores, para a obra em B..., recusava-se a transportá-lo, pelo que se apresentava, diariamente, na obra em frente daquele Centro de Saúde e aí permanecia; por carta registada com aviso de recepção, de 17 de Março de 2009, pediu à ré que lhe indicasse o horário e o local para ser transportado, tendo a ré respondido, por carta de 18 de Março seguinte, que não tinha comparecido no novo local de trabalho e que considerava essa sua atitude uma desobediência; por carta datada de 19 de Março de 2009, a ré comunicou-lhe a revogação da decisão de cessação do contrato de trabalho, por extinção do posto de trabalho; porque a carta de 27 de Fevereiro continha uma «ordem de despedimento», que se tornou definitiva, apenas trabalhou ao serviço da ré até 31 de Março de 2009; em 17 de Abril de 2009, a ré comunicou-lhe a cessação do contrato por abandono do trabalho, o que não é verdade, já que apenas «obedeceu à primeira ordem que lhe foi dada no sentido de trabalhar até 31 de Março»; o despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito, por falta de observância das formalidades legais, sendo-lhe devidas as indemnizações atinentes à ilicitude do despedimento, a indemnização por danos não patrimoniais, as retribuições não pagas, o subsídio de alimentação e as retribuições a título de férias, subsídio de férias e de Natal e de trabalho suplementar.

A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção, com excepção da quantia de € 363 (€ 242, referentes a subsídio de férias e de Natal do ano de 2009, e € 121, relativos a férias não gozadas no mesmo período) que confessa dever ao Autor.

Alegou, em resumo: o autor auferia a retribuição mensal de € 427,80, a qual, em 2009, passou a ser de € 484; o horário de trabalho era de oito horas; no final do ano de 2008, reuniu com os trabalhadores a fim de reduzir o respectivo número, por motivo da crise na construção civil, sendo que o autor não se opôs à extinção do seu posto de trabalho, pelo que, em 27 de Fevereiro de 2009, comunicou-lhe tal extinção;  todavia, em meados de Março seguinte, verificou que a carta enviada não continha os requisitos legais, pelo que enviou outra comunicação ao autor, a dar sem efeito a extinção do posto de trabalho, e determinando que continuasse a laborar na empresa; em Abril de 2009, o autor abandonou o local de trabalho e foi trabalhar para outra empresa, motivo por que considerou o contrato cessado por abandono do trabalho; não deve ao autor as quantias por ele peticionadas, salvo a quantia acima confessada.

Em reconvenção, a ré pediu a condenação do autor no pagamento de € 968, por falta de aviso prévio da cessação do contrato de trabalho, por abandono.

O autor respondeu, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

Realizado o julgamento, proferiu-se sentença, que considerando que o autor não logrou provar «o despedimento que alegou como causa de pedir», julgou a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor € 847, a título de retribuição referente ao mês de Março de 2009 e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano de cessação do contrato, acrescidos de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado, e julgou a reconvenção improcedente, por não provada, dela absolvendo o autor.

2. Inconformado, o autor apelou, tendo formulado as seguintes conclusões:
                     «1. O recorrente não se conforma com a improcedência dos pedidos relativos ao alegado despedimento ilícito.
                       2.  Não pode o recorrente concordar que seja tida como eficaz a declaração de vontade da entidade patronal quando comunica que afinal se arrependeu de ter despedido e já não vai despedir. Veja-se o Acórdão do STJ n.º 08S1034, de 22 de Outubro de 2008.
                       3.  O Tribunal a quo não considerou — e deveria tê-lo feito — que se trata de declaração negocial irrevogável.
                       4.  Veja-se ainda o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no Processo n.º 0311508 (in www.dgsi.pt, N.º Convencional JTRP00036443: “I – A declaração de despedimento não pode ser revogada pela entidade empregadora depois de ter chegado ao conhecimento do trabalhador”).
                       5.  A missiva onde a recorrida revoga a anterior intenção de despedir chegou às mãos do A. quando já tinham passado 15 dias úteis desde o envio da carta de despedimento de 27 de Fevereiro.
                       6. O Tribunal a quo deveria ter considerado que houve despedimento.
                       7.  E deveria ainda ter considerado que esse despedimento é ilícito.
                       8.  Este despedimento viola os requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho, nos termos do artigo 368.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro.
                       9.  Este despedimento não cumpre as formalidades previstas nos artigos 369.º a 371.º do Código do Trabalho.
                     10.  Deveria ter-se aplicado o artigo 366.º por remissão do artigo 372.º do Código do Trabalho, pelo que o Apelante tem direito a receber uma compensação que nunca foi posta à sua disposição.
                     11.  O despedimento do recorrente foi ilícito com base no artigo 384.º, alineas a) a d), e também nos termos do artigo 381.º, alineas b) e c), todos do Código do Trabalho.
                     12.  A recorrida procedeu a um despedimento ilícito, por não existir justa causa de despedimento.
                     13.  O Apelante tem direito a ser indemnizado nos termos do artigo 389.º, alínea a), e 390.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
                     14.  Deveriam ter sido julgados procedentes os pedidos indemnizatórios nos termos peticionados: indemnização por despedimento ilícito ou nos termos do artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º do Código do Trabalho.
                     15.  E deve a recorrida ser condenada a pagar as retribuições até ao trânsito em julgado da sentença.»

A ré não contra-alegou.
     
O Tribunal da Relação de Évora julgou procedente o recurso de apelação, declarou ilícito o despedimento promovido e condenou a ré a pagar ao autor: 1) uma indemnização de antiguidade em substituição da reintegração, fixada em 30 dias de retribuição por cada [ano] completo ou fracção de antiguidade, desde a data do início do contrato, 1 de Junho de 2004, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, tendo por base o valor da remuneração mensal de € 484, e a calcular em incidente próprio; 2) as retribuições devidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, «deduzidas, no entanto e por força da lei, das importâncias que o trabalhador haja auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse aquele despedimento, bem como de subsídio de desemprego de que, porventura, haja beneficiado durante aquele período de tempo e que a empregadora deve entregar à Segurança Social, relegando-se a liquidação das mencionadas retribuições para incidente próprio».

É contra esta deliberação que a ré, agora, se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões seguintes:

                   «1. A Recorrente não concorda com o douto acórdão do Tribunal de Recurso.
                     2. A Recorrente considera não ter havido, na situação em concreto, despedimento, pois perante a carta onde retira a intenção de despedir o Recorrido, este não mostrou qualquer discordância, o que a Recorrente entende como consentimento tácito.
                     3. Por outro lado, para que pudesse existir despedimento, neste caso, por extinção do posto de trabalho, teria sido necessário que a Recorrente tivesse prosseguido o procedimento previsto nos artigos 367.º e seguintes.
                     4. A Recorrida não prosseguiu com este procedimento, pois ao verificar a sua incorrecção, imediatamente repôs a situação, dando sem efeito a carta de 27/02/2009.
                     5. Não se verificou, no caso concreto, nem despedimento, nem despedimento ilícito.
                     6. Consequentemente, não poderá ser aplicado à Recorrente a indemnização por antiguidade, nem as retribuições a que alude o artigo 390.º do Código do Trabalho.
                     7. Mesmo a existir lugar a indemnização, caso seja considerada esta situação de despedimento ilícito, a indemnização pedida pelo Autor na Petição Inicial foi de quatro anos efectivamente trabalhados e não até ao trânsito em julgado; deverá assim ser considerado o pedido do Autor e não a condenação no Acórdão, objecto do presente recurso.
                     8. Como tal, considera a Recorrente que deverá ser dado provimento ao presente Recurso, mantendo a sentença do Tribunal de 1.ª instância.»

Termina afirmando que «se deve dar provimento ao recurso, ser revogado o acórdão do Tribunal da Relação e manter-se a decisão da 1.ª instância».

O autor não contra-alegou.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto entendeu que, «uma vez que a ré comunicou ao autor por carta enviada em 2 de Março de 2009, que devido a decréscimo significativo de trabalho o posto de trabalho daquele seria extinto, a partir de 31/03/2009, observando, pois, o prazo de aviso prévio aplicável atenta a antiguidade do trabalhador; sendo o despedimento uma declaração de vontade receptícia, que se torna eficaz logo que levada ao conhecimento do destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), com efeito extintivo do contrato após haver sido recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida; sendo tal declaração irrevogável, salvo declaração em contrário, desde esse momento (artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil) e não resultando da facticidade assente que o autor tenha aceite a revogação da comunicação de despedimento por extinção do posto de trabalho, cremos que a missiva referida consubstancia uma declaração unilateral de pôr termo ao contrato de trabalho vigente, sem observação dos requisitos a que alude o art. 368.º do CT, bem como da falta de cumprimento da tramitação legal devida — art.s 369.º a 371.º do CT, afigurando-se-nos, assim, que aquela comunicação escrita configura um despedimento ilícito, nos termos do art. 384.º do diploma legal ora referido, com as inerentes consequências legais, nomeadamente devendo ser a indemnização prevista no art. 391.º do CT, calculada até ao trânsito em julgado da decisão, razões pelas quais o recurso deveria improceder, antes se confirmando o Acórdão recorrido», parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.
3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

                Se não se verificou um despedimento, nem um despedimento ilícito, não sendo devidas «a indemnização por antiguidade, nem as retribuições a que alude o artigo 390.º do Código do Trabalho [conclusões 1) a 6) e 8), nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista];
                Improcedendo as aludidas conclusões, se a indemnização em substituição da reintegração deve ser a pedida pelo autor [conclusões 1), 7) e 8), nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista].

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                               II

1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:
1) O autor trabalhou por conta da ré, sob sua direcção e fiscalização, desde 1 de Junho de 2004 até 31 de Março de 2009;
2) O A. exercia a categoria profissional de pedreiro de 2.ª;
3) No acordo escrito denominado «contrato de trabalho a termo certo», subscrito por autor e ré, cuja cópia constitui fls. 21 e 22 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, consta que o A. auferia o vencimento base mensal de € 427,80 (quatrocentos e vinte e sete euros e oitenta cêntimos);
4) Por carta datada de 27/02/2009 e enviada em 02/03/2009, a ré comunicou ao autor o seguinte [redacção alterada pelo Tribunal da Relação]:
                    «Exmo. Senhor
                      Venho por este meio comunicar que pelo facto de a empresa se deparar com um decréscimo significativo de trabalho o seu posto de trabalho será extinto a partir de 31/03/2009.
                      Sem outro assunto de momento, subscrevo-me apresentando os melhores cumprimentos.»
5) Posteriormente à recepção da missiva de 27 de Fevereiro, o A. recebeu uma ordem verbal da ré para se apresentar ao trabalho numa obra em B... – ..., ... (T...);
6) A ré estava a executar uma outra obra que consistia na construção de uma moradia em frente ao Centro de Saúde de T..., na Urbanização ...;
7) A obra em B... situava-se a cerca de 8 km da obra em frente ao Centro de Saúde;
8) Diariamente, à hora de iniciar funções pela manhã, alguns trabalhadores da ré apresentavam-se na obra junto ao Centro de Saúde e eram transportados para as obras em duas carrinhas da ré, uma delas com destino ao B... e outra a A...;
9) A partir de 17 de Março [de 2009], o A. compareceu diariamente na obra em frente ao Centro de Saúde, e aí permanecia;
10) Datada de 17 de Março de 2009, o autor enviou à ré a carta cuja cópia constitui fls. 30 dos autos, com o seguinte teor:
                    «Exmos. Srs.
                      Conforme ordens do Sr. CC fui transferido para a obra de B..., e a partir de hoje dia 16 de Março de 2009, não estou autorizado a trabalhar na obra de T... situada perto do centro de saúde e onde trabalhei até ao dia 13 do corrente mês. Como a obra de B... se situa a 8 km de distância do local onde resido e é do vosso conhecimento que não tenho transporte próprio para me deslocar e sempre usufrui do transporte da empresa para este efeito, assim como todos os outros colaboradores.
                      Assim sendo, fico a aguardar indicações vossas, sobre o horário e local onde poderei apanhar a carrinha que habitualmente é utilizada para transportar os colaboradores desta empresa para o local de trabalho (obra). Até lá, continuarei a apresentar-me ao trabalho na obra junto ao centro de saúde de T..., uma vez que para esta posso deslocar-me a pé como me foi sugerido pelo Sr. DD.
                      Sem outro assunto de momento,
                      AA»
11) Datada de 18 de Março de 2009, a ré enviou ao autor a carta cuja cópia constitui fls. 28 dos autos, com o seguinte teor:
                    «Vimos, por este meio, expor a V.ª Ex.ª a seguinte situação:
                      No passado dia 13/03/09, o Gerente da empresa empregadora, EE, informou V.ª Ex.ª de que no dia 16/03/09 deveria apresentar-se na obra a ser levada a cabo pela nossa empresa em ..., Sto. ..., onde, aliás, já tinha trabalhado uns dias antes. Para nossa surpresa, fomos informados, e pudemos constatar pessoalmente, que V.ª Ex.ª, desobedecendo às nossas ordens, se foi apresentar na obra em curso na Urbanização ..., onde tem permanecido até agora sem realizar qualquer trabalho, porquanto esta obra já tinha os trabalhadores suficientes para ser levada a cabo. Ora, a sua actuação corresponde a uma desobediência à entidade patronal, tendo violado o dever consagrado na al. e) do n.º 1 do art.º 128.º do Código do Trabalho. Pudemos igualmente constatar que V.ª Ex.ª tem plena consciência da sua conduta.
                      A Gerência»
12) Datada de 19 de Março de 2009, a ré enviou ao autor a carta cuja cópia constitui fls. 33 dos autos, com o seguinte teor:
                    «Vimos, por este meio, comunicar a V.ª Ex.ª que a carta que lhe foi enviada em 27/02/2009, onde se procedia ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho que ocupa nesta empresa, ficará sem efeito, considerando-se, portanto, nula essa decisão, por não ter seguido os trâmites exigidos pela lei e, como, tal, padece de falta de forma. Como consequência, V.ª Ex.ª manter-se-á no seu posto de trabalho sem qualquer alteração de ambas as partes e condições do contrato de trabalho.
                      Com os melhores cumprimentos.
                      A Gerência»
13) O A. trabalhou até 31 de Março de 2009;
14) Após 31 de Março, a obra onde o autor trabalhava continuou, passando as funções desempenhadas pelo A. a ser desempenhadas por outros trabalhadores;
15) O A. realizava diferentes tarefas no seu dia-a-dia, tais como colocação de tijolo, reboco, ladrilhos, azulejo, acabamentos, construção do telhado e outras;
16) Por carta datada de 17 de Abril de 2009, a ré comunicou ao autor o seguinte:
                    «Serve a presente para comunicar a V.ª Ex.ª que, em virtude de se ter registado a sua ausência ao serviço desde o passado dia 01/04/2009, sem que V.ª Ex.ª tenha comunicado ou justificado as faltas consecutivas até à presente data, de acordo com o disposto no artigo 403.º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o novo Código do Trabalho […], considera-se denunciado o contrato de trabalho entre nós celebrado. Conforme previsto naquele diploma, tendo passado mais de dez dias úteis seguidos sem que V.ª Ex.ª nos tivesse fornecido qualquer informação ou justificação da sua ausência, fomos levados a concluir que não pretende retomar o seu posto de trabalho, o que se enquadra na figura jurídica de abandono do trabalho, com as devidas consequências legais.»
17) À data da carta referida em 4. supra, o acordo escrito mencionado em 3. supra fora renovado por mais de três vezes e excedeu três anos de duração;
18) Em 2001, o A. trabalhou por conta da ré e, nessa época, o A. viveu num contentor;
19) A ré não pagou ao A. a retribuição referente ao mês de Março de 2009;
20) A ré não pagou ao autor os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de cessação do contrato (2009);
21) No ano de 2009, o vencimento base que constava dos recibos de retribuições do autor era de € 484 (quatrocentos e oitenta e quatro euros);
22) O A. foi trabalhar para outra empresa de construção civil —FF – …, Lda., em Abril de 2009;
23) O subsídio de alimentação foi sempre pago ao A., consoante os dias efectivamente trabalhados.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação das partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no recurso.

2. A recorrente defende, em primeira linha, «não ter havido, na situação em concreto, despedimento, pois perante a carta onde retira a intenção de despedir o Recorrido, este não mostrou qualquer discordância, o que a Recorrente entende como consentimento tácito» e que, doutro passo, «para que pudesse existir despedimento, neste caso, por extinção do posto de trabalho, teria sido necessário que a Recorrente tivesse prosseguido o procedimento previsto nos artigos 367.º e seguintes [do Código do Trabalho de 2009]», o que não aconteceu, «pois ao verificar a sua incorrecção, imediatamente repôs a situação, dando sem efeito a carta de 27/02/2009», pelo que não ocorreu, «no caso concreto, nem despedimento, nem despedimento ilícito».

A este propósito, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                    «No caso em apreciação, como se deixou referido, a Ré enviou ao Autor em 2 de Março de 2009 a carta a comunicar-lhe que «(…) pelo facto de a empresa se deparar com um decréscimo significativo de trabalho o seu posto de trabalho será extinto a partir de 31/03/2009».
                      Da referida declaração, retiram-se dois elementos essenciais:
                       (i) a decisão, que se afigura inequívoca, da empregadora, de extinguir o posto de trabalho do trabalhador;
                       (ii) a efectivação dessa extinção a partir de 31/03/2009.
                      Os artigos 369.º a 371.º, do Código do Trabalho, regulam o procedimento a observar com vista ao despedimento por extinção do posto de trabalho.
                      Assim, como se extrai, genericamente, do disposto no artigo 369.º, o despedimento inicia-‑se com a comunicação por escrito do empregador, além de outros, ao trabalhador envolvido, em que, como estabelece a alínea b) do referido preceito, deve ser explicitada a necessidade de despedir o trabalhador em causa e a sua categoria profissional.
                      Após tal comunicação, nos 10 dias posteriores, o trabalhador envolvido, ou entidades previstas na lei, podem emitir parecer fundamentado, basicamente, sobre a intenção de despedimento (artigo 370.º do compêndio legal em referência).
                      Finalmente, o processo termina com a decisão final, proferida por escrito, regulada no artigo 371.º: atente-se que [a] decisão final é comunicada, além de outros, ao trabalhador, devendo observar-se o prazo de aviso prévio previsto no n.º 3 do artigo em causa (30 dias no caso de o trabalhador ter antiguidade igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos, como sucede no caso em presença); este período visa permitir ao trabalhador preparar a sua saída da empresa e, simultaneamente, procurar novo emprego.
                      No período de aviso prévio, o trabalhador pode denunciar o contrato, mediante declaração com antecedência mínima de três dias úteis (artigo 372.º ex vi do artigo 365.º): porém, atente-se, ainda aqui a cessação da relação contratual é imputada a vontade do empregador e não do trabalhador; como faz notar Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, pág. 368), em tal situação a extinção do contrato foi ditada pela declaração do empregador, visando a referida denúncia prévia do trabalhador tão só antecipar a data da cessação da relação laboral.
                      Também não se afasta a possibilidade de durante o período de aviso prévio o contrato de trabalho poder vir a ser extinto por outro fundamento (v. g., revogação por acordo das partes ou até caducidade) uma vez que a eficácia do despedimento se encontra sujeita àquele termo suspensivo (aviso prévio).
                      Contudo, como adverte o referido autor (obra citada, pág. 156) «(…) a eficácia [da decisão de despedimento] só será prejudicada se antes do esgotamento do aviso prévio sobrevier outra causa extintiva, designadamente a decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador».
                      Deixados, muito genericamente, expressos os princípios e regras a observar em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho, é o momento de regressarmos ao caso que nos ocupa.
                      Por carta enviada ao trabalhador em 2 de Março de 2009, a empregadora comunica-lhe que devido a «decréscimo significativo de trabalho o seu posto de trabalho será extinto a partir de 31/03/2009».
                      Como já se deixou afirmado, de tal declaração retira-se, de acordo com um declaratário normal (artigo 236.º, do Código Civil) uma decisão, inequívoca, da empregadora de cessação do contrato; isto porque não se extrai de tal declaração uma mera intenção, um “anúncio” no dizer da sentença recorrida, da empregadora promover o despedimento, ou o início do processo de despedimento, mas uma declaração de extinção.
                      A tal não obsta o facto da mesma comunicação indicar como data da cessação o dia 31 de Março seguinte; como também já se deixou explicitado, em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho, devendo observar-se um prazo de aviso prévio, e sendo, no caso, esse prazo de 30 dias, compreende-se que em observância do mesmo a empregadora tenha fixado a cessação do contrato para cerca de 30 dias após a comunicação.
                      Mas a comunicação de despedimento efectuada em 2 de Março não deixa de ser eficaz, sendo que o trabalhador podia até no período que mediou entre o recebimento da comunicação e a data fixada para a cessação, ou seja no período de aviso prévio, denunciar o contrato sendo que ainda nessa situação a cessação do contrato devia imputar-se à vontade da empregadora.
                      Aliás, na resposta ao parecer do Ministério Público a própria recorrida parece aceitar que a carta que remeteu ao recorrente em 2 de Março de 2009 configura uma declaração unilateral de cessação do contrato por extinção do posto de trabalho: é assim que se interpreta a afirmação por ela proferida, de que reconhecendo que «(…) não tinha prosseguido os trâmites da lei, decidiu repor a situação que considerou mais justa para o trabalhador, que foi [a] de anular o despedimento (…)»; o que ela contrapõe é que o recorrente não se opôs a tal anulação, ou se se quiser, o que a recorrida alega é que durante o período de aviso prévio sobreveio uma causa que anulou a declaração que havia proferido (revogação por acordo das partes da cessação do contrato), pelo que ficou prejudicada a decisão de despedimento.
                      Ora, por um lado, não se retiram da factualidade quaisquer elementos que permitam concluir, ou sequer indiciar, que o trabalhador aceitou a anulação da anterior comunicação (cfr. artigo 217.º, do Código Civil): ele “limitou-se” a cumprir o contrato até ao termo do mesmo; aliás, os elementos factuais existentes apontam precisamente que o trabalhador procurou orientar a sua vida profissional tendo em conta essa comunicação: é neste sentido que aponta o facto de logo após a cessação do contrato com a Ré/recorrida, sem qualquer interregno, em Abril de 2009 o trabalhador ter iniciado a sua actividade ao serviço de outra entidade empregadora; por outro lado, o silêncio só vale como declaração negocial se esse valor lhe for atribuído por lei, uso ou convenção (artigo 218.º, do Código Civil), sendo que no caso não se vislumbra a existência de qualquer uma destas situações que atribuam ao silêncio o valor de declaração negocial.
                      Nesta sequência, entende-se que a comunicação que a recorrida enviou ao recorrente em 2 de Março de 2009 configura uma declaração unilateral de cessação do contrato de trabalho, com efeitos 31 de Março seguinte, declaração que não foi revogada por acordo das partes: tal declaração de cessação do contrato, por extinção do posto de trabalho, por não ter obedecido aos requisitos legais, maxime os previstos nos artigos 369.º a 371.º, do Código do Trabalho configura um despedimento ilícito (cfr. artigo 384.º), com as consequências previstas nos artigos 389.º a 393.º»

Tudo ponderado, subscrevem-se as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

Na verdade, tendo-se provado que, por carta datada de 27 de Fevereiro de 2009, enviada em 2 de Março de 2009, a ré comunicou ao autor que, «pelo facto de a empresa se deparar com um decréscimo significativo de trabalho o seu posto de trabalho será extinto a partir de 31/03/2009», resulta da transcrita declaração, para um declaratário normal, colocado na posição do autor, uma inequívoca decisão da empregadora de extinguir o seu posto de trabalho, a partir de 31 de Março de 2009.

Ora, a recepção ou o conhecimento da declaração negocial torna esta eficaz (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) e, consequentemente, irrevogável, ressalvada declaração em contrário, desde esse momento (artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil).

Acresce que não resulta da matéria de facto provada que o autor tenha aceite que a declaração negocial extintiva do contrato de trabalho, que lhe foi comunicada pelo empregador, por carta enviada em 2 de Março de 2009, ficou «sem efeito», após a recepção da carta datada de 19 de Março de 2009, em que o empregador considerou nula a decisão do seu despedimento por extinção do posto de trabalho, sendo que o silêncio «só» vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (artigo 218.º do Código Civil), o que não acontece no caso, daí que, ao contrário do alegado pela ré, a não manifestação de expressa discordância, por parte do autor, relativamente à declaração de «anulação» do despedimento por extinção do posto de trabalho não pode ser entendida como um «consentimento tácito em continuar a trabalhar por conta e sob a direcção e ordens da Recorrente», nem tem aplicação o estatuído no artigo 235.º do Código Civil (Revogação da aceitação ou da rejeição), por carência do necessário suporte fáctico.

Assim sendo, é de concluir que a comunicação que a ré empregadora enviou ao trabalhador, em 2 de Março de 2009, consubstancia uma declaração unilateral de cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, com produção de efeitos no dia 31 de Março seguinte, declaração que não foi revogada por acordo das partes e que, por não observar os requisitos legais, especificamente os previstos nos artigos 369.º a 371.º do Código do Trabalho, configura um despedimento ilícito, nos termos das alíneas do artigo 384.º daquele Código, com as consequências estipuladas nos artigos 389.º e seguintes do mesmo Código, pelo que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, bem como uma indemnização em substituição da reintegração, pela qual, expressamente, optou.

Neste contexto, ré alega, ainda, que não são «devidas quaisquer retribuições referidas no artigo 390.º do C. do T., tanto mais que o recorrido nunca se encontrou em situação de carência, pois no momento em que saiu do seu local de trabalho na empresa ora recorrente, começou a trabalhar imediatamente para outra empresa», mas tal pretensão carece de fundamento legal, sendo certo que o acórdão recorrido determinou, nos termos das alíneas do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, que as retribuições devidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, fossem deduzidas «das importâncias que o trabalhador haja auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse aquele despedimento, bem como de subsídio de desemprego de que, porventura, haja beneficiado durante aquele período de tempo e que a empregadora deve entregar à Segurança Social, relegando-‑se a liquidação das mencionadas retribuições para incidente próprio».

Em conformidade, improcedem as conclusões 1) a 6) e 8), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.
                  
3. Atenta a improcedência do recurso de revista quanto à não verificação de um despedimento ilícito e à não aplicação dos efeitos da ilicitude do despedimento, há que ajuizar, conforme reclama a ré, se apenas se deve atender ao pedido do autor, na petição inicial, de se conferir uma indemnização em substituição de reintegração «de quatro anos efectivamente trabalhados e não até ao trânsito em julgado».

Tal como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 391.º do Código do Trabalho de 2009, na determinação do valor da indemnização em substituição da reintegração «o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial», o que se projecta na contagem da antiguidade relevante.

O certo é que o autor, na presente acção, pediu, especificamente, que a ré fosse condenada a pagar-lhe «a quantia de € 8.506,67, a título de indemnização por despedimento ilícito» e alegou, para tanto, na petição inicial, que «tem direito a ser indemnizado pelo despedimento ilícito nos termos do artigo 389.º, alínea a), do Código do Trabalho pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do despedimento» (artigo 102.º), que «essa indemnização corresponde ao valor de 15 a 45 dias de retribuição por ano trabalhado, nos termos do artigo 391.º, n.º 1, do Código do Trabalho» (artigo 103.º), e atendendo «à ilicitude da Ré que protagonizou uma conduta gravosa e discriminatória que chega a inserir-se na área criminal, o A. entende que a indemnização deve situar-se próxima do limite máximo, cifrando-se nos 40 dias» (artigo 104.º), assim, «se o A. num dia normal de trabalho (dia útil) iria auferir € 44,00 — (8 horas x € 5,50) — em 40 dias auferia € 1.760,00» (artigo 105.º), donde, «se por um ano trabalhado (12 meses) o A. iria receber de indemnização € 1.760,00, uma vez que trabalhou quatro anos e dez meses, tem direito em proporção ao tempo trabalhado de uma indemnização no valor de [€] 7.040,00 referente aos quatro anos completos (€ 1.760,00 x 4) e € 1.466,67 relativos aos dez meses, o que totaliza € 8.506,67 (€ 7.040,00 + € 1.466,67)» (artigo 106.º).

Ora, a indisponibilidade e a irrenunciabilidade dos créditos resultantes do contrato de trabalho, durante a respectiva vigência, que o artigo 337.º do Código do Trabalho reflecte, não tem aplicação na sequência da desvinculação do trabalhador, como o demonstra o facto da própria lei (artigo 349.º, n.º 4, do Código do Trabalho), permitir que o acordo para cessação do contrato de trabalho possa conter a regulação definitiva dos direitos remuneratórios emergentes da relação laboral.

De facto, cessada a relação laboral, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, porquanto não se verificam os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação.

Assim, na medida em que o direito à indemnização por despedimento ilícito é um direito disponível, tendo o autor procedido à liquidação, na petição inicial, do valor da indemnização em substituição da reintegração a que se julgava com direito, a decisão condenatória a proferir deve ter por limite o pedido formulado.

Não colhe, porém, a pretendida atribuição de indemnização em substituição de reintegração «de quatro anos efectivamente trabalhados e não até ao trânsito em julgado», dada a imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho, em particular do disposto no n.º 2 do artigo 391.º citado, e posto que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigos 664.º, 713.º, n.º 2, e 726.º do Código de Processo Civil), pelo que procedem, mas parcialmente, as conclusões 1), 7) e 8), nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista.

                                             III

Pelo exposto, delibera-se conceder parcialmente a revista e, alterando o teor do ponto 1) da parte dispositiva do acórdão recorrido, condenar a ré a pagar ao autor «uma indemnização de antiguidade em substituição da reintegração, fixada em trinta dias de retribuição por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde a data do início do contrato, 1 de Junho de 2004, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, tendo por base o valor da remuneração mensal de € 484, e a calcular em incidente próprio, cujo valor não pode exceder a quantia de € 8.506,67», mantendo-‑se, quanto ao mais, o deliberado no acórdão recorrido.

 Custas, nas instâncias e na revista, a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento, sendo suportadas, provisoriamente, em partes iguais, quanto à condenação a liquidar, isto sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao autor.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                           Lisboa, 12 de Setembro de 2013

Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha