Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
845/13.1TBABF.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
EFEITOS PROCESSUAIS DA NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
ACÇÕES PARA COBRANÇA DE DÍVIDAS
ACÇÕES PENDENTES
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
REVELIA
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
NULIDADE DO PROCESSO
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / NULIDADES DOS ACTOS ( NULIDADES DOS ATOS ) - INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º A 17.º - I.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 266.º, 483.º, 484.º, 489.º, 495.º .
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013 : - ARTIGOS 7.º, 186.º, 278.º, 573.º, 576.º, 577.º, 578.º, 635.º.
LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGO 7.º.
Jurisprudência Nacional:
JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
-DE 30 DE MAIO DE 2.013 WWW.DGSI.PT, PROCESSO N.º 178/11.8TCGMR.G1.

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 11 DE JULHO DE 2013, WWW.DGSI.PT, PROCESSO N.º 1190/12.5TTLSB.L1-4 .

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 30 DE SETEMBRO DE 2013, WWW.DGSI.PT, PROCESSO N.º 516/12.6TTBRG.P1.
Sumário :
1. A nomeação judicial do administrador provisório num processo especial de revitalização impede a propositura de acções para cobrança de dívidas contra o devedor e determina a suspensão das que se encontrarem pendentes.

2. Se forem propostas acções de cobrança de dívidas contra o devedor, apesar do impedimento, o tribunal deve pôr-lhes termo, absolvendo o réu da instância, por ocorrer uma excepção dilatória inominada (artigo 278º, nº 1, e) e nº 2 e artigo 576º, nº 2 do Código de Processo Civil).

3. A recusa definitiva de homologação do plano de recuperação elimina o impedimento à propositura de uma acção que foi proposta e julgada em 1ª instância sem que o devedor tenha dado a conhecer a pendência do processo de revitalização, fazendo cessar o motivo que fundamentaria a absolvição da instância, com fundamento em excepção dilatória inominada – nº 2 do artigo 278ºdo Código de Processo Civil.

4. Se o devedor optar por não contestar essa acção pendente, sofrerá as consequências legalmente atribuídas à revelia do réu, como sucedeu no caso presente: os factos alegados pelo autor têm-se como confessados, por não ter sido observado o ónus de contestar.

5. Não fica precludida a alegação posterior da pendência do processo de revitalização,  pois se trata de uma excepção dilatória de conhecimento (artigos 489º e 495º do Código de Processo Civil em vigor à data da contestação, artigos 573º e 578º actuais).

6. O devedor não está dispensado de levar ao conhecimento do tribunal que, quando a acção foi proposta, já tinha sido proferida a decisão de nomeação do administrador provisório no processo de revitalização.

7. A omissão de informação viola ostensivamente o princípio da cooperação com o tribunal, que vem a julgar a causa, apesar de o réu ter sido citado e de ter conhecimento oportuno da acção.

8. A comunicação ao Tribunal onde a acção está pendente ou a publicidade no portal CITIUS, nem excluem este dever, nem são motivo de inutilização do processo ou da sentença proferida na acção.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA instaurou contra BB - Promoção Imobiliária Unipessoal, Lda., uma acção na qual, alegando ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel identificado nos autos, que a ré não cumpriu definitivamente e que o autor resolveu “por carta registada com aviso de recepção dirigido à morada da R. constante do contrato-promessa de compra e venda”, que foi devolvida com a indicação de “não reclamado”, pedindo:

– que se declarasse “o incumprimento definitivo e culposo da R. do contrato-promessa de compra e venda celebrado com o A. em 11 de Março de 2011 (…)”;

– que a ré fosse condenada a pagar-lhe “a quantia de 470.000,00 correspondente ao dobro do sinal passado, a título de indemnização pelo incumprimento contratual”;

– que se declarasse ser titular de “direito de retenção sobre o prédio em causa para garantia do seu crédito”.

A ré não contestou.

Pelo despacho de fls. 23, declarou-se a falta de contestação e de qualquer intervenção da ré no processo, verificou-se ter sido “a citação devidamente cumprida, em observância dos requisitos legais – art. 483º do C.P.C.” então vigente, determinou-se que notificação “nos termos e para os efeitos do nº 2 do art. 484º do C.P.C.”, ou seja, para alegações e julgaram-se “confessados os factos articulados pela Autora”.

A sentença de fls. 24 julgou a acção totalmente procedente. Declarou-se o contrato-promessa definitivamente não cumprido pela ré e condenou-se esta a pagar ao autor os € 470.000,00 pedidos, garantidos por direito de retenção.

A ré recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, invocando, em síntese, que a acção não deveria ter sido proposta porque, quando foi instaurada, tinha-se já iniciado um Processo Especial de Revitalização e designado o respectivo administrador judicial provisório (nº 1 do artigo 17º-E do CIRE).

O Tribunal da Relação de Évora, pelo acórdão de fls. 120, negou provimento à apelação:

   “Em síntese: constitui ação para cobrança de dívidas do devedor, consagrada no artigo 17º.-E, nº 1 do CIRE, a ação condenatória, onde se pede a declaração de incumprimento definitivo de um contrato promessa, com consequente condenação da promitente vendedora no pagamento do sinal em dobro; encontrando-se o devedor submetido a processo especial de revitalização, com administrador judicial provisório já nomeado, vedada está a interposição de ação para cobrança de dívida; se, não obstante esta proibição, esta seja instaurada, deve a mesma ser declarada extinta, mesmo que tenha obtido decisão de mérito, se o plano de recuperação vier a ser aprovado e homologado; deve ser despojado direito de requerer a extinção da ação, com fundamento no instituto do abuso de direito, o devedor/demandado que não leva ao conhecimento da ação da declarativa, da pendência do processo de revitalização, nem cria as condições necessárias para o aditamento à relação de bens, no âmbito do dito processo especial, da dívida a que alude a ação condenatória, apesar de dela ter conhecimento”.

2. A ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:


«I - a acção declarativa em questão não deveria ter dado entrada em juízo numa data posterior à consolidação do efeito previsto no n° 1 do artigo 17-E, em que "[a decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 170_[ obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor  ( ... )" (sublinhado nosso), devendo antes o autor ter procurado reclamar o seu crédito no âmbito do PER já em curso naquela data – o que, manifestamente, não sucedeu;

II - não se revela necessário que a recorrente lance mão da contestação para informar o Tribunal de que se encontra(va) em PER, pois tal não configura qualquer obrigação a cargo da devedora, até porque, por imposição legal e com efeito imediato, é obrigatoriamente publicado, em vários locais (nomeadamente no portal CITIUS), o anúncio da nomeação de administrador judicial provisório, operando automaticamente o impedimento de interposição de novas acções;

III - em vez de conhecer e declarar esta nulidade, o Tribunal Judicial de Albufeira deu andamento ao processo, acabando por considerar confessados os factos articulados pelo autor, face à falta de contestação da ré, e por proferir sentença que está expressamente em contradição com a regra prevista no mencionado art. 17°-E/1 do CIRE e, como tal, salvo o devido respeito, não poderá nunca produzir os efeitos peticionados pelo autor e ali consignados;

IV - o douto acórdão recorrido conclui que, "se, não obstante esta proibição (de interposição de acção para cobrança de divida), esta seja instaurada, deve a mesma ser declarada extinta, mesmo que tenha obtido decisão de mérito, se o plano de recuperação vier a ser aprovado e homologado", levando a cabo aparente confusão entre os dois efeitos previstos no mencionado preceito;

V - se fosse intenção do legislador que as acções interpostas após a prolação do referido despacho de nomeação pudessem suspender-se e extinguir-se nos mesmos termos em que as já pendentes nessa data o podem, a proibição da sua interposição ab initio perderia todo e qualquer sentido;

VI - seja como for, é claro que, havendo impedimento na interposição de novas acções (ou devendo os processos pendentes estar suspensos), são nulos, nos termos gerais, todos os actos que neles se pratiquem enquanto durar tal impedimento (ou suspensão);

VII - a esse propósito, cabe sublinhar que o impedimento (ou suspensão) determinado(a) pelo artigo 17-E opera ope legis, sem necessidade de qualquer acto complementar de quem quer que seja, não configurando então qualquer direito disponível de que as partes possam ser despojadas, como o acórdão recorrido pretende;

VIII - a recorrente não reconhece o recorrido como seu credor;

IX - não subsistem dúvidas quanto à nulidade da sentença de 1ª instância recorrida, bem como de todo o processo no âmbito do qual aquela foi proferida;

X - portanto, in casu, e perante o exposto, deverá concluir-se, salvo melhor entendimento, pela necessidade de revogação do acórdão do Tribunal da Relação que ora se impugna.”


A recorrida não contra-alegou.

O recurso foi admitido como revista, com efeito evolutivo.

3. Os factos que o acórdão recorrido considerou provados e relevantes para o recurso de apelação, e que são os que agora interessam, são os seguintes (transcrevem-se do acórdão recorrido):


1º- A presente acção foi instaurada a 23 de Abril de 2013;

2º- Por ocasião da citação, ocorrida na primeira quinzena de maio de 2103, a demandada BB – Promoção Imobiliária Unipessoal., Lda. tomou conhecimento que o demandante CC lhe exigia o pagamento da quantia de €470.000,00;

3º- Em 24 de Junho de 2013, foi proferido despacho a julgar “confessados os factos articulados pela Autora”;

 4º- A acção de revitalização da demandada foi proposta em 8 de Fevereiro de 2013;

5º- O despacho de nomeação do administrador judicial provisório foi proferido a 12 de Fevereiro de 2013;

6º- A decisão a homologar o plano de recuperação conducente à revitalização da demandada foi exarada em 11 de Outubro de 2013;

7º- O plano antes referido não contemplou o crédito a que aludem os presentes autos.

A Relação teve ainda em conta a revogação da decisão de homologação do plano de revitalização pelo acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Évora de 8 de Maio de 2014, transitado em julgado e com certidão junta a fls. 102, que recusou a homologação. E interessa ainda considerar que a carta endereçada pelo autor à ré, para a morada indicada no contrato-promessa, resolvendo o contrato por incumprimento definitivo e reclamando o pagamento do sinal em dobro, tem a data de 23 de Janeiro de 2013, com registo do dia seguinte (cfr. fls. 11 e segs.).

4. A questão central que a recorrente coloca na revista (nº 4 do artigo 635º do Código de Processo Civil de 2013, aplicável ao presente recurso, no termos do disposto no nº 1 do artigo 7º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho) é a da nulidade da sentença que julgou procedente a acção, e de todos os actos praticados no correspondente processo. Em seu entender, tendo a acção sido proposta depois de proferido o despacho de nomeação do administrador provisório, em infracção do impedimento previsto no nº 1 do artigo 17º E do CIRE, que veda a instauração de “quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor” (como, em seu entender, é o caso) depois dessa decisão, são nulos todos os actos nela praticados, mesmo que não tenha invocado na acção, em 1ª instância, a pendência do processo de revitalização. Considera ainda irrelevante, para este efeito, que o Tribunal da Relação de Évora tenha revogado a decisão de homologação do plano, recusando-a.

Para apreciar a questão da nulidade assim suscitada haveria que percorrer o seguinte itinerário lógico:

– determinar se a acção dos autos pode ser considerada uma acção de cobrança de dívidas, para o efeito previsto no nº 1 do artigo 17º-E do CIRE;

– sendo afirmativa a resposta, averiguar qual o efeito resultante de a acção ter sido proposta, apesar do impedimento previsto no citado nº 1 do artigo  17º-E,

– e apesar de a ré, nem ter contestado a acção, nem ter comunicado a pendência do processo de revitalização – ou, com mais rigor para o que agora interessa, o proferimento do despacho de nomeação do administrador provisório –  antes de ser proferida a sentença;

– concluindo no sentido da nulidade de todo o processo e da sentença, considerando portanto que era ainda oportuna a alegação da pendência do processo especial de revitalização e da emissão do despacho de nomeação do administrador provisório apenas no recurso de apelação, caberia então saber se a nulidade subsistiria apesar do trânsito em julgado da recusa de homologação do plano de revitalização, ou seja, de ser definitiva essa recusa.

Começar-se-á, no entanto, por verificar que a recusa definitiva de homologação do plano de revitalização torna desnecessário percorrer todos estes passos.

5. Na verdade, com a recusa e consequente extinção do processo de revitalização, desaparece o obstáculo à propositura da presente acção, se de uma acção de cobrança de dívida, no sentido que agora interessa, se tratar. E esse desaparecimento impede a extinção da acção. Vejamos.

É conhecida a divergência relativa à determinação do âmbito das acções de cobrança de dívida previstas no nº 1 do artigo 17º-E do CIRE, cuja propositura fica impedida após ter sido proferido o despacho de nomeação do administrador provisório, ou cuja suspensão deve ser determinada, se tiverem sido propostas em momento anterior. Referimo-nos em especial à que se revela na jurisprudência dos Tribunais da Relação, patente em diversos acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt, alguns dos quais anteriores à sentença da 1ª instância do presente processo (assim, e apenas a título de exemplo, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Maio de 2013, proc. 178/11.8TCGMR.G1, no qual, aliás, também estava em causa um pedido de restituição de um sinal em dobro, com fundamento em resolução de um contrato-promessa por incumprimento, e também não foi trazido pela parte ao conhecimento do tribunal de 1ª instância a pendência do processo de revitalização antes de ser proferida a sentença, mas apenas no recurso de apelação; ou do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Setembro de 2013, proc. nº 516/12.6TTBRG.P1, num sentido; e do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 2013, proc.nº 1190/12.5TTLSB.L1-4, no outro).

Em breve síntese, recorda-se que se questiona se apenas estão abrangidas as acções executivas, que pressupõem a existência de um título executivo que prove a dívida que se cobra na execução, ou se o referido preceito vale para quaisquer acções, declarativas ou executivas, comuns ou especiais, nas quais se pretenda ou a condenação no pagamento de uma obrigação pecuniária ou a respectiva execução, bem como em procedimentos cautelares que tenham uma finalidade equiparável.

Estas divergências apanham em cheio a acção presente, relativamente à qual se poderá dizer que a finalidade última do autor será a de obter a condenação no pagamento do sinal em dobro, mas que também comporta o reconhecimento do incumprimento e da resolução do contrato-promessa, aliás já oposta extrajudicialmente pelo autor; autor e ré estão em desacordo quanto à resposta a dar, como se sabe.

Mas a verdade é que a recusa definitiva de homologação do plano torna inútil discorrer sobre a questão. Seja porque não se trata de uma acção de cobrança de dívida no sentido do nº 1 do artigo 17º-E do CIRE, seja porque, embora assim deva ser qualificada, a homologação do plano foi recusada, a acção – que seguiu os seus termos até à sentença, porque a pendência do processo de revitalização não foi dada a conhecer ao tribunal  – não é afectada.

6. A recorrente sustenta que o presente processo e a sentença nela proferida são nulos. Em seu entender, o processo é nulo desde o seu início por resultar do nº 1 do artigo 17º-E do CIRE um obstáculo insanável à respectiva propositura, que deve ser qualificado como uma excepção dilatória de conhecimento oficioso –artigos 577º, b) – nulidade de todo o processo – e 578º do Código de Processo Civil

Mas não tem fundamento legal a afirmação de que se trata de um caso de nulidade de todo o processo; nem a recorrente o indica, nem se afigura tratar-se de uma consequência adequada ao vício concretamente verificado.

Desde logo, nenhuma semelhança existe com a razão de ser do vício que a lei expressamente comina com a sanção da nulidade de todo o processo, que é o da ineptidão da petição inicial: aqui, o acto de propositura da acção padece de um vício intrínseco que o torna insusceptível de servir de base ao processo (artigo 186º do Código de Processo Civil). Na verdade, o efeito que a prolação do despacho de nomeação de administrador provisório tem sobre acções de cobrança de dívidas posteriormente propostas contra o devedor traduz-se antes em impedir a propositura de acções futuras. A causa da irregularidade é exterior a estas acções, diferentemente do que sucede com as nulidades que a lei de processo define, sejam nulidades processuais ou de decisões.

Se forem propostas acções de cobrança de dívidas contra o devedor, apesar do impedimento, o tribunal deve pôr-lhes termo, absolvendo o réu da instância, por ocorrer uma excepção dilatória inominada (artigo 278º, nº 1, e) e nº 2 e artigo 576º, nº 2 do Código de Processo Civil).

É essa a consequência típica de uma excepção dilatória ou, como é equivalente, da verificação de um pressuposto processual negativo, ou impedimento.

7. Sucede que não foi dado a conhecer em 1ª Instância a pendência do processo especial de revitalização e o proferimento do despacho de nomeação do administrador provisório, tendo a acção decorrido e vindo a ser proferida sentença, julgando-a procedente.

Não há qualquer elemento que indique que o autor tinha conhecimento de tal processo; recorde-se que a ré alegou expressamente que não tinha qualquer obrigação de lhe dirigir a comunicação prevista no nº 1 do artigo 17º-D do CIRE para dar conhecimento do início do processo aos credores, pois não o reconhecia como credor (artigos 96º e 97º das alegações de revista).

Admite-se que a recorrente tenha razão quanto a este ponto; mas não quando afirma que também não impendia sobre ela “qualquer obrigação” de o comunicar ao processo.

Não está naturalmente em causa que a recorrente possa legitimamente optar por não contestar a acção; sofrerá, naturalmente, as consequências legalmente atribuídas à revelia do réu, como sucedeu no caso presente: os factos alegados pelo autor tiveram-se como confessados, por não ter sido observado o ónus de contestar.

Nem tão pouco se afirma que a alegação da pendência do processo de revitalização tivesse que constar da contestação, sob pena de preclusão. Salvo disposição em contrário, as excepções dilatórias são de conhecimento oficioso e portanto estão excluídas do princípio da concentração da defesa na contestação, ou seja, da preclusão da sua alegação posterior (artigos 489º e 495º do Código de Processo Civil em vigor à data da contestação, artigos 573º e 578º actuais).

Isto não significa de forma alguma que a recorrente se pudesse considerar dispensada de levar ao conhecimento do tribunal que, quando a acção foi proposta, já tinha sido proferida a decisão de nomeação do administrador provisório no processo de revitalização. No mínimo, a recorrente violou ostensivamente o princípio da cooperação com o tribunal, deixando que o processo corresse até à sentença apesar de ter sido citada e de ter conhecimento oportuno da acção. Assim entendeu o acórdão recorrido, tal como se tinha decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Maio de 2013, já citado, proferido no processo 178/11.8TCGMR.G1 – artigo 7º do Código de Processo Civil actual, 266º do Código anterior.

A comunicação ao Tribunal Judicial de Albufeira ou a publicidade no portal CITIUS, nem excluem este dever, nem são de forma alguma motivo de inutilização do processo ou da sentença, como parece entender o recorrente. Que, aliás, não indica nenhuma base legal que sustente tal entendimento.

8. Seja como for, a revogação da decisão de homologação do plano de revitalização e consequente recusa definitiva de homologação eliminou o impedimento à propositura da acção, fazendo cessar o motivo que fundamentaria a absolvição da instância, a já referida excepção dilatória inominada – nº 2 do artigo 278ºdo Código de Processo Civil, já citado.

Desapareceu assim o fundamento formal da absolvição da instância; mas caiu ainda a justificação material do impedimento de propositura da acção, consagrado na lei para proteger a concretização da recuperação do devedor, objectivo último do processo de revitalização.

Na verdade, dificilmente se compreenderia que se absolvesse o réu da instância apesar da recusa de homologação do plano, tirando as consequências de um obstáculo que veio a revelar-se inconsistente.

9. Apenas se acrescenta que não se está de forma alguma a agravar a posição do recorrente, que conscientemente omitiu a comunicação da pendência do processo especial de revitalização e que optou por não contestar, apesar das consequências que a lei atribui a tal omissão.

10. Assim, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 17 de Dezembro de 2015


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego