Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8013/10.8TBBRG.G2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE ACÇÕES COM OPÇÃO DE REVENDA
DEPÓSITO A PRAZO
NEGÓCIO JURÍDICO INDIRECTO
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Abílio Neto, “Código de Processo Civil” Anotado, 8.ª Ed. (1987), 514-515 nota 5, em anotação ao art.º 668.º e jurisprudência aí citada.
- António Menezes Cordeiro, In Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2006, Ano 66, Vol. III, Dez. 2006.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 242.
- Baptista Machado, João, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, 348/349.
- Brandão Proença, José Carlos, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 2011, 288.
- Bruno Rodriguez-Rosado, …, 207.
- De la Oliva Santos, Andrés e Diez-Picazo Giménez, Ignacio, Derecho Procesal Civil - El proceso de declaración, Editorial Universitária Ramón Areces, 3.ª edición. 2008, 445-466.
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- Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Almedina e CMVM, 2008, 88 a 145.
- J. A. Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 49 e ss., 142-143 nota 5; Comentário ao Código Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, 136-143.
- J. Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2, Coimbra Editora, 2001, 645-646 nota 2.
- J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 247 nota 5 e 228 nota 2.
- José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório – Um Estudo de Direito Positivo, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2013, 283, 697 a 788.
- Mariana França Gouveia, “O Principio Dispositivo e a Alegação de Factos em Processo Civil: a incessante procura da flexibilidade processual”, Estudo de Homenagem aos Professores Palma Carlos e Castro Mendes.
- Paulo Luiz Netto Lobo, Jus Navegandi, Teresina, Ano 9, n.º 711, 16 jun. 2005, disponível em http://www1.jus.com.br.doutrina/texto
- Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, 211 e 647.
- Vaz Serra, In Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114, 287.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 247.º, 253.º, 289.º, 351.º, 374.º, N.º 1, 376.º, N.ºS 1 E 2, 433.º, 805.º, N.º2, AL. A), 808.º, N.º1,.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 607.º, 608.º, N.º2, 609.º, 615.º, N.º1, AL. D), 661.º, 662.º, N.ºS 1 E 2, 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 2.
LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO: - ARTIGO 26.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 01-06-1973, B.M.J. 228, 136; DE 06-01-1977, B.M.J. 263, 187.
-DE 22-06-1982 NO BMJ 318º-415, DE 30-01-2001, PROC. N.º 00A3948, DE 13-07-2004, PROC.N.º 04B2302, DE 27-01-2004, PROC. N.º 03A3446, DE 20-01-2010, PROC. N.º 357/2000.P1.S1, E DE 11-01-2011, PROC. N.º 6026/04.8TBBRG.G1.S1, DESTA SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 13-06-2006.
-DE 09-07-1982, B.M.J. 319, 199.
-DE 15-10-1996.
-DE 26-09-2007 E DE 17-03- 2011.
-DE 9-12-2008.
-DE 05-02-2009, PROC. N.º 4092/08; DE 21-09-2010 PROC. N.º 2/03.5TBMNC.G1.S1; DE 21-10-2010, PROC. N.º 937/06.3TBCSC.L1.S1; E DE 30-11-2010, PROC. N.º 581/1999.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 31-03-2009, DE 28-06-2011; DE 12-09- 2006; 19-12-2006; 12-09-2006 E 16-12-2010, TODOS IN WWW.DGSI.PT .
-DE 28-05-2009.
-DE 10-09-2009.
-DE 12-01-2010.
-DE 22-03-2011.
-DE 13-11-2012.
-DE 26-02-2013.
-DE 16-06-2015, DE 10-01-2013, PROC. N.º 89/10.4TVPRT.P1.S1, AMBOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A lei sanciona com a injunção negativa de nulidade a decisão em que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” – cfr. al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC – e “para além dos limites que lhe são impostos” – cfr. art. 609.º do mesmo Código.

II - Esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art. 608.º, n.º 2, do CPC e serve de cominação para o seu desrespeito. Este dever diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado.

III -Tendo sido formulados vários pedidos, em relação de alternatividade e subsidiariedade entre si, é irregular, por contrária a regras de adequada formulação do pedido, a condenação do réu por via subsidiária e não por via principal, conforme havia sido formulado pelo autor.

IV - O STJ é, organicamente, um tribunal de revista, pelo que a sua competência para a cognoscibilidade, em matéria de recurso (de revista), está confinada a questões de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC).

V - O STJ conhece da matéria de facto em duas situações: (i) quando os factos são insuficientes ou deficientes para decidir da questão de direito; (ii) quando haja errada utilização dos meios de prova de que o tribunal dispôs para apreciar a questão de facto, nos casos em que tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.

VI - Da conjugação dos arts. 374.º, n.º 1, e 376.º, ambos do CC, extrai-se que a «prova plena» do documento particular, quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que sejam contrárias aos interesses do declarante, se restringe ao âmbito das relações entre o declarante e o declaratário, ou seja, quando invocadas por este contra aquele.

VII - Consubstancia um negócio indirecto – a que os contraentes deram o nomen iuris de aquisição de acções com opção de revenda –, isto é, um negócio cuja função é lograr um objectivo económico e um interesse e utilidade pessoais que está para além da função normal do contrato tipificado, o acordo, intermediado pelo banco/recorrente, mediante o qual o autor procede ao ingresso de capital financeiro numa das sociedades do grupo, através da aquisição de acções que, num prazo estipulado e garantido, poderia revender à sociedade S, sociedade gestora de participações sociais, pelo preço normalmente investido, acrescido de juros contratualmente fixados.

VIII - Não incorre em violação dos deveres de lealdade e de informação a que está adstrito, o intermediário financeiro/banco recorrente, que não usou de artifício falacioso ou de subterfúgios ardilosos para obter o assentimento do autor na compra das acções, certo que, quanto ao essencial do negócio e tendo em conta o seu perfil de investidor prudente e acautelado, o informou de que se tratava de uma aquisição de acções de sociedade, com resultado idêntico a uma operação de depósito a prazo no banco, o que significava que findo o prazo teria a disponibilidade do capital investido acrescido dos juros pactuados.

IX - Tendo procedido à recompra das acções antes do prazo referido em VII, a sociedade S incorreu em incumprimento contratual, que é definitivo e justifica a resolução do contrato de aquisição de acções de sociedade, por iniciativa do autor, que, em consequência, deve receber, da sociedade S, o montante correspondente ao valor das aplicações financeiras que efectuou e, correspectivamente, entregar-lhe as acções que adquiriu.

Decisão Texto Integral:

I.- Relatório.

AA, interpôs a acção declarativa, sob a forma de processo ordinária, contra “BANCO BB, SA” e “CC …, SA - Sociedade Gestora de Participações Sociais”, pedindo que: “A. 1) - se declare que entre ele, Autor e o Réu BANCO BB foram celebrados os negócios referidos na petição inicial como aplicações n.os 2 a 5, que constituem contratos de depósito a prazo, com início e vencimento nas datas que ficaram individualizadas; 2) - se condene o Réu BANCO BB a pagar-lhe, em função desses contratos e da mora no respectivo cumprimento, de capital, € 18.100.004,40; de juros remuneratórios líquidos, € 2.843.818,30; de juros de mora vencidos, à taxa de 8% até ao dia 5 de Janeiro de 2011, € 1.293.111,57; e os juros de mora vincendos, desde 5 de Janeiro de 2011, até efectivo pagamento, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais; 

Quando assim se não entenda, e sem conceder:

B. a) - se declare que as referidas aplicações n.ºs 2 a 5 são nulas, por usura do BANCO BB, ou, no mínimo, anuláveis, por dolo deste e erro do Autor, convertendo-as, ao abrigo do disposto no art.º 293.º em contratos de depósito a prazo, nas condições prazo, de capital e juros que ficaram individualizadas; b) - se condene o BANCO BB, em concomitância, a restituir ao Autor de capital, € 18.100.004,40; de juros remuneratórios líquidos, € 2.843.818,30; de juros de mora vencidos, à taxa de 8%, até ao dia 5 de Janeiro de 2011, € 1.293.111,57; e os juros de mora vincendos, desde 5 de Janeiro de 2011, até efectivo pagamento, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais.

Quando assim se não entenda e sem conceder:

C. I) - se declare que o BANCO BB, ao celebrar com o Autor os negócios em referência, ofendeu os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o Autor, por força da relação negocial bancária que com ele mantinha, não o tendo esclarecido com precisão e rigor sobre as implicações dos contratos que promoveu perante ele e, pelo contrário, e a vingar a tese de que se trate de negócios diferentes de simples depósitos a prazo, enganando-o consciente e dolosamente sobre a natureza e consequência de tais negócios;

II) - se declare, em conformidade, que o BANCO BB violou com culpa - como se presume (art.º 799º, 1 CC) - aqueles deveres contratuais, negociais ou obrigacionais a que estava vinculado, constituindo-se na obrigação de o indemnizar, a ele, Autor, por todos os danos que sofreu, a título de responsabilidade contratual – art. 798º CC (ou, quando assim se não entenda, mas sem conceder, a título de responsabilidade aquiliana - art. 483º CC),

III) - seja condenado a pagar-lhe, a ele Autor, a título de indemnização, € 18.100.004,40 de que ficou desapossado e os respectivos juros remuneratórios e compensatórios de € 4.136.929,87, a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vincendos, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, tudo como ficou dito acima.

Quando assim se não entenda e sem prescindir:

D. A) - se declare que os documentos subscritos pelo Autor e pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré CC, por iniciativa e com a intermediação determinante do BANCO BB, consubstanciam contratos de aquisição de acções com a obrigação de recompra, nos prazos e sob as condições de juros e remunerações que ficaram assinalados em relação a cada uma das referidas aplicações n.ºs 2 a 5;

B) - se condene solidariamente a CC, por força de tais contratos, e o BANCO BB, por força da responsabilidade decorrente da violação em que incorreu dos deveres de protecção, lealdade e informação a que devia obediência em função da relação negocial bancária duradoura que mantinha com o Autor, a pagar a este € 18.100.004,40 (dezoito milhões, cem mil e quatro euros e quarenta cêntimos) de capital e os respectivos juros remuneratórios e compensatórios de € 4.136.929,87 (quatro milhões, cento e trinta e seis mil novecentos e vinte e nove euros e oitenta e sete cêntimos), a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vincendos, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, tudo como ficou dito acima.

Na hipótese de vingar a hipótese anterior,

E. - deve declarar-se que o contrato de penhor referido no texto desta petição envolve o desaparecimento ou, quando menos, a diminuição acentuada da garantia patrimonial do crédito do Autor sobre a segunda Ré, e que foi celebrado entre os Réus BANCO BB e CC dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do Autor e com a consciência do prejuízo que tal acto lhe causava; e

- declarar-se tal contrato ineficaz em relação a ele, Autor.”

Para os pedidos, que impetra, alegou, em apertada síntese, que:

- Por solicitação do Director Coordenador do BANCO BB, no início do ano de 2003, abriu uma conta no “BANCO BB, SA”, da qual passou a ser cliente;

- O referido coordenador tinha conhecimento do perfil conservador do autor, do que deu conhecimento aos seus superiores hierárquicos e à administração do BANCO BB; - No ano de 2004, um administrador do BANCO BB, conhecedor do perfil de cliente do autor, deslocou-se a Braga para reunir com o autor e manifestou-lhe o interesse do BANCO BB em transmitir-lhe acções que o Banco detinha no capital da “CC - …, SA”, solicitando-lhe que as adquirisse com a garantia de que se tratava de uma aplicação substancialmente igual a depósitos a prazo, em especial quanto ao prazo e à sua remuneração estabelecida através duma taxa de juros fixa e líquida e mediante o compromisso expresso de o BANCO BB recomprar as acções na data acordada, pelo valor da compra, pagando ao autor juros sobre esse valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida;

- Convencido de que estava perante uma modalidade de aplicação do seu dinheiro cuja substância não diferia dos depósitos a prazo, o autor deu o seu consentimento e apenas devido a essa garantia de que se tratava de uma aplicação substancialmente igual a depósitos a prazo, sem a qual o autor nunca aceitaria o negócio, o que o BANCO BB sabia;

- Em resultado desse acordo, e ao longo dos anos, o autor foi dando o seu acordo a várias aplicações com o mesmo teor e assinou os documentos elaborados e apresentados por aqueles Representantes do BANCO BB, não tendo prestado atenção a que os  mesmos formalizavam a aparente aquisição de acções, devido à sua inexperiência e ignorância na matéria e ainda na relação de confiança que se estabeleceu com o BANCO BB;

- Aquando da outorga desses documentos, nem o BANCO BB nem a CC, eram titulares das acções transaccionadas e só depois dessas datas foram formalmente lançados pelo BANCO BB numa carteira de títulos do autor;

- O BANCO BB reconheceu expressamente que todas as aplicações (aplicações nºs 1 a 5) que o autor detinha no banco eram verdadeiros depósitos a prazo, comprometendo-se a colocar à ordem do autor, na data dos respectivos vencimentos, o capital e os juros das referidas aplicações, tendo inclusive o feito relativamente à aplicação n° 1;

- Malgrado o antecedentemente narrado, o BANCO BB recusa-se a restituir ao autor o capital e os juros remuneratórios que com ele acordou, passando a invocar que a ré CC ... é a única responsável pelo pagamento desses valores;

- O autor nunca celebrou qualquer negócio com a ré CC …;

- A formatação dos contornos dos negócios são da exclusiva responsabilidade do BANCO BB que se aproveitou da inexperiência e ignorância do autor para se apropriar do dinheiro que estava confiado em depósito e para o aplicar, como quis, para satisfazer interesses que eram apenas do BANCO BB, sendo pois negócios nulos, por usura; susceptíveis de serem convertidos em depósitos a prazo; se assim não se entender, tais negócios são anuláveis por dolo do BANCO BB e correlativo erro do autor, que os representantes do BANCO BB conscientemente nele induziram, para obter a autorização para movimentarem a conta de depósitos à ordem do autor e se apropriarem dos valores respectivos, convencendo o autor de que celebrava verdadeiros depósitos a prazo e bem sabendo que este jamais aceitaria celebrar outro tipo de negócio, sendo também admissível a sua conversão em depósitos a prazo;

- O réu BANCO BB ofendeu os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o autor, violando com culpa os deveres contratuais a que estava obrigado, por força da relação negocial bancária que com ele mantinha, constituindo-se na obrigação de indemnizar o autor por todos os danos que sofreu, a título de responsabilidade contratual, ou se, assim, não se entender, a título de responsabilidade aquiliana;

- A título subsidiário, e no caso de se entender que a subscrição dos documentos com a descrita iniciativa e intermediação do BANCO BB formaliza contratos celebrados entre o autor e a CC, esta obrigada a pagar ao autor nas datas de vencimento de cada uma das aplicações, o respectivo capital e juros remuneratórios, constituindo-se com ele o BANCO BB solidariamente responsável por ter violado os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o autor; não obstante, o BANCO BB celebrou com a CC um contrato de penhor de todo o património da CC, o que criou a impossibilidade prática do autor obter perante a CC a satisfação do seu crédito, agindo assim com dolo e má-fé para impedir a satisfação do direito do autor, o que justifica a impugnação pauliana desse contrato de penhor e a declaração da respectiva ineficácia em relação ao autor.

Na contestação que apresentou, o banco réu impugna a factualidade que sustenta a petição inicial, tendo adido que:

- Depois de se tornar cliente do Banco demandado, o demandante tornou-se cliente do BANCO BB Cayman, tendo aberto uma conta de depósito;

- O BANCO BB inseria-se numa holding que era detida pela “CC - …, SA” , que por sua vez tinha como accionista a “CC – …, …,SA”;

- Estas sociedades tinham administradores comuns, sendo que DD era administrador das sociedades referidas no item antecedente;

- A demandada “CC – …, SA.” Endereçou ao demandante as cartas juntas sob os documentos nºs 6, 8 e 10 – cfr. artigos 14º a 25º da contestação – em que eram se referiam reuniões para aquisição/subscrição de acções, em representação desta sociedade;

- O banco demandado apenas assumiu perante o demandante a responsabilidade relativamente a 6.578.948 acções da “CC – …, SA”, e não relativamente a quaisquer outras que o demandante tenha adquirido/subscrito com a demandada “CC – …, SA.”;

- As acções a que o demandante se refere como aplicações nºs 2 a 5 representam acções da sociedade “CC – …, SA” e que tiveram lugar no âmbito de um aumento de capital desta mesma sociedade – cfr. artigos 28 a 48 da contestação;

- O demandante assumiu-se como accionista da “CC – …, SA”, tendo participado como tal em assembleia geral desta sociedade e no âmbito de uma denominada “operação cabaz” – cfr. artigos 49 a 61;

- A demandante é um empresário, envergando a qualidade de sócio em três sociedades, e sendo titular de um património de mais de cento e cinquenta milhões de euros (€ 150.000.000,00).   

- O banco réu estava proibido de adquirir acções da então CC …, SA e os actos praticados contra essa proibição seriam nulos, ao abrigo do disposto no art. 317º, nº 4, do CSC; e que o contrato de penhor reforçou a estabilidade financeira da ré CC.

Em desinência do contraminado, impetra a improcedência da acção e a consequente absolvição dos pedidos contra o réu banco formulados.

Na contestação da demandada, “CC - ..., SA” – cfr. fls. 202 a 224 – foi suscitada a nulidade dos invocados contratos, por simulação, pois, que o autor jamais desejou celebrar com a ré CC os contratos de opção de venda das acções e a CC também jamais quis celebrar com o autor tais contratos, tendo tais contratos sido efectuados, em conluio com o autor, pelo DD, como forma de remunerar depósitos de clientes do Banco BANCO BB e de modo a permitir que estas operações não constassem do balanço do banco BANCO BB, a cujo Conselho de Administração presidia e a escondê-las das entidades supervisoras, como o Banco de Portugal ou a CMVM; sendo que através daquele ou deste estratagema, o valor dos depósitos e os juros acordados deixavam de constar do passivo do Banco e também não figuravam nas contas do balanço da ré CC.

Nestes contratos não está estipulado um sistema de contrapartidas – “a opção concedida a uma parte não tem como contrapartida uma outra concedida à outra” (artigo 40º da contestação) –, sendo que a verdadeira razão da celebração desses negócios foi, por banda do autor, “efectuar um investimento especulativo, que lhe proporcionasse uma elevada taxa de juro, sem pagar impostos”;

- Por parte do administrador, DD, o fito era colocar estas operações fora do balanço do BANCO BB;

- A operação visada pelo demandante arrima-se com os denominados contratos de opção “que é típico é que uma das partes fique na titularidade de um poder potestativo – e adquirir ou alienar – e que a outra fique numa situação técnico-jurídica de sujeição, ficando ainda com um crédito a um prémio” – cfr. artigo 51.º da contestação da demandada “CC – ..., SA”;

- O autor não terá querido celebrar contratos de opção em mérito com DD, mas sim este e EE e FF, em sua representação e do banco BANCO BB “foi que o autor colocasse uma quantia em dinheiro na 1.ª Ré banco BANCO BB e que recebesse uma determinada remuneração pelo investimento financeiro que viesse a ser orientado pelo mesmo banco – cfr. artigos 60 e 61 da contestação;

- O acordo simulatório visava enganar a entidade de supervisão, colocando a operação fora do balanço do BANCO BB, podendo ser pago ao autor uma quantia remuneratória que resultava do lucro do exercício das operações, liquida e a uma taxa que o banco demandado “oficialmente” não lhe podia pagar, como também não teria de entrar nas suas contas;

- Daí a nulidade dos referidos contratos;

- Em face do seu objecto social – sociedade gestora de participações sociais – a demandada não podia celebrar contratos de opção, inclusive por limitações de ordem pública, o que a terem-se celebrado constituiriam uma contravenção ao fim social da demandada, vertendo-os em nulos;              

Mais alega que a celebração de tais contratos sempre teria sido feito em contravenção com o objecto social da ré CC, o que os torna nulos ao abrigo do disposto no art. 280º, nº 2, do Cód. Civil e ainda porque violam o art. 8º, nº 2, RGICSF por remissão do art. 4º, al. c) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;

- O contraente, DD, nunca submeteu tais contratos à deliberação anterior, coeva ou posterior de qualquer órgão social da CC, tanto mais que o valor real das acções já era à data e continua a ser inferior ao nominal, não sendo tais contratos vinculativos;

- Os DD, FF e OO, instrumentalizaram a sociedade demandada, através da emissão dos documentos nºs 6, 8, 10 e 12 para dar corpo ao alegado negócio simulado a que se reconduzem os referidos contratos de opção referente a aplicações financeiras que o autor realizou.  

O autor replicou, impugnando a matéria de facto alegada nas contestações e, no mais, mantendo o alegado na petição inicial pugnou pela improcedência das excepções invocadas pelas rés.

Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, onde se julgou válida a instância nos seus pressupostos objectivos e subjectivos, e seleccionou-se a matéria de facto assente e elaborou-se a base instrutória – cfr. fls. 353 a 369.

Após audiência de discussão e julgamento, foi respondido, sem reclamação, à matéria controvertida, pela forma e com os fundamentos exarados a fls. 452 a 459 dos presentes autos, vindo a proferir-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos termos consignados a fls. 492 a 538 dos autos.

O réu BANCO BB, SA interpôs recurso de apelação e, subindo os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, este decidiu determinar a ampliação da base instrutória e, consequentemente, anulou a sentença recorrida e ordenou a repetição do julgamento com o fim de responder à matéria de facto a aditar, sem prejuízo do julgamento versar os outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão. Em cumprimento do ordenado, foram as partes notificadas para requererem a produção de provas, o que estas fizeram.

Após nova audiência de discussão e julgamento, o tribunal de primeira (1ª) instância, proferiu sentença – cfr. fls. 3024 a 3071 – em que decidiu: “a anulabilidade das referidas aplicações nºs 2 a 5, por dolo do Réu BANCO BB e erro do Autor; - que o BANCO BB, ao celebrar com o Autor os negócios em referência, ofendeu os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o Autor, por força da relação negocial bancária que com ele mantinha não o tendo esclarecido com precisão e rigor sobre as implicações dos contratos que promoveu perante ele, enganando-o consciente e dolosamente sobre a natureza e consequência de tais negócios; e, em conformidade, que o BANCO BB violou com culpa aqueles deveres contratuais, negociais ou obrigacionais a que estava vinculado, constituindo-se na obrigação de indemnizar o Autor por todos os danos que este sofreu, a título de responsabilidade contratual; tendo em consequência, condenado o Réu BANCO BB a pagar ao Autor, a quantia de € 18.100.004,40 de que este ficou desapossado e os respectivos juros convencionados no valor € 4.136.929,87, a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%; e o Autor a restituir as acções objecto das aplicações em questão, tendo absolvido as demandadas do demais peticionado.

Na apelação com que impugnou a decisão de primeira (1ª) instância, o Tribunal de Relação, por decisão de fls. 4391 a 4428, decidiu: “(…) julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e revogando parcialmente a decisão impugnada, condenam o Banco Apelante a pagar ao Autor as importâncias pecuniárias que este não venha a receber da Ré “CC …, S.A.”, tendo em conta o que supra se deixou referido no ponto 4.”

Mantém o banco demandado a dissidência com o julgado, e para a sua revisão interpôs recurso (de revisão) para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido a respectiva fundamentação – cfr. fls. 4611 a 4694 – no epítome conclusivo a que se retratará no momento em que for apreciada cada uma das questões que a cognoscibilidade do recurso encerra. 

Na contramina à fundamentação recursória – cfr. fls. 4739 a 4754 – o demandante, AA, ressuma a contra-alegação e procede à ampliação do recurso – sanação da nulidade de omissão de pronúncia (artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código Processo Civil) – com o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito.

1. O douto acórdão revidendo não condenou em quantidade superior nem em objecto diverso do que se pediu, pelo que não padece do vício previsto na al. e) do nº 1 do art. 615º, por ofensa do disposto no nº 1 do art. 609º CPC;

2. Nem a sentença da primeira instância nem o acórdão da Relação ofenderam quaisquer regras de direito probatório material, maxime as estabelecidas pelo art. 394º CC.

3. A correlativa questão agora renovada pelo Recorrente já foi objecto de anterior decisão transitada em julgada e de recurso rejeitado pela Relação e pelo Supremo Tribunal Justiça.

4. Sempre seria e é, por isso, e em todo o caso insusceptível de reapreciação.

5. A matéria de facto alegada pelo Autor e que as instâncias consideraram provada e assente consubstancia, sem margem para dúvidas sérias, que o Recorrente violou de modo grosseiro e muito grave os deveres de informação, lealdade, neutralidade e protecção dos interesses do cliente a que estava obrigado por força da relação bancária duradoura que mantinha com o Autor.

6. Essa violação postula-se como fonte autónoma de responsabilidade civil contratual do Recorrente.

7. Assim decidiu, e bem, o douto acórdão impugnado, que se mostra inexpugnável às críticas que, também desse enfoque, lhe dirige o Recorrente.

8. A parte dispositiva do douto acórdão em mérito contém uma omissão manifesta, porque, não obstante a prévia enunciação de todos os respectivos pressupostos de facto e de direito, não profere, de modo explícito, a condenação da Ré CC no pagamento das quantias descritas na al. D) do petitório do articulado inicial da acção.

9. Tal omissão pode ser suprida ao abrigo do nº 2 do art. 614º, CPC.

10. Todavia, se não for suprida ou vier a entender­-se, que se trata duma omissão insuprível, há-de considerar-se que implica a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º, CPC, devendo ampliar-se o objecto do recurso para conhecimento dessa questão e suprimento da correspondente nulidade, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 636º CPC.

11. E, em consonância, deve condenar-se a Ré CC a pagar ao Autor as quantias descritas na aI. D) do petitório do articulado inicial da acção.

- deve negar-se provimento ao recurso;

- deve ampliar-se o objecto do recurso para se conhecer da nulidade implicada na falta de condenação explícita da Ré CC no pagamento das verbas descritas no pedido formulado pela Autor na al. D) da petição inicial, se vier a entender-se que não se trata de omissão manifesta suprível e suprida ao abrigo do disposto no art. 614º,  do CPC.”

I.b). – Questões a merecer apreciação.

Os sumários conclusivos que quedaram

extractados autorizam e avalizam o conhecimento das seguintes questões:

a) – Nulidade do acórdão, por conhecimento de pedido diferente do que fora formulado pelo demandante;

b) – Violação de regras de direito probatório material;   

c) – Violação, pela instituição de crédito, dos deveres de lealdade, protecção, informação e neutralidade;

d) – Condenação por danos incertos e hipotéticos.  

Da ampliação do recurso (artigo 636º, nº 2 do Código Processo Civil):

- Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código Processo Civil)

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Após a modificação da decisão de facto operada pelo tribunal de apelação, a matéria que vem consolidada para a revista, é a que a seguir que extractada 

1. O autor é empresário.

2. O réu BANCO BB, S.A. é uma instituição financeira que está autorizada a efectuar a generalidade das aplicações bancárias não vedadas por lei, conforme certidão de fls. 315 a 332 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

3. A ré CC ..., S A é uma sociedade que tem por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas, conforme documentos de fls. 258 a 278 e 334 a 344 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

4. A sociedade GG tem o NIPC …187 e o seu objecto social compreende a compra e venda de imóveis, conforme documentos de fls. 281 a 292 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

5. A sociedade CC - ..., S.A. tem o NIPC …369 e é actualmente denominada HH, …, SA, conforme documentos de fls. 293 a 302 e 306 a 319 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

6. A CC …, S.A. teve a sua sede na Avenida …, em Lisboa entre 19.6.2002 e 11.2.2009, conforme documentos de fls. 258 a 278 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, deles constando, designadamente, que tem o NIPC …373.

7. A GG - Sociedade Imobiliária, S.A. teve a sua sede na Avenida …, em Lisboa entre 3.11.2005 e 11.2.2009, conforme documentos de fls. 281 a 292 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

8. A CC - ..., S.A. teve a sua sede na Avenida …, em Lisboa, entre 16.7.2002 e 26.11.2008, conforme documentos de fls. 293 a 302 e 306 a 319 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, dos quais consta, designadamente, que tem o NIPC …369.

9. DD foi Presidente do Conselho de Administração das sociedades “BANCO BB, SA”, “CC …, S.A.”, “GG - …, S.A.” e “CC - ..., S.A.”, tendo renunciado ao cargo nas três últimas em 19.2.2008, conforme documentos de fls. 258 a 302 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

10. A partir do momento em que a ré “CC …, SA” foi transformada em sociedade anónima (deliberação tomada em 28.5.04 levada a registo em 3.9.04), a forma de obrigar tal sociedade era a seguinte:

a) com a assinatura de dois administradores;

b) pela assinatura de um administrador e um mandatário ou procurador;

c) pela assinatura do administrador-delegado;

d) pela assinatura de um único administrador em actos e contratos relativamente aos quais tal tenha sido expressamente deliberado, conforme documentos de fls. 258 a 278 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

11. O Presidente do Conselho de Administração DD foi designado administrador delegado da “CC …, SA” por deliberação tomada em 30.09.04 e levada ao registo em 29.12.04, conforme documentos de fls. 258 a 278 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

12. O autor procedeu à abertura e movimentação de depósitos a prazo e à ordem na ré “BANCO BB, S.A.”, nomeadamente, o depósito à ordem número …001, domiciliado no balcão de Braga do BANCO BB (Balcão …020).

13. O autor assinou a ficha de assinaturas particulares para abertura de conta no BANCO BB, conforme documento de fls. 113 e 116 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

14. E subscreveu ainda, em 13.01.2003, um documento que constitui uma ficha de assinaturas particulares do “II …” de fls. 117 a 119 e cujo teor se dá por integralmente

15. O autor transferiu as suas economias para o “BANCO BB, SA” no dia 5 de Maio de 2003, por insistência do seu director coordenador, FF.

16. O autor assinou, em branco, a "ficha de assinaturas - particulares", para abrir conta de depósitos à ordem no BANCO BB.

17. E apenas por solicitação e insistência dos representantes deste.

18. E assinou, também em branco e sem a percepção nem consciência de que se tratava dum documento relativo a um banco ou filial offshore o documento aludido em 14.

19. O autor nunca fez qualquer aplicação na bolsa, nem adquiriu a nenhum banco qualquer produto diverso dos depósitos a prazo e era avesso a esse tipo de aplicações, sempre tendo colocado as suas economias em depósitos a prazo.

20. O que era do conhecimento do BANCO BB.

21. No ano de 2004, um administrador do BANCO BB deslocou-se a Braga, acompanhado do FF, para reunir com o autor, como reuniu, manifestando-lhe o interesse do BANCO BB em transmitir-lhe acções que o Banco detinha no capital da “CC - …, S. A.”.

22. E solicitando-lhe que as adquirisse.

23. Com data de 15.06.2004, o autor assinou e endereçou à "CC - ..., SA" a carta que consta de fls. 244 dos autos, na qual se propõe adquirir acções do capital social desta empresa até ao valor de "7.250.000,00", pondo como condição que esta assuma que "até Junho de 2006" lhas recompre pelo mesmo valor "sem qualquer penalização ou imposto", "com um rendimento liquidado calculado e pago nunca inferior a 5,25% liquido de impostos", e, com data de 18.06.2004 o autor recebeu da "CC" a carta que consta de fls. 245 dos autos, na qual a mesma assume o compromisso de comprar ao autor as 2.636.364 acções, pelo valor de € 2,75 cada, "acrescido de um rendimento líquido calculado à taxa de 4,75% a.a.".

24. Com data de 23.11.2004, o autor recebeu da "CC" a carta que consta de fls. 246 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual esta assume o compromisso de comprar ao autor as 2.185.601 acções, pelo valor unitário da compra, "acrescido de um rendimento líquido calculado à taxa de 4,75% a.a.", carta esta que está escrita em papel timbrado da "CC …, S.A.", e firmado com o selo branco do BANCO BB;

25. Com data de 6.06.2005, o autor recebeu da "CC" a carta que consta de fls. 247 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual esta assume o compromisso de comprar ao autor as 537.715 acções, pelo valor unitário da compra, "acrescido de um rendimento líquido calculado à taxa de 4,75% a.a.".

26. Com data de 23.08.2005, o autor recebeu da "CC" a carta que consta de fls. 248 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual esta assume o compromisso de comprar ao autor as 821.429 acções, pelo valor unitário da compra, "acrescido de um rendimento líquido calculado à taxa de 4,75% a.a.", carta esta que está escrita em papel timbrado da "CC …, S.A.".

27. Vencendo-se estas primeiras quatro aplicações no dia 28 de Junho de 2006.

28. Nesse dia 28 de Junho de 2006, o autor aceitou que o capital dessas aplicações e o respectivo juro, no valor global de 17.381.659,70 €, fossem aplicados na subscrição de acções, e autorizou que a sua conta de depósitos à ordem fosse debitada de mais 2.618.340,30 €, para completar o montante de 20.000.001,90 € aplicado pelo autor na designada subscrição de 6.578.948 de acções da CC - ..., S.A.

29. Tendo o BANCO BB retirado da conta de depósitos à ordem do autor € 20.000.001,90 (vinte milhões e um euro e noventa cêntimos).

30. Naquela data, o autor e o BANCO BB acordaram que a aplicação seria remunerada à taxa líquida anual de 5% (cinco por cento) e vigoraria por dois anos.

31. Aquando da deslocação a Braga do administrador do BANCO BB, referida em 21 e 22, este garantiu ao autor que a transmissão, para si, das acções aí referidas era uma aplicação substancialmente igual a depósitos a prazo, em especial quanto ao prazo e à sua remuneração [[1]].

32. Esta remuneração ficava estabelecida através duma taxa de juros mínima pré-fixada e líquida.

33. E o BANCO BB assumia o compromisso expresso de recomprar as acções na data acordada, pelo valor da compra, pagando ao autor juros sobre esse valor e pelo período correspondente, à taxa que ficasse pré-estabelecida.

34. E por ter ficado convencido de que estava perante uma modalidade de aplicação do seu dinheiro cuja substância não diferia dos depósitos a prazo e apenas devido à garantia que lhe foi dada de que se tratava de uma aplicação substancialmente igual a depósitos a prazo, o autor consentiu em que lhe fossem transmitidas as acções referidas em 23 a 26.

35. Tendo assinado e endereçado à CC as cartas referidas em 23 a 26.

36. Sem tal garantia o autor nunca aceitaria o negócio, o que o BANCO BB sabia.

37. O autor subscreveu a carta, datada de 2007.03.30, e entregue ao BANCO BB que se encontra junta como documento de fls. 44 e aqui dada por reproduzida na íntegra, endereçada à “CC- ..., SA” e dirigida aos “Exmos. Senhores Doutores DD e JJ”, “conforme reunião havida comigo e Vossas Exas no sentido de poder adquirir acções do capital social da CC – ..., S.A.” propondo-se adquirir acções até ao valor de € 8.750.002,30, pondo como condição que “essa entidade que Vossa Exa. preside assuma que em 2010.04.05 as recompra pelo mesmo valor … sem qualquer penalização ou imposto para AA readquirindo-as nessa data se o detentor as pretender vender com um rendimento líquido calculado e pago a favor de AA de 5,75% líquido de impostos a.a….”.

38. Foi dirigida ao autor a carta, datada de 2007/04/03, que se encontra junta como documento de fls. 45 a 47 e aqui se dá por reproduzida na íntegra, passada em papel timbrado da Ré “CC ...” e assinada pelo Presidente do seu Conselho de Administração DD, na qual se diz “Conforme o pedido através da carta datada de 2007.03.30 bem como o acordado com V. Exa na reunião realizada e na sequência da subscrição de 2.611.941 acções escriturais e nominativas … representativas do capital social da CC – …, de que é titular, e que se encontram depositadas na nossa conta de valores mobiliários escriturais, informamos que à data de 05.Abr.2010 … tem direito de opção a uma das seguintes modalidades: … 2. Venda das acções adquiridas …”. “3. Se a opção for a venda, a CC-…, SA, ou quem esta indicar, obriga-se a adquiri-las nas condições indicadas nos números seguintes”, estabelecendo-se o “preço global de € 10.283.135,57 (…), que corresponde a uma valorização líquida de 5,75% a.a….”.      

39. O autor subscreveu a carta, datada de 2007.06.30, e entregue ao BANCO BB que se encontra junta como documento de fls. 48, aqui dada por reproduzida na íntegra, dirigida à “CC- ..., SA”, que contém os mesmos dizeres acima transcritos em 37.

40. Foi dirigida ao autor a carta, datada de 2007/07/02, que se encontra junta como documento a fls. 49 a 51 e aqui se dá por reproduzida na íntegra, passada em papel timbrado da Ré “CC” e assinada pelo Presidente do seu Conselho de Administração DD, que contém os mesmos dizeres acima transcritos em 38.

41. O autor subscreveu a carta, datada de 2007.09.10, e entregue ao BANCO BB que se encontra junta como documento de fls. 52, aqui dada por reproduzida na íntegra, dirigida à “CC - ..., SA”, que contém os mesmos dizeres acima transcritos em 37.

42. Foi dirigida ao autor a carta, datada de 2007/09/18, que se encontra junta como documento de fls. 53 a 55 e aqui se dá por reproduzida na íntegra, passada em papel timbrado da Ré “CC” e assinada pelo Presidente do seu Conselho de Administração DD, que contém os mesmos dizeres acima transcritos em 38.

 43. O autor subscreveu a carta, datada de 2007.11.23, e entregue ao “BANCO BB” que se junta como documento de fls. 56, aqui dada por reproduzida na íntegra, dirigida à “CC - ..., SA”, que contém os mesmos dizeres acima transcritos em 37.

44. Foi dirigida ao autor a carta, datada de 2007/11/27, que se encontra junta como documento de fls. 57 a 59 e aqui se dá por reproduzida na íntegra, passada em papel timbrado da Ré “CC” e assinada pelo Presidente do seu Conselho de Administração DD que contém os mesmos dizeres acima transcritos em 38.

45. Com data-valor de 4.4.2007 e conforme fora acordado, o “BANCO BB” retirou da conta de depósitos à ordem do autor o montante de € 8.750.002,30 (oito milhões setecentos e cinquenta mil e dois euros e trinta cêntimos).

46. Com data-valor de 2.7.2007 e conforme fora acordado, o “BANCO BB” retirou da conta de depósitos à ordem do autor o montante de € 3.599.997,10 (três milhões quinhentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e sete euros e dez cêntimos).

47. Com data-valor de 18.09.2007 e conforme fora acordado, o “BANCO BB” retirou da conta de depósitos à ordem do autor o montante de € 4.000.000,50 (quatro milhões de euros e cinquenta cêntimos).

48. Com data-valor de 3.12.2007 e conforme fora acordado, o “BANCO BB” retirou da conta de depósitos à ordem do autor o montante de € 1.750.006,50 (um milhão setecentos e cinquenta mil e seis euros e cinquenta cêntimos).

49. Foi também devido ao convencimento e garantia referidos em 34 que o autor consentiu que lhe fossem transmitidas as acções referidas em 37 a 44. [[2]]

50. O autor limitou-se a subscrever os documentos que lhe foram apresentados pessoalmente pelo gerente do BANCO BB de Braga, KK, documentos que eram trazidos de Lisboa pelo JJ, que os entregava ao FF, expedindo-os este, pelo correio, para aquele gerente de Braga.

51. E por instrução daqueles.

52. Entregando-lhes as cartas elaboradas por eles.

53. Sempre sob invocação do interesse do BANCO BB.

54. Sempre com a garantia de que se tratavam de aplicações que substancialmente constituíam depósitos a prazo e com conhecimento pelo BANCO BB de que tal era uma condição essencial do negócio.

55. Sempre com prazo fixo de vigência.

56. E sempre com garantia de remuneração e com efectivo pagamento de uma taxa de juros líquida fixa sobre o capital aplicado.

57. Devido à confiança que depositava no BANCO BB, o autor nunca prestou grande atenção ao conteúdo dos diversos documentos que, nas circunstâncias referenciadas, lhe foram sendo apresentados pelos seus representantes.

58. Ao contrário do que consta naqueles documentos, o autor nunca reuniu com o DD sobre esta matéria.

59. O autor nunca teve nenhum relacionamento, nem dialogou com os representantes “CC - ..., SA”, a quem eram endereçadas.

60. O autor nunca teve qualquer relacionamento ou reuniões com representantes da ré “CC …, S.A.”.

61. E não pretendeu adquirir as acções da “CC - ..., S A” e da “CC - …, SA” identificadas em 23 a 26 e 37 a 44 [[3]].

62. Se o autor tivesse previsto a hipótese de os negócios acima referidos de 23 a 26 e de 37 a 44 que celebrou com o BANCO BB não constituíssem verdadeiros depósitos a prazo, não aceitaria formalizá-los, e teria exigido que fossem formalizados, como depósitos a prazo [[4]].

63. O que o BANCO BB teria querido e aceitaria.

64. Nas datas em que os quantitativos aludidos em 45 a 48 foram retirados da sua conta de depósitos à ordem, nem o BANCO BB nem a CC eram titulares das acções transaccionadas e que só depois dessas datas foram formalmente lançadas pelo BANCO BB numa carteira de títulos do autor.

65. No dia 18 de Setembro de 2008, numa reunião que manteve na sede do BANCO BB com o Presidente do Conselho de Administração do Banco, LL, e com o seu Administrador, MM, o autor, aceitou manter essa aplicação e o correlativo acordo "em vigor até 05 de Abril de 2010, sendo-lhe pagos os juros contados (...) e alterando-se o rendimento líquido nele previsto que, desde 28 de Junho de 2008", passaria "a ser calculado à taxa líquida de 6,25% ao ano".

66. O autor, no dia 6 de Outubro de 2008, enviou ao LL, para a sede do BANCO BB, a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 37, solicitando-lhe o envio de documento para formalizar o que tinha sido acordado na reunião referida em 28., propondo para esse documento a redacção que consta de fls. 120 e 121, que se dão aqui por reproduzidos.

67. Em resposta a essa interpelação, o BANCO BB enviou ao autor a carta datada do dia 10 de Outubro de 2008, cuja cópia se encontra junta a fls. 38 e 39, subscrita pelos Administradores MM e NN e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, aí se afirmando que o Banco quanto às acções referidas em 2. (as supra referidas em 65) “assume o cumprimento pontual do compromisso em causa” e “Quanto às acções referidas em 3 (as acima referidas de 37-44) o BANCO BB tudo fará para que tais compromissos sejam pontual e integralmente cumpridos”, acrescentando-se “Relativamente às restantes 8 210 307 acções não existe qualquer compromisso da parte do BANCO BB”.    

68. O autor entendeu aquela carta, de fls. 38 e 39, como expressão do que tinha sido acordado e transmitiu essa sua posição ao Presidente do BANCO BB, conforme documento de fls. 40 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

69. O autor aceitou o aludido em 65 apenas pelo facto do BANCO BB, representado pelos referidos Presidente e Administrador, ter reconhecido expressamente que todas as aplicações que o autor detinha no Banco eram verdadeiros depósitos a prazo [[5]].

70. E de se ter comprometido a colocar à ordem do autor, na data dos respectivos vencimentos, o capital e os juros de outras aplicações de natureza idêntica que, naquela data e ao contrário da primeira aplicação, ainda não estavam vencidas.

71. O BANCO BB, com data-valor de 4.08.2010, transferiu para a conta de depósitos à ordem que nele mantém o autor a quantia de € 22.663.196,62, correspondente ao capital e juros remuneratórios, à taxa líquida de 6,25%.

72. No dia 22 de Abril de 2009, o autor enviou ao BANCO BB a carta que cuja cópia se encontra junta como documento de fls. 242, repudiando depósitos realizados no BANCO BB Cayman, feitos sem o seu consentimento e cuja existência desconhecia, exigindo que a anomalia fosse corrigida de imediato.

 73. Foi dirigida ao autor, com data de 7.05.2009, carta em papel timbrado do BANCO BB, contendo nota de lançamento com o teor do documento de fls. 243 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

74. No dia 12 de Janeiro de 2010, o BANCO BB enviou ao autor a carta que consta de fls. 14, em que afirmava que "tem procurado [...] sensibilizar a referida CC …, S.A. para a necessidade de cumprir pontualmente os compromissos formalmente assumidos perante V.Exª. não podendo, porém, ultrapassar as limitações óbvias de quem não possui o controlo das decisões de uma entidade terceira" e que "continuará a efectuar todos os seus melhores esforços no sentido de influenciar, na medida do que lhe for possível, aquela Sociedade como é o caso da referida “CC …, S.A.”, anexando a essa carta cópia duma outra que, no dia 6 de Janeiro de 2010, enviou à “CC …, S.A.”, através da qual "insta" esta sociedade "ao necessário cumprimento pontual das obrigações financeiras assumidas" por ela, conforme documento de fls. 15 e 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

75. No dia 31 de Março de 2010, a ré “BANCO BB, SA” celebrou com a CC …, S.A. o "contrato de mútuo com penhores financeiros e de créditos" mediante o qual lhe concedeu um empréstimo de € 140.000.000,00 (cento e quarenta milhões de euros), “para liquidação de responsabilidades da MUTUÁRIA perante os subscritores de Papel Comercial, emitido pela mesma, cuja obrigação de reembolso se venceu em 19/06/2009 e 04/08/2009” exigindo-lhe e obtendo "para garantia de todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas ao BANCO BB pela MUTUÁRIA no âmbito do presente contrato de empréstimo” o penhor de todo o património da CC …, S.A., no que se incluíam 149.089.202 acções escriturais nominativas, representativas de 31,66% do capital social da sociedade “CC – ... SA … registadas na conta de valores mobiliários escriturais aberta pela MUTUÁRIA junto do BANCO BB”, conforme documento de fls. 60 a 75 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

76. Em 2008, o capital social da então “CC, …, SA” era no valor de € 470.925.000,00 e a sua situação líquida era no valor de € 317.845.000,00, conforme documento de fls. 189 a 191 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

77. Nesta data, o capital próprio da “CC ..., SA” era de € 187.397.569,00 e o valor do seu activo era de € 327.056.224,00, conforme documento de fls. 189 a 191 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

78. O autor participou na reunião da assembleia geral da então “CC, …, SA” tida em 26.05.2006, exercendo direitos de voto correspondentes a 3.757.737 acções, conforme documentos de fls. 124 a 154 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

79. Em Julho de 2008, no âmbito da chamada "operação cabaz", o autor participou num aumento de capital da então “CC, ..., SA” e numa alienação de acções próprias pela mesma sociedade, tendo preenchido um documento de subscrição, cuja cópia consta de fls. 155 a 156 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

80. O autor participou ainda na reunião da assembleia geral da então “CC, ..., SA” tida em 18.12.2008, exercendo direitos de voto correspondentes a 19.466.908 acções, conforme documentos de fls. 157 a 186 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

81. O autor esteve presente nas reuniões da Assembleia Geral da “CC - ..., SA” que tiveram lugar nos dias 26 de Maio de 2006 e 18 de Dezembro de 2008, apenas por iniciativa e a pedido do “BANCO BB”.

82. Sem, de facto, ter qualquer interesse nessa participação nem verdadeiro conhecimento das matérias em discussão.

83. Na primeira reunião, o autor esteve sempre acompanhado pelos FF e JJ, votando conforme estes decidiram.

84. Na segunda reunião, o FF foi impedido de entrar na sala, onde, todavia, esteve presente o JJ, cujo sentido de voto o autor seguiu.

85. O autor assinou as folhas de presença dessas reuniões sem que tivesse prestado a menor atenção ao conteúdo das mesmas.

84. No âmbito dos contactos subsequentes à interpelação para cumprir o contratado, o LL, que, então, presidia à Administração do BANCO BB, convenceu o autor, numa reunião que manteve com ele, e para a qual o convocou, de que era essencial a sua participação na "operação cabaz", - que se destinava a realizar 300 milhões de euros, de que o BANCO BB necessitava -, argumentando que seria chamado ao Banco de Portugal se ele, autor (atento o volume dos depósitos que mantinha no Banco), não participasse nessa operação.

85. O autor jamais desejou celebrar com a ré CC os contratos aludidos em 37 a 44. 

86. A CC contestante também jamais quis celebrar com o autor tais contratos [[6]].

87. Tais contratos foram efectuados pelo DD como forma de remunerar depósitos de clientes do Banco BANCO BB.

88. E de modo a permitir que estas operações não constassem do balanço do banco “BANCO BB”, a cujo Conselho de Administração presidia.

89. E a escondê-las das entidades supervisoras, como o Banco de Portugal ou a CMVM.

90. Através daquele ou deste estratagema, o valor dos depósitos e os juros acordados deixavam de constar do passivo do Banco.

91. E também não figuravam nas contas do balanço da ré CC.

92. O DD nunca submeteu tais contratos à deliberação anterior, coeva ou posterior de qualquer órgão social da CC.

93. O BANCO BB era determinado e presidido pelo DD como este bem entendia.

94. O valor real das acções já era à data e continua a ser inferior ao nominal.”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Nulidade do acórdão, por conhecimento de pedido diferente do que fora formulado pelo demandante.

Acoima, o recorrente, a decisão revidenda de nula por (sic): “O douto acórdão recorrido, ao condenar o banco recorrente no pagamento ao autor das importâncias pecuniárias que este não venha a receber da Ré "CC ..., SA”, proferiu decisão que condena em objecto diferente do pedido, ou seja, proferiu condenação extra vel ultra petitum.

Já que, se é verdade que o autor havia peticionado a condenação do banco nos montantes de € 18.100.004,40, acrescidos de juros calculados à taxa convencionada de € 4.136.928,87, e juros de mora vencidos e vincendos, esse pedido era no sentido da condenação imediata, e em primeira linha, quer o seu fundamento fosse o dolo que estivesse na base do erro do autor e consequente anulação dos negócios inerentes às aplicações nºs 2 a 5, quer fosse a responsabilidade civil decorrente da violação dos deveres de protecção, lealdade e informação a que estaria obrigado.

E mesmo quando pedida também a condenação da ré “CC ..., SA”, a condenação do banco recorrente era peticionada em regime de solidariedade com aquela co-ré (pese embora se desconheça fundamento legal onde possa ser estribada essa solidariedade).

E tal era naturalmente devido ao entendimento do autor, assente na descrição factual que integra a causa de pedir apresentada, que o banco recorrente era de imediato também responsável para com ele, independentemente de a co-ré “CC ..., SA” cumprir ou deixar de cumprir o contrato de opção de venda e de opção de compra que com ele tinha celebrado.

A douta decisão ora recorrida, contudo, veio a condenar o banco recorrente mantendo os fundamentos da sua responsabilidade pela violação dos deveres de protecção, lealdade e de informação para com o autor, mas alterando qualitativamente a natureza dessa condenação, designadamente tornando-a subsidiária.

Acresce ainda que, enquanto no pedido formulado pelo autor, os danos alegadamente sofridos por ele eram danos certos e actuais, na condenação que veio a ser proferida no douto acórdão recorrido os danos tidos em conta são já danos futuros, incertos quer quanto à sua existência, quer quanto ao seu montante, quer, finalmente, quanto ao tempo da sua verificação.

Há pois, como dito acima, condenação em objecto diferente do que vinha peticionado pelo autor.

Tanto mais que, sendo o Banco condenado, solidariamente, com a co-ré CC..., SA, era o mesmo remetido para o domínio das relações entre si e a co-ré acima mencionada, em termos do exercício do direito de regresso, caso fosse interpelado para pagar imediatamente pelo autor.

Enquanto que, nos termos em que a decisão recorrida foi proferida, o banco recorrente é condenado apenas após se esgotarem as hipóteses de ver cumprido pela co-ré CC ..., SA os contratos celebrados com o autor.

E, nessa eventualidade, prejudicada estará qualquer possibilidade prática de obter, por via do direito de regresso exercido sobre aquela sociedade, o que tiver que liquidar ao autor, a título de responsabilidade civil.

A lei alanceia e sanciona com a injunção negativa de nulidade a decisão em que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 607.º e 608º do Código Processo Civil – e para além  dos limites que lhe são impostos – cfr. artigo 609.º do Código Processo Civil.

As nulidades da sentença conectam-se, inextricavelmente, com a estruturação/formação de uma decisão/resolução judicial – cfr. artigo 607.º do Código Processo Civil  

Na formatação conceptual-constitutiva de uma decisão judicial reverberam os princípios basilares e estruturantes-materiais do direito processual penal e que malgrado a elasticidade funcional-pragmática com que os vão moldando e erodindo ainda conservam um inarredável referente jusprocessual na hora de definir funções axiais do processo.

Neste âmbito, sobressai o princípio dispositivo que soe ser definido pela doutrina como o referente conformador e delimitador da actividade das partes tanto quanto ao estímulo da função judicial como da aportação dos materiais probatórios sobre os quais há-de versar a decisão do juiz. A vigência deste princípio manifesta-se pela: i) a iniciativa do procedimento adrede só pode ser desencadeada por um sujeito (singular ou colectivo e/ou institucional, por exemplo, neste caso, o Ministério Público) - (nemo iudex sine actore; ne procedat iudex ex oficio); ii) após o inicio do procedimento o tribunal deixa de dispor o poder de determinar a sorte da acção, v. g. da sua materialidade jurídica ou substantiva (direito controvertido), cabendo às partes a possibilidade de modificação ou extinção da relação jurídico-material que se discute no procedimento; iii) a iniciativa processual, isto é, o despoletamento e desenvolvimento dos termos, momentos e períodos processuais em que se a lide se cadencia e repercute fica dependente do impulso processual que as partes queiram propinar ao procedimento; iv) às partes cumpre definir, expressar e delimitar o que pretendem que o tribunal decida e resolva para uma solução do caso litigioso em que as partes pleiteiam e nessa delimitação/definição se conleva a capacidade de cognoscibilidade em que o tribunal tem de conter e percintar; v) na decorrência do impulso e iniciativa inerentes ao principio do dispositivo caberá às partes aportarem para o processo todos os elementos perceptivos e de compreensão da existência (real, razoável e plausível) dos factos em que sustentam e baseiam a radicação do direito que se arrogam.     

Nas palavras da Conselheira, Mariana França Gouveia [[7]], “o princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público, neste âmbito, limita-se à correta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas. Assim, o exacto limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a acção (e de se defender), como delimitam o seu objecto.

O princípio dispositivo traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da acção, sobre os exactos limites do seu objecto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às excepções peremptórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transaccionar).

No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão.

O princípio dispositivo é, repito, uma consequência do respeito pela propriedade privada e liberdade das partes em agir privadamente, em nada se relaciona com uma visão retrógrada do processo civil, pelo contrário, é um princípio que existe em todos os ordenamentos jurídico-processuais ocidentais democráticos.

(…) Na senda da tradição ocidental, Montero Aroca define claramente a importância do princípio dispositivo como consequência directa da natureza privada do direito subjectivo cuja tutela se pede.

Desse princípio decorrem as diversas e importantíssimas regras já referidas: a actividade judicial só pode iniciar-se a pedido das partes; a fixação do objecto do processo cabe exclusivamente às partes; os tribunais, quando chamados a decidir, têm de fazê-lo nos limites das pretensões formuladas; as partes podem terminar o processo caso acordem nesse sentido.

(…) Permitiria ao juiz julgar o que lhe apetece e não o que lhe é pedido.”

Em definitivo, o principio dispositivo inculca e injunge a significação de que corresponde às partes iniciar o juízo formulando a demanda e proporcionar os elementos para a sua decisão (petição, contestação, aportação de provas, alegações de direito, após a produção de prova em audiência de julgamento), o que vale dizer que a iniciativa de todos os actos em que o processo se tramita e desenvolve e ainda que o juiz deve ater-se exclusivamente à actividade externa e forânea, vale dizer externas ao poder de conformação do tribunal, sem a este seja permitido tomar iniciativas destinadas reconhecer a veracidade da factualidade aportada, aduzindo elementos que a possam confirmar ou infirmar. [[8]]

Decorre do enunciado princípio – conexionado com os subprincípios da alegabilidade dos factos e da formulação do pedido – que o processo se deve desenvolver segundo um ritual e uma cadência estrutural devendo os actos judiciais cumprir no processo uma função pré-estabelecida e estando pré-ordenados à consecução de um determinado resultado, qual seja o de concitar a prolação de uma decisão com força e autoridade jurisdicional que defina um direito litigioso. A decisão proferida deve, como se dessume do que vem expendido, conter-se dentro dos limites do direito rogado e em congruência com os factos alegados e as provas aportadas pelas partes. [[9]]

A congruência – princípio adoptado de forma expressa no ordenamento jurídico processual espanhol (cfr. artigo 218.º da Lei de Enjuiciamento Civil) – enquanto princípio referente ao desenvolvimento do processo, expressa os limites do juízo jurisdicional, isto é, o âmbito que se deve alcançar e que a sentença não deve ultrapassar, fundamentalmente no aspecto do pronunciamento do veredicto, mas também no intelectual e lógico (fundamentos da decisão). O mencionado principio, que no ordenamento jurídico processual indígena colhe assento nos artigos 264.º e 661.º do Código Processo Civil, desdobra-se em três vertentes ou assume-se como polarizador de três proposições paradigmáticas, a saber: adequação da sentença às pretensões das partes, de maneira que aquela dê arrimada resposta a todas estas; correlação entre as petições de tutela e os pronunciamentos da decisão; harmonia entre o solicitado e o decidido.

A congruência de uma sentença atina com uma qualidade que se refere, não à relação entre si das distintas partes e elementos da sentença, mas sim à relação da sentença com a pretensão dos litigantes. Uma sentença é congruente na medida em que decide na coerência interna do processo e é incongruente, ainda que revelando coerência na sua argumentação lógico-racional, se se afasta da estrutura performativa que resulta ou decorre da composição de interesses postos em tela de juízo na causa.

Podem ocorrer incongruências quando na sentença deixam de se fazer declarações que as pretensões exigem ou omitem declarações ou decisões sobre pontos litigiosos. A doutrina alemã e austríaca falam, neste caso, no chamado “instituto do procedimento da integração”. Neste caso, se ocorre omissão de pronúncia não existe violação do princípio da congruência ou seja que a sentença não deve taxar-se de incongruente. Do que se trata é de uma sentença incompleta e o que haverá é que completá-la, mediante petição da parte. Segundo uma corrente chamar-se-ia a este vício “incongruência omissiva”, em violação do que se chama princípio da exaustividade.       

A regra ou princípio da incongruência ou incoerência, que, itera-se, deve cumprir-se entre as alegações de facto, não se aplica relativamente às alegações de direito da acção ou da contestação, já que pode ocorrer divergência e desconformidade entre estas alegações e a decisão, por o tribunal não estar sujeito e vinculado às alegações jurídicas ou indicações normativas que as partes forneçam. Na verdade o tribunal está vinculado ao fundamento, não pela fundamentação, e a fundamentação inclui não só a forma de apresentar os argumentos, mas também os concretos elementos jurídicos aduzidos: os preceitos legais e os princípios jurídicos citados e o entendimento que deles as partes fazem. Consubstancia-se neste procedimento a regra “iura novit curia” – o tribunal conhece do direito e isto porque o direito não tem que ser provado; o tribunal pode e deve aplicar o direito que conhece como estime mais acertado, desde que se atenha á causa de pedir, que dizer, ao genuíno fundamento – não à fundamentação – da pretensão. O pressuposto da correcta aplicação da regra “iura novit curia”é duplo: i) que o tribunal respeite, na sua essência a causa petendi da pretensão do litigante; ii) que os demais litigantes tenham podido, do mesmo passo que o tribunal, conhecer e afrontar esse genuíno fundamento da pretensão, o que equivale à observância dos princípios da igualdade das partes e da audiência ou do contraditório.      
A lei delineia e modela a estrutura da sentença – cfr. artigo 607.º do Código Processo Civil - pontuando as partes em que se estrutura e as questões que deve apreciar e decidir. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de ervar o acto de nulidade.
Concretamente apela a recorrente para o vício contido na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil que, preceituam respectivamente, que: “d) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art.º 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito [[10]]. O dever imposto no art.º 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado [[11]]. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito [[12]]. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos [[13]] – embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes [[14]] –, de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.”

Tendo como elementos rectores da apreciação da aludida nulidade, o que acaba de ser expresso, importará revisitar o elenco de pedidos – amálgama de pedidos, diriamos com mais propriedade, dada a cacofonia de erupções e exorações discricionárias por que pervaga o petitório, revelador de quem não conhece o imo jurídico-normativo e material em que se movimenta – por forma a avaliar se as instâncias exorbitaram e divertiram o cânone apreciativo que lhe era imposto pela regra ou norma processual.

Pediu o autor – cfr. fls. 31 a 35 da petição (sic) – que: “A. 1) - se declare que entre ele, Autor e o Réu BANCO BB foram celebrados os negócios referidos na petição inicial como aplicações n.ºs 2 a 5, que constituem contratos de depósito a prazo, com início e vencimento nas datas que ficaram individualizadas;

2) - se condene o Réu BANCO BB a pagar-lhe, em função desses contratos e da mora no respectivo cumprimento, de capital, € 18.100.004,40; de juros remuneratórios líquidos, € 2.843.818,30; de juros de mora vencidos, à taxa de 8% até ao dia 5 de Janeiro de 2011, € 1.293.111,57; e os juros de mora vincendos, desde 5 de Janeiro de 2011, até efectivo pagamento, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais; 

Quando assim se não entenda, e sem conceder:

B. a) - se declare que as referidas aplicações n.ºs 2 a 5 são nulas, por usura do BANCO BB, ou, no mínimo, anuláveis, por dolo deste e erro do Autor, convertendo-as, ao abrigo do disposto no art.º 293.º em contratos de depósito a prazo, nas condições prazo, de capital e juros que ficaram individualizadas; b) - se condene o BANCO BB, em concomitância, a restituir ao Autor de capital, € 18.100.004,40; de juros remuneratórios líquidos, € 2.843.818,30; de juros de mora vencidos, à taxa de 8%, até ao dia 5 de Janeiro de 2011, € 1.293.111,57; e os juros de mora vincendos, desde 5 de Janeiro de 2011, até efectivo pagamento, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais.

Quando assim se não entenda e sem conceder:

C. I) - se declare que o BANCO BB, ao celebrar com o Autor os negócios em referência, ofendeu os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o Autor, por força da relação negocial bancária que com ele mantinha, não o tendo esclarecido com precisão e rigor sobre as implicações dos contratos que promoveu perante ele e, pelo contrário, e a vingar a tese de que se trate de negócios diferentes de simples depósitos a prazo, enganando-o consciente e dolosamente sobre a natureza e consequência de tais negócios;

II) - se declare, em conformidade, que o BANCO BB violou com culpa - como se presume (art.º 799º, 1 CC) - aqueles deveres contratuais, negociais ou obrigacionais a que estava vinculado, constituindo-se na obrigação de o indemnizar, a ele, Autor, por todos os danos que sofreu, a título de responsabilidade contratual – art. 798º CC (ou, quando assim se não entenda, mas sem conceder, a título de responsabilidade aquiliana - art. 483º CC),

III) - seja condenado a pagar-lhe, a ele Autor, a título de indemnização, € 18.100.004,40 de que ficou desapossado e os respectivos juros remuneratórios e compensatórios de € 4.136.929,87, a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vincendos, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, tudo como ficou dito acima.

Quando assim se não entenda e sem prescindir:

D. A) - se declare que os documentos subscritos pelo Autor e pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré CC, por iniciativa e com a intermediação determinante do BANCO BB, consubstanciam contratos de aquisição de acções com a obrigação de recompra, nos prazos e sob as condições de juros e remunerações que ficaram assinalados em relação a cada uma das referidas aplicações n.ºs 2 a 5;

B) - se condene solidariamente a CC, por força de tais contratos, e o BANCO BB, por força da responsabilidade decorrente da violação em que incorreu dos deveres de protecção, lealdade e informação a que devia obediência em função da relação negocial bancária duradoura que mantinha com o Autor, a pagar a este € 18.100.004,40 (dezoito milhões, cem mil e quatro euros e quarenta cêntimos) de capital e os respectivos juros remuneratórios e compensatórios de € 4.136.929,87 (quatro milhões, cento e trinta e seis mil novecentos e vinte e nove euros e oitenta e sete cêntimos), a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vincendos, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, tudo como ficou dito acima.

Na hipótese de vingar a hipótese anterior,

E. - deve declarar-se que o contrato de penhor referido no texto desta petição envolve o desaparecimento ou, quando menos, a diminuição acentuada da garantia patrimonial do crédito do Autor sobre a segunda Ré, e que foi celebrado entre os Réus BANCO BB e CC dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do Autor e com a consciência do prejuízo que tal acto lhe causava; e

- declarar-se tal contrato ineficaz em relação a ele, Autor.”

Os pedidos formulados pelo Autor interconectam-se numa relação subsidiariedade e/ou de complementaridade.  

Na explicitação a que procede entre pedidos alternativos e pedidos subsidiários, Alberto dos Reis, [[15]] refere que “entre estes pedidos subsidiários e aqueles pedidos alternativos - (“A pede que se declare nulo, por simulação, o contrato que B celebrou com C, ou, se assim se não entender, que o mesmo contrato seja rescindido por este sido celebrado em prejuízo dele, credor; A pede que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre determinado terreno de que B está de posse, ou, se assim não for julgado, que lhe seja reconhecido, em benefício de certo prédio seu, o direito de servidão de passagem sobre o mesmo terreno”[Exemplo de pedido subsidiário) “A pede que B seja condenado a cumprir determinado contrato ou a indemniza-lo por perdas e danos por não cumprir; A pede que B lhe entregue ou 10 toneladas de trigo ou 15 toneladas de centeio, conforme se obrigou” [Exemplo de pedido alternativo]) – o único ponto de contacto ou de semelhança é que uns e outros aparecem deduzidos sob forma alternativa: pede-se uma coisa ou outra. Mas nos pedidos subsidiários a alternativa é meramente formal, aparente; na realidade não há alternativa, porque falta a característica essencial da obrigação alternativa: a equivalência das prestações.”

E prosseguindo na distinção, escreve o Preclaro Mestre mais adiante que: “Outra diferença fundamental. Nos pedidos alternativos o réu tem a faculdade de escolher uma das prestações ou um dos pedidos; nos pedidos subsidiários não depende da vontade do réu a procedência duma ou doutra pretensão: o pedido subsidiário é formulado somente para a hipótese de o tribunal não acolher o pedido principal.”

Não é forçoso que o pedido  subsidiário seja apresentado sob a veste alternativa ; pode até afirmar-se que a forma mais correcta é a adversativa.” … “O pedido subsidiário pressupõe um outro a que poderia dar-se a denominação de principal; mas como pedido principal faz pensar em pedido acessório e o pedido subsidiário não tem esse caracter, convirá talvez adoptar esta terminologia: pedido primário e pedido subsidiário ou eventual.” [[16]/[17]]     

Os pedidos tal como se encontram alinhados mantêm, ou consentem, entre si uma relação de subsidiariedade, na medida em que a cognoscibilidade sequente/excludente [em concreto] de cada um deles, fica dependente do decesso/improcedência do antecedente. Ocorre uma situação de exclusão negativa ou supressora, que é pronunciada relativamente a um pedido [o pedido que havia sido formulado na premissa antecedente] e, sucessivamente, de assumpção cognitiva, concomitante ou sucessiva, por a decedura do antecedente fazer prorromper a possibilidade/necessidade de conhecimento do pedido que se segue no elenco do petitório induzido na providência jurisdicional levada ao tribunal.

O tribunal de primeira (1ª) instância depois de enunciar o que, em seu juízo, estava verdadeiramente em causa – “(…) perante o factualismo apurado, afigura-se-nos que importará tratar então do apontado problema autónomo da divergência entre vontade e declaração, pois como invoca o autor, o mesmo subscreveu as aludidas aplicações convencido de que as mesmas se tratariam em tudo semelhante a um depósito a prazo, sendo uma pessoa inexperiente em relação a produtos bancários diferentes dos meros depósitos a prazo” (cfr. fls. 3055) – afastou a possibilidade de o negócio ser nulo por usura, como (subsidiariamente) o autor pediu no item designado pela letra B (fls. 32) e depois lançou-se na análise/apreciação dos pedidos formulados com recurso à anulabilidade do negócio, ao abrigo dos artigos 247.º e 253.º do Código Civil, “conforme também defende o autor, por via subsidiária” (sic – fls. 3056).

Conforme se reconhece no acórdão (reformador) que recaiu sobre a invocação da nulidade do acórdão (principal) a decisão de primeira (1ª) instância – que o tribunal de apelação prosseguiu e acatou, em parte – o pedido (subsidiário) apreciado centrou-se (ainda que o tribunal não tivesse tido o cuidado de ir emitindo pronúncia excludente e ablativa sobre cada um dos pedidos antecedentes) no pedido formulado sob a letra D) – (“D. A) - se declare que os documentos subscritos pelo Autor e pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré CC, por iniciativa e com a intermediação determinante do BANCO BB, consubstanciam contratos de aquisição de acções com a obrigação de recompra, nos prazos e sob as condições de juros e remunerações que ficaram assinalados em relação a cada uma das referidas aplicações n.ºs 2 a 5;

B) - se condene solidariamente a CC, por força de tais contratos, e o BANCO BB, por força da responsabilidade decorrente da violação em que incorreu dos deveres de protecção, lealdade e informação a que devia obediência em função da relação negocial bancária duradoura que mantinha com o Autor, a pagar a este € 18.100.004,40 (dezoito milhões, cem mil e quatro euros e quarenta cêntimos) de capital e os respectivos juros remuneratórios e compensatórios de € 4.136.929,87 (quatro milhões, cento e trinta e seis mil novecentos e vinte e nove euros e oitenta e sete cêntimos), a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vincendos, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, tudo como ficou dito acima.

Para este pedido decidiu o tribunal de apelação, em consonância com o decidido em primeira (1ª) instância, (sic): “a anulabilidade das referidas aplicações nºs 2 a 5, por dolo do Réu BANCO BB e erro do Autor;  - que o BANCO BB, ao celebrar com o Autor os negócios em referência, ofendeu os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o Autor, por força da relação negocial bancária que com ele mantinha não o tendo esclarecido com precisão e rigor sobre as implicações dos contratos que promoveu perante ele, enganando-o consciente e dolosamente sobre a natureza e consequência de tais negócios; - e, em conformidade, que o BANCO BB violou com culpa aqueles deveres contratuais, negociais ou obrigacionais a que estava vinculado, constituindo-se na obrigação de indemnizar o Autor por todos os danos que este sofreu, a título de responsabilidade contratual; - tendo em consequência, condenado o Réu BANCO BB a pagar ao Autor, a quantia de € 18.100.004,40 de que este ficou desapossado e os respectivos juros convencionados no valor € 4.136.929,87, a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%; e o Autor a restituir as acções objecto das aplicações em questão, tendo absolvido as demandadas do demais peticionado”, vindo a revogar, parcialmente, a decisão impugnada, condenou(…) o Banco Apelante a pagar ao Autor as importâncias pecuniárias que este não venha a receber da Ré “CC ..., S.A.”, tendo em conta o que supra se deixou referido no ponto 4.”

Escandindo o pedido do autor formulado sob a letra D), teríamos que, i) fosse declarado que os documentos subscritos pelo Autor e pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré CC, por iniciativa e com a intermediação determinante do BANCO BB, consubstanciam contratos de aquisição de acções com a obrigação de recompra, nos prazos e sob as condições de juros e remunerações que ficaram assinalados em relação a cada uma das referidas aplicações n.ºs 2 a 5; ii) que se condenasse, solidariamente, a CC, por força de tais contratos, e o BANCO BB, por força da responsabilidade decorrente da violação em que incorreu dos deveres de protecção, lealdade e informação a que devia obediência em função da relação negocial bancária duradoura que mantinha com o Autor, a pagar a este € 18.100.004,40 (dezoito milhões, cem mil e quatro euros e quarenta cêntimos) de capital e os respectivos juros remuneratórios e compensatórios de € 4.136.929,87 (quatro milhões, cento e trinta e seis mil novecentos e vinte e nove euros e oitenta e sete cêntimos), a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vincendos, à taxa legal aplicável às dívidas comerciais.

Por sua vez a decisão recorrida (no eito da prolatada em primeira (1ª) instância), i) declarou a anulabilidade das referidas aplicações nºs 2 a 5, por dolo do Réu BANCO BB e erro do Autor; ii) que o BANCO BB, ao celebrar com o Autor os negócios em referência, ofendeu os deveres de protecção, lealdade e informação a que estava adstrito para com o Autor, por força da relação negocial bancária que com ele mantinha não o tendo esclarecido com precisão e rigor sobre as implicações dos contratos que promoveu perante ele, enganando-o consciente e dolosamente sobre a natureza e consequência de tais negócios; iii) e, em conformidade, que o BANCO BB violou com culpa aqueles deveres contratuais, negociais ou obrigacionais a que estava vinculado, constituindo-se na obrigação de indemnizar o Autor por todos os danos que este sofreu, a título de responsabilidade contratual; iv) condenado o Réu BANCO BB a pagar ao Autor, a quantia de € 18.100.004,40 de que este ficou desapossado e os respectivos juros convencionados no valor € 4.136.929,87, a que acrescem, a partir de 5 de Janeiro de 2011, juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%; e o Autor a restituir as acções objecto das aplicações em questão, tendo absolvido as demandadas do demais peticionado.”     

A decisão da primeira (1ª) instância declarou a anulabilidade da operação referente às aplicações 2 a 5, por infracção dos deveres (axiais) de lealdade, correcção, protecção e informação que devem guiar os intermediários financeiros na relação comercial que encetam com os seus intermediados, fazendo derivar desse procedimento desviado e irregular a condenação dos demandados.

Deve assinalar-se que a petição não é um compêndio de bem alegar e bem peticionar. Não se procederá, aqui e agora, por não ser o local e o momento adequados, a uma exegese da petição – que não contém factos para os pedidos que formula – mas, para a questão que vem suscitada diremos que o tribunal curou de suprir a falta de acribologia jusprocessual e jurídica que a peça processual (inicial) evidenciava.

Na verdade, o autor não podia pedir a condenação dos demandados a pagar-lhe o equivalente ao capital investido no “papel comercial” da sociedade CC, por intermediação do BANCO BB, sem que, pela conduta dolosa e infraccional assacada e imputada ao demandado banco (intermediário), o acto gerador da condenação não fosse merecedor de uma injunção jurídica derrogante, maxime de uma pronúncia que declarasse o negócio gerador da responsabilidade de retorno das quantias entregues (prestadas) de nulo, ou anulável, por na sua génese ter estado um comportamento contaminado e/ou ervado de presciência intelectual e voluntarista deformada/dolosa.     

Em sã desinência da alegação do demandado – cfr. artigos 116 a 119 da petição inicial – o autor deveria ter pedido a condenação da demandada, por incumprimento culposo do contrato de aquisição de acções com opção de venda que havia sido compactuado entre a “CC … – ...” e o autor, por intermediação do BANCO BB. Aliás o autor refere precisamente essa figura – quando na petição pretende alinhar uma configuração factual que substancie o pretensão induzida no pedido elencado sob a alínea D) – ao invocar que o BANCO BB “violou com culpa – como se presume (art. 799º,1 CC) – aqueles deveres de contratuais, negociais ou obrigacionais a que estava vinculado, constituindo-se na obrigação de indemnizar o autor por todos os danos que este sofreu, a título de responsabilidade contratual – art. 798º CC (ou, quando assim se não entenda, mas sem conceder, a título de responsabilidade aquiliana – art. 483º CC)” (sic).     

Para o pedido que formulou sob o item nominado com a letra D), o autor alegou factos que inculcam a uma pretensão com base na violação de deveres a que o intermediário (Banco BANCO BB) estaria vinculado – protecção, lealdade e informação – o que deveria ter conduzido a um pedido (concomitante e de correspectiva linearidade) de resolução do contrato de aquisição de acções com opção de venda, por incumprimento por base da contraente com quem o negócio foi celebrado (a sociedade “CC … – ...”).                

Para além desta eventual “anomalia” da condenação – por extrapolar o cingido pedido formulado e expresso no item D) – a condenação do banco demandado resulta de uma conduta que o tribunal acoimou de dolosa e a que o tribunal de apelação associou a demandada “CC … – ..., S.A.”, condenando-a em primeira linha a pagar a indemnização que haja de ser paga ao autor e, subsidiariamente o banco/recorrente no que esta não logre pagar.

Refere o recorrente que tal “perversão/reversão” relativamente ao pedido formulado – condenação (do banco) por via subsidiária em vez de condenação por via principal (como tinha sido formulado pelo autor) – constitui uma infracção de regras jusprocessuais, por desvirtuarem o princípio do pedido, tal como o autor o havia estruturado e manifestado, tanto na alegabilidade dos factos que substanciam a petição – consubstanciadora de uma actividade dolosa do banco – a que fez corresponder o correspectivo pedido – condenação do banco (directa e primacialmente) no pagamento das quantias de que o autor se viu privado.

A condenação deveria, em arrimo com o alegado para este pedido, ter declarado a resolução do contrato supra referido, por  incumprimento da “CC ... – ...” e condenado esta sociedade e o banco – se entendesse que este tinha actuado em infracção dolosa perante o autor na intermediação financeiro do produto financeiro adquirido pelo adquirente.

Esta formulação anómala da condenação – que se antevê como irregular, por contrária a regras de adequada formulação do pedido – não impede este tribunal de, após a apreciação do mérito da causa, adequar a condenação ao que vier resultar dessa apreciação.

II.B.2. – Violação de regras de direito probatório material.  

No entendimento do recorrente (sic): “As respostas dadas aos nºs 19, 36 e 37 da Base Instrutória não podem, de forma alguma serem consideradas, dada a sua total nulidade. [[18]]

Esta matéria havia sido já objecto do anterior recurso de apelação interposto por parte do banco ora recorrente, e, não obstante o tribunal da Relação de Guimarães ter então considerado que, no caso, não estaria vedado o recurso à prova testemunhal a tais quesitos por se tratar de, por essa via, se fazer prova da falta ou de vícios de vontade por parte do Autor (vide fls. 49 do douto acórdão dessa Relação proferido a 22.01.2013), a verdade é que de tal douto acórdão foi interposto recurso de revista.

Tal recurso de revista não foi admitido, mas a verdade é que, na sequência de oportuna reclamação apresentada então pelo banco ora apelante contra tal decisão, de pedido de aclaração da decisão que sobre ela recaiu e de decisão que indeferiu tal pedido (fls. 1155), e da reclamação também apresentada junto do Supremo Tribunal de Justiça, que igualmente mereceu decisão de indeferimento (a fls. 1319 dos autos), a verdade é que todo esses procedimentos tiveram o mérito e o efeito útil de ter ficado claro que a questão ora invocada não havia transitado em julgado (vide o afirmado no antepenúltimo parágrafo de fls. 1321), podendo ser de novo arguida pelo banco ora recorrente.

O Banco Apelante pode invocar a presente questão em sede da presente Revista, porque de direito probatório material se trata (vide douto aresto do STJ citado acima na presente alegação).

Esta matéria constante dos nºs 19º, 36º e 37º da BASE INSTRUTÓRIA deverá ser entendida e enquadrada no âmbito da demais matéria constante dos quesitos nºs 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º e 46º da mesma BASE INSTRUTÓRIA, e que visavam comprovar uma alegada simulação relativa do negócio invocada pela Ré CC ..., por via do qual se teria intentado encobrir um depósito a prazo com recurso à dita opção de venda de acções da CC, ..., S.A., ocultando ao mesmo tempo a real identidade do corpo accionista da CC ..., S.A.

Os documentos de fls. 44 a 59 dos autos constituem seguramente documentos particulares que, por não terem sido impugnados, na sua assinatura e conteúdo, gozam de força probatória plena.

Devendo considerar-se comprovados os factos deles constantes na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.

Sendo inadmissível a prova testemunhal "se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneo dele, quer sejam posteriores." (art. 394º, nº 1 do C. Civil).

E sendo ainda líquido, nos termos de lei expressa, que aquela proibição de produção de prova testemunhal se aplica ainda ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores (art. 394º, nº 2 do CCivil).

É verdade existir jurisprudência e doutrina no sentido de dever haver aqui alguma maleabilidade, mas sempre exigindo a existência, no mínimo, de um princípio de prova documental ou de natureza confessória que legitime então a dita produção de prova testemunhal para cabal esclarecimento do teor e validade dos documentos em causa, cabendo-lhe então, como afirmou o saudoso PROF. CARLOS ALBERTO MOTA PINTO, interpretar o contexto dos documentos ou completar a prova documental que constitua, como acima dito, um indício que torne verosímil a existência da simulação.

No caso dos presentes autos não há esse princípio de prova escrita, pelo que a prova testemunhal não deveria ter sido produzida, e, por maioria de razão, não poderia ter servido de fundamento para as respostas dadas aos quesitos nºs 19º, 36º e 37º da Base  Instrutória.

Do mesmo modo, se deverão dar como não provados os quesitos nºs 14º, 15º, 18º e 19º da mesma Base Instrutória. [[19]]

Já que absolutamente incompatíveis com o conteúdo dos documentos de fls. 44, 48, 52, 56 e 244 dos presentes autos.

O Autor, na correspondência constante dos documentos acima citados faz expressa referência a reuniões havidas com o DD e JJ.

O Autor esteve presente em assembleias gerais da “CC - ..., SA” realizadas em 26.05.2006 e 18.12.2008, como detentor de 3.757.737 acções na primeira e 19.466.908 acções na segunda.

O Autor participou também na chamada "operação cabaz", concorrendo a um aumento de capital da dita CC, ..., SA subscrevendo uma assinalável quantidade de novas acções num aumento de capital então realizado.

Quer a participação do Autor nessas assembleias gerais e o exercício nelas do correspondente direito de voto são seguramente uma forma de relacionamento do Autor com aquela sociedade.

Há, pois, clara incompatibilidade da matéria factual constante das respostas dadas aos quesitos 14º, 15º, 18 e 19º da Base Instrutória com o teor dos documentos já acima citados, e constantes de fls. 44, 48, 52 e 56 dos autos e a matéria de facto assente sob as alíneas BBB), CCC) e DOO) e respostas dadas aos quesitos 30º e 31º (correspondentes aos pontos 78, 79, 80, 81 e 82 da descrição factual da sentença).

Da mesma forma, tão pouco pode ser dada como provada a matéria do quesito 24º [[20]] (equivalente ao ponto 68 da descrição factual da sentença), atendendo ao teor da carta de fls. 40, que demonstra ter o autor entendido bem o teor dessa missiva, referindo este até que essa carta recebida não espelha o ocorrido na reunião de 18/09/2008 e, por isso, prefere o Autor ficar com as palavras que diz que LL então lhe deixou.

Atendendo aos documentos (não impugnados) referidos nos pontos 23, 37, 39, 41 e 43 da descrição factual da sentença, não é legítimo nem processualmente admissível que o Tribunal ignore o respectivo teor e dê por provada a matéria supra (que é com eles incompatível), apenas arreigado a depoimentos que não são nem complementares, em acessórios das declarações nesses documentos vertidos e que, portanto, os contrariam directamente.

Vestibularmente dir-se-á que o Supremo Tribunal de Justiça é, organicamente, um tribunal de revista – cfr. artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - pelo que a sua competência para a cognoscibilidade, em matéria de recurso (de revista), está confinada a questões de direito - cfr artigo 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, ambos do Código Processo Civil, na redacção que lhe foi confiada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

A eventual censura, deste Supremo Tribunal, ao labor de julgamento da matéria de facto que as partes hajam aportado para alicerçar fácticamente as pretensões que almejam ver resolvidas jurisdicionalmente, ocorre em duas situações: a) – uma decorrente de juízo negatório, por insuficiência ou deficiência da compreensão global da necessidade de formação de um quadro completo e suficiente para apreciar e, concludentemente, dirimir a questão de direito que prevalece para o veredicto, ou pertinente subsunção à previsão normativa adrede, de uma adequada solução do litígio; b) – ou quando seja alegada a utilização, ou errada utilização, de determinados meios de prova, a saber nos casos em que tenha havido “[ofensa] de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.” - cfr. n.º 3 do artigo 674.º do Código Processo Civil. Vale dizer que na primeira situação prefigurada, o tribunal de revista exerce a sua função de sindicância ex officio, por ser imprescindível para sua função de proceder ao julgamento de direito, que a lei lhe comina, dever estar munido de todos os factos, necessários e suficientes, para o fazer, enquanto que no segundo caso, o tribunal de revista opera por solicitação ou impulso – exterior – a sindicar, escrutinar ou censurar o desvio de regras de procedimento – indutoras, na pretensão recursiva do impetrante, de uma deficiente utilização do meios de prova de que o tribunal dispôs para apreciar a questão de facto – que viciaram e desvirtuaram o correcto julgamento e conduziram a uma desadequada e errada inferência de supostos de facto para o julgamento de direito.     

Não importará, para a economia do recurso, proceder, aqui e agora, a uma recensão de todos os meios de prova que o ordenamento jusprocessual concita e coloca à disposição dos sujeitos processuais para comprovação dos factos em que fundamentam as suas pretensões e, naturalmente, as respectivas posições de defesa. Os meios de defesa que aqui importará desenhar, pela função persuasória que exerceram para o convencimento do tribunal de que determinada factualidade ocorreu ou se desenrolou, historicamente, como qualquer dos sujeitos a narra e/ou sugere ao tribunal, serão as provas testemunhal, pericial e documental e, inferencialmente, as ilações ou inferências – presunções judiciais (artigo 351.º do Código Civil) – que o tribunal utilizou para, dos elementos probatórios existentes no processo, comprovar os enunciados fácticos (factos probandos) que haviam sido objecto de impugnação por banda das, ora, recorridas. Estará, assim, em causa sindicar se as instâncias fizeram desadequada utilização, ou infringiram, algum critério ou regra que deva ser observada pelo tribunal na «livre apreciação» que fez da prova testemunhal e pericial, bem como da interpretação da prova documental existente no processo, em que se baseou para formular o juízo conviccional em que fundeou a decisão da matéria de facto.    

Significa o que acaba de ser dito que é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer “erro na apreciação das provas” ou na “fixação dos factos materiais da causa”; ou, ainda, que tenha infringido os limites traçados pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil para o exercício do poder de reapreciação da decisão de facto da 1.ª instância. [[21]]

Nesta acepção, estarão submetidos neste recurso a apreciação dos métodos, critérios e regras de utilização que o tribunal terá efectuado dos meios de prova sem valor tabelado – na terminologia de outros «tarifado» - isto é, aqueles cuja apreciação está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova – prova testemunhal, pericial (com vinculação limitada) e as presunções judiciais ou decorrentes da aplicação das regras de experiência comum – por aplicação e utilização pelo tribunal recorrido, o que vale dizer se ocorreu um uso indevido, ou desviado, das regras próprias da sua aplicação ao caso. (É jurisprudência assente que está vedado a este Supremo escrutinar a vontade das partes expressa numa declaração negocial, apenas lhe sendo permitido avaliar a aplicação dos critérios legais de interpretação.) [[22]]

Como se anunciou supra, decorre desta competência residual, em matéria de sindicância da decisão de facto, que ao Supremo tribunal está vedada a possibilidade de sindicar a decisão de facto quando o tribunal de apelação toma como referente decisional prova não vinculada e/ou não ofenda regras de produção de prova que a lei prescreva. Vale por dizer que tendo as instâncias laborado a decisão de facto num conspecto de livre apreciação da prova escapa ao Supremo Tribunal sindicar a percepção e a compreensão dos meios de prova captados e utilizados, ou seja o sentido e a inteligibilidade que desses meios de prova o julgador captou e razoou para obter o resultado probatório que consignou na decisão de facto. A decisão de facto fundada em meios de prova que devam ser apreciados livremente pelo tribunal, pelo razoamento e capacidade de inteligibilidade pessoal-institucional a que estão sujeitos, desde que não violem as regras estipuladas para a sua produção, não podem ser escrutinadas pelo Supremo Tribunal. De facto, o distanciamento que da prova produzida por meios não vinculados e que possam ser percepcionados, directamente, pelo Supremo Tribunal ou que não possam decorrer directamente da lei, conduziria a criar uma volatilidade nos mecanismos de produção e aquisição de prova para o processo que tornariam as decisões infinitamente sindicáveis e sem certeza relativa quanto a um dos suportes decisórios, ou seja uma decisão de facto performativa da aplicação do direito. A criação de um espaço de certeza e de segurança para a aplicação do direito pelo Supremo Tribunal impõe que se confira á decisão de facto, consolidada pelas instâncias, numa livre apreciação da prova não vinculada, um valor de certeza probatória e de pressuposto referencial decisório invadeável e intransitável.

Decorre do que fica explanado que, no âmbito do julgamento da matéria de facto, cabe, quase em exclusivo, ou numa dimensão quase total, às instâncias fixaram os parâmetros em que o Supremo Tribunal terá de se movimentar e orientar para aplicar o direito que ao caso couber. A este Supremo Tribunal cabe o papel residual de sindicar a forma e o modo como as instâncias procederam à aplicação das normas de direito probatório de que se serviram para obtenção dos juízos e veredictos a que chegaram por aplicação das referidas normas. [[23]] Esta função, capacidade cognoscente atina com o já referido enquadramento estatutário que a lei orgânica lhe inculca, e ao qual se encontra vinculado, de conhecer tão só de matéria de direito deixando para as instâncias o poder-dever de formular os juízos, extrair conclusões fácticas e justificar os resultados das provas apresentadas pelos sujeitos processuais. Desta injunção normativa extrai-se, com meridiana linearidade, que o Supremo estaria capacitado e poderia intervir na operação de reapreciação da decisão de facto estabelecida pela 2.ª instância e criticar a forma como aceitou ou modificou a decisão de facto que lhe vinha aportada da 1.ª instância, se viesse alegado que, na conclusão a que chegou para se alcandorar a uma determinada decisão de facto, as instâncias utilizaram um comportamento inibitório ou perverso e violador de normas de direito probatório material. [[24]

Vale por dizer, em jeito de remate, que o Supremo pode sindicar a decisão da matéria de facto a que as instâncias chegaram nas duas hipóteses da 2.ª parte do n.º 3 do art. 674.º: a) – quando o tribunal recorrido tiver dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência (1ª hipótese); b) – ou quando tenham sido desrespeitadas as normas que regulam a força probatória de algum dos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico (2ª hipótese). “Estas duas situações relevam, primacialmente, do direito substantivo: constituindo normas de direito material exigem determinado meio para a forma ou prova de facto jurídico (cfr. arts. 220 CC, 223 CC e 363 CC, para o documento; por exemplo, art. 313-1 CC, para a confissão), vedam o recurso a determinado meio de prova (arts. 393 CC, 394 CC e 395 CC, para a testemunha; art. 351 CC, para a presunção judicial) ou fixam a força de determinado meio de prova (arts. 358 CC, n.ºs 1 e 2, para a confissão; arts. 371 CC e 373-1 CC para o documento; art. 350 CC, para a presunção legal), elas são ofendidas quando o tribunal dá como assente a existência de um facto, baseado em meio de prova (formado extraprocessualmente ou, embora formado no processo, com eficácia extraprocessual) que seja inidóneo para a estabelecer, ou a nega, não obstante ter sido produzido o meio exigido ou suficiente para o efeito. O mesmo para os meios de prova, de formação e com efeito fixada por lei (a perícia no recurso da decisão arbitral sobre a indemnização do expropriado, de acordo com o art. 61-2 do Código das Expropriações; meio diferente do documento na oposição de mérito à execução da sentença, nos termos do art. 729-b CPC; a admissão, de acordo com os arts. 567-1 CPC e 574-1 CPC.

Todos estes casos são errores in judicando, respeitantes à identificação, interpretação e aplicação da norma de direito probatório. Mas, além disso, constituem questões de direito as que visam verificar os errores in procedendo, respeitantes ao desenvolvimento do procedimento conducente ao apuramento dos factos em causa.” [[25]]      

Este é o quadro geral em que ao tribunal de Revista é permitida a sindicância da decisão de facto adquirida pelas instâncias. Cabe-lhe, nas palavras do Professor Lebre de Freitas, em parecer referido na nota 5, datado de 10 de Outubro de 2014 – pensamos que inédito – “(…) com a verificação de que o tribunal da relação violou regras legais de procedimento probatório que lhe cabia ter observado.”     

Em jeito de proscénio estendemos os considerandos gerais que servirão de guia para a análise da reapreciação requestada a este tribunal quanto à nulidade da decisão por não ter aceite o pedido de reavaliação da sentença de primeira (1ª) instância quando avalizou matéria factual adquirida mediante prova testemunhal quando a existência de documentos particulares – com força probatória plena (cfr. pág. 50 do parecer junto  de fls. 3914 a 1970) – que valeriam como prova da declaração do autor – por ser contrária ao seu interesse.

A força probatória de um documento particular concerne tão só à materialidade das declarações nele contidas e não à sua veracidade.

O art. 374.º n.º 1 do CC estatui que “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (…)”, e “o documento particular, cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento” (n.º 1 do art. 376.º do CC).

Por outro lado, “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos previstos para a prova por confissão” (n.º 2).

Da conjugação destes preceitos retira-se a ideia de que a «prova plena» do documento particular, quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que sejam contrárias aos interesses do declarante, se restringe ao âmbito das relações entre o declarante e o declaratário, ou seja, quando invocadas por este contra aquele.

Ensina o Professor Vaz Serra que: “Os factos compreendidos na declaração e contrários aos interesses do declarante valem a favor da outra parte, nos termos da confissão, sendo indivisível a declaração nesses termos. Portanto, nessa medida, o documento pode ser invocado como prova plena, pelo declaratário contra o declarante; em relação a terceiros, tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal.” [[26]]

Significa isto que, “os factos contidos no documento hão-de considerar-se provados na medida em que, como declaração confessória, possam ser invocados pelo declaratário contra o declarante – emanação dos princípios da confissão, com a inerente eficácia probatória plena do documento restrita às relações interpares. Relativamente a terceiros – os não sujeitos da relação jurídica a que respeitam as declarações documentadas -, a eficácia probatória plena cederá, para ficar a valer a declaração apenas como elemento de prova a apreciar livremente” [[27]/[28]].

 “A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. O âmbito da sua força probatória é, pois, bem mais restrito (José Lebre de Freitas, "A Falsidade no Direito Probatório", Coimbra, 248 e 249).

Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.

É que a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do artigo 376º do Código Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas.

Na verdade, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondam à realidade dos respectivos factos materiais (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, página 523, nota 3). [[29]]

Há assim que distinguir, entre a força probatória formal e a força probatória material do documento, “(…) ou seja no dizer de M. Andrade, entre a autenticidade do documento e o conteúdo do documento, (às declarações nele exaradas) - (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 225,226 ; Ver, ainda . A. Varela, Manual de P. Civil 2ª edição pág. 520 e também o Ac. do STJ de 23/Nov/ de 2005 Jura./STJ/net que seguimos de perto).

 Com efeito, uma coisa é saber se o documento provém da pessoa ou entidade a quem é imputado (força probatória formal) e outra, de saber em que medida os actos nele referidos e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade (força probatória material). 

(...) Os documentos particulares somente podem ser invocados com valor probatório pleno, pelo declaratório contra o declarante, isto é, apenas nas relações do declaratário - declarante e na medida em que sejam prejudiciais a este, face ao disposto no art. 376.º n.º 2 do C. Civil.

O citado art. 376.º - como se diz no acórdão recorrido - regula a prova por documento particular nas relações entre declarante e declaratário. Os autores no caso em apreço, são terceiros e como tal, o documento vale, apenas, como elemento de prova a ser apreciado livremente pelo tribunal. (Ac. STJ de 26/06/1982 e de 25/10/1995 in BMJ 318°, 415 e 450,353, respectivamente.) 

Com tudo isto queremos dizer que, sendo certo que os RR. produziram o documentado (…), nada impedia o tribunal de conhecer da veracidade do seu teor, nomeadamente através da prova testemunhal produzida: é que, como referido, a eficácia probatória de um documento diz apenas respeito à materialidade das declarações e já não à exactidão das mesmas. [[30]]

Os documentos para os quais o banco/demandado pede força probatória plena de modo a constituírem prova de que o autor negociou a aquisição de acções com opção de venda, revelam na sua exterioridade formal que o autor assinou e dirigiu à CC as missivas em que se comprometia a adquirir o grupo de acções a que cada uma das missivas alude. Nessa parte, o valor intrínseco asseverado pelos documentos é condizente com uma declaração de vontade (expressa e formalmente declarada) de que o autor produziu perante a emitente do conjunto de acções o compromisso de celebrar os contratos contidos na declaração.   

Os documentos contêm, assim, uma confissão extrajudicial na medida em que se reporta a factos que pudessem ser tidas como uma declaração contra se. Vale dizer que as declarações neles contidas que, na sua materialidade formal, pudessem ser contrárias ao declarante, devem constituir-se como prova da sua materialidade que não da sua exactidão ou veracidade. [[31]]      

Os documentos constante de fls.  vale assim como confissão extrajudicial de que as declarações constantes do mesmo auto-vinculam os seus autores, fazendo prova bastante da realidade que pretende exteriorizar e evidenciar/demonstrar às pessoas que nela estiveram envolvidas. [[32]]     

Não provam, contudo, que elas correspondem, com veracidade, aquilo que se encontra plasmado. A veracidade, declaração de correspondência formal-material entre o exteriorizado na declaração e a vontade querida e interiormente assumida pelo declarante, constitui-se um factor de indagação ou perquirição factual que ao tribunal não está vedado e que pode ser suscitado pela parte, ainda que não esteja em causa um pacto simulatório, que, aliás, não foi alegado e que não poderia ser indagado em sede de julgamento.    

Para este propósito – simulação da declaração – ensina Lebre de Freitas que “no actual sistema da nossa lei civil, a declaração de nulidade e a anulação da confissão, por falta ou vício da vontade, são feitas nos termos gerias (C.C., art. 359-1).” [[33]]  

Para o Professor Lebre de Freitas, “a simulação, no conceito tradicional, é entendida] como uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada que se traduz na falta da vontade funcional, dirigida aos efeitos do acto, e excluída, com a natureza negocial da confissão, a existência de uma vontade do efeito, de onde a irrelevância da vontade do confitente para a exclusão do efeito jurídico, não se vê, à primeira vista, como é que por um acordo ente a confitente e a contraparte feito no intuito de enganar terceiros, é possível, por supressão da vontade do primeiro, pôr em causa a eficácia jurídica da confissão. [34]]            

Ainda que assim fosse de difícil integração na figura de simulação, poderia ocorrer uma situação de fraude à lei, configurada esta, como “(…) um desvio dum acto ou duma sequência de actos da sua função licita normal e que, constituindo confissão, como acto jurídico de natureza não negocial, um acto típico produtivo dum acto probatório directo e, indirectamente, do efeito do próprio facto confessado, o seu enquadramento num esquema de fraude à lei só será possível em que a ilicitude do fim visado pelo confitente, em conluio com a contraparte, provoque a exclusão normativa do primeiro efeito, de que automaticamente decorre o segundo, por este ser pretendido pelas partes com violação de uma norma imperativa.” [[35]]    

Acresce que Lebre de Freitas considera que a regra geral contida no 359.º-1 do Código Civil não deve ser tomada na sua acepção total porquanto, “sendo a confissão um acto jurídico não negocial, é abrangida pela remissão genérica do art. 259 do C.C. da qual resulta que a aplicação do regime de impugnação do negócio jurídico tem lugar «na medida em que a analogia o justifique». É assim para esta norma geral – não directamente para as dos arts. 240 a 257 (reguladores daas situações de falta ou de vício da vontade nos negócios jurídicos) – que o art. 359-1 remete, com a consequência de a aplicação da regulamentação do negócio jurídico só poder ter lugar, designadamente no que se refere ao elenco das figuras que consubstanciam a falta ou um vício da vontade, por força da analogia a verificar caso a caso.” [[36]

Em momento algum da sua alegação o autor chama ao tablado a figura da simulação pelo que o tribunal – ainda que pudesse e devesse ter apreciado esta questão (sendo certo que, contrariamente ao aduzido pelo banco/demandado, a decisão de não atender a esta alegação no momento em que foi suscitada transitou em julgado, dado que o autor não logrou a reapreciação por outra instância que derrogasse o que a esse propósito foi decidido) – pelo que a matéria de facto comprovada pela prova testemunhal quanto a está matéria deverá manter-se.   

II.B.3. – Violação, pela instituição de crédito, dos deveres de lealdade, protecção, informação e neutralidade.

Para a inverificação dos supostos jurídico-normativos em que o direito impetrado pelo demandante foi analisado e apreciado pelas instâncias, inculca o recorrente, e em contraposição com o razoamento racional indutivo do peticionante, que (sic): “(…) a intervenção do banco recorrente na celebração dos negócios relativos às aplicações nºs 2 a 5 não se integrou no âmbito da relação bancária existente entre ambos, contrariamente ao sustentado no douto acórdão recorrido.

Tanto mais que tal intervenção bem poderia ter acontecido, e os negócios referidos acima celebrados, sem que existisse previamente entre as partes qualquer relação bancária.

A intervenção do banco recorrente ocorreu sim, e exclusivamente, na qualidade de intermediário financeiro que também é.

Estando em causa a pretensa violação de deveres genéricos de conduta por parte do intermediário financeiro ou de entidade bancária, cabia ao autor, como lesado, alegar e provar os pressupostos da responsabilidade civil, e desde logo a ilicitude.

O que o autor não fez, não se vislumbrando em que se terá traduzido a violação de tais deveres por parte do banco recorrente.

Não há qualquer violação do dever de lealdade do banco recorrente pelo facto de o banco ter retirado da conta do autor as importâncias em dinheiro necessárias à aquisição das acções em causa nestes autos sem que, simultaneamente, tivesse lançado na carteira de títulos deste as ditas acções.

O débito da conta de depósitos à ordem do autor dos montantes mencionados nos nºs 45 a 48 da descrição factual constante do douto acórdão recorrido, para efeitos do pagamento da aquisição das referidas acções, ocorreu conforme havia sido acordado entre as partes.

E os títulos a cuja aquisição esse débito se destinava, vieram a integrar a carteira de títulos do autor, não se achando especificado nos autos se no mesmo dia, se nos dias seguintes e quanto tempo depois, sabendo-se apenas que foram tais títulos formalmente lançados pelo BANCO BB nessa carteira.

Nem sequer se sabendo qual a data-valor de tais operações, independentemente da data da sua realização.

Por outro lado, o autor bem sabia que era a ré CC ..., ..., SA quem se vinculava à recompra das acções adquiridas pelo autor, e referentes às ditas aplicações nºs 2 a 5.

O autor dirigiu as cartas mencionadas nos nºs 37, 39, 41 e 43 da descrição factual constante do douto acórdão recorrido à CC - ..., S.A. e não ao banco.

E recebeu depois da CC ..., ..., S.A., em papel timbrado desta sociedade, as respostas a tais cartas, todas elas subscritas pelo Dr. Oliveira Costa na qualidade de Presidente do Conselho de Administração daquela sociedade.

O autor não pode invocar que se limitou a assinar as cartas remetidas à CC, S.A. cujo texto o banco havia preparado, sem as ler e sem lhes prestar qualquer atenção, procurando daí recusar a sua autoria e desvincular-se das declarações delas constantes.

O autor esteve presente, como titular de tais acções, em duas reuniões de assembleia geral da sociedade CC, ..., SA ocorridas a 26.05.2006 e 18.12.2008, deslocando-se a Lisboa para o efeito, e tendo aí assinado as respectivas folhas de presença e exercido os direitos inerentes às acções detidas, e que eram 3.757.737 na primeira e 19.466.908 na segunda.

O autor, em Julho de 2008, participou num aumento de capital social da CC, ..., SA, aumento esse reservado a accionistas, tendo preenchido e assinado o respectivo boletim de subscrição (vide fls. 155/156 do autos).

O autor não pode também invocar que a sua presença nada significava, já que não fazia a menor ideia do que lá se estava a passar, sem conhecimento das matérias em discussão e votando no sentido que lhe indicavam os FF e JJ.

Como vem expressamente afirmado no douto acórdão recorrido, o autor é pessoa reconhecidamente possuidora de avultada fortuna, com diversas empresas, e altamente integrado no meio dos negócios, sabendo com certeza distinguir uma aplicação em acções de um contrato de depósito a prazo.

E não pode manifestamente aqui assumir-se como quase inimputável, assinando documentos relativos a elevados montantes sem que os lesse previamente, e participando na vida da sociedade, designadamente em aumentos de capital e reuniões da assembleia geral, aí exercendo os direitos de accionista de que era titular e desconhecendo o que lá era discutido bem como o sentido e significado do seu voto.

Se o autor, não obstante tudo o acima dito, formou a convicção de que o banco se havia vinculado ao pagamento dos montantes envolvidos nas aplicações nºs 2 a 5, através da obrigação da recompra das acções respectivas, tal não se deveu à violação de qualquer dever de informação por parte do banco, mas sim, e tão só, à incúria e desatenção inesperadas numa pessoa com a sua experiência.

Incúria e desatenção essas imperdoáveis e inesperadas, e que, por isso mesmo, ao banco recorrente não era exigível que admitisse como possíveis.

Não se vê, nem o douto acórdão recorrido a concretiza minimamente, em que se teria traduzido a violação de deveres de neutralidade e de protecção que vêm também imputadas ao banco recorrente.

Tanto mais que se trata de deveres previstos na lei de forma abstracta, sem que o legislador densifique o respectivo teor, o que sempre implicaria a alegação e prova do que o Banco deveria ter feito e não fez, o que é ónus que o Recorrido não cumpriu.

Para a decisão que proferiu o tribunal de apelação, argumentou que (sic): “Como resulta dos autos, o Autor e o Banco Apelante estabeleceram uma relação bancária que o Prof. Pinto Monteiro define como “a relação complexa no seio da qual se estabelecem entre as partes direitos e deveres de vária ordem, assentes numa relação de confiança e no princípio da boa-fé, relação duradoura e na qual pontificam, entre outros, deveres de colaboração e de lealdade mútua, de protecção dos interesses do cliente, de prevenção, de diligência e de cuidado” (in R.L.J. ano 143, n.º 3987, pág. 379).

A relação bancária surge com a celebração do contrato de abertura de conta, que decorre da adesão às cláusulas contratuais gerais do banco, nas quais, como escreve o Prof. Menezes Cordeiro, se “prevê um quadro para a constituição de depósitos bancários que o banqueiro se obriga, desde logo, a receber, e regula a conta-corrente bancária. Prevê regras sobre os seus movimentos, incluindo juros, comissões e despesas que o banqueiro poderá debitar”, podendo ainda prever o pagamento dos juros como compensação das quantias em depósito, assumindo o banqueiro “de modo implícito, todo o serviço de caixa relacionado com a conta aberta” (in “Direito Bancário”, 5.ª ed. revtª e actualizª, págs. 287-289).

O Prof. Engrácia Antunes chama-lhe “contrato bancário matriz” por ser através dele que se estabelece “o quadro geral de regulação da maioria dos futuros negócios que venham eventualmente a ser celebrados entre as partes” (in “Direito dos Contratos Comerciais”, 3.ª Reimpressão da ed. de Out.º/2009, págs. 483-484).

É um contrato legalmente atípico mas socialmente típico que tem associados outros contratos, necessariamente o de conta-corrente, normalmente o contrato de depósito, e, eventualmente, a convenção de cheque, a emissão de cartões ou a concessão de crédito por descobertos em conta.

No desenvolvimento da relação bancária com o Réu Apelante o Autor colocou sempre as suas economias em depósitos a prazo (facticidade n.º 19).

O depósito bancário, na definição conceptual adiantada pelo Prof. Engrácia Antunes “é a convenção acessória do contrato de conta bancária através da qual o cliente (depositante) entrega uma quantia pecuniária ao banco (depositário), ficando este investido no direito de dela dispor livremente e no dever de restituir outro tanto da mesma espécie e qualidade nos termos acordados” (ob. cit. pág. 492).

São, pois, elementos essenciais do contrato: 1) a entrega pelo depositante de uma quantia em dinheiro ao banco; e 2) a restituição, no fim do prazo, de quantia igual à depositada acrescida de juros, nos termos acordados entre o banco e o depositante.

Posto que o banco passa a ser o proprietário das quantias depositadas os contratos de depósito são contratos reais quoad constitutionem, sendo simultaneamente contratos obrigacionais quoad effectum já que o depositante tem o direito de ser restituído da importância em dinheiro igual à depositada.

Da transmissão do direito de propriedade para o depositário resulta ainda a transferência para este do risco das quantias depositadas.   

O art.º 1.º, do Dec.-Lei n.º 430/91, de 2 de Novembro, dentre as modalidades de depósito consagra os depósitos à ordem, que “são exigíveis a todo o tempo” (n.º 2) e os depósitos a prazo que “são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo, todavia, as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada” (n.º 4). 

Tradicionalmente, os depósitos bancários consideram-se depósitos irregulares, aplicando-se-lhes, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo – cfr. arts. 1205.º e 1206.º do Código Civil (C.C.) e para este contrato, o que dispõem os arts. 1142.º e 1144.º do mesmo Cód.. 

3.- Ficou provado que no ano de 2004, um administrador e um director do Banco Apelante deslocaram-se a Braga para reunirem com o Autor, manifestando-lhe o interesse do referido Banco em transmitir-lhe acções que ele disse deter no capital social da “CC – ..., S.A.”, solicitando-lhe que as adquirisse (n.ºs 21 e 22 da facticidade provada, como serão os que infra forem referidos sem outra menção).

O referido administrador garantiu ao Autor que a transmissão, para si, daquelas acções era uma aplicação substancialmente igual a depósitos a prazo, em especial quanto ao prazo e à sua remuneração, a qual ficava estabelecida através de uma taxa de juros mínima pré-fixada e líquida, assumindo o Banco o compromisso expresso de recomprar as acções na data acordada, pelo valor da compra, pagando ao Autor juros sobre esse valor e pelo período correspondente à taxa que ficasse pré-estabelecida (n.ºs 31, 32 e 33).

Corolário do princípio da liberdade contratual e da autonomia privada, as partes podem celebrar os contratos que entenderem e dar-lhes o conteúdo que melhor satisfaça os objectivos que pretendem prosseguir, conquanto não violem nenhuma disposição legal imperativa, não havendo obstáculo a que reúnam no mesmo contrato regras de dois contratos diferentes, tanto podendo socorrer-se de contratos típicos como de contratos atípicos – cfr. art.º 405.º, do C.C..

Os contratos identificam-se, assim, pelo seu objecto com o qual as prestações contratuais visam cumprir.

O Código Comercial (Cód. Com.) tipifica e regula o contrato de reporte, que “é constituído pela compra, a dinheiro de contado, de títulos de crédito negociáveis e pela revenda simultânea de títulos da mesma espécie, a termo, mas por preço determinado, sendo a compra e a revenda feitas à mesma pessoa” – cfr. art.º 477.º.

A existência do contrato depende da entrega real inicial dos títulos, de acordo com o que dispõe o parágrafo único.

Este contrato pode ter ainda por objecto “valores mobiliários” assim como “outros instrumentos financeiros”, e quanto à sua natureza pode ser bancário “quando é realizado no mercado bancário por instituições creditícias (usualmente com vista à obtenção de disponibilidade temporária de fundos pecuniários” ou financeiro “quando é realizado no mercado de capitais por intermediários financeiros, máxime em bolsa”.

Quanto à sua função, o reporte pode ter “finalidades creditícias (que o aproximam de um empréstimo garantido)”, “especulativas perseguindo o lucro resultante de eventuais diferenciais entre os preços de compra e revenda dos títulos, valores ou instrumentos) ou “protectoras (visando a cobertura do risco de oscilações negativas do preço ou cotação destes) – cfr. Prof. Engrácia Antunes, ob. cit. págs. 381-384.

O prazo pode ser de um dia apenas (“overnight”), a termo certo, ou aberto, neste último caso quando o prazo para revenda é diariamente renovado.

Como refere Sofia Lencart, no contrato de reporte a operação termo realiza-se e conclui-se “no exacto instante em que tem lugar a operação a contado de sentido inverso, mas a execução é que se transfere, se transpõe para uma data futura, fixada no momento da celebração do acordo” (in “A celebração de contratos de reporte por sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário”, Almedina, pág. 34).

O regime de resolução do contrato de reporte diferencia-se do contrato de compra e venda porque no primeiro o regresso subjacente à resolução (cfr. art.os  433.º e 289.º, do C.C.) implica a própria execução do contrato, ou seja, a realização da compra e venda a prazo, “pois só então, liquidadas as respectivas diferenças, é que realmente os contraentes regressam ao estado anterior ao contrato” (Autora e obra cit. pág. 27).  

Sem embargo, quando o reportador entrega o dinheiro e recebe os títulos do reportado adquire, ainda que a título precário, somente enquanto vigorar o contrato, a titularidade do direito de propriedade sobre eles, pelo que pode onerá-los, vendê-los e dispor deles como lhe aprouver, já que na liquidação futura não está obrigado a entregar os mesmos títulos sendo-lhe permitido entregar outros da mesma espécie - cfr. art.º 478.º do Cód. Com., que permite às partes estipularem que os prémios, amortizações e juros que couberem aos títulos durante o prazo de vigência do contrato “corram a favor do primitivo vendedor”, ou seja, do reportado. 

O preço do reporte há-de ser incluído nas cláusulas contratuais.

O contrato de reporte tem algumas afinidades com a venda a retro, prevista e regulada nos arts.  927.º a 933.º do C.C., mas nesta, em contrário daquele, há uma única convenção de compra e venda, na qual se convenciona a faculdade do vendedor resolver o contrato; também a transferência da propriedade para o comprador fica aqui condicionada à resolução do contrato pelo vendedor, enquanto que no reporte a transferência ocorre com a entrega ao reportado; a recompra é uma faculdade do vendedor mas no reporte ela é obrigatória; outra diferença respeita ao preço que na venda a retro é o valor da venda (cfr. art.º 928.º do C.C.) e no reporte o preço é geralmente superior. Finalmente, no que se refere ao prazo, na venda a retro, imperativamente, não pode exceder os dois anos tratando-se de bens móveis e os cinco tratando-se de imóveis – cfr. art.º 929.º do C.C. – enquanto que no reporte o prazo é consensual.  

Ficou provado que, na sequência daquela visita, o Autor, agindo no convencimento de que o que lhe era proposto não diferia substancialmente de um depósito a prazo, aceitou adquirir as acções que o Banco Apelante se lhe propôs vender, aquisições que se concretizaram em Junho e Novembro de 2004, e Junho e Agosto de 2005, tendo ficado convencionado que poderia optar por ficar com as acções ou revendê-las ao Banco pelo valor unitário da compra acrescido de um rendimento líquido calculado à taxa de 4,75% ao ano as duas primeiras e 4,5% as duas últimas. Estas aplicações venceram-se no dia 28 de Junho de 2006, data em que as Partes acordaram em nova aplicação, remunerada à taxa líquida de 5% ao ano, sendo o período acordado de dois anos (cfr. n.os 27-30), ou seja, até 28/06/2008. 

Estamos, assim, em presença se não de contratos de reporte, pelo menos com largas afinidades a este contrato, já que foi acordada a compra de determinado número de acções que são “valores mobiliários” (fazem parte da lista elencada no art.º 1.º do Código de Valores Mobiliários (CVM)) e a recompra delas por quem as vendeu, ficando logo estabelecido o preço.

 O Banco Apelante cumpriu com a prestação contratual a que se obrigara, recomprando as acções e pagando a remuneração acordada (o que nos autos é designado por “aplicação n.º 1”) e o Autor cumpriu igualmente a sua prestação contratual revendendo-lhas (nos termos que ficaram a constar do doc. de fls. 122 dos autos).

“Como ficou ainda provado, em 4 de Abril, 2 de Julho, 18 de Setembro, e 3 de Dezembro, todos de 2007 (ou seja, no ano a seguir àquele em que se venceu o prazo inicial da “1.ª aplicação”) o Autor aceitou efectuar novas aplicações na compra de acções, ainda da “CC – ..., S.A.”, para o que, em cada uma daquelas datas (próximas, tendo em conta a data da carta) endereçou a esta sociedade uma carta na qual se propôs investir um determinado valor, que indica, pondo como condição a recompra das acções pelo mesmo valor por que as estava a comprar acrescido de um rendimento líquido de 5,75% ao ano.

Quem se apresenta a vender-lhe as acções é a Ré “CC ... – ..., S.A.”, afirmando que elas se encontram depositadas na sua conta de valores mobiliários escriturais.

Tal como antes, na “1.ª aplicação”, permaneceu aberta a hipótese de o Autor ficar definitivamente com as acções, mas ficou clausulado que, optando pela venda, “a CC ..., ou quem ela indicar”, se obriga a recomprá-las, nas condições e ao preço que vêm ali estabelecidos (cfr. n.ºs 37-44, e fls. 44-59).

a) Em princípio também aqui estão presentes os elementos característicos do contrato de reporte que, porém, se não pode ter por perfeito já que ficou provado não ter havido tradição simultânea das acções – veio a apurar-se que nem o Banco Apelante nem aquela Ré eram titulares das acções na altura em que foram transaccionadas (cfr. n.º 64). 

Sem embargo, é inequívoco que a Ré “CC ...” assume a obrigação de recomprar (ou mandar recomprar) as acções ao Autor e de lhe pagar o valor,  determinado pelo preço estabelecido para cada uma das acções acrescido da taxa de juros acordada, decorrido o prazo.

b) Relativamente a estes contratos (nos autos “aplicações n.ºs 2, 3, 4, e 5”) a primeira questão que suscitam é assim, desde logo, a desconformidade entre a destinatária da proposta contratual do Autor e quem se apresenta a contratar.

O Banco “BANCO BB.” era, (ao que foi referido), detido a 100% pela “CC – ..., S.A.”, a quem são endereçadas (todas) as cartas que contêm as propostas negociais do Autor e este dirige-se pessoalmente aos “Exmos. Senhores Doutores DD e  JJ”, respectivamente, presidente do Conselho de Administração e um dos administradores do banco “BANCO BB”, sendo certo que o primeiro era simultaneamente presidente do Conselho de Administração daquela “CC – ..., S.A.” e presidente do Conselho de Administração e administrador delegado da ré “CC ...”, com poderes para a obrigar, enquanto que para obrigar o “BANCO BB” era necessária a assinatura de dois administradores.

Na referida carta põe-se como condição que “essa Entidade que Vossa Exa. preside assuma que em 2010.04.05 as recompra (as acções) pelo mesmo valor …”, e todas as cartas “de resposta” vêm assinadas por “DD” “Presidente”.

Sem embargo, e como se referiu, nestas cartas “de resposta”, que formalizam o contrato de venda das acções, consta expressamente do n.º 3 que “Se a opção for a venda, a CC-..., ..., S.A., ou quem esta indicar, obriga-se a adquiri-las nas condições indicadas nos números seguintes”. 

Poderia, pois, ser invocável um erro sobre a pessoa do declaratário, cujos efeitos o art.º 251.º equipara aos do erro na declaração, constantes do art.º 247.º, ambos do C.C..

O error in persona é igualmente relevante quer incida sobre a identidade da pessoa quer sobre as suas qualidades pessoais desde que estas tenham sido elemento essencial para a declaração.

O erro sobre a identidade da pessoa é um erro-obstáculo por consubstanciar uma divergência entre a vontade e a declaração (cfr. Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 2.ª ed. actualizª, págs. 506-507).   

Sem embargo, ainda que tenha ficado provado (supra n.º 85) que o Autor não quis celebrar os contratos com a Ré “CC ...”, não foram invocados factos concludentes sobre a relevância deste erro, sendo certo que a anulabilidade, a que ele conduz, não é do conhecimento oficioso – cfr. 287.º do C.C..  

c) A declaração negocial é receptícia e pode ser expressa ou tácita, sendo expressa quando é feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade e tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – cfr. art.º 217.º do C.C..

Como escreveu o Prof. Mota Pinto a declaração é tácita “quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas implica e torna cognoscível, a latere, um auto-regulamento sobre outro ponto – em via oblíqua, imediata, lateral” e prossegue, “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto-regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”.

Na determinação da concludência do comportamento para se apurar o sentido respectivo, designadamente enquanto declaração negocial que deva deduzir-se dele, “deve entender-se que a concludência dum comportamento, no sentido de permitir concluir «a latere» um certo sentido negocial, não exige a consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito, bastando que, objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante”, seguindo o critério de interpretação da declaração negocial constante do art.º 236.º do C.C. (ob. cit., pág. 425).

Ora, na situação sub judicio o comportamento positivo do qual se deduz a aceitação da declaração negocial pelo autor, emitida pela Ré “CC ...”, é a celebração dos sucessivos contratos, tanto mais que os termos do contrato que esta envia ao Autor, assim como os da proposta contratual deste, são iguais relativamente a todas as “aplicações n.os 2, 3, 4, e 5”.  

 Os contratos consubstanciados nestas aplicações devem ter-se, pois, por celebrados entre o Autor e a ré “CC ...”, tendo, assim, aquele direito a exigir desta o cumprimento das estipulações contratuais a que se obrigou, dentre as quais avulta a recompra ao Autor das acções que lhe vendeu - trata-se de acções escriturais e nominativas que, como esta expressamente declarou, se encontravam depositadas na sua conta, o que impõe se tenham presentes os arts. 299.º do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.) e, do C.V.M., 46.º, n.º 1 (as acções são escriturais se estiverem representadas por registos em conta); 52.º (são nominativas se o emitente tiver a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade do titular); 61.º (o registo individualizado deve constar de conta aberta junto de intermediário financeiro ou do emitente); e 80.º (os valores mobiliários escriturais transmitem-se pelo registo na conta do adquirente). 

Posto que as acções transaccionadas vieram a dar entrada na conta do Autor não interessa, aqui, curar da questão da venda configurar venda a non domino, que nem sequer vem invocada. 

d) O Tribunal a quo anulou estes contratos com fundamento em actuação dolosa do Banco Apelante, que induziu em erro o Autor.

É que ficou provado que o Autor só aceitou fazer as referidas aplicações ainda movido pelo convencimento que o tinha motivado a fazer a 1.ª (cfr. supra n.º 49).

O dolo, como vício da vontade, vem definido no artº. 253º. do C.C. como qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou por terceiro, do erro do declarante.

Há dolo, como escreve o Prof. Heinrich Ewald Hörster, sempre que “o meio enganoso é empregado com a consciência de que, com ele, o declarante é determinado a fazer uma declaração que não teria emitido sem aquele engano”, e acrescenta, “quem comete o dolo sabe e quer que o enganado preste a declaração que doutro modo não prestava. Há um nexo de causalidade entre o dolo e a declaração”, sendo que só releva o dolus malus (cfr. “A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil” Almedina 1992, págs. 582-584).

Citando ainda Enzo Roppo, o dolo é “um engano exercido contra um sujeito para induzi-lo a concluir um contrato”, podendo assumir diversas formas: “pode tratar-se de uma simples mentira; pode consistir numa mentira acompanhada de uma «encenação» mais ou menos complexa, idónea a conferir-lhe credibilidade; pode, também, identificar-se com o silêncio ou a reticência: mais precisamente, com o silenciar ou com o deixar na ambiguidade, factos que – em consideração das circunstâncias e das relações existentes entre as partes - deveriam, ter sido, pelo princípio da boa fé pré-contratual, comunicados à outra parte ou então esclarecidos” (in “O Contrato”, Almedina, págs. 239-240).

De acordo com o que acima se deixou referido, tendo os contratos em causa sido celebrados entre o Autor e a “CC ...”, o Banco Apelante é um terceiro pelo que, como observa o Prof. Pinto Monteiro no seu Parecer junto aos autos, o dolo só releva para efeitos da anulabilidade da declaração se a destinatária tinha ou devia ter conhecimento dele, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 254.º do C.C. 

Ora, as pessoas colectivas agem, decidem, conhecem, através das pessoas singulares que ocupam os lugares dos seus órgãos de governo - gerentes, administradores – e na situação sub judicio há um elemento comum ao Banco Apelante e à Ré “CC ...”, que é o DD, o qual era presidente do Conselho de Administração do primeiro e administrador delegado da segunda, assinou todas as cartas enviadas ao Autor, relativas a todas as aquisições de acções, algumas delas inequivocamente na veste de administrador do Banco, pelo que bem se pode deduzir que os conhecimentos que obteve sob esta veste não os pode “ignorar” quando actua sob a veste de administrador da Ré, único, de resto, com poderes para a vincular.    

Sem embargo, apesar de da designada “1.ª aplicação” para as restantes ter havido alterações significativas na regulação dos contratos, nestas bem mais pormenorizada, contemplando situações que aquela nem referia, da facticidade apurada não vemos, ressalvado o respeito devido, plasmada nela qualquer artifício ilícito que possa integrar o dolo.

É que, de facto, com o cumprimento das prestações contratuais (recompra das acções, e pagamento do preço e juros contratualizados) o que de essencial, para o Autor, derivava era o mesmo do que, em substância, caracteriza o contrato a prazo: retorno do capital entregue/investido e recebimento dos juros/ rendimento contratado.

Tinha, pois, alguma razão de ser a garantia dada pelo Banco, e o facto de toda a documentação ter sido elaborada pelos seus serviços, para além de atribuível ao normal apoio técnico que estas entidades prestam aos seus bons clientes, sempre deverá ser relevado em sede de cumprimento/incumprimento dos seus deveres para com o Autor, decorrentes da relação bancária.

e) Ainda relativamente a estas aplicações ficou provado (supra n.º 62) que se o Autor tivesse previsto a hipótese de tais negócios não serem considerados como aplicações substancialmente iguais a depósitos a prazo não aceitaria formalizá-los e teria exigido que fossem formalizados como depósitos a prazo.

Esta facticidade parece reconduzir ao erro sobre a base do negócio que, como observa Carlos Ferreira de Almeida, “contempla hipóteses do tipo daquelas em que releva a não verificação de uma pressuposição, isto é, de uma “condição não desenvolvida”, ou uma limitação da vontade que não foi desenvolvida como condição, que se pode reportar ao passado ou ao presente, mas também a verificar-se ou continuar no futuro” (in Cadernos de Direito Privado, n.º 43, págs. 5 e 6).

O art.º 252.º, n.º 2 do C.C. remete para o art.º 437.º, n.º 1, que reconhece à parte lesada o direito de resolver o contrato ou de o modificar desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

Ora, o que verdadeiramente se extrai da facticidade em causa é que se o Autor tivesse previsto que ia ser incumprida (pelo Banco BANCO BB ou a CC ...) a prestação contratual de recompra das acções com o consequente pagamento dos valores acordados, teria optado por um depósito a prazo que, iniludivelmente, lhe dava mais garantias de reaver o seu capital e os juros.

Sem embargo, sendo o risco de incumprimento da prestação contratual o único a considerar in casu, ele é próprio de qualquer contrato e por isso é que a lei prevê instrumentos adequados a ressarcir a parte cumpridora. 

Portanto, também este erro, na concreta situação, não releva para a apreciação da causa.

f) No que concerne aos contratos que o Autor celebrou com a Ré “CC ...”, como decorre do n.º 1 do art. 405.º do C.C., deviam eles terem sido pontualmente cumpridos, com aquela a, findo o prazo estabelecido, recomprar as acções que vendeu ao Autor, pagando o preço e o rendimento acordados, à taxa designada nas cláusulas contratuais, consubstanciando-se a prestação contratual do Autor na entrega dessas mesmas acções.

Ora, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, nos termos do art.º 798º., do C.C., sendo que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados, de acordo com o disposto no art. 804.º, do C.C..

Em sede de responsabilidade contratual, a culpa do devedor presume-se, tendo ele o ónus de provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, de acordo com o n.º 1 do art. 799.º do C.C..  

A Ré não ilidiu a presunção pelo que está obrigada a indemnizar o Autor indemnização que, por se tratar de uma obrigação pecuniária, corresponde aos juros, já que outra não vem peticionada, a contar do dia da constituição em mora, nos termos do art. 806.º, n.º 1 do C.C..

Posto que estamos ainda perante uma obrigação com prazo certo a constituição em mora não carece de interpelação – cfr. art. 805.º, n.os 1 e 2, alínea a), do C.C..

A taxa a ter em consideração é, como decidiu o Tribunal a quo, a dos juros civis, fixada na Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril, ou seja, 4% ao ano, já que os contratos não prevêem taxa diferente para a mora.     

XII.- A actividade bancária rege-se, de um modo muito vincado pela relação de confiança que se tem de estabelecer entre os bancos e os seus clientes, com o que assumem especial destaque os deveres de informação, de lealdade, e de probidade. 

Como refere o Ac. do S.T.J. de 04/06/2015, “o princípio da boa fé impõe-se neste âmbito de forma peculiar, orientando a conduta das partes segundo as regras da lealdade, propícias ao estabelecimento de um clima de mútua confiança”, constituindo o dever de informar um dos afloramentos destas regras, que deve ser cumprido “na medida em que haja algo para informar a contraparte, e que, segundo as regras do bom senso, esta deva conhecer” (Proc.º 319/06.7TVLSB.L2.S1, Cons.º Oliveira Vasconcelos, in www.dgsi.pt). 

Este dever de informar “com clareza os clientes” é imposto pelo art. 77.º do Dec.-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que consagrou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, cumprindo ainda aos membros dos órgãos de administração, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares procederem nas suas funções “com a diligência de um gestor criterioso e ordenado” e terem em conta “o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral”, nos termos constantes do art. 75.º, devendo sempre proceder com “diligência, neutralidade, lealdade, e discrição”, como lhes impõe o art. 74.º.

Como se extrai da facticidade apurada, o Banco Apelante foi também intermediário financeiro – cfr. art. 289.º, n.º 1, alínea a) e 290.º, n.º 1, alínea c), do C.V.M. - e, consequentemente, estava obrigado ao cumprimento dos deveres inerentes a esta actividade, designadamente o dever de informação, estando obrigado a prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo, designadamente, os riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar e qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, nos termos prescritos no art. 312.º do C.V.M. 

Paulo Câmara, referindo-se aos deveres de informação dos intermediários financeiros, destaca-os como sendo “um dos alicerces do sistema mobiliário”, e reconduze-los à função de “apoio, assistência, aconselhamento e conselho” que os intermediários financeiros desempenham em relação aos seus clientes (in “Manual de Direito dos Valores Mobiliários”, Almedina, 2.ª ed., págs. 691-692).

A violação dos referidos deveres faz incorrer os intermediários financeiros na responsabilidade de indemnizar os danos causados “a qualquer pessoa”, presumindo-se a sua culpa quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais ou ainda quando seja originado pela violação do dever de informação – cfr. art. 314.º do C.V.M., na redacção anterior ao Dec.- Lei 327-A/2007, de 31/10 e art. 304.º-A, na redacção dada por este Diploma Legal, que naquele art. 314.º passou a consagrar o princípio geral por que se há-de reger a apreciação do carácter adequado da operação, impondo ao intermediário financeiro que solicite ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado “que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos”.

Ora resulta da facticidade provada que o Banco Apelante retirou da conta do Autor as importâncias em dinheiro que este se propunha aplicar sem lançar na carteira de títulos deste as acções a adquirir (cfr. supra n.º 64), deste modo violando de forma grave o dever de lealdade para com o seu cliente.

Violou ainda gravemente o dever de informação quando omitiu ao Autor a alteração da sua posição contratual no que se refere às aplicações n.ºs 2 a 5, objecto destes autos, para mais sabendo claramente a diferença entre estes contratos e os (queridos) depósitos a prazo, em termos de responsabilização pela devolução do capital e pagamento de juros e, posto que foi o próprio Banco que escreveu a(s) carta(s) que consubstancia(m) a(s) proposta(s) contratual(ais) do Autor, ao manter nela(s) os nomes do presidente do C.A. e do administrador que foi o interlocutor nas negociações, é de molde a criar a convicção de que a disposição do Banco quanto à sua responsabilização pelo cumprimento dos contratos se mantinha em todas as aplicações.  

Por outro lado, invocando “egoisticamente” os interesses do Banco para persuadir o Autor a aceitar aquele tipo de contrato, violaram os representantes do Banco o dever de protecção dos interesses do cliente e a neutralidade que deve nortear a sua conduta.  

Relativamente à actividade de intermediação financeira, a violação dos deveres a que estava obrigado é ainda mais flagrante e grosseira.

Com efeito, não só incumpriu com o dever de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada como induziu o Autor a pensar que não corria riscos derivados das aplicações.

Actuou, pois, o Banco Apelante com culpa, que, de todo o modo, se presume, presunção que não ilidiu, com o que está obrigado a ressarcir o Autor dos danos que tenha sofrido decorrentes daquele comportamento ilícito.

A questão em tela de juízo consistirá em avaliar e perquirir a actuação do banco/demandado e dessumir dela uma conduta violadora de regras de diligência [[37]] e são e lhano relacionamento institucional-formal com o cliente com quem entabula uma relação tendente a intermediar uma aplicação (“produto financeiro” ou “papel comercial”) com uma pessoa que conhece enquanto seu cliente institucional.     

Atinemos, primacialmente, no dever de lealdade.   

Discorrendo sobre a formulação conceptual e caracterológica da lealdade, refere António Menezes Cordeiro que: “A lealdade traduz a característica daquele que actua de acordo com uma bitola correcta e previsível. Perante uma pessoa leal, o interessado dispensa a sua confiança. Daí resultam, desde logo, os seguintes vectores:

- a preferência: dada uma multitude de hipóteses, o interessado será levado a acolher a situação encabeçada por quem se afigure leal;

- a entrega: justamente mercê da confiança depositada, o beneficiário irá baixar as suas defesas naturais; deixará de tomar precauções que, de outro modo, seriam encaradas;

- o investimento: além da entrega passiva, o beneficiário poderá ir mais longe: confiando, à pessoa leal, os seus próprios valores, crente de que eles serão devidamente tratados.

Podemos apresentar a lealdade como o contraponto da confiança. Ou, pelo menos: daquela que seja originada por uma conduta humana. A relação de lealdade envolve uma relação de confiança na qual, o pólo activo - o que suscita a confiança - é, precisamente, o indivíduo leal.

Se procurarmos decompor os elementos em que assenta a lealdade, encontramos dois, já aludidos:

- a previsibilidade da conduta;

- a sua correcção.

A previsibilidade está na base da confiança. Justamente por o interessado poder, subjectivamente, prognosticar a actuação futura de uma outra pessoa, surge, da parte dele, a convicção que permite a preferência, a entrega e o investimento. A pessoa imprevisível não é leal.

O elemento subjectivo da prognose deve, todavia, ser completado com um factor objectivo: o da correcção da conduta na qual se confia. Não se pode dizer que o criminoso compulsivo seja leal: e isso embora se possam prever os actos futuros. A verdadeira lealdade envolve a observância de bitolas correctas de actuação.

Esta dimensão ético normativa da lealdade aflora no seu étimo latino. Leal provém de legalis, de lex, legis: a lei. Será leal quem, no futuro, vá estar conforme com a lei, aqui tomada em sentido amplo.

A correcção dá as margens externas máximas de lealdade: fora delas não surgem qualidades. Mas vamos, aqui, mais longe: a previsibilidade, com a inerente confiança, exige um recorte mais estreito. Quem, dentro do correcto, actue imprevisivelmente, não é leal. A lealdade exige, num âmbito de legalidade, uma atitude especificamente conforme com as expectativas do caso.

Não é possível distinguir uma lealdade extrajurídica a qual seria, depois, acolhida pelo Ordenamento. As necessidades de análise que nos levam a isolar, no humano, um plano especificamente jurídico não correspondem à realidade. O humano é social: logo, jurídico. Os sentimentos ligados à lealdade, seja como algo que se pode exigir a outrem, seja como uma realidade que devemos aos nossos semelhantes, estão, na sua génese, ligados a uma ideia de ética normativa na conduta exterior. O ser humano é leal porque se sente, intrinsecamente, um homo juridicus: deve e pode exigir.

Os vectores ligados à lealdade surgem em todo o ordenamento, tomado num sentido muito lato. A omnipresença dificulta a análise. E isso ao ponto de apenas em data relativamente recente ter sido viável estudar, em moldes jurídico científicos, a realidade em jogo.

Como veremos, torna se possível, na lealdade, encontrar acepções mais estritas: uma ideia fecunda, em termos de resolução de problemas concretos.” [[38]]

Por seu turno o dever de informar, que se traduz num correspectivo e concomitante direito à informação, traduz-se numa necessidade que a lei faz presumir, decorrente de um tempo em que o relacionamento das entidades comerciais e a clientela se apresentam de uma massificação entorpecedora de uma avaliação reflectida, ponderada, esclarecida, abrangente, tonificada e enfocada relativamente ao objecto/produto a adquirir.    

O direito presume a vulnerabilidade jurídica de pessoas não informadas – ou não completa e totalmente esclarecidas e embaídas e esvanecidas com as insinuantes máquinas de publicidade postas ao serviço de entidades comerciais e industriais de imane poderio financeiro e de dominação do mercado – e exige que aquele que se encontra na posição de domínio preste informação adequada, pertinente, esclarecida e cabal na hora de pretender vender um produto cujo essencialidade não estará ao alcance de quem pretende adquiri-lo.   

O dever de informar impõe-se a todos os que participam do lançamento do produto ou serviço, desde sua origem, inclusive prepostos e representantes autónomos. É dever solidário, gerador de obrigação solidária. Essa solidariedade passiva é necessária, como instrumento indispensável de eficaz protecção ao consumidor, para que ele não tenha de suportar o ónus desarrazoado de identificar o responsável pela informação, dentre todos os integrantes da respectiva cadeia económica (produtor, fabricante, importador, distribuidor, comerciante, prestador do serviço). Cumpre-se o dever de informar quando a informação recebida pelo consumidor típico preencha os requisitos de adequação, suficiência e veracidade. Os requisitos devem estar interligados. A ausência de qualquer deles importa descumprimento do dever de informar.

A adequação diz com os meios de informação utilizados e com o respectivo conteúdo. Os meios devem ser compatíveis com o produto ou o serviço determinados e o consumidor destinatário típico. (…) A legislação de protecção do consumidor destina à linguagem empregada na informação especial cuidado. Em primeiro lugar, o idioma será o vernáculo. Em segundo lugar, os termos empregados hão de ser compatíveis com o consumidor típico destinatário. Em terceiro lugar, toda a informação necessária que envolva riscos ou ónus que devem ser suportados pelo consumidor será destacada, de modo a que "saltem aos olhos". (…) A suficiência relaciona-se com a completude e integralidade da informação. Antes do advento do direito do consumidor era comum a omissão, a precariedade, a lacuna, quase sempre intencionais, relativamente a dados ou referências não vantajosas ao produto ou serviço.(…)

A veracidade é o terceiro dos mais importantes requisitos do dever de informar. Considera-se veraz a informação correspondente às reais características do produto e do serviço, além dos dados correctos acerca de composição, conteúdo, preço, prazos, garantias e riscos. A publicidade não verdadeira, ou parcialmente verdadeira, é considerada enganosa e o direito do consumidor destina especial atenção a suas consequências.

Em determinadas obrigações o dever de informar e particularizado para um dos figurantes ou participantes. No Código Civil, por exemplo, o comprador, se o contrato contiver cláusula de preferência para o vendedor, tem o dever de a este informar do preço e das vantagens oferecidos por terceiro para adquirir a coisa, sob pena de responder por perdas e danos (art. 518); o locatário tem o dever de informar ao locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito (art. 569); o empreiteiro que se responsabilizar apenas pela mão-de-obra tem o dever de informar o dono da obra sobre a má qualidade ou quantidade do material, sob pena de perder a remuneração se a coisa perecer antes de entregue (art. 613); o mandante tem o dever de informar terceiros da revogação do mandato, sob pena de esta não produzir efeitos em relação àqueles (art. 686); o segurado tem o dever de informar à seguradora, logo que saiba, todo incidente susceptível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé (art. 769); o promitente na promessa de recompensa tem o dever de informar a revogação desta, utilizando a mesma publicidade, sob pena de cumprir o prometido (art. 856); o gestor de negócio tem o dever de informar o dono do negócio a gestão que assumiu, tanto que se possa fazê-lo, sob pena de responder até mesmo pelos casos fortuitos (art. 864). São todos deveres anexos à prestação, não se enquadrando no conceito de deveres gerais de conduta.

O direito fundamental à informação visa a concreção das possibilidades objectivas de conhecimento e compreensão, por parte do consumidor típico, destinatário do produto ou do serviço. Cognoscível é o que pode ser conhecido e compreendido pelo consumidor. Não se trata de fazer com que o consumidor conheça e compreenda efectivamente a informação, mas deve ser desenvolvida uma actividade razoável que o permita e o facilite. É um critério geral de apreciação das condutas em abstracto, levando-se em conta o comportamento esperado do consumidor típico em circunstâncias normais. Ao fornecedor incumbe prover os meios para que a informação seja conhecida e compreendida.

A cognoscibilidade abrange não apenas o conhecimento (poder conhecer) mas a compreensão (poder compreender). Conhecer e compreender não se confundem com aceitar e consentir. Não há declaração de conhecer. O consumidor nada declara. A cognoscibilidade tem carácter objectivo; reporta-se à conduta abstracta. O consumidor em particular pode ter conhecido e não compreendido, ou ter conhecido e compreendido. Essa situação concreta é irrelevante. O que interessa é ter podido conhecer e podido compreender, ele e qualquer outro consumidor típico destinatário daquele produto ou serviço. A declaração de ter conhecido ou compreendido as condições gerais ou as cláusulas contratuais gerais não supre a exigência legal e não o impede de pedir judicialmente a ineficácia delas. Ao julgador compete verificar se a conduta concreta guarda conformidade com a conduta abstracta tutelada pelo direito.

Pretende-se com a garantia de cognoscibilidade facilitar ao consumidor a única opção que se lhe coloca nos contratos de consumo massificados, notadamente quando submetidos a condições gerais, isto é, "pegar ou largar" ou avaliar os custos e benefícios em bloco, uma vez que não tem poder contratual para modificar ou negociar os termos e o conteúdo contratual. (…)

(…) O dever de cooperação é mais exigente nas hipóteses de relações obrigacionais duradouras.

Perlingieri ressalta que "a obrigação não se identifica no direito ou nos direitos do credor; ela configura-se cada vez mais como uma relação de cooperação". Isso implica mudança radical de perspectiva: a obrigação deixa de ser considerada estatuto do credor, pois "a cooperação, e um determinado modo de ser, substitui a subordinação e o credor se torna titular de obrigações genéricas ou específicas de cooperação ao adimplemento do devedor.

Ainda que não distinga os deveres gerais de conduta (salvo quando se refere à boa-fé) dos que denomina deveres acessórios de conduta, reconhece Antunes Vare la que estes tanto recaem sobre o devedor como afectam o credor, "a quem incumbe evitar que a prestação se torne desnecessariamente mais onerosa para o obrigado e proporcionar ao devedor a cooperação de que ele razoavelmente necessite, em face da relação obrigacional, para realizar a prestação devida". Entendemos, porém, que a cooperação não e efeito secundário dos deveres acessórios, mas ela própria dever geral de conduta que transcende a prestação devida para determinar a obrigação como um todo.

O dever de cooperação resulta em questionamento da estrutura da obrigação, uma vez que, sem alterar a relação de crédito e débito, impõe prestações ao credor enquanto tal. Assim, há dever de cooperação tanto do credor quanto do devedor, para o fim comum. Há prestações positivas, no sentido de agirem os participantes de modo solidário para a consecução do fim obrigacional, e há prestações negativas, de abstenção de actos que dificultem ou impeçam esse fim.

Em certas obrigações o dever de cooperação é mais ressaltado, especialmente quanto ao credor. Orlando Gomes, referindo-se a Von Tuhr, demonstra que em algumas "é indispensável a prática de actos preparatórios, sem os quais o devedor ficaria impedido de cumprir a obrigação" citando o exemplo clássico da escolha do credor nas obrigações alternativas. Se o credor se nega a praticar o ato preparatório, torna-se responsável pelo retardamento no cumprimento da obrigação (…). [[39]]

Porém, como se escreveu no douto acórdão deste supremo Tribunal de Justiça, de  16 de Junho de 2015, relatado pelo Conselheiro Paulo Sá, “(…) o dever de informar por parte do banco não é um dever absoluto.

Como afirma MENEZES CORDEIRO (Direito Bancário, 5.ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, pp. 401 e 402), "não há qualquer dever geral, por parte do banqueiro, de prestar informações: o banco não é, por profissão, uma agência de informações e mesmo esta teria de ser contratada, para informar. Por isso, o dever de informação só ocorre quando o banqueiro o tenha assumido ou quando a boa fé o exija".

No que concerne aos serviços oferecidos por intermediários financeiros, o legislador foi para lá dos deveres de informação decorrentes do artigo 227.º CC e consagrou uma série de específicos deveres de informação no Código dos Valores Mobiliários. No que interessa ao caso, encontramo-los plasmados nos artigos 7.º, 312.º, 312.º-A, 312.º-C e 312.º-E, todos do CVM, e enquadrados pelo artigo 304.º do mesmo diploma.

O dever de informação a cargo do intermediário financeiro inclui "todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada" (artigo 312.º CVM), nomeadamente as informações respeitantes aos instrumentos financeiros (alínea d) do mesmo preceito), aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (alínea e) do mesmo artigo 312.º, bem como a alínea j) do n.º 1 do artigo 312.º-C e alínea a) do n.º 2 do artigo 312.º-E). E deve-o fazer de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (artigo 7.º CVM), para que a informação possa ser compreendida pelo destinatário médio, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 312.º-A CVM.

A informação a prestar pelo Banco ao cliente para que este possa tomar uma decisão esclarecida e fundamentada sobre a conclusão de um contrato de swap de taxas de juro deve necessariamente incluir matérias como os seus riscos e natureza, embora a extensão e profundidade da informação a prestar dependa do "grau de conhecimentos e de experiência do cliente", variando aquelas na razão inversa deste, nos termos do n.º 2 do artigo 312.º CVM.

Se alguém, pela primeira vez, se aventura por um negócio deste tipo será necessário uma informação condizente com esse estádio de experiência e conhecimento que será dispensável para quem está habituado a lidar com esse instrumento.

Quanto à qualidade da informação a ministrar, diz-nos a alínea c) do n.º 1 do artigo 312.º-A CVM, a informação deve "[s]er apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio".

Acompanhamos o entendimento de PINTO MONTEIRO no parecer que fez juntar aos autos na fase do recurso e que temos vindo a seguir, transcrevendo-o uma e outra vez: “O critério do "destinatário médio" não significa um cliente com conhecimentos e experiência médias no tocante ao mundo dos negócios financeiros em geral, e ao instrumento financeiro proposto em particular, isto é, não se trata aqui de um cliente analisado em abstracto, que nada tenha a ver com as qualidades, conhecimentos e experiência do cliente concreto. Não só essa solução prejudicaria quem mais precisa de informação – os clientes menos conhecedores e experientes –, como nem tal se compadeceria com a discriminação entre clientes feita pelo próprio CVM (no que toca a esta matéria da informação devida), ao distinguir investidores qualificados de investidores não qualificados (mais protegidos), e ao fazer depender o quantum de informação dos conhecimentos e experiência do cliente concreto. Trata-se, por isso, de um destinatário com o cuidado, zelo e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste.

É em referência a este destinatário que vamos determinar a forma de apresentação da informação, tendo nomeadamente em conta a complexidade da apresentação, a linguagem utilizada, o recurso a fórmulas matemáticas e a conceitos de âmbito especificamente económico, jurídico ou financeiro, etc. Tudo de modo a que a informação seja prestada de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, como determina o artigo 7.º CVM.”

De igual passo, nas relações entre as instituições de crédito e a sua clientela e os correlativos deveres de informação, correcta, esclarecida, adequada ao perfil co cliente [[40]] se escreveu no douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Janeiro de 2013; Proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva: “Calvão da Silva in Direito Bancário, pág. 335 refere que  “a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura , iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes , muitas quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias ( ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de protecção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa fé, para satisfação do interesse do credor. Deste modo, a relação de clientela não é um ( único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradouro de negócios assentem ligações especial de confiança e lealdade mútua das partes , cuja violação na negociação conclusão, execução ou pós- extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual .

No caso em apreço, a operação aqui em causa, insere-se precisamente  no relacionamento predominantemente de confiança existente entre  o banco réu e a autora, que,  sublinhe-se, desenvolveu-se ao longo de anos. 

E num quadro e contexto negocial do tipo que  vem provado, a operação em causa( aplicação em activos financeiros) consubstancia  da parte do banco o  exercício de uma actividade de intermediação financeira.

A propósito da responsabilidade do intermediário financeiro Menezes Leitão in Direitos dos Valos Mobiliários , Vol II, Coimbra Editora , 2000, pág. 45 considera que “ há que ponderar , confrontando os seus pressupostos, se se deve efectuar o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições legais de protecção ( art. 483 e segs. Do C. Civil ) ou obrigacional , pelo incumprimento das obrigações arts. 798 e sgs. do C civil ou se deve ainda inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado na esteira de Canaris de uma terceira via de responsabilidade civil.

 O regime da responsabilidade civil do intermediário financeiro está agora consagrado no art. 314 do CVM, que no seu nº1 estatui :

“Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes seja imposta por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública:” 

O nº2 do citado normativo estabelece uma presunção de culpa  do intermediário financeiro quando aí  expressamente se  estabelece” A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré- contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

Quanto aos  princípios norteadores da actividade dos intermediários financeiros estão consagrados no art. 304 do CVM , que  constituem verdadeiros deveres gerais de conduta dos intermediários financeiros, neles incluindo obviamente os deveres de informação.

(…) Como escreve Agostinho Cardoso Guedes in  A Responsabilidade do Banco  por informações à Luz do art. 485 do Código Civil in Revista de Direito e Economia , Ano XIV , 1988 a pags. 138 e 139 “… o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo , coloca-se , principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário , portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações , as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé . No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica , que os bancos objectivamente possuem. Portanto, e no que concerne à responsabilidade extracontratual por informações , não se pode dispensar a mesma tutela jurídica a um destinatário de uma informação , quando esta provenha de alguém especificamente qualificado para a fornecer ( como um banco)ou quando provenha de um leigo , colocando-se a questão do nível da ilicitude e não da culpa”.

Também Menezes Cordeiro in Manual do Direito Bancário, Almedina, 1998 considera “ a informação bancária distingue-se da comum por ser – tendencialmente – técnico jurídica, simples directa e eficaz”.

Isto para  dizer que também  os arts. 73 a 76 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ( DL 298/ 92 de 31/12) , se exige às instituições de crédito , em todas as actividades que exerçam. Que assegurem  aos seus clientes, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência ( cfr. art. 73º).

Também segundo o art. 74 se exige que, nas relações com os clientes , os administradores e empregados das instituições de crédito procedam com diligência , lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados.

Para além de que o art. 76, os seus administradores e membros dos órgãos de administração, devem proceder com diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com princípio da repartição dos riscos e segurança das aplicações e tendo em conta os interesses do depositantes , dos investidores e demais credores.

As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados  e outros encargos prestados por  aqueles ( cfr. art. 75 nº1)

Também Agostinho Cardoso Guedes, ob cit. Pags. 147 e 148  refere: Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato ( um depósito bancário, um empréstimo , a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc. e se inicie « uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio» não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculados aos deveres  resultantes do art. 227 e consequentemente o banco pode ser obrigado a prestar informações ou conselhos ou, quando tal dever não surja por força do dever de agir com boa fé , responsabilizado , ainda assim , por informações ou conselhos inexactos ( desde que, com esse comportamento , se violem  outros deveres de conduta , tal como acontecia com os deveres laterais de origem contratual de que resultem danos”.

A este propósito Menezes Leitão in Informação Bancária e Responsabilidade , Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão  Telles , Volume II, Direito Bancário, Almedina , 2002, a pag.230 considera “que mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios ( consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários , etc.)mesmo neste âmbito , sempre que a informação prestada tenha um cariz objectivo , se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799 do CC que « como entidade especializada na matéria se compromete á prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua”.

(…) Toda esta série de normas visa proteger a confiança dos clientes dos bancos nas informações que estes lhes prestam aquando das conversações e ou contactos preliminares à celebração de um acto / contrato bancário, a ponto de se essas informações se mostrarem inexactas, incompletas ou falsas e forma determinantes na celebração de um acto  ou contrato com o banco, este poderá ser responsabilizados pelos danos que causar , quer pela via contratual quer extracontratual ( cfr.  neste sentido também Ac. da  Relação de Coimbra de 9.10.12 acessível via www.dgsi.pt ).” [[41]]

Ajaezados com os ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais citados, e na volta ao caso, somos de entender que as instâncias não quadraram correctamente a actuação do banco/recorrente. 

Vem provado, muito sinteticamente, que o conglomerado de empresas que se associou e girava sob a designação “..., S.A.”, “CC ..., ..., S.A.” e “BANCO BB” – em actuação que se dessume interconexa, de interesses difusos e conchavados e de objectivos associados e isonómicos – terá contactado o autor para i) abrir conta na instituição bancária adrede; ii) e num momento posterior angariar meios financeiros de modo a financiar uma das sociedades. De mais colimado com a questão que vem debatida, representantes do banco/recorrente ter-se-ão aproximado do autor para que ele procedesse ao ingresso de capital financeiro numa das sociedades através de uma proposta de compra (aquisição) de acções que num prazo estipulado e garantido poderia revender à “CC ... – ...”, pelo preço nominalmente investido, acrescido de juros contratualmente fixados.

Os representantes do banco teriam informado o autor – e tendo em conta o seu perfil de investidor prudente e acautelado – que o investimento se perfilava e configurava como um depósito a prazo, isto é como um contrato em que o banco se compromete a ficar com a guarda do capital financeiro que lhe foi entregue e que findo o prazo acordado se obriga a devolvê-lo acrescido de um correspondente quantitativo em dinheiro equivalente aos interesses (juros) compactuados.

Ao negócio (indirecto) os contraentes deram o nomen juris de aquisição de acções com opção de revenda.

Trata-se, como adequadamente o qualifica o Professor António Pinto Monteiro, no douto parecer que vem junto de fls. 3990 a 4051, de uma sorte de negócio jurídico indirecto, cuja função é lograr um objectivo económico e um interesse e utilidade pessoais que está para além da função normal do contrato tipificado. (“O negócio indirecto mobiliza um negócio típico (o chamado negócio-meio), cujos efeitos são realmente queridos pelas partes, mas que vem a ser concluído por um motivo ou para um escopo ulterior diverso dos que estão de acordo com a função característica (causa) desse tipo negocial e correspondente a outro negócio típico ou tipificável.” – fls. 4030)                 

Ao autor, como vem exuberantemente provado, foi-lhe dito, pelos representantes do banco, que o negócio que levava a efeito se traduziria, a final, num depósito a prazo em que a remuneração do capital investido, findo o prazo estipulado, seria no montante acordado/garantido.

O contrato tinha como objecto um lote de acções pertencentes a uma das sociedades envolvidas e com a obrigação reportada a uma delas – “CC ... – ..., S.A.” – de proceder à sua recompra no final do prazo.
A alteração da decisão de facto operada pelo tribunal de apelação – cfr. fls. 57 e 58 do acórdão –permite consolidar a que: i) “Das acções identificadas em 23 a 26 e de 37 a 44, o Autor não pretendeu adquirir as da “CC ..., ..., S.A.” e pretendia ficar com as acções da “CC - ..., S.A.” apenas durante o prazo que ficou estabelecido em cada uma das aquisições”; ii) “Se o Autor tivesse previsto a hipótese de os negócios referidos de 23 a 26 e de 37 a 44 não serem considerados como aplicações substancialmente iguais a depósitos a prazo não aceitaria formalizá-los e teria exigido que fossem formalizados como depósitos a prazo”; iii) “O Autor aceitou o aludido em 65 apenas pelo facto do BANCO BB, representado pelos referidos Presidente e Administrador, ter reconhecido expressamente que todas as aplicações que o Autor detinha no Banco eram substancialmente iguais a depósitos a prazo”; e que iv) a “CC ...”, contestante, quis celebrar com o Autor tais contratos”.
Esta facticidade permite dessumir que: i) o autor sabia que estava a adquirir acções da sociedade “CC”; ii) que pretendeu ficar com essas acções durante o prazo nelas fixado; iii) que se não se não fossem tratadas como depósitos a prazo teria exigido que esse fosse o contrato a formalizar; iv) os representantes do banco recorrente deram-lhe garantias de que se tratava de um negócio com a utilidade e fim precípuo de um contrato de depósito a prazo; e finalmente, v) que a “CC ... quis celebrar com o autor os ditos contratos.
Em escorreita e lhana interpretação da matéria provada, poder-se-á asseverar que o banco/recorrente intermediou uma operação de venda de acções da sociedade “CC, S.A.”, que o autor foi informado (pelos representantes do banco-intermediário), e lhe foi asseverado, que a aquisição de acções tinha as mesmas características e com ela obtinha um resultado precípuo e utilitário idêntico ao que resultaria de um contrato de depósito a prazo, e, finalmente, que a “CC ...” foi interveniente no contrato (naturalmente nos termos indicados nas missivas que foram trocadas entre o autor e os demais intervenientes no negocio).
Com este quadro factual, substancialmente diverso do que vinha adquirido da primeira instância, a subsunção jurídico-conceptual da figura contratual “enviesada” que esteve na génese da relação estabelecida entre o autor e as demais intervenientes compagina-se e atina com aquela que lhe é conferida pelo Professor Pinto Monteiro no douto parecer supra referido.
Para responsabilização do banco importará indagar se na formação do negócio jurídico usou de dolo ou infringiu/postergou algum dos deveres axiais a que está compelido um intermediário financeiro.
Ancorados nos ensinamentos que supra deixamos aflorados quer-nos parecer que o banco não usou de artificio falacioso ou de subterfúgios ardilosos para obter o assentimento do autor na compra das acções.
Na verdade, e quanto ao essencial do negócio, o autor foi informado que se tratava de uma aquisição de acções (da CC) que tinham substancialmente o mesmo resultado do que uma operação de depósito a prazo (no banco, BANCO BB), o que significava que findo o prazo teria a disponibilidade do capital investido acrescido dos juros pactuados.
Com este quadro factual não se nos afigura ser passível de assacar ao banco um comportamento desleal ou artificioso que conduzisse o autor por sendas ou percursos não queridos e devidamente assumidos.
A matéria de facto adquirida consente inferir que ocorreu, na relação contratual estabelecida entre o autor e o detentor das acções e aquela entidade que se obrigou a recompra-las (a “CC ..., ..., S.A.”), uma ruptura do compromisso pactuado.
Na verdade, em consonância com a matéria de facto agora adquirida – depois da alteração operada pelo tribunal de apelação – evidencia-se uma ruptura de uma prestação assumida por uma das partes (a “CC ..., ..., S.A.”) – recompra das acções (da “CC”) – que se havia comprometido adquirir findo o prazo estabelecido para cada umas das aplicações financeiras elencadas na factualidade provada.
O incumprimento tal como se configura conforma uma situação de resolução do contrato e a correspectiva devolução do prestado por cada um dos contraentes.

A resolução surge como um remédio para uma perturbação da estabilidade contratual e como forma de evitar efeitos perversos nos interesses postos em jogo através da convenção contratual querida e assumida pelos intervenientes na relação contratual. Proença Brandão define resolução “[como] poder unilateral de extinguir um contrato válido em virtude de circunstâncias (subjectivas e objectivas) posteriores á sua conclusão e frustrantes do interesse de execução contratual ou desequilibradoras da relação de equivalência económica entre as prestações.” [[42]] Como estrutura negocial, a resolução surge como negócio jurídico unilateral receptício, integrando, normalmente, uma declaração extrajudicial não sujeita a qualquer formalidade (artigos 436.º e 224.º do Código Civil). A resolução de um vinculo contratual pode ocorrer por convenção ou vontade das partes e/ou fundada na lei – cfr. artigo 432.º, n.º 1 do Código Civil. [[43]]

Para além das situações em que a lei prevê especialmente a possibilidade de uma das partes resolver o contrato – cfr. a título de exemplo os artigos 437.º (alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar); 891.º (Compra e venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição); 966.º (doação); 1140.º (comodato); 1150.º (mútuo); 2248.º (resolução de disposição testamentária) – a resolução pode ser accionada quando um contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir a prestação a que estava adstrito – cfr. artigos 798.º e 801.º, n.º 2 do Código Civil.

A simples mora não confere ao contraente fiel o direito (potestativo) de pedir a resolução do contrato, mas tão só o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento causou ao credor – cfr. artigo 804.º, n.º 1 do Código Civil. [[44]]

Dependendo o exercício do direito à resolução da ponderação de interesses terá que existir uma adequação entre a eficácia extintiva da figura e os pressupostos/limites que conformam o instituto. “Paradigma do fundamento resolutivo é o incumprimento superveniente, culposo, total ou parcial, traduzido na falta definitiva de cumprimento (por impossibilidade ou recusa de cumprimento) dos deveres de prestação e certos deveres de conduta tidos por relevantes no contexto contratual.” “Essa exigência de um fundamento importante, de um fundamental breach, na linguagem anglo-saxónica, isto é de um incumprimento com determinada gravidade (apreciada sobretudo pela intensidade da possível culpa, pela amplitude, pelas consequências o reiteração da violação e, portanto, em função do todo da relação contratual) está em sintonia com a finalidade do instituto da resolução (ratio extrema ou ultima ratio) e permite submeter a figura a um controlo axiológico balizado pela boa-fé e, mais concretamente, pelo abuso do seu exercício perante um incumprimento insignificante, pouco prejudicial, ou alegando o credor mera conveniência pessoal ou um aproveitamento das circunstâncias. [Há] que valorar a natureza do dever violado (podemos estar perante um dever principal ou um dever acessório impeditivo do cumprimento do principal, um dever de prestação sujeito a um termo essencial ou absolutamente fixo, um dever lateral importante, etc.), a forma como se manifesta (estamos a pensar na recusa intencional, clara e inequívoca de cumprimento manifestada por um dos contraentes) tudo em ordem à afectação negativa da substância do contrato e a fundar, enquanto causa adequada, a pretendida ou declarada cessação negocial.” [[45]]

A situação moratória prolongada ou dilatada, pela razoabilidade prudencial do credor, prolonga a mora que estava constituída no momento em que o credor estipula um prazo (razoável) e só termina, ou decede, com a exaustão desse prazo (razoável). Só a partir desse momento é que o credor fica habilitado, pelo ultimato moratório que concedeu ao devedor, a converter ou reverter, a seu favor, a mora, transfigurando-a ou conferindo-lhe uma nova roupagem jurídica, qual seja o incumprimento definitivo. [[46]]  

O incumprimento, ou a ruptura consolidada do vínculo contratual, só se verifica, ou fica adquirida para o credor, a partir do momento em que o prazo (razoável) se exaure, ficando a partir deste momento, o credor empossado, potestativamente, no direito de alancear o inadimplente com a “arma” da interpelação admonitória.

O artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil tem como escopo salvar a relação contratual, ainda possível, concedendo ao devedor, mediante uma concessão do credor, de um prazo (razoável) para que a prestação seja efectuada. Trata-se de um manifestação de vontade de realização (possível) do contrato, mostrando o credor interesse em que a prestação em falta (em mora) possa ser ajaezada pelo devedor, por forma a concluir o contrato. O credor, reconhecendo a impossibilidade de cumprimento por parte do devedor, concede-lhe um prazo, que estima ser o necessário e suficiente para que o devedor se capacite ou prepare a prestação a que está adstrito de modo a dar cumprimento ao sinalagma.           

A razoabilidade do prazo para cumprimento, a que alude o artigo 808.º, nº 1 do Código Civil, inculca, pois, a ideia que o credor, estimando ser possível a realização da prestação, e atendendo a circunstâncias atinentes com o desenvolvimento da relação contratual, nomeadamente pelo surgimento de factores perturbadores da possibilidade de cumprimento por parte do devedor, considera que, dentro do prazo, que estima ser razoável, o devedor pode desassorear e remover os obstáculos que estão a impedir o cabal e perfeito cumprimento do contrato e, findo esse prazo, o devedor fica em condições de realizar a prestação a que está adstrito. Se ainda assim o devedor, findo o prazo que o credor estimou ser razoável e que aceitou como bom e razoável, não cumprir, o credor, exaurido o prazo, fica em condições perfeitas e plenas de interpelar, admonitoriamente, o devedor para cumprir a sua prestação e este não poderá opor-lhe qualquer objecção ou impedimento para a sua não prestação.

A situação moratória prolongada ou dilatada, pela razoabilidade prudencial do credor, prolonga a mora que estava constituída no momento em que o credor estipula um prazo (razoável) e só termina, ou decede, com a exaustão desse prazo (razoável). Só a partir desse momento é que o credor fica habilitado, pelo ultimato moratório que concedeu ao devedor, a converter ou reverter, a seu favor, a mora, transfigurando-a ou conferindo-lhe uma nova roupagem jurídica, qual seja o incumprimento definitivo.  

O incumprimento, ou a ruptura consolidada do vínculo contratual, só se verifica, ou fica adquirida para o credor, a partir do momento em que o prazo (razoável) se exaure, ficando a partir deste momento, o credor empossado, potestativamente, no direito de alancear o inadimplente com a “arma” da interpelação admonitória.

Para Baptista Machado “[O] incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem: a) O incumprimento definitivo, propriamente dito; b) A impossibilidade de cumprimento; c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art. 808.º, nº1, do C. Civil; d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não; e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.” [[47]]

O sistema jurídico inglês consolidou a ideia de que são três as modalidades de incumprimento que podem dar lugar à resolução: “a renúncia ou negativa (renunciation ou repudiation); a impossibilidade imputável ao devedor (impossibillity by his own act or default) e o que poderíamos chamar incumprimento substancial (substantial failure to perform)”. [[48]]

Para que ocorra uma situação transformadora da situação jurídica estabelecida num contrato, a lei exige a eclosão de um estado patológico da relação contratual que torne impossível a continuação do sinalagma que se havia estabelecido entre os sujeitos da relação contratual. Não basta, portanto, um estado subjectivo paralisante da relação, mas, outrossim, que o nível ou grau de incumprimento de uma das partes seja de tal modo relevante e influente na relação jurídica que torne inviável e invadeável a sua manutenção, ou seja uma “substantial failure to perform”.   

Não colhe dicotomia/binómio que durante algum tempo vingou na jurisprudência espanhola [[49]] “una voluntad  deliberadamente rebelde al incumplimiento”/””un facto obstativo que de modo absoluto, definitvo e irreformable impida el incumplimiento”, sendo que nos parece ser de acolher a doutrina que acabou por se firmar como definitiva, qual seja a de aceitar uma causa aceitável e juridicamente relevante de uma faculdade resolutiva “um dado objectivo da injustificada falta de cumprimento, sempre que tenha a entidade suficiente para motivar a frustração do fim do contrato.” [[50]]    

Queda definitivamente aceite que para que um sujeito da relação contratual possa usar da faculdade de resolver um contrato se torna imprescindível e invadeável que exista uma razão substancialmente idónea e inconsútil para que a relação contratual não possa prosseguir, ou pelo menos manter-se nos termos em que tinha sido consolidada por vontade liberta das partes.   
O pedido formulado em D) prefigura uma situação em que ocorre uma situação de incumprimento (definitivo) imputável ao emissor das acções (“CC, ...), dado que, no prazo indicado nos contratos celebrados, não cumpriu com a obrigação de recompra das acções, nem se dispôs a reembolsar o autor do montante investido nas acções. O incumprimento (definitivo) permite ao credor a resolução do contrato. Na verdade, tanto a condenação da CC, como do banco-intermediário, só pode ser efectivada se se declarar/verificar uma situação compaginável com a resolução do contrato de aquisição de acções com obrigação de recompra e se com base nesse incumprimento se pudesse inferir, concomitantemente, uma situação de responsabilização aquiliana do banco.
Para tal têm de ocorrer os pressupostos que determinam a resolução de um contrato, a saber uma situação de incumprimento definitivo e a interpelação do devedor para cumprir em prazo que lhe venha a ser fixado pelo credor.
Tratando-se de obrigações com prazo certo torna-se desnecessária a interpelação para cumprimento – cfr. artigo 805º, n.º 2, alínea a) do Código Civil – pelo que não tendo efectuado a respectiva prestação, no prazo em que foi acordado, pode o credor pedir a resolução do contrato, por incumprimento definitivo.
A resolução do contrato, nos termos do artigo 433º do Código Civil, é equiparável “quanto aos seus efeitos, á nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes.”    
Reza o artigo 289º do Código Civil que “tanto a nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a prestação em espécie não for possível, o valor correspondente.”   
Assim, e em conclusão, i) deve ser decretada a resolução do contrato de aquisição de acções da “CC, ...” que o autor adquiriu, com intermediação (financeira) do banco “BANCO BB”, ii) não deve o banco ser responsabilizado por deficiente e malversa conduta na preparação/formação do negócio jurídico (indirecto) que o autor celebrou com a emitente das acções; iii) por incumprimento definitivo (na recompra das acções objecto do negócio) deve o contrato ser declarado resolvido; iv) deve em consequência da resolução que se irá decretar, a sociedade “CC ... – ..., S.A.”, que se obrigou a proceder à recompra das acções ser condenada a devolver ao autor o montante correspondente ao valor das aplicações indicadas; v) deve o autor ser condenado a entregar à sociedade emissora as acções que esta lhe vendeu.      

Com a solução que resulta das conclusões extractadas quedam prejudicadas as apreciações  elencadas  no apartado sob a enunciação das questões a apreciar e relativas ao pedido do recorrente: condenação por danos incertos e hipotéticos; bem como o relativo à ampliação do recurso atinente à nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código Processo Civil).
 

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder provimento ao recurso, pelas apontadas razões e, consequentemente:

a) - condenar a demanda “CC ... –..., S.A.” a pagar ao autor as quantias integrantes do pedido formulado sob o item designado com a letra D);

b) – condenar o autor a devolver à CC as acções que adquiriu e designadas no pedido sob a letra D) como aplicações n.º 2 a 5. 

- Por ter deduzido oposição ao recurso e decaído, em parte, condena-se o autor nas custas, na proporção de 1/2.


Lisboa, 05 de Maio de 2016

                                  

Gabriel Catarino – (Relator)

                                  

Maria Clara Sottomayor

                                  

 Sebastião Póvoas


 

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[1] A facticidade transcrita sob os n.ºs 31 a 36 corresponde às respostas aos artigos 4.º-A a 4.º F, aditados à base instrutória (B.I.) – cfr. fls. 1338 e 1339 (V vol.)
[2] A facticidade aqui transcrita é a resposta ao artigo 5º da B.I. – cfr. fls. 1338 e 1339 (V vol.)
[3] Alterada a redacção que ficou com o seguinte teor – cfr. fls. 57 da decisão: “Das acções identificadas em 23 a 26 e de 37 a 44, o Autor não pretendeu adquirir as da “CC - …, S.A.” e pretendia ficar com as acções da “CC - …, S.A.” apenas durante o prazo que ficou estabelecido em cada uma das aquisições”.   
[4] Alterada a redacção que ficou com o seguinte teor – cfr. fls. 57 da decisão: “Se o Autor tivesse previsto a hipótese de os negócios referidos de 23 a 26 e de 37 a 44 não serem considerados como aplicações substancialmente iguais a depósitos a prazo não aceitaria formalizá-los e teria exigido que fossem formalizados como depósitos a prazo”.
[5] Alterada a redacção que ficou com o seguinte teor – cfr. fls. 57-58 da decisão: “O Autor aceitou o aludido em 65 apenas pelo facto do BANCO BB, representado pelos referidos Presidente e Administrador, ter reconhecido expressamente que todas as aplicações que o Autor detinha no Banco eram substancialmente iguais a depósitos a prazo”.
[6] Alterada a redacção que ficou com o seguinte teor – cfr. fls. 58 da decisão: “A “S.L.N. Valor”, contestante, quis celebrar com o Autor tais contratos”.
[7] Cfr. Mariana França Gouveia, “O Principio Dispositivo e a Alegação de Factos em Processo Civil: a incessante procura da flexibilidade processual”, Estudo de Homenagem aos Professores Palma Carlos e Castro Mendes. 
[8] Pelo interesse doutrinal que encerra, pensamos valer a pena, para este tema, transcrever um tramo do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Outubro de 1996, relatado pelo Conselheiro Lopes Pinto, em que se aportam ensinamentos importantes para a compreensão do principio dispositivo e da estabilidade da instância. Queda transcrito, ainda que longo, o troço do citado aresto.
Uma das traves mestras do nosso processo civil declaratório é o princípio dispositivo pelo qual as partes dispõem do processo, como da relação jurídica material (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, p. 347).
 Corolários deste princípio são, entre outros, a necessidade de impulso processual (CPC - artigo 264, n. 1), quer o inicial quer o subsequente, e a correspondência entre o requerido e o pronunciado, expressão de Calamandrei, ut M. de Andrade (op. cit., p. 348), sem esquecer a necessária relação entre a causa de pedir e o pedido (Vaz Serra in RLJ 109/314) exigida pelo disposto nos artigos 193 n. 2 alineas a) e b) e 498 n. 4 do CPC.
 O princípio do pedido, como se pronunciou este Supremo Tribunal (vd. ac. de 3 de Junho de 1993 in B. 428/562), é um princípio axial que atravessa todo o processo civil e se manifesta em diversos preceitos do CPC (designadamente os artigos 3 n. 1, 193 n. 2 alínea a), 467 n. 1 alínea d), e 661 n. 1) e se impõe a todos os tribunais independentemente do seu grau hierárquico.
 O artigo 661 n. 1 do CPC, ao dispor que "a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir", consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium.
(…) Pedido é a pretensão do autor (artigo 467, n. 1 alínea d) do CPC), "é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar", "o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela
 (a providência judiciária requerida)" - aut. e op. cit., p. 107.
 O autor, ao concluir a sua petição (isto sem prejuízo da sua posterior modificabilidade, em sentido amplo, onde e quando for admitida), deve formular o pedido, "dizer com precisão o que pretende do tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção" (A. Varela in Manual de Processo Civil, p. 245, nota 1).
 A este se refere expressamente o artigo 498 n. 3 do CPC.
 Sem pedido não existe requisição da tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada, como escreveu M. Teixeira de Sousa citando Schonge-Schroeder-Niese (in BMJ 325/105).
Decorre daqui que, em princípio, não pode o tribunal ultrapassar quantitativamente o pedido.
 (…) “Em eventualidades estritas, o tribunal pode apreciar oficiosamente matéria de facto. Os factos reconduzíveis a esta situação são os factos de conhecimento notório, aqueles que são conhecidos de uma opinião pública que os toma por indiscutíveis, e os factos de conhecimento judicial, aqueles que são conhecidos do tribunal pelo exercício da sua actividade jurisdicional" (M.T. de Sousa in BMJ 325/71).
 Uma tal situação, em que o tribunal se socorre do disposto no artigo 514 do CPC, autorizará uma excepção àquela regra contida no artigo 661 n. 1 do CPC (aqui, repete-se, apenas há que cuidar quanto ao limite quantitativo) e que mais não é que um mero corolário do princípio dispositivo?
 A. Varela afirma estar-se "numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contenciosa, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes" (op. cit., p. 675).
 Ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É um direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação - total ou parcial - contra si reverte.
No aspecto quantitativo - e apenas a este nos termos que reportar, o credor de uma dívida de valor não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos (569 do CC; cfr. Vaz Serra in RLJ 108/235).
 A actualização não corresponde a um dano no sentido em que o toma a lei civil (dano, cujo objecto é concretamente, um bem jurídico, é essencialmente, a frustração de um ou mais fins - Gomes da Silva in "O dever de prestar e o dever de indemnizar", p. 123; o dano é um mal causado a um homem através dum bem que lhe seria útil - Castro Mendes in "Do conceito jurídico de prejuízo", p. 24; dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, é a lesão causada no interesse juridicamente tutelado - A.
Varela in Das Obrigações em Geral, I/558). É antes um desenvolvimento inerente à natureza da dívida e, como tal, o pedido formulado pode ser modificado na própria audiência de discussão e julgamento (artigo 273, ns. 2 e 3 do CPC).
As partes dispõem do processo, como da relação jurídica material; ao tribunal incumbe dirimir conflitos reais, não é nem pode ser instrumento de tutela de nenhum dos litigantes.
Contém a nossa lei o princípio da estabilidade da instância (artigo 268 do CPC), pelo que, citado o réu, a instância se deve manter a mesma quanto ao pedido, ressalvadas as possibilidades de modificação previstas na lei.
Considerando-se a desvalorização da moeda um facto notório, é dispensada a alegação e prova da mesma (artigo 514, n. 1 do CPC), devendo o tribunal extrair a consequência lógica resultante do facto de atender a um facto notório. Todavia, isso apenas dispensa a formulação do correspondente pedido até à concorrência do limite global do pedido efectivamente formulado. Doutro modo, estaria o tribunal a completar ou a alterar o pedido do autor.
Isto não é invalidado quer pelo disposto no artigo 663 n. 1 do CPC (este só se refere à situação de facto - cfr. Vaz Serra in RLJ 112/327, e respeita-se ao ser considerada a existência de um facto notório) quer no artigo 566 n. 2 do CC (atende-se à teoria da diferença até onde o autor, que é quem pode dispor, o permite).
Gozando o autor, não só em teoria mas no concreto, do princípio dispositivo e não o tendo querido atempadamente exercitar (não o tendo feito, apenas à sua inércia pode atribuir o ter ou o poder ter de suportar na totalidade, os efeitos da desvalorização) em toda a sua virtualidade não pode, mais tarde, pedir ao tribunal - nem este o pode oficiosamente fazer - que supra a sua omissão. Enquanto este se situa dentro do limite global do pedido não o extravasa mas se sponte sua ultrapassa esse limite global está a ir além do pedido formulado e, suprindo assim a omissão do autor, a ferir de nulidade a sentença (artigo 668, n. 1 alínea e) do CPC e cit. ac. STJ).
A certeza e a segurança do direito que se pretendem afirmar não contendem com o princípio da liberdade e da autonomia da vontade das partes nem com o da auto- -responsabilidade das mesmas. Por impressivas, de novo as palavras de M. de Andrade - "as partes é que conduzem o processo a seu próprio risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz.
É patente a conexão deste princípio com o dispositivo" (op. cit., p. 352).
Essa decisão não pode ser uma decisão surpresa pois que essa fere inequivocamente o princípio do contraditório que com aqueles outros está conexionado, eles também violados (ainda recentemente, H. Mesquita, retomando a lição dos processualistas, afirmou que a proibição contida no artigo 661 n. 1 do CPC foi tida "em rigorosa conformidade com o princípio do dispositivo e também para que não resulte violado o princípio do contraditório - in RLJ 128/251).
Tendo o processo uma estrutura dialéctica ou polémica, não se a respeita se o juiz, por sua iniciativa, suprir o que é ou resulta de negligência ou inépcia do autor.
Tem-se, pois, como rigorosa e juridicamente correcta a asserção que se lê no acórdão recorrido - a proibição de condenação em quantidade superior à do pedido é "justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objecto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à sua vontade, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor".
Prevendo a lei processual a possibilidade de o autor modificar, até ao encerramento da discussão em 1ª. instância, o pedido formulado de modo quantitativamente preciso se (artigo 273, n. 2 do CPC) a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, atendendo, por outro lado, à noção de pedido e vigorando entre nós, como traves mestras do processo civil, os princípios antes indicados, temos que se não pode considerar que "o pedido de condenação de uma dívida de valor coenvolve o da sua actualização em caso de desvalorização da moeda" (sublinhado nosso).
Com efeito, há que distinguir os aspectos substantivos dos processuais.
Porque o seu objecto não é "directamente uma quantia em dinheiro, mas uma prestação de outra natureza ou a atribuição de certo poder aquisitivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou meio necessário de liquidação da prestação" (ac. RP de 15 de Março de 1993 in Bol 425/623), quer-se a dívida de valor, por natureza, actualizada tomando-se como medida a correcção monetária, razão porque admite que o tribunal proceda à actualização.
Estes aspectos substantivos não colidem nem são prejudicados com os processuais - não impedem que o tribunal proceda oficiosamente (como se referiu) nem que o mesmo deva continuar a respeitar os princípios dispositivo e do contraditório.
O conhecimento oficioso não pressupõe que o tribunal tenha de proceder à actualização no seu limite mas apenas que pode ir até ele se o autor na defesa do seu direito assim o requerer, se o pedido for nesse sentido (e, claro, se a correcção dever ser nessa medida).
A parte contrária não é colhida de surpresa pois que, à partida, conhece o duplo aspecto substantivo (actualização e seu limite) e o processual da oficiosidade, para os quais está preparada, e sempre será ouvida (pronunciando- -se, caso o queira fazer, no sentido que entende melhor defender os seus interesses) em relação ao pedido, ainda que a ampliação seja pedida apenas antes de encerrada a discussão em 1ª. instância (artigos 273 ns. 2 e 3, 3 e 663 n. 1 do CPC; este momento não tem de necessariamente se situar dentro de uma audiência de discussão e julgamento - há processos que não a admitem e outros há em que se não atinge essa fase; todavia, nem por isso deixa de haver discussão, sendo até ao seu encerramento em 1. instância que o pedido pode ser ampliado).
Permite a lei que, não havendo elementos para fixar a quantidade, o tribunal condene no que se liquidar em execução de sentença (artigo 661, n. 2 do CPC). Nesse processo, não pode o exequente, autor na acção declarativa (ou o reconvinte), formular um pedido de liquidação em quantidade superior - está delimitado pelos termos da condenação proferida, e a sentença apenas pode condenar no que se liquidar na sua execução dentro dos limites do pedido formulado (portanto, esta argumentação, embora reconduza o intérprete ao essencial da anterior, reforça-a). Não pode o executado ser surpreendido (surpresa face ao título, muito embora lhe venha a ser dada oportunidade, na execução, para se lhe opor, e, a razão fundamental para tanto, seria o excesso em relação ao título, pressuposto da liquidação) com uma liquidação da dívida (aqui, de valor), que foi condenado a satisfazer, em quantia superior ao que legítima e licitamente poderia esperar (artigo 45 n. 1 do CPC).
 Se não houvesse que considerar o pedido como uma manifestação da vontade do autor (recorde-se que a petição inicial é um negócio jurídico - Vaz Serra in RLJ 109/313) ou a entender-se que esta poderia ser modificada por terceiro (ainda que esse seja o tribunal), à margem e independentemente dessa declaração de vontade, com base em considerações de justiça material (que o próprio não pretendeu nessa extensão), não subsistiria motivo para essa mesma razão não dever ser invocada, oficiosamente ou não, numa liquidação em execução da sentença, o que contrariaria o suporte da prória liquidação e iria colidir com o disposto nos artigos 45 n. 1 e 46 alínea a) do CPC  (o título executivo forma-se na acção declarativa, sendo a sua sentença condenatória complementada pela de liquidação, sentença que constitui o limite da execução e da liquidação).
 O pedido, indicando qual a medida de tutela que o autor pretende (seja por ter como a adequada in casu seja por diferente causa - altruísta, apenas para evidenciar a sem razão do réu, ou outra) para a defesa do seu interesse - e não se lhe pode impor uma vontade de pedir mais nem é legítimo pressupor que essa vontade era no sentido de alcançar um montante superior do que efectivamente pediu quando até ao momento final (artigo 273, n. 2 do CPC) poderia ter pedido outro e superior montante, é ele quem define essa medida -, funciona assim como o limite máximo da condenação (o limite possível, pois) dentro do limite (substantivo, pois) da actualização.
 Não sendo injuntiva a norma sobre a actualização da dívida de valor é lícito ao autor não só renunciar à mesma como a parte da totalidade da extensão que a mesma pode conhecer.
Admitir-se a inexistência de limite processual violaria o contraditório (vd., in BMJ 427/11-14, o cuidado que a coordenação dos princípios dispositivo e do contraditório requereu quando da discussão e redacção do artigo 264 n. 3 do CPC - elucidativas as redacções propostas por Cardona Ferreira e A. Varela para a parte final do então artigo 9 n. 2) e, por vezes, sem que o réu se lhe pudesse vir a opor-se (este não se esgota no simples ouvir a parte contrária; pense-se, v.g., em condenação em montante irrecorrível - será inócua uma arguição da nulidade do artigo 668 n. 1 alínea e) do CPC se o tribunal que àquela procedeu mantiver o seu entendimento anterior de poder ir além do efectivamente pedido).
Um dos princípios informadores do processo civil, e com consagração em todo o mundo civilizado, é o da igualdade das partes (princípio que os processualistas reconheciam mas entenderam dever ficar expresso na lei processual - artigo 3 alínea a) do CPC95). Este princípio permanece válido ao longo de todo o processo, não se esgota neste ou naquele momento, antes subsiste.
Daí que uma eventual interpretação que pudesse autorizar, ainda que indirectamente, uma situação de desigualdade de armas seja de afastar.
A defesa do réu pode processar-se por excepção. Imagine-se que o réu opôs a um pedido do autor, para que se o condene no cumprimento de uma dívida pecuniária, a compensação com base numa dívida de valor e que, na sua formulação, é preciso (excepcione ou reconvenha, há um pedido; embora na primeira hipótese não tenha aplicação o disposto no artigo 273 n. 2 do CPC o certo é que, também ali, procederia a ideia que preside à justificação da possibilidade de ir além do pedido - a justiça material, mas como se verá, ideia que, todavia, aqui não é posta de lado).
Excepcionando, formula o réu um pedido (Castro Mendes - DPC II/362) - em regra de sinal oposto, total ou parcialmente, mas que, inclusivamente, pela sua natureza, se pode não opor directamente à pretensão material do autor (v.g., pedido de absolvição da instância por haver lugar a litisconsórcio) - e este constitui um limite à cognição do tribunal, inultrapassável mesmo que na preocupação de uma justiça material se queira dela excluir
- rectius, ultrapassá-la - a vontade do real interessado.
 Ao réu não é lícito converter nem pretender que oficiosamente se converta a excepção de compensação em reconvenção se vier a concluir, a partir de certo momento, que o valor do seu contracrédito, por força da actualização, passou a ultrapassar o valor do crédito do autor.
Muito embora o termo "pedido" constante do artigo 661 n. 1 do CPC se reporte apenas ao do autor, prevaleceria para o do réu excipiente a mesma razão pelo que não se justificaria uma desigualdade de tratamentos a menos que outras razões se lhe opusessem. Todavia, ver-se-ia limitado, face à sua posição dentro do processo, não podendo ver procedente a actualização em toda a sua extensão (prima facie, uma norma que, na sua previsão, considerasse como o n. 3 do artigo 264 do CPC - vd. discussão sobre o artigo 9 n. 2 in BMJ 427/13-14 - "pretensão formulada pelo autor ou da excepção ou reconvenção deduzidas pelo réu", seria susceptível de anular essa limitação).
Por outro lado, excepcionada a compensação, fica o autor a saber, se aquela proceder, se nada receberá ou se ainda virá a receber algo. Seria surpreendido, vendo prejudicado os seus interesses, se, esperando receber, o tribunal tiver por totalmente extinto o seu direito pela realização do contracrédito do réu.
Resta, por fim, analisar a questão sob a perspectiva da teoria da pressuposição (não da vontade conjectural ou hipotética porquanto esta apenas poderia ser questionada se acaso aqui se devesse falar de negócio nulo ou anulado; A. Varela, reconduz a pressuposição, em última instância, a esta pois que a chamada vontade verdadeira ou pura no fundo desta não passa).
Poder-se-á falar aqui em "vontade não explicitada” (a condição não desenvolvida a que se referia Windscheid) geradora in casu não de uma ineficácia mas de uma modificação do negócio jurídico?
Como declaração de vontade, que não de ciência, à interpretação da petição inicial são aplicáveis as normas contidas no CC67.
Se um autor recorre a juízo e pede a condenação do réu na satisfação de uma dívida de valor, quando formula o pedido, contempla já na sua quantificação (esta, a quantificação, não é o pedido nem tem de necessariamente o integrar; porém, quando o pedido a tem como seu componente, cumpre à parte a sua indicação - ainda por força dos princípios dispositivo e do contraditório) a actualização reportada ao momento da propositura da acção.
Um dos princípios informadores do processo civil é o da celeridade processual e pode-se ter como dado adquirido que quem recorre a juízo pressupõe tal no seu espírito.
 Parafraseando M. de Andrade (in Teoria Geral da Rel. Jur. - II/405), do seu espírito está, pelo menos, arredada a "ausência de qualquer dúvida" sobre a celeridade processual.
E, adaptando os ensinamentos deste Mestre (op. cit., a p. 406-407), é seguro afirmar que tal pressuposição era conhecida ou cognoscível da parte contrária, a partir da sua citação, e que aquela está de harmonia com a própria finalidade (ou, pelo menos, com uma das finalidades) por si procurada ao recorrer à via judicial. Seguro também que esta modificação corresponde ao interesse do pressuponente (o autor), que não envolve injusto sacrifício para a contraparte (o réu) e que não viola o princípio da boa fé.
A aceitação desta modificação (tome-se-a como resultante de desenvolvimento ou como consequência do pedido primitivo) por parte dos tribunais está ínsita, a par da consideração sobre a natureza da dívida de valor, na justificação do conhecimento oficioso da sua actualização relativa ao lapso de tempo decorrido após a propositura da acção.
De outro lado, a lei processual, que consagra o princípio da estabilidade da instância, não deixa desacautelada a parte, pondo à sua disposição, no que adjectiva a lei civil, a possibilidade de corrigir os efeitos de eventuais atrasos quando pelos mecanismos da organização judiciária e/ou da administração da justiça e respectivos condicionamentos não for possível dar uma resposta rápida e segura a quem recorre à justiça.
Cabe perfeitamente na previsão da 2. parte do n. 2 do artigo 273 do CPC, a par de outras, a hipótese da demora na administração da justiça quando acompanhada do fenómeno inflacionário.
Tal como resulta claro da lição daquele Mestre (op. cit., p. 407-408) o acolhimento da teoria da pressuposição não prescinde de uma concreta manifestação da vontade real - o pressuponente tem de, pretendendo a modificação do negócio jurídico, definir o seu interesse e de indicar a contraprestação que tem como aquela que restaura o equilíbrio económico por si visado.
 Tais definição e indicação não cabem aos tribunais, que não são parte nem podem ser instrumentos de tutela de nenhum dos litigantes (cfr. red. para os artigos 264 n. 1, 664 e 3 alínea a); do juiz requer-se "a atitude de ser e parecer imparcial", na expressão de Cardona Ferreira in BMJ 427/12). Cabe aos tribunais "a confirmação ou a não confirmação da pretensão determinada, ou pedido, que o autor lhes dirija, e não (em princípio) a descoberta de formas diversas da composição do litígio" (ac. STJ de 19 de Fevereiro de 1991 in ROA 51/525).
 Uma interpretação actualista do artigo 661º, n.º 1 do CPC na base da teoria da pressuposição não é de acolher nem conduziria à solução oposta.
Não é de acolher - trata-se de doutrina bem anterior àquele normativo e bem conhecida do legislador, quer civil quer processual civil, que a consagrou onde e quando a teve como relevante - o que não sucedeu aqui - sempre sem ser como figura autónoma e sem carácter geral (para o CCSeabra, vd. M. de Andrade - op. cit, p. 408-409 e para o CC67, vd., A. Varela in RLJ 128/237; em relação ao que se disporá com a nova red. do CPC a conclusão é idêntica - esta diverge do discutido na Comissão de Revisão, BMJ 427/11, além de que "manifesto lapso" e "pressuposição" não são sinónimos e têm campo de aplicação diversos; se não inova quanto a factos instrumentais - vd. A. Varela in Manual, 416-417, quanto aos essenciais "que sejam complemento ou concretização de outros... alegado(s) e resultem..." o disposto no artigo 264 n. 3 afasta aquela teoria da pressuposição).
Não conduziria à solução oposta - não prescinde de uma concreta, e posterior à petição inicial, manifestação da vontade real na qual o autor defina o seu interesse e indique em que medida tem como restaurado o equilíbrio económico por si visado (mesmo com a redacção dada pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, e que a nova versão - Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, no que ora interessa deixou intocada - continua a exigir-se a manifestação da vontade - artigos 264 n. 3, 273 ns. 2, 3 e 5, 508 ns. 3 e 4, 661 n. 1, 663 n. 1 e 664).
Se se percorrer o CPC, "pedido", ao longo das várias disposições que se lhe referem, comporta sempre uma manifestação da vontade real, pressupõe-na e têm-na como expressão quer definidora quer limitativa do efeito jurídico possível a decretar pelo tribunal. Raras são as excepções mas aí intervem o legislador - v.g., artigos 500 e 1033 n. 2 do CPC, artigo 286 2. parte do CC.
 A solução não é encontrada através da mera literalidade (é "errada a concepção do direito como "texto", em termos apenas linguísticos, e não menos o seu pensamento metodológico segundo uma simples análise interpretativa de textos ou enunciados linguísticos, já que em ambos há que considerar um essencial "mais" constitutivo e problemático-intencional" ... "nem as "leis", em sentido jurídico, são simples "textos" no sentido e termos estritamente linguísticos nem a interpretação jurídica uma mera interpretação ou análise linguística ... e antes,..., um acto normativo" - Castanheira Neves in RLJ 128/231 e nota 803), embora esta a confirme ainda quando se proceda a uma sua interpretação actualista (artigo 9 do CC), mas antes por razões de fundo.
Tão pouco representa uma prevalência da justiça formal sobre a justiça material - é o autor quem define o limite da sua pretensão, podendo-o ampliar mais tarde, e o tribunal, ao não o ultrapassar, respeita essa sua vontade.
Na formulação da pretensão, quer da material quer da processual, há uma componente volitiva - o autor manifesta a sua vontade de que seja juridicamente tutelado o seu interesse e que essa tutela envolva a satisfação do seu pedido e na medida da sua formulação. O tribunal não pode conceder uma tutela não pretendida por aquele que a podia ter pedido mas o não fez, não lha pode impor em matéria onde pontifica a disponibilidade das partes.”    
[9] Cfr. para maiores desenvolvimentos, de la  Oliva Santos, Andrés e Diez-Picazo Giménez, Ignacio, in “Derecho Procesal Civil - El proceso de declaración”, Editorial Universitária Ramón Areces, 3.ª edición. 2008, págs. 445-466
[10] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 142-143 nota 5 e 53 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 247 nota 5 e 228 nota 2.
[11] J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.
[12] Vd. Ac. do STJ de 09-07-1982: B.M.J. 319 pág. 199.
[13] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 49 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.; J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anot, Vol. 2, Coimbra Editora – 2001, págs. 645-646 nota 2. No sentido de que os motivos, argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos não figuram entre as questões a apreciar no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, como jurisprudência unânime, pode ver-se, de entre muitos exemplos, p. ex., RT 61º-134, 68º-190, 77º-147, 78º-172, 89º-456, 90º-219 citados apud Abílio Neto Cód. Proc. Civil Anot. 8.ª Ed. (1987), págs. 514-515 nota 5, em anotação ao art.º 668º. Vd. ainda, v. g., Ac. do STJ de 01-06-1973: B.M.J. 228 pág. 136; Ac. do STJ de 06-01-1977: B.M.J. 263 pág. 187. 
[14] Vd. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.
[15] Cfr. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 136-143.
[16] Cfr. Alberto dos Reis, op. loc. cit. págs. 138-139
[17] Neste sentido veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de STJ de 13.06.2006, relatado pelo Conselheiro Pereira da Silva.
[18] Os enunciados fácticos cuja inadmissibilidade da resposta (provada) se impetra, tem a sequente redacção:
Enunciado nº 19: “E nunca pretendeu adquirir acções da CC – SGPS, SA?”; O enunciado fáctico a que alude no n.º 36, exibe a sequente proposição interrogativa: “O autor jamais desejou celebrar com a Ré CC os contratos aludidos em HH) e PP)?”, sendo as alíneas a que o enunciado se refere do seguinte teor: (HH – “O autor subscreveu a carta, datada de 2007.03.03 e entregue ao BANCO BB que se encontra junta como documento de fls. 44 e que aqui se dá por reproduzida na íntegra, dirigida à “CC – Sociedade Lusa de Negócios, SA”; PP – “Foi dirigida ao autor a carta, datada de 2007/11/27, que se encontra junta como documento de fls. 27 a 59 e que aqui se dá como reproduzida na íntegra, passada em papel timbrado da Ré CC e assinada pelo presidente do seu conselho de administração, DD.”); finalmente, o enunciado sob o n.º 39 assumiu a sequente redacção: “E de modo a permitir que estas operações não constassem do balanço do banco BANCO BB, a cujo conselho de administração presidia?”           
[19] Os enunciados cuja divergência probatória se questiona assumem a sequente redacção: n.º 14: “Ao contrário do que consta naqueles documentos, o autor nunca reuniu com o DD sobre esta matéria?”; e o n.º 15.º é do seguinte teor: “O autor nunca teve nenhum relacionamento, nem dialogou com os representantes da CC – Sociedade Lusa de Negócios, SA, a quem eram endereçadas?”; e o n.º 18 exibe o sequente teor: “O autor nunca teve qualquer relacionamento ou reuniões com representantes da ré CC – Valor, SGPS, SA?”.   
[20] O enunciado fáctico sob o n.º 24 é do sequente teor: “O autor entendeu a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 38 e 39 como expressão do que tinha sido acordado e transmitiu essa sua posição ao presidente do BANCO BB, conforme documento de fls. 40 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais?”.

[21] cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Setembro de 2009,  relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues, em que se escreveu (sic): “Por isso mesmo se diz que o Supremo Tribunal de Justiça é um Tribunal de revista, isto é, conhece apenas da matéria de direito, o que, aliás, está consignado no artº 26º da Lei 3/99 de 13/01, onde se prescreve que «fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito».

Nesta conformidade, a jurisprudência uniforme deste Tribunal tem sido no sentido de que «de harmonia com o artigo 722º, nº 2 do CPC, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista (nem de agravo como decorre do artº 755º, nº 2, do CPC), salvo havendo ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, em que fixa a força de determinado meio de prova», como sentenciou o Ac. STJ, de 25.09.1996 in ADSTA, 420º- 1467.” 

[22] Quanto aos poderes de sindicância do Supremo Tribunal de Justiça da reapreciação efectuada pelo Tribunal veja-se o acórdão desta secção de 31-03-2009, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se sumariou:”1. Nos termos do artigo 712.º do Código de Processo Civil, a Relação só pode tocar na matéria de facto apurada na 1.ª instância alterando-a; determinando a renovação dos meios de prova; anulando o julgado; determinando a sua fundamentação.2) Do uso de qualquer destes poderes não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas este Supremo Tribunal pode sobre eles exercer censura directa ou indirecta. 3) A censura directa consiste em apurar se a Relação excedeu os limites do artigo 712.º do Código de Processo Civil. Exerce censura indirecta – ou tácita – quando verificando o não uso pela Relação dos poderes de alteração ou de anulação da decisão de facto, manda ampliá-la para que constitua base suficiente para a decisão de direito ou determina a eliminação de contradições impeditivas da solução jurídica. 4) A faculdade da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º, do Código de Processo Civil pressupõe que a matéria de facto tenha sido impugnada nos termos do artigo 690-A (hoje 685-B) ou que do processo constem todos os elementos de prova que fundamentaram o julgado em 1.ª instância. 5) A faculdade da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 712.º pressupõe que os elementos constantes dos autos apontem inequivocamente – e sem possibilidade de ser contrariado por quaisquer outras provas – para uma decisão diversa.6) Embora a Relação possa fazer uso de presunções judiciais (simples, de experiência ou de primeira aparência) não pode utilizá-las para alterar um facto dado por provado pela 1.ª instância, e alcançar outro diferente, mas tão-somente, dele se servir como fundamento base do raciocínio lógico-discursivo que conduziu à conclusão presumida.7) E o Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar se foram respeitadas as normas jurídicas que regulam o uso (e a base de que partiu) a presunção judicial.” Ou ainda do mesmo Relator o acórdão de 02-02-2010 em que se escreveu: “1) O Supremo Tribunal de Justiça está limitado nos seus poderes sobre a matéria de facto, âmbito em que, de harmonia com o disposto nos artigos 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro – e 722.º, n.º 2 e 729.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, só lhe é lícito intervir em questão de prova vinculada ou perante desrespeito de norma reguladora do valor legal das provas. 2) Tratam-se de questões de direito, já que, em tais hipóteses, não há que apreciar as provas segundo a convicção de quem julga (artigo 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) mas apenas determinar se para a prova de certo facto a lei exige, ou não, determinado meio de prova insubstituível, ou de decidir se determinado meio de prova tem, ou não, face à lei, força probatória plena. 3) Fora do âmbito da prova vinculada, cuja apreciação é pura matéria de direito, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos da causa, isto é, a decisão da matéria de facto, é de livre apreciação do julgador nas instâncias no seu papel de apuramento da factualidade relevante, cabendo à Relação a última palavra. E mesmo a Relação só pode censurar o respondido à base instrutória através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil. 4) E só se, na fase de julgamento do mérito, o Supremo Tribunal de Justiça deparar com insuficiência de matéria de facto para decidir de direito, ou se o acervo factual contiver contradições inviabilizadoras dessa decisão, é que deve devolver o processo ao tribunal recorrido para ampliar a decisão de facto, desde que nos limites da matéria alegada (artigo 729.º, n.º 3, ainda do Código de Processo Civil). Ou ainda os acórdãos de 28-06-2011; de 12-09- 2006; 19-12-2006; 12-09-2006 e 16-12-2010, todos  in www.stj.pt
[23] cfr. acórdão deste Supremo, de 13-11-2012, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se sumariou: “1. Se a Relação reaprecia a prova ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, fá-lo livremente formando a sua convicção acerca de cada facto questionado, tal como a 1.ª instância, nos termos do artigo 655.º do Código de Processo Civil. 2. O actual artigo 685-B, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil não obriga a que a impugnação seja feita por referência aos artigos da base instrutória, nem à especificação separada dos meios de prova gravados relativamente a cada um dos factos postos em crise. 3. Obriga, sim, a que se seriem os concretos pontos de facto e relativamente a cada um se identifique o meio probatório impositivo de decisão diversa, sendo tal indicação feita com referência à gravação constante da acta. (…) 5. O Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista, limita-se a aplicar o direito aos factos materiais que as instâncias fixaram, não podendo sindicar essa fixação salvo nas situações excepcionais dos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. 6. Mas pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto já que se tal for feito ao arrepio do artigo 712.º, do Código de Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.”

[24] Cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2009, Proc. n.º 4092/08; de 21-09-2010 Proc. n.º 2/03.5TBMNC.G1.S1; de 21-10-2010, Proc. n.º 937/06.3TBCSC.L1.S1; e de 30-11-2010, Proc. n.º 581/1999.P1.S1, in www.stj.pt . Veja-se ainda, pela novidade, o recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26-02-2013, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, de cujo sumário consta: “I – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722.º, n.º 2, do CPC). II – Não se verificando nenhuma destas hipóteses, o STJ tem de acatar a decisão de facto recorrida, visto que somente lhe compete, enquanto tribunal de revista, aplicar aos factos materiais fixados pela Relação o regime jurídico que julgue adequado (art. 729.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). III – Se o STJ não censurar a decisão de facto das instâncias com base no art. 722.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, terá necessariamente de improceder a revista que não impugne o julgamento de fundo adoptado pela Relação quando a matéria de facto subsista inalterada.” Ou ainda o acórdão desta secção relatado pelo Conselheiro Alves Velho, de 11-12-2012, em cujo sumário se extractou a seguinte doutrina: I – Quando a Relação tenha procedido a alteração da matéria de facto, o STJ não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes nesse campo, pois que em causa está averiguar se houve violação da lei, designadamente dos critérios legais fixados no art. 712.º, n.º 1, do CPC e dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório. I – Em regra, se as respostas ultrapassam o âmbito da matéria quesitada, em termos não comportáveis no articulado pelas partes, têm de ser limitadas ao âmbito do perguntado, considerando-se não escrito o que o exorbite. III – Porém, se tal não se mostra possível, em virtude de, por exemplo, a resposta se traduzir na criação de factos novos, inserindo conteúdo diferente do perguntado ou invertendo o sentido do que estava sob indagação, então, terá de ser completamente eliminada. IV - A decisão da Relação que, em apreciação de impugnação da matéria de facto, visando o recorrente que se responda “provado” ou “não provado” a certos quesitos, modifique o sentido da factualidade para mais gravosa para o impugnante que o que resultaria das simples respostas de “provado” ou “não provado” a esses quesitos, preenche os vícios de excesso de pronúncia e de violação de normas processuais relativas ao uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo referido art. 712.º, com referência ao n.º 4 do art. 646.º do CPC.” Ou ainda o acórdão deste Supremo, de 10-07-2008, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que, na parte interessante do sumário se escreveu: “1) Cumpre às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1.ª instância. 2) Enquanto Tribunal de revista, com competência restrita à matéria de direito, só nos limitados termos do n.º 2 do artigo 722.º e do artigo 729.º, é consentido ao Supremo Tribunal de Justiça que intervenha em matéria de facto. A possibilidade de debater questões de facto perante este Tribunal confina-se ao domínio da prova vinculada. 3) O exercício, ou não, pela Relação dos poderes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil é incensurável pelo Supremo Tribunal de Justiça sendo a respectiva decisão irrecorrível.4) O Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.5) A fundamentação das respostas aos quesitos – quer quanto aos provados, quer quando aos não provados – basta-se com uma explicação sucinta do “iter” lógico-dedutivo que levou à conclusão encontrada. 6) O princípio da livre apreciação das provas para a formação da convicção do julgador implica que na fase de ponderação decorra um processo lógico-racional conducente a uma conclusão sensata e prudente. 7) Mas esse processo, insondável e íntimo, não tem que ser transposto para a motivação, que se limita a elencar criticamente as provas consideradas credíveis. 8) Contra a falta ou a insuficiência da motivação reage-se com o incidente do n.º 4 do artigo 653.º Código de Processo Civil, também na Relação quando altera ou inova a base instrutória.
[25] Cfr. Parecer do Professor Lebre de Freitas, citado supra, de 10 de Outubro de 2014.
[26] In “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 114, pág. 287.
[27] Cfr. Acs do STJ de 22/06/82 no BMJ 318º-415, de 30/01/01, Proc. nº 00A3948, de 13/7/2004, Proc. 04B2302, de 27/1/2004, Proc. 03A3446, de 20/01/10, Proc. nº 357/2000.P1.S1, e de11/01/11, Proc. nº 6026/04.8TBBRG.G1.S1, desta Secção, no ITIJ.
[28] Cfr. Revista n.º 1153/08.5TVPRT.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Gregório de Jesus.
[29] Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9-12-2008, relatado pelo Conselheiro Urbano Dias.
[30] Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28-05-2009, relatado pelo Conselheiro Rodrigues dos Santos
[31] A lei veio atribuir à confissão constante de documento particular “eficácia plena apenas aquela que conste de documento assinando, excluindo do seu âmbito de previsão declaração representativa contra se (…) constante de documento particular não assinado que não é costume assinar (CC 380 e 381 e C. Comercial art. 44).” – cfr. José Lebre de Freitas, “A Confissão no Direito Probatório – Um Estudo de Direito Positivo”, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 283. Este Professor estima constituir uma excrescência o preceito do art. 376-2 do C.C. “o qual, não tendo qualquer aplicabilidade fora da figura da confissão e subordinando-se, e sede desta, ao disposto no art. 358do C.C., só pode ter como conteúdo útil o de reforçar, ainda que por forma muito inadequada, a interpretação do n.º 4 deste último artigo no sentido de terem eficácia de confissão as declarações representativas contra se constantes de documentos particulares não dirigidas a pessoa determinada, pelo que deveria, pura e simplesmente, ser suprimido em próxima revisão do C.C.” – p. 284-285. Inda este Professor na nota de rodapé que “Tomado à letra, o art. 376-2 significaria que as declarações confessórias constantes de documento particular têm valor de prova legal – plena (C.C. art. 347) ou bastante (C.C. art. 346) – o que manifestamente contraria o disposto no art. 358 do C.C. que só confere força probatória legal à confissão constante de documento particular quando ela seja feita à parte contrária, deixando ao juiz, nos outros casos, plena liberdade para considerar ou não suficiente a declaração confessória como factor probatório do facto a que se refere, ainda que susceptível depois de contraprova (o art. 346 do C.C. aplica-se, nesta restrita medida, à prova bastante e á prova livre: C. Mendes, D.P.C.;III, p.197)-Mas é claro que, na harmonização dos dois preceitos o do art. 358 não pode deixar de prevalecer.”                 
[32] Para maiores desenvolvimentos veja-se Lebre de Freitas, in op. loc. cit., p. 697 a 788, em que aborda os diversos vícios de que pode estar ervada a declaração confessória, tais como a simulação, a fraude à lei , a reserva mental e os desvios que a podem inquinar, tais como a incapacidade, a coacção física ou a falta de seriedade (p. 776)     
[33] Cfr. José Lebre de Freitas, “A Confissão no Direito Probatório – Um Estudo de Direito Positivo”, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 697.
[34] Cfr. José Lebre de Freitas, “A Confissão no Direito Probatório – Um Estudo de Direito Positivo”, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 704-705.
[35] José Lebre de Freitas, “A Confissão no Direito Probatório – Um Estudo de Direito Positivo”, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 714 a 716.
[36] Cfr. José Lebre de Freitas, “A Confissão no Direito Probatório – Um Estudo de Direito Positivo”, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 699.
[37] Quanto às regras de diligência que devem ser presentes no relacionamento da instituição bancária (intermediária financeira) e o cliente veja-se Gonçalo André Castilho dos Santos, “A responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente”, Almedina e CMVM, 2008, págs. 88 a 145, que em momentos seguiremos, data vénia. 
[38] In Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2006, Ano 66, Vol. III, Dez. 2006.
[39] Paulo Luiz Netto Lobo, Jus Navegandi, Teresina, Ano 9, n.º 711, 16 jun. 2005, disponível em hhtp;//www1.jus.com.br.doutrina/texto.
[40] Quanto à temática da necessidade de adequar as informações ao perfil do cliente veja-se, em pormenor, Gonçalo André Castilho dos Sanos, in op. loc. cit. pág. 105-109. 
[41] Ambos os acórdãos citados se encontram disponíveis em www.dgsi.pt
[42] Cfr. Brandão Proença, José Carlos, in “Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações”, Coimbra Editora, 2011, pág. 288. “A resolução, enquanto poder dispositivo do contraente legitimado, procura tutelar, na fase de cumprimento, essa conexão entre as prestações, essa relação de proporcionalidade (que também está na génese da excepção de não cumprimento), ao mesmo tempo que surge ligada a eventos objectivos não neutros (por ex. a insolvência) ou ao significado da perda de confiança, com inexigibilidade de manutenção vinculativa, por violação dos deveres de conduta arvorados a deveres fundamentais”. Ou noutra versão do mesmo autor in “A resolução do Contrato no Direito Civil – Do enquadramento e do regime”, Coimbra Editora, (Reimpressão), 2006, pág. 74 “[a] resolução nos surge como o poder unilateral de extinguir um contrato (maxime bilateral) válido, em virtude de circunstâncias posteriores à sua conclusão e frustrantes (o facto subjectivo de um certo incumprimento) do interesse na execução contratual ou desequilibradoras (o facto objectivo de uma anómala alteração ou a não verificação das condições contratuais pressupostas) da relação de equivalência económica entre as prestações e desencadeando uma normal “liquidação” retroactiva”. Vide ainda Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, pág. 242 e Pessoa Jorge, in “Direito das Obrigações”, págs. 211 e 647 (a rescisão como vontade vinculada apta a “sanar” uma “inexecução ilícita”).  
[43] Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves, de 22-03-2011, em que se escreveu:I - A resolução do negócio pode fundar-se na lei ou em convenção (cf. art. 432.º do CC): a) se a resolução se funda na lei, está-se perante a condição resolutiva tácita, que consiste no direito potestativo, conferido a um dos contraentes, de ter o contrato por resolvido em virtude da outra parte não ter cumprido a sua prestação; b) se a resolução se funda em convenção, está-se perante a condição resolutiva expressa, que se traduz na destruição da relação contratual com base num facto posterior à sua celebração, não tendo tal facto de estar necessariamente ligado ao incumprimento, podendo consistir numa simples razão de conveniência. II - O beneficiário de uma condição resolutiva expressa não poderá exercer o direito à resolução do contrato se, por acordo das partes, se alterou a situação nela prevista (v.g. prorrogação do prazo previsto no contrato-promessa para a outorga da escritura pública de compra e venda).”  

[44] Cfr. neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 12-01-2010, relatado pelo Conselheiro Paulo Sá, em que a propósito se escreveu: “I – A mora nos termos do art. 804.º, n.º 1, do CC, apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e não lhe confere o direito à resolução do contrato; no caso de contrato-promessa de compra e venda, em que tenha havido lugar à constituição de sinal, só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art. 442.º, n.º 2, não bastando, para o efeito, a simples mora, porquanto nada justifica que se excepcione o contrato-promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos. II – O prazo fixado para a execução de um contrato – incluindo o prazo para a celebração do contrato prometido –, pode ter a natureza de prazo absoluto ou de prazo relativo: a) sendo absoluto – o que sucederá quando as partes fixarem um prazo para o cumprimento de determinada obrigação, de modo que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor –, decorrido o prazo para a celebração do contrato prometido sem que este seja realizado, caduca o contrato-promessa; b) sendo relativo, determina a simples constituição em mora, conferindo ao credor o direito a pedir o cumprimento, a sua resolução (verificados os demais pressupostos legais) ou a indemnização legal moratória. III – A determinação da natureza do prazo depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes, devendo, em caso de dúvida, ter-se como estabelecido um prazo absoluto, por ser de presumir que os outorgantes quiseram efectivamente vincular-se de harmonia com os termos do contrato. IV – Além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o carácter definitivo do incumprimento do contrato-promessa verifica-se nas três hipóteses seguintes: a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação; b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta; c) se o devedor declarar inequívoca e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato. V – A lei admite a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato, quando ocorra certo e determinado facto (v.g. não cumprimento ou não cumprimento nos termos devidos, segundo as modalidades estabelecidas, de uma obrigação). A esta estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa. VI – Em termos de culpa, importa ter em consideração a presunção prevista no art. 799.º, n.º 2, do CC, em conjugação com o art. 487.º, n.º 2, presunção essa que se aplica à culpa na impossibilidade do cumprimento. VII – Quem se assume como promitente-vendedor de fracção a construir, recebendo do promitente-comprador um sinal, terá de prever toda uma série de diligências de natureza burocrática e eventuais obstáculos administrativos e, em relação a eles, precaver-se atempadamente.” 
[45] Cfr. Brandão Proença, “Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações”, págs. 288, 289, 290 e 291.

[46] Cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 06-02-2007, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas onde se sumariou: “2) Na ausência de convenção diversa, e no caso de mora, a sua translação em incumprimento impõe uma interpelação admonitória, com fixação de um prazo suplementar cominatório. 3) Se um dos promitentes estiver em mora relativamente à celebração do contrato definitivo, o outro deve notificá-lo, concedendo-lhe um prazo razoável para o cumprimento, sob pena de considerar definitivamente não cumprido o contrato. 4) No caso de o credor perder o interesse na prestação ou de esta não ser realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, é que se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação, com o consequente direito potestativo de resolução. 5) A interpelação/notificação admonitória só produz o efeito previsto no artigo 808º nº1 do CC (conversão da mora em incumprimento definitivo) se se traduzir numa intimação para o cumprimento, dentro de um prazo razoável em vista dessa finalidade, e em termos de directamente deixar transparecer a intenção do credor de ter a obrigação como definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. 6) O prazo cominatório destina-se (e é fixado para) à celebração do contrato prometido, que não para o cumprimento de quaisquer outras obrigações acessórias ou complementares que integrem o “iter” negocial. 7) A recusa de cumprimento – “repudiation of a contract” – tem de se traduzir numa declaração absoluta, inequívoca e clara que anuncie o propósito de não cumprir. 8) Verificando-se essa inequívoca e peremptória recusa, há equivalência à interpelação antecipada, sendo dispensada a interpelação admonitória. 9) Para que se tenha por demonstrada a falta de interesse do credor na prestação (artigo 808º do CC) não basta o juízo valorativo arbitrário do próprio credor, antes aquela há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados, sendo revelador da não perda do interesse a formulação de um pedido subsidiário consistente na fixação de novo prazo para cumprimento da obrigação”. Ou ainda do mesmo relator, o acórdão deste mesmo Tribunal de 28-06-2011, de cujo se respiga a parte interessante. “2. O incumprimento definitivo restringe-se a quatro situações: recusa de cumprimento (“repudiation of a contract” ou “riffuto di adimpieri”); termo essencial (prazo fatal); cláusula resolutiva expressa (impositiva de irretractibilidade); perda do interesse na prestação. 3. A “anticipatory breach of contract” tem de traduzir-se numa declaração absoluta, inequívoca, peremptória do propósito de não outorgar o contrato definitivo. 4. O termo essencial deve ser clausulado em termos claros, e explícitos, salvo se resultar da natureza ou da modalidade da prestação, sob pena do incumprimento desse prazo se traduzir num mero retardamento, ou mora.” 
[47] Cfr. Batista Machado, João, in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, págs. 348/349.
[48] Cfr. Bruno Rodriguez-Rosado, in op. loc. cit. p. 207.
[49] Cfr. Diez-Picazo, citado por Bruno Rodriguez-Rosado, p. 215.
[50] Cfr. Sentença do Tribunal Supremo, de 26 de Setembro de 2007. Do mesmo passo a sentença deste Supremo Tribunal de 17 de Março de 2011, ditava que “[basta] atender ao dado objectivo da injustificada falta de cumprimento ou produzida por causa não imputável aquele que pede a resolução, sempre que tenha entidade suficiente para motivar a frustração do contrato.”