Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
024319
Nº Convencional: JSTJ00012701
Relator: ABILIO DE ANDRADE
Descritores: FOGO POSTO
PUNIÇÃO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19370709024319
Data do Acordão: 07/09/1937
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 21-04-1937; COL OF ANO36,252 - RT ANO55,215
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 3/1937
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PATRIMONIO.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 18 ARTIGO 463 ARTIGO 464 ARTIGO 468 N1 N2 PAR1 PAR2.
CPP29 ARTIGO 668.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1932/01/29 IN COL OF ANO31 PAG33.
Sumário :
O facto de o proprietario lançar o fogo a edificio seu, situado fora do povoado e não habitado nem destinado a habitação, para receber das companhias seguradoras as respectivas indemnizações, não e punivel pelas disposições do artigo 468 do Codigo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em tribunal pleno:

Foram julgados em processo correccional, na comarca de Almada, A e seus filhos B e C, casados, os dois primeiros proprietarios e o ultimo trabalhador.
Eram todos acusados, como autores, do crime previsto e punido pelo paragrafo 1 do artigo 468 do Codigo Penal por, no dia 21 de Agosto de 1933, cerca das treze horas, na Quinta do Macial, da dita comarca, o reu B, instigado pelo co-reu Manuel e directamente auxiliado pelo co-reu Antonio, ter lançado o fogo a um edificio, ao tempo deshabitado, que e propriedade do reu pai, com o fim de se locupletarem com as importancias dos seguros do mesmo edificio feitos nas Companhias Fidelidade e Tagus. E a sentença de folha..., julgando improcedente e não provada a acusação contra o reu A, absolveu-o, e, dando como provado o facto imputado aos co-reus e que o crime era possivel sem o auxilio prestado pelo reu Antonio, condenou o reu B, como autor do crime de que vinha acusado, na pena de dezasseis meses de prisão correccional e igual tempo de multa a razão de 2 escudos por dia, e C, como cumplice do mesmo crime, na pena de seis meses de prisão correccional e igual tempo de multa a razão de 1 escudo por dia, levando a ambos em conta a prisão preventiva.


Recorrendo desta sentença os dois reus condenados e o digno agente do Ministerio Publico, o acordão da Relação de folha..., pelos fundamentos de falta de prova do facto imputado aos reus e de, quando se provasse, tal facto não ser punivel, confirmou a aludida sentença quanto ao reu A e revogou-a quanto aos reus B e C, absolvendo-os tambem. Em virtude de recurso interposto pelo douto magistrado do Ministerio Publico foi o dito acordão da Relação revogado, quanto a estes dois reus, e mantida a sentença da 1 instancia pelo acordão deste Supremo Tribunal de Justiça de folha....
Deste acordão recorreram para o tribunal pleno os referidos B e C, com o fundamento de o mesmo acordão estar em oposição, sobre a mesma materia de direito, com o acordão do dito tribunal de 29 de Janeiro de 1932, publicado na Colecção Oficial, ano 31, paginas 39 e seguintes.
O que tudo visto, ponderado e discutido:


Considerando que, tendo o invocado acordão de 29 de Janeiro de 1932 decidido que o fogo posto pelo proprietario a sua propria coisa não e punivel pelo artigo 468, nem pelo seu paragrafo 1, do Codigo Penal se a coisa ou objecto incendiado não for das enumeradas nos artigos 463 e 464 do mesmo Codigo, e o acordão de que se recorre decidido que, embora a casa incendiada a que se referem os autos não esteja compreendida nestes dois citados artigos, o facto e punivel por, pelo paragrafo 1, do dito artigo 468, que e de caracter generico, o fogo posto pelo proprietario da coisa para receber da companhia seguradora a importancia do seguro ser punivel, ainda que a coisa ou objecto a que o fogo foi lançado não seja dos indicados nos mencionados artigos 463 e 464, ha manifesta oposição, sobre a mesma materia de direito, entre os dois aludidos acordãos, e:
Considerando que, tendo o recurso sido interposto oportunamente, em termos e por pessoas competentes, se verificam todas as condições exigidas pelo artigo 668 e seu paragrafo do Codigo do Processo Penal para a sua admissibilidade, cumprindo, por isso, tomar dele conhecimento;
Considerando que, como claramente resulta da sua letra, o citado artigo 468 so pune o proprietario que lança o fogo a sua propria coisa se o objecto incendiado for edificio ou lugar habitado (n. 1), ou se for algum dos enumerados nos artigos 463 e 464 do mesmo Codigo, e por o incendio causar voluntariamente prejuizo em qualquer propriedade de outra pessoa (n. 2);


Considerando que o paragrafo 1 do dito artigo 468, estabelecendo pena para "quando o prejuizo ou o proposito de causar o prejuizo consistir em fazer nascer um caso de responsabilidade para terceiro, ou em defraudar os direitos de alguem", não veio ampliar o numero das coisas que, nos termos do n. 2 do respectivo artigo, podem ser objecto de fogo, mas apenas declarar bastante, para a assistencia de crime, o simples proposito de causar o prejuizo, se este consistir em fazer nascer um caso de responsabilidade para terceiro, quando pelo n. 2 era indispensavel haver o prejuizo efectivo (Notas ao Codigo Penal, volume IV, paginas 354 e 355; Professor Dr. Barbosa de Magalhãis, Gazeta da Relação de Lisboa, ano 49, pagina 333, nota);


Considerando que não sendo, no caso vertente, a coisa a que foi lançado o fogo qualquer das indicadas nos falados artigos 463 e 464, o facto a que se referem os autos não constitui infracção punivel pelo citado artigo 468, nem pelo seu paragrafo 1, nem por força do seu paragrafo 2, ou de qualquer outra disposição legal, visto, como diz a Relação, não se mostrar que houvesse dano para alguem ou violação de qualquer regulamento de policia;
Considerando que, se e realmente confrangedor deixar impunes actos que repugnam aos sentimentos humanos e a moral social não podem os tribunais, como expressamente determina o artigo 18 do Codigo Penal, recorrer a analogia ou indução por paridade ou maioria de razão para qualificar qualquer facto como crime, consequentemente para suprir qualquer lacuna da lei.


Pelos fundamentos expostos concedem provimento ao recurso, revogam o acordão recorrido e mantem o acordão da Relação, e estabelecem o seguinte assento: "O facto de o proprietario lançar o fogo a edificio seu, situado fora do povoado e não habitado nem destinado a habitação, para receber das companhias seguradoras as respectivas indemnizações, não e punivel pelas disposições do artigo 468 do Codigo Penal".



Lisboa, 09 de Julho de 1937

Abilio de Andrade - Lopes Cardoso - Carlos Alves - Costa Santos - E. Santos - Ramiro Ferreira - Luiz Osorio -
- Afonso de Albuquerque - Alberto Placido - Adriano Fernandes - Magalhãis Barros - J. Soares.