Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
035495
Nº Convencional: JSTJ00008224
Relator: COSTA FERREIRA
Descritores: MINISTERIO PUBLICO
ACUSAÇÃO
PROCESSO CORRECCIONAL
RECURSO
NOTIFICAÇÃO
ARGUIDO
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DO RECURSO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198104080354951
Data do Acordão: 04/08/1981
Votação: MAIORIA COM 9 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1981-04-08, PÁG. 1191 A 1194 - BMJ Nº 306 ANO 1981 PÁG. 151
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 1 PARUNICO ARTIGO 70 ARTIGO 352 ARTIGO 370 N1 ARTIGO 371 ARTIGO 390 N2 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 647 N1 N2 PAR3 ARTIGO 649 ARTIGO 668 ARTIGO 669 PARUNICO.
CPC67 ARTIGO 228 N1 N2 ARTIGO 475 N3 ARTIGO 680 N1 N2 ARTIGO 742 N1 ARTIGO 760 N1 ARTIGO 763 ARTIGO 766 N3.
CONST76 ARTIGO 32 N1 N5.
DL 35007 DE 1945/10/13 ARTIGO 13.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL PROC9190 DE 1979/02/07.
ACÓRDÃO RL PROC9163 DE 1979/02/02.
Sumário :
Não recebida a acusação pelo Ministerio Publico formulada, em processo correccional, e interposto por esse magistrado recurso da respectiva decisão, não tem que ser notificado ao arguido o despacho que tal recurso recebe.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em pleno, os juizes do Supremo Tribunal de Justiça:

Cumprido o determinado no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, o excelentissimo representante do Ministerio Publico junto do Tribunal da Relação de Lisboa recorreu para o tribunal pleno do Acordão de 7 de Fevereiro de 1979 (processo n. 9190-2), cuja decisão diz estar em oposição com a do Acordão de 2 do mesmo mes e ano (processo n. 9163-2), ambos daquela mesma Relação.
Pretende-se ver fixada jurisprudencia sobre a questão posta e por forma diversa resolvida em um e outro daqueles acordãos, questão que consiste em saber se, rejeitada a acusação em processo correccional deduzida pelo Ministerio Publico e interpsoto recurso por este do respectivo despacho, deve ou não o acusado ser notificado do despacho que tal recurso admita para efeito de, se assim o entender, apresentar na devida altura a sua contra-alegação.
A secção criminal reconheceu, a folhas 23 e seguintes, que as decisões proferidas naqueles dois acordãos estão em oposição e, em consequencia, ordenou o prosseguimento do recurso.
Na sua alegação de folhas 27 e seguintes, o ilustre magistrado do Ministerio Publico conclui no sentido de que deve ser lavrado assento do teor seguinte:
Deve ser notificado ao arguido o despacho que recebe o recurso interposto pelo Ministerio Publico, em processo correccional, do despacho que não recebeu a sua acusação.
Com os vistos legais, cumpre decidir.
Ha que verificar, antes de mais, e uma vez que a decisão da secção não vincula o tribunal pleno - artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil, aplicavel por força do paragrafo unico do artigo 668 e paragrafo unico do artigo 669 do Codigo de Processo Penal -, se entre os acima apontados acordãos ha efectivamente oposição relevante, isto e, se, para alem do mais que naquele artigo 669 e no artigo 763 do Codigo de Processo Civil e exigido, os dois acordãos resolveram a mesma questão fundamental de direito e na sua decisão adoptaram soluções opostas.
De um e outro dos referidos acordãos, que foram proferidos em processos diferentes, não era admissivel recurso ordinario - artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal.
Não vem posto em causa o transito em julgado do em primeiro lugar exarado.
Ambos foram proferidos no dominio da mesma legislação -
- entre outros, os artigos 370, 371 e 390, n. 2, do Codigo de Processo Civil.
E manifesto que num e noutro estava em causa uma so e a mesma questão de direito, a acima ja enunciada.
Como manifesto e que a essa mesma questão foram dadas soluções opostas, ja que:
No de 2 de Fevereiro de 1979 se decidiu que, por aplicação ao caso do disposto no artigo 475, n. 3, do Codigo de Processo Civil (aplicação a fazer nos termos do disposto nos artigos 649 e 1, paragrafo unico, do Codigo de Processo Penal), o despacho a admitir o recurso interposto pelo Ministerio Publico do despacho de não recebimento de acusação sua formulada em processo correccional deve ser notificado ao arguido a fim de sobre o recurso interposto tomar a posição que entenda;
No de 7 do mesmo mes e ano, e ao contrario, se entendeu e decidiu que, em hipotese precisamente igual a antes referida, não havia lugar a notificação do arguido para os termos do recurso que o Ministerio Publico interpusera.
Face ao que, por haver entre os dois identificados acordãos oposição relevante, se passa a conhecer do objecto do recurso.
O artigo 1 do Codigo de Processo Penal, ao estabelecer que o exercicio da acção penal se fara nos termos desse mesmo diploma, logo acrescenta no seu paragrafo unico que, para os casos omissos que não possam ser resolvidos com a aplicação por analogia das suas disposições, se observarão "as regras do processo civil que se harmonizem com o processo penal", e, na falta deles, se aplicarão "os principios gerais do processo penal".
Dai que, considerando a ordem de precedencia naquele paragrafo unico estabelecida, quando nos encontrarmos face a um caso omisso e sua regulamentação, se deva fazer recorrendo em primeiro lugar as disposições daquele diploma ou da sua legislação complementar que disciplinem casos analogos; em segundo lugar, pelo recurso as regras de processo civil que, no campo de aplicação do respectivo Codigo, prevejam e regulem para caso coincidente ou simplesmente analogo ao sem regulamentação na legislação de processo penal; em ultimo caso, por aplicação dos principios gerais de processo penal.
Anote-se desde ja que, porem, o recurso ao processo civil so e admissivel quanto a regras dessa natureza "que se harmonizem com o processo penal".
Enunciados estes principios e aceitando, como se aceita, que a questão acima colocada e a resolver não esta expressamente prevista na legislação de processo penal, pelo que nos encontramos frente a um caso omisso, vamos seguir portanto o recurso que o referido paragrafo unico nos aponta, ate onde for necessario, para se encontrar a solução apropriada.
Em primeiro lugar afigura-se-nos que, contrariamente ao entendido no acordão recorrido (o de 7 de Fevereiro de 1979), o problema de saber se o despacho que admite o recurso da decisão que não recebe acusação pelo Ministerio Publico, deduzida em processo correccional, tem ou não de ser notificado ao arguido (o não pronunciado) não pode resolver-se por aplicação analogica "das disposições que regulam o recurso de não pronuncia em processo de querela", designadamente os artigos 370 e
371 do Codigo de Processo Penal. E isto porque analogia não ha entre o caso aqui em apreço e as situações previstas e reguladas nesses preceitos legais.
O artigo 371, ao não incluir o arguido entre as entidades que podem recorrer do despacho de não pronuncia, tem como evidente explicação o facto de tal despacho não lhe ser desfavoravel, sendo que não e licito interpor recurso de decisões favoraveis. E o ensinamento que se colhe, quanto ao reu e ao assistente, como partes em processo penal, do artigo 647, e seu n. 2 e paragrafo 3 fo respectivo Codigo (em plena concordancia, alias, como o tal respeito estabelecido no Codigo de Processo Civil - artigo 680, ns. 1 e 2).
Por sua vez, o artigo 370 ao mandar notificar o despacho de não pronuncia "aos arguidos que tenham intervindo no processo", não lhes conferindo, como não confere (pelas razões imediatamente antes apontadas), o direito de recurso, so pode ter como explicação a de lhes dar a conhecer, e apenas isso, e por terem tido intervenção no processo, o resultado deste (no qual foram postos em causa pela imputação feita de facto ou factos criminosos), a fim de poderem agir de seguida conforme entenderem ser de seu direito.
Uma segunda via para a resolução do problema sera a do recurso as "regras do processo civil", com a chamada aqui do que se dispõe no artigo 475, n. 3, do respectivo Codigo, onde, no caso de recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, se manda citar o reu "tanto para os termos do recurso como para os da causa", sendo ainda que, quer no artigo 742, n. 1, quer do artigo 760, n. 1, do mesmo diploma se ordena tambem a notificação "as partes" do despacho que admite o recurso.
Ora, foi precisamente por se entender que o despacho de não recebimento da acusação apresenta forte identidade com o de indeferimento liminar da petição inicial em processo civil que, no Acordão de 2 de Fevereiro de 1979 - o apontado em oposição com o recorrente -, e por aplicação analogica com o estabelecido naquele artigo 475, n. 3, se decidiu no sentido da obrigatoriedade da notificação ao arguido do despacho que admitiu o recurso do Ministerio Publico da decisão que não recebeu a acusação que formulara.
Aceitando, embora, que entre as duas situações se pode ver uma certa analogia, importa no entanto averiguar se aquela regra de processo civil "se harmoniza com o processo penal", condição da sua aplicabilidade ao caso omisso em causa, como expressamente o exige o acima citado paragrafo unico do artigo 1 do Codigo de Processo Penal.
Como argumento a considerar para a justificação daquele entendimento, para alem, claro, de uma pelo menos aparente similitude entre os dois casos, invoca-se o de so daquele modo se respeitar e assegurar o direito de defesa do arguido e, bem assim, a regra da subordinação do processo criminal ao principio do contraditorio, um e outro alias expressamente consagrados na Constituição da Republica.
Estabelece efectivamente o artigo 32 da Constituição no seu n. 1 que "o processo criminal assegurara todas as garantias de defesa" e no seu n. 5 que "o processo criminal tera estrutura acusatoria, ficando a audiencia de julgamento subordinada ao principio do contraditorio".
So que, como ee evidente, sempre e em qualquer caso aquelas "garantias de defesa" devem ser (so podem ser) concretizadas com respeito da lei processual penal e principios que a enformam e não segundo um desenvolvimento incondicionado; enquanto a regra do contraditorio e imposta apenas para a audiencia de julgamento.
Revertendo de novo a procura da solução para o caso em apreço, começara por se dizer que a decisão que não recebe a acusação - despacho de não pronuncia - não põe de modo algum em causa a pessoa do arguido, não o atinge nem prejudica, pelo que o mesmo não tem que se defender dela.
E certo que o Ministerio Publico, tendo formulado acusação, tem o direito de recorrer do despacho que a não receba - artigo 647, n. 1, do Codigo de Processo Penal. Menos certo não e que, porem, a interposição do recurso, e seu consequente desenvolvimento, continua a não por em causa a pessoa do arguido, e isso porque, mesmo em caso de provimento do recurso, o acusado não fica desde logo pronunciado.
Tal provimento traduz-se apenas numa ordem, dirigida ao tribunal da 1 instancia, para o recebimento da acusação nos termos em que foi formulada ou ate noutros.
E enquanto essa ordem não for executada não ha indiciação e, portanto, o processo continua na fase de instrução e o arguido impedido de nela intervir.
Isto por um lado , enquanto a simples interposição do recurso continua a não atribuir ao arguido a posição de parte no processo, qualidade que com o não recebimento da acusação precisamente lhe e negada.

Ora, e precisamente neste aspecto que a hipotese prevista e regulada no referido artigo 475, n. 3, do Codigo de Processo Civil se afasta do que temos vindo a apreciar. E dai o ter-se dito acima que a analogia entre os dois casos era meramente aparente.
E que aquele preceito não se limita a mandar notificar [que seria o meio apropriado para o efeito (artigo 228, n. 2, do Codigo de Processo Civil)] o reu para os termos do recurso. Antes ordena a sua citação "tanto para os termos do recurso como para os da causa", com o que, chamando-o assim e simultaneamente a acção, lhe confere desde logo a qualidade de parte no processo, dando-lhe por isso a possibilidade de se defender
(n. 1 daquele artigo 228).
Acresce que, enquanto não houver pronuncia, o processo tem de considerar-se na fase de instrução preparatoria
(ou de inquerito preliminar), tendo, como tal, caracter secreto (artigo 70 do Codigo de Processo Penal e artigo 13 do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945).
O que tambem implica que nessa fase - enquanto não for proferida uma decisão que lhe seja desfavoravel, concretizada num despacho de pronuncia - ao arguido não assista o direito de, como tal, interferir no desenvolvimento do processo, precisamente porque ainda não e sujeito da acção, não e parte.
Para o ser, indispensavel se torna que contra ele se tenha estabelecido uma relação juridica punitiva, o que so acontece com o proferir de um despacho de pronuncia.
Afastadas, assim, as duas primeiras vias para a resolução do problema em causa - aplicação por analogia de disposições da lei processual penal e recurso as regras de processo civil -, fica como ultima hipotese a do recurso aos "principios gerais do processo penal".
Com o que, face ao antes exposto, isto e, considerando as razões aduzidas para a não aceitação da solução decorrente do estabelecido no artigo 475, n. 3, do Codigo de Processo Civil, facil de ver e qual o entendimento a adoptar.
Pois, se e pressuposto necessario para que ao arguido assista o direito de exercicio do poder de defesa a sua condição de parte no processo, por um lado;
Se o arguido so e sujeito da acção processual - parte no processo - quando contra ele se estabelece, atraves de um despacho de pronuncia, uma relação juridica punitiva, por outro:
Dai se infere que não pode o arguido interferir no desenvolvimento do recurso interposto do despacho que não recebe a acusação pelo Ministerio Publico contra ele formulada, designadamente atraves da apresentação de contra-alegação, pelo que se não justifica que lhe seja notificado o despacho de recebimento de tal recurso.
Consequentemente, e face a conclusão a que antes se chegou, se lavra o seguinte assento:
Não recebida a acusação pelo Ministerio Publico formulada em processo correccional e interposto por esse magistrado recurso da respectiva decisão, não tem de ser notificado ao arguido o despacho que tal recurso recebe.
Não e devido imposto de justiça.

Lisboa, 8 de Abril de 1981

Avelino da Costa Ferreira Junior - Rocha Ferreira -
- Ruy Corte Real - Augusto de Azevedo Ferreira - Sebastião de Barros e Sa Gomes - Daniel Ferreira - Abel de Campos -
- Manuel Arelo Ferreira Manso - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Jose F. Quesada Pastor -
- Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Jose Luis Pereira - A. Campos Costa - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Jose dos Santos Silveira - Manuel Batista Dias da Fonseca - Rodrigues Bastos (vencido. Entendo que o arguidodevia ser notificado nas circunstancias referidas porque tem interesse directo na decisão do recurso e ja lhe foi notificada a acusação, nos termos do artigo
352 do Codigo de Processo Penal) - Manuel dos Santos Victor (vencido pela mesma razão do voto que antecede)
- Anibal Aquilino Ribeiro (vencido por entender impor-se a notificação do arguido do despacho do não recebimento da acusação no processo correccional pelos fundamentos aduzidos no Acordão de 2 de Fevereiro de 1979 e em conformidade com os principios definidos na Constituição da Republica) - Jose Henriques Simões (vencido. Alem das razões dos votos antecedentes, e de notar que a razão de ser do artigo 475 do Codigo de Processo Civil - analogia juridica - e perfeitamente aplicavel em processo penal no caso posto no recurso.
Porque sera preciso evitar possa ser repetido o recurso pelo acusado no caso posterior do recurso do despacho de pronuncia). - Antonio Furtado dos Santos (vencido com base nos fundamentos expostos nos votos dos Excelentissimos Colegas que antecedem) - Moreira da Silva (vencido, nos termos da declaração de voto do Excelentissimo Colega Furtado dos Santos) - Manuel do Amaral Aguiar (vencido pelas razões anteriormente expostas) - Augusto Victor Coelho (vencido pelas razões anteriormente expostas) - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny (vencido. Para alem das razões apontadas nas declarações antecedentes, afigura-se-me que a solução adoptada pode conduzir a situação aberrante que passo a expor: no caso de ser provido o recurso do Ministerio Publico e ordenado o recebimento da acusação e cumprido o decidido na 1 instancia [...], ou o arguido fica impedido de novo recurso por a Relação ja se ter pronunciado, ou, no mesmo caso concreto, a relação pode vir a ser colocada na contingencia de proferir acordãos contraditorias. E que, na optica do assento - que consideramos inexacta -, não sendo ainda o arguido parte no processo ao ser interposto o primeiro recurso, o primeiro acordão da Relação não faz caso julgado quanto a ele). - Mario de Brito (vencido. Se so arguido não for dada possibilidade de intervir no recurso atraves da notificação do despacho que o admite, pode mais tarde - se, e claro, o tribunal superior ordenar o recebimento da acusação - interpor de novo recurso, afinal sobre a mesma materia, visto que a decisão anterior não constitui caso julgado para ele, com prejuizo da economia processual).