Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11/20.0GACLD.C1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
COAUTORIA
CULPA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO EM PARTE.
Sumário :

I - O erro notório é a falha grosseira percetível pelo juiz em concreto pressuposto pela ordem jurídica.

II – A análise dos tipos legais de tráfico de estupefacientes não deve ser dicotómica, apenas entre o tipo fundamental de ilícito (art. 21.º/1, DL 15/93) e o tipo privilegiado em razão da menor gravidade do facto (art. 25.º DL 15/93), mas estender-se ao art. 24.º, que prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto. Mesmo o art. 21.º deve ser considerado na sua completude, pois tem um âmbito de aplicação alargada, com agravação (nºs 2 e 3) e atenuação (n.º 4) de penas. Só uma ponderação global fornece uma visão integrada da resposta legislativa ao fenómeno do tráfico de estupefacientes: o tipo fundamental de tráfico no art. 21.º/1, um tipo de crime privilegiado no art. 25.º, e um tipo de crime qualificado no art. 24.º.

III – O tipo privilegiado de tráfico de menor gravidade (art. 25.º) pressupõe uma dimensão da ilicitude do facto, consideravelmente menor do que a ínsita no tipo fundamental (art. 21.º), enquanto o tipo qualificado, exigindo em regra uma ilicitude maior que a pressuposta no art. 21.º, beneficia de uma indicação taxativa de situações passíveis de integrar o tipo qualificado.

IV – Os pressupostos de aplicação da norma (art. 25.º) respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto, uns à própria ação típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da ação), outros ao objeto da ação típica (qualidade – percentagem de presença do princípio ativo – ou quantidade do estupefaciente), pelo que não relevam, como diminuindo a ilicitude, fatores atinentes ao juízo sobre a culpa, quer relativos ao desvalor da atitude interna do agente, ou à sua personalidade.

V – Deve ser condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade o arguido que vendeu duas doses de heroína, com o peso de 0,20 gramas, a €10,00 (dez euros) cada e transportou no seu veículo automóvel outro arguido de ... a ... para adquirir estupefaciente para traficar, sem que se apure quantas viagens foram efetuadas nem a quantidade comprada.

VI - A circunstância de um arguido ser condenado pela prática do crime do art. 21.º DL 15/93, não é obstáculo a que outro possa ser condenado em coautoria pelo crime do art. 25.º DL 25/93, se a coautoria se verifica apenas quanto ao transporte, dado que cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 11/20.0GACLD.C1.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ..., entre o mais que agora não releva, foi decidido:

«I - Absolver o arguido AA como co-autor material, e na forma consumada da prática de 1 (um) crime de tráfico estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao mesmo diploma;

II - Condenar o arguido AA como co-autor material, e na forma consumada da prática de 1 (um) crime de tráfico estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-C anexas ao mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

(…)

V - Absolver o arguido BB como co-autor material, e na forma consumada da prática de 1 (um) crime de tráfico estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma;

VI - Condenar o arguido BB como co-autor material, e na forma consumada da prática de 1 (um) crime de tráfico estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-C, anexas ao mesmo diploma na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período».

2. Inconformados, recorreram os arguidos rematando a alegação de recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

Arguido AA:

«I. O Recorrente não se conforma com a douta decisão e dela recorre, de direito.

II. O Recorrente discorda da forma como atenta a prova produzida nos presentes autos, as circunstâncias da prática do crime, na avaliação da medida da pena não foram tidas de em consideração circunstâncias atenuantes, razão pela qual vai pugnar perante este Tribunal da Relação, que se proceda à reapreciação, mormente, de tais circunstâncias e medida pena.

III. É perante este somatório de material probatório (documentos e depoimentos) e, sobretudo, pela ponderação atribuída aos mesmos – e consequente aplicação do direito – que o arguido, com todo o devido respeito, que é muito, discorda da douta decisão proferida no acórdão.

IV. Considerando em concreto fatores que reduzem a densificação da gravidade do ato para situação de menor gravidade, como:

a) O arguido praticou a atividade durante período de tempo reduzido – 26 Março 2020 a 26 Agosto 2020 – Cinco meses

b) Durante período de cinco meses o produto adquirido por consumidores foi inferior a 950 gramas;

c) – O produto da venda destinava-se a obtenção de produto para próprio consumo do recorrente

d) – extensão geografia onde praticou atividade cera reduzida – cingindo-se á localidade onde residia

e) Inexistência de qualquer organização com meios sofisticados no modo como praticava a atividade nomeadamente haver colaboradores e/ou dependentes pagos pelo arguido para o exercício do trafico modo de execução da atividade não

VI. Não foram devidamente ponderados, salvo melhor entendimento, pelo tribunal á quo fatores qua, ainda que mantendo-se o fim da pena, conduziriam a uma atenuação da mesma, que mormente:

V. Sempre exerceu atividade profissional encontrando-se desempregado desde Dezembro de 2019;

VI. Auferia rendimento de reinserção social no valor de cerca de 200,00

VII. Tem habitação própria

VIII. Encontra-se em relacionamento com CC, há cerca de 3 anos, de quem continua a ter apoio incondicional;

IX. O recorrente tem tido um comportamento irrepreensível no estabelecimento onde se encontra detido;

X. O arguido, com 60 anos de idade, está completamente integrado na sociedade, regendo a sua vida de forma autónoma e independente e com apoio da sua companheira/namorada.

XI. O Recorrente está determinado em manter um comportamento adequado ao ordenamento jurídico (como o fez ao longo de toda a sua vida de trabalho);

VI- Tentando densificar o conceito de "livre apreciação" pode conclui-se que ao abrigo de tal poder, o Julgador, na ponderação a haver, deverá pautar-se por regras lógicas e de racionalidade, de modo tal que, quando confrontados terceiros com o decidido, possam estes aderir ou afastar-se, também racionalmente, da valoração feita.

VII- No caso, a pena não é proporcional nem adequada ao facto apurado. Face ao que foi apurado em sede de audiência, às circunstâncias concretas e aos fatores atenuantes, a medida decidida não pode manter-se nunca devendo a pena exceder os [4] anos de prisão.

VIII- A personalidade do arguido, os seus 60 anos, conjugada com as características que à atuação criminosa são apontadas, permitem concluir, com suficiente segurança, que não só a pena aplicável não poderia ultrapassar os limites mínimos da moldura penal, como também a ameaça de cumprimento de prisão é plenamente suficiente para o afastar de eventuais desígnios criminosos no futuro para o afastar de eventuais desígnios criminosos no futuro.

IX- Violadas ficaram as normas: a. art. 71.º, 72.º, do CP; b. art. 29 n.1 CRP

Pedido: termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser diminuída a pena que, nunca deveria ultrapassar os quatro anos de prisão e ser sempre suspensa a sua execução. Desta forma farão, Vossas Excelências, Venerados Juízes Desembargadores, a costumada Justiça».

Arguido BB:

«1. O Recorrente não se conforma com a douta decisão e dela recorre, de direito.

2. Entende-se no caso estarmos claramente no preenchimento dos pressupostos adjetivos do crime de traficante-consumidor previsto e punido pelo art.º 26º n.º 1 do DL 15/93 de 22/01, numa pena até 3 anos ou de multa, por estarmos perante produto estupefaciente compreendido nas tabelas 1-A e 1-C anexas ao referido diploma, dado que:

1) Provou-se que o arguido vendeu heroína duas vezes dia 24/06/2020 e 28/07/2020;

2) Vendeu a quantidade de 0,40gramas pelo preço total de 20,00€;

3) O produto da venda efetuada pelo arguido foi destinado por este à obtenção e pagamento de heroína para consumo próprio do Arguido Recorrente;

4) Não ficou provada em que local ou locais o Arguido praticou os factos dados como provados pelo Tribunal a quo supra identificados;

5) O Arguido Recorrente, não se provou que faça parte de uma organização perigosa de venda de produtos estupefacientes;

6) O recorrente sempre exerceu a atividade profissional de prestador de serviços nas áreas de cerâmica, mecânica automóvel e construção civil;

7) Aufere rendimentos dos trabalhos que presta que ronda o valor mensal de 850,00€;

8) Tem habitação própria, vive com a sua mãe idosa da qual é cuidador informal, por esta ser doente hemodialisada, idosa e reformada.

9) O arguido tem 48 anos de idade, é solteiro, está completamente integrado na sociedade, trabalha, regula a sua vida de forma autónoma e independente e dá apoio da sua mãe com quem reside.

10) O Recorrente está determinado em manter um comportamento adequado ao ordenamento jurídico, como sempre fez ao longo de 46 anos como se pode verificar pela ausência de antecedentes criminais.

3. Face ao supra descrito, a matéria de facto dada como provada enquadra-se na tipologia de crime traficante-consumidor prevista e punida pelo art.º 26º n.º 1 do DL 15/93 de 22/01, devendo ser aplicada ao Arguido uma pena de multa a fixar em dias e valor pelo douto Tribunal de Recurso ou se assim não se entender ser-lhe aplicada a pena de prisão até um ano suspensa na sua execução.

4. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 71º e 72º do CP e 26º n.º 1 do DL 15/93 de 22/01, por referência às tabelas 1-A e 1-C anexas a esse diploma.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser o presente recurso julgado procedente por provado e em consequência ser o Arguido absolvido da prática de um crime em coautoria material e na forma consumada de tráfico de estupefaciente, previsto e punido no art.º 21 do DL 15/93 de 22/01 por referências às tabelas 1-A e 1-C anexas ao mesmo diploma, e assim ser revogada a douta decisão condenatória e ser o arguido absolvido da pena de prisão de 4 anos e três meses suspensa na sua execução.

Sem conceder, e por mera cautela da defesa, ser o arguido condenado por um crime traficante-consumidor, previsto e punido pelo art.º 26º n.º 1 do DL 15/93 de 22/01, devendo ser aplicada ao Arguido uma pena de multa a fixar em dias e valor pelo douto Tribunal de Recurso ou se assim não se entender ser-lhe aplicada a pena de prisão até um ano suspensa na sua execução.

Desta forma farão, Vossas Excelências, Venerados Juízes Desembargadores, a costumada JUSTIÇA».

3. O Ministério Público respondeu concluindo pela improcedência dos recursos.

4. Neste Supremo Tribunal de Justiça o PGA foi de parecer que o acórdão recorrido padece de contradição insanável entre os factos provados 1 a 24, 26 a 39, 41 a 49 (nos quais se dá como provado que o arguido AA apenas mercadejava heroína) e 50 (na parte em que se dá como provado que ao arguido AA apenas foi apreendida heroína e cocaína) e os factos provados 54, 57, 58, 60 e 61 (na parte em que se dá como provado que o arguido AA [também] vendeu e cedeu cannabis a terceiros);

Entre os factos provados 50 e 51 (na parte em que se dá como provado que no dia 26.08.2020 foram apreendidos ao arguido AA 0,358 grs. de cocaína que o mesmo destinava à revenda) e a decisão de não condenar o arguido por traficar cocaína (substância incluída na Tabela I-B anexa ao DL 15/93, de 22.01);

Insuficiência da matéria de facto provada para se poder concluir que os arguidos BB e AA atuaram em comunhão e conjugação de esforços e de intenções, quanto ao transporte.

Erro notório na apreciação da prova porquanto a súmula do depoimento da testemunha DD que consta da fundamentação probatória do acórdão e ao qual o tribunal colectivo atribuiu credibilidade (de que só comprou cannabis ao arguido AA) não só não suporta como contraria frontalmente os factos provados 3, 10, 13, 38 e 41 (nos quais se dá como provado que a mesma testemunha apenas adquiriu heroína ao arguido AA).

Diante destes vícios, emitiu parecer no sentido do reenvio dos autos (art. 426.º do CPP).

5. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

A

Factos provados (transcrição):

1.No dia 26 de março de 2020, o arguido AA vendeu ao arguido EE uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00.

2. No dia 26 de março de 2020, o arguido AA vendeu a FF uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00;

3.No dia 26 de março de 2020, o arguido AA vendeu a DD uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00.

4.No dia 10 de abril de 2020, GG estacionou o veículo que conduzia, de marca ..., com a matrícula ..-..-RG, junto à habitação do arguido AA, e juntamente com o arguido HH que se encontrava no lugar do pendura saíram do veículo, entraram na habitação e o arguido HH comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

5.No dia 10 de abril de 2020, o arguido AA vendeu a II uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00.

6.No dia 10 de abril de 2020, o arguido AA vendeu a JJ uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

7.No dia 3 de junho de 2020, o arguido AA vendeu ao arguido EE uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas pela qual pagou €10,00 (dez euros).

8.No dia 3 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a KK, também conhecido por “LL”, uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

9.No dia 3 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a FF uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00;

10.No dia 3 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a DD uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00;

11.No dia 3 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a MM, uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao pelo preço de €10,00 (dez euros);

12.No dia 3 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a FF uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00;

13.No dia 3 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a DD uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00;

14.No dia 3 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a NN uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00.

15.No dia 4 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a KK uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

16.No dia 4 de junho de 2020 o arguido AA vendeu a OO uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

17.No dia 4 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a MM, uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas pela qual pagou €10,00 (dez euros).

18.No dia 4 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a PP uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

19.No dia 16 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a PP uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

20.No dia 16 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a QQ uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

21.No dia 16 de junho de 2020, o arguido AA entregou a RR heroína com o peso de 0,20 gramas.

22.No dia 24 de junho de 2020, o arguido AA entregou a RR uma dose de heroína com o peso de 0,20 gramas.

23.No dia 24 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a KK uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

24.No dia 24 de junho de 2020, o arguido AA vendeu ao arguido EE uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

25.No dia 24 de junho de 2020, o arguido BB vendeu a OO uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

26.No dia 24 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a SS uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

27.No dia 24 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a TT uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

28.No dia 24 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a PP uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

29.No dia 24 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a II uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

30.No dia 25 de junho de 2020, no período compreendido entre as 13:04 horas e as 14:40 horas, na rua ..., ..., ..., o arguido AA entrou no veículo com a matrícula ..-..-EO, e iniciou marcha em direção à cidade ....

31.No referido período compreendido entre as 13:04 horas e as 14:40 horas, o arguido AA estacionou o veículo na rua ..., ..., saiu do veículo e deslocou-se apeado ao bairro Quinta ..., tendo adquirido heroína em quantidade não concretamente apurada para vender aos consumidores de heroína que diariamente se dirigiam à sua habitação para lhe adquirirem a heroína.

32.No dia 25 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a II uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

33.No dia 25 de junho de 2020, o arguido AA entregou a RR heroína com o peso de 0,20 gramas.

34.No dia 2 de julho de 2020, o arguido AA vendeu ao arguido HH uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

35.No dia 2 de julho de 2020, o arguido AA vendeu a UU, uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros)

36.No dia 3 de julho de 2020, o arguido AA vendeu a NN e a VV uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00 a cada um.

37.No dia 3 de julho de 2020, o arguido AA vendeu a UU uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

38.No dia 3 de julho de 2020, o arguido AA:

- Vendeu a FF uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00;

- Vendeu a DD uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00

39.No dia 3 de julho de 2020, o arguido AA vendeu a WW uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

40.No dia 28 de julho de 2020, o arguido BB vendeu a OO uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros)

41.No dia 28 de julho de 2020, o arguido AA:

- Vendeu a FF uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00;

- Vendeu a DD uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00.

42.No dia 28 de julho de 2020, o arguido AA:

- Vendeu a XX uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00;

43.No dia 28 de julho de 2020, o arguido AA vendeu a WW uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

44.No dia 4 de agosto de 2020, o arguido AA vendeu a YY, uma dose de heroína, com o peso de 0,40 gramas, pela qual pagou €20,00 (vinte euros).

45.No dia 4 de agosto de 2020, o arguido AA vendeu a WW uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros)

46.No dia 26 de agosto de 2020, o arguido AA vendeu ao arguido HH uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

47.No dia 26 de agosto de 2020, o arguido AA vendeu a ZZ, uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00.

48.No dia 26 de agosto de 2020, o arguido AA vendeu a YY, uma dose de heroína, com o peso de 0,40 gramas, pela qual pagou €20,00 (vinte euros).

49.O arguido AA vendeu heroína ao arguido HH a quem este efetuava contacto telefónico prévio e deslocava-se a casa daquele onde consumia.

50.No dia 26 de agosto de 2020, pelas 18:30 horas, o arguido AA tinha na sua posse:

- Heroína com o peso líquido de 0,642 gramas, com o grau de pureza de 22,1%, suficiente para uma dose individual que se encontrava no bolso direito frontal das calças do arguido:

- A quantia de €108,40 (cento e oito euros e quarenta cêntimos), faseada em duas notas de €20,00 (vinte euros), cinco notas de €10,00 (dez euros), três notas de €5,00 (cinco euros), uma moeda de dois euros, uma moeda de um euro e em duas moedas de 20 cêntimos, que se encontrava no bolso direito frontal das calças do arguido;

- Heroína com o peso líquido de 2,376 gramas, com o grau de pureza de 22,7%, suficiente para cinco doses individuais que se encontrava acondicionada no interior de um recetáculo de plástico em forma de ovo localizado no interior de uma gaveta de um móvel da sala da habitação do arguido sita na rua ..., ..., ...;

- Resíduos de cocaína com o peso de 0,358 gramas que se encontravam acondicionados em papel de alumínio e localizados por cima da lareira da sala de estar da citada habitação do arguido;

- Um telemóvel de marca ..., contendo no seu interior o cartão SIM ...33, com o IMEI ...35 que se encontrava no sofá da sala da citada habitação do arguido.

51.Os produtos estupefacientes que o arguido AA detinha eram destinados a revenda.

52.A quantia monetária que o arguido AA detinha era proveniente da atividade de tráfico de estupefacientes que desenvolvia.

53.O telemóvel de marca ... servia para o arguido AA contactar com os consumidores/compradores de produtos estupefacientes.

54.O arguido AA procedia à venda de heroína e cannabis na sua residência sita na rua ..., ..., ....

55.O arguido AAA transportou o arguido AA no seu veículo automóvel a fim deste adquirir heroína à Quinta ... em ... e ao Bairro ... na ... e fazia entregas de heroína em casa de AA na sua ausência.

56.O arguido AAA pernoitou na casa de AA durante cerca de três meses sem pagar qualquer contrapartida monetária.

57.Com a conduta descrita, os arguidos AA, AAA e BB, atuando em comunhão e conjugação de esforços, quiseram deter, preparar, vender e transportar heroína e cannabis (resina) bem sabendo a qualidade, quantidade e as características estupefacientes dos referidos produtos estupefacientes, intentos que lograram alcançar.

58.Ao agirem da forma supra descrita, em comunhão de esforços e intenções, os arguidos AA, AAA e BB conheciam a natureza e características dos produtos estupefacientes que transacionavam, vendiam, cediam e/ou que tinham na sua posse – nomeadamente heroína e cannabis resina - com vista à revenda a terceiros que os procurassem para o efeito, querendo agir da forma por que o fizeram.

59.Sabiam que a posse, venda e cedência de tais produtos estupefacientes lhes estava legalmente vedada, atuando com o propósito de auferirem vantagens económicas.

60.Os arguidos AA, AAA e BB sabiam que a aquisição, detenção, transporte, venda e cedência a terceiros de heroína e de cannabis (resina) são proibidos e punidos por lei penal.

61.O arguido AA encontrava-se desempregado e vivia dos lucros que retirava da diferença entre o preço de compra de heroína e de cannabis resina por grosso e o maior preço que obtinha na sua venda a retalho.

62.O arguido AA pretendia retirar da atividade de venda de produtos estupefacientes compensações remuneratórias, o que concretizou e sabia que distribuía/vendia aqueles produtos por um grande número de pessoas.

63.Os arguidos AA, AAA e BB, agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

64.Entre datas não concretamente apuradas, no período compreendido entre o mês de agosto de 2018 e o dia 25 de junho de 2020 o arguido AA solicitou ao arguido EE que o levasse ao bairro Quinta ..., sito em ... para o ajudar no desenvolvimento da atividade de compra e venda de heroína, tendo o arguido EE aceitado tal pedido.

65.Assim, no período compreendido entre o mês de agosto de 2018 e o dia 26 de agosto de 2020, em dez dias não concretamente apurados, o arguido EE transportou o arguido AA, no veículo automóvel que utilizava, ao bairro Quinta ... sito em ..., a fim do arguido AA adquirir heroína para vender a terceiros.

66.O arguido EE agiu com o propósito concretizado de transportar o arguido AA ao bairro Quinta ... e de transportar heroína para auxiliar o arguido AA na atividade de compra e venda de heroína, bem sabendo que a heroína comprada pelo arguido AA no bairro Quinta ... destinava-se a ser revendida pelo arguido AA a consumidores de heroína.

67.O arguido EE conhecia a qualidade, quantidade e as características estupefacientes da heroína.

68.O arguido EE sabia que a posse, venda e cedência de heroína lhe estava legalmente vedada assim como estava legalmente vedada ao arguido AA.

69.O arguido EE agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

70.No período compreendido entre o dia 1 de junho de 2020 e o dia 26 de agosto de 2020 o arguido AA solicitou ao arguido HH que o levasse ao Bairro ... sito na ... para o ajudar no desenvolvimento da atividade de compra e venda de heroína, tendo o arguido HH aceitado tal pedido.

71.Assim, no período compreendido entre o dia 1 de junho de 2020 e o dia 26 de agosto de 2020, em cinco dias não concretamente apurados, o arguido HH transportou o arguido AA, no veículo automóvel que utilizava, ao Bairro ... sito na ..., a fim do arguido AA adquirir heroína para vender a terceiros.

72.O arguido HH agiu com o propósito concretizado de transportar o arguido AA ao Bairro ... e de transportar heroína para auxiliar o arguido AA na atividade de compra e venda de heroína, bem sabendo que a heroína comprada pelo arguido AA no Bairro ... destinava-se a ser revendida pelo arguido AA a consumidores de heroína.

73.O arguido HH conhecia a qualidade, quantidade e as características estupefacientes da heroína.

74.O arguido HH sabia que a posse, venda e cedência de heroína lhe estava legalmente vedada assim como estava legalmente vedada ao arguido AA.

75.O arguido HH agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

76. O arguido BBB dedicou-se à venda de produtos estupefacientes, nomeadamente cocaína e heroína, mediante o recebimento de contrapartidas monetárias, desde pelo menos o mês de janeiro de 2018 até ao dia 26 de agosto de 2020.

77.Fazia-o, predominantemente, no concelho ... e áreas limítrofes, mas também no concelho ..., normalmente mediante contacto telefónico/SMS prévio dos consumidores, com o intuito de confirmarem a existência de produto estupefaciente e de combinarem o local das entregas.

78.O arguido BBB vendeu ao arguido AAA, pelo menos em dez ocasiões heroína em vias sitas na localidade de ..., pagando €10,00 (dez euros) por uma dose com o peso de 0,2 gramas;

79.No dia 26 de agosto de 2020, pelas 20:15 horas, o arguido BBB tinha na sua posse:

- Cocaína com o peso líquido de 0,358, com o grau de pureza de 53,6 %, que dava para seis doses individuais;

- Um telemóvel de marca ... com os ... ...34 e ...42, contendo o cartão SIM ...67.

80.No dia 26 de agosto de 2020, pelas 20:20 horas, o arguido BBB tinha na sua posse, a quantia global de €230,00 (duzentos e trinta euros), faseada em quatro notas de €20,00 (vinte euros), cinco notas de 10,00 (dez euros) [que se encontravam no veículo com a matrícula ..-BB-.., nomeadamente no interior do cinzeiro localizado na consola central do veículo] e duas notas de €50,00 (cinquenta euros) [que se encontravam no interior do veículo com a matrícula ..-BB-.., nomeadamente no interior do porta-óculos do tejadilho].

81.No dia 26 de agosto de 2020 foi apreendido ao arguido BBB o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-BB-...

82.O produto estupefaciente que o arguido BBB detinha era destinado a revenda.

83.As quantias monetárias que o arguido BBB detinha e lhe foram apreendidas eram provenientes da atividade de tráfico de estupefacientes que desenvolvia.

84.O telemóvel de marca ... servia para o arguido BBB contactar com os consumidores/compradores de produtos estupefacientes.

85.O veículo apreendido ao arguido BBB servia para transportar a droga que transacionava.

86.Com a conduta descrita, o arguido BBB, quis deter, preparar, vender e transportar cocaína e heroína bem sabendo a qualidade, quantidade e as características estupefacientes dos referidos produtos estupefacientes, intento que logrou alcançar.

87.O arguido BBB conhecia as características e natureza dos estupefacientes que possuía, adquiria e vendia – nomeadamente heroína e cocaína - tendo atuado com o propósito concretizado de comercializar tais produtos estupefacientes por inúmeros indivíduos, fazendo dessa atividade modo de vida.

88.O arguido BBB sabia que a posse, venda e cedência de cocaína e de heroína lhe estava legalmente vedada, atuando com o propósito de auferir vantagens económicas.

89.O arguido BBB sabia que a aquisição, detenção, transporte, venda e cedência a terceiros de heroína e de cocaína são proibidos e punidos por lei penal.

90.O arguido BBB agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

91. O arguido AA não tem antecedentes criminais.

92.O arguido BB não tem antecedentes criminais.

93.O arguido AAA não tem antecedentes criminais.

94.O arguido EE não tem antecedentes criminais.

95. Do certificado de registo criminal do arguido BBB, consta a seguinte condenação:

Por decisão de 06.3.2017, transitada em julgado a 24.3.2017 e por factos praticados a 25.04.2016 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 113/16.... pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5,5€ e 5 meses de proibição de conduzir veículos motorizados;

Por decisão de 30.11.2017, transitada em julgado a 12.1.2018 e por factos praticados a 18.07.2016 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 387/16.... pela prática de um crime de furto simples na pena de 2 anos de prisão suspensa por igual período;

Por decisão de 09.03.2018, transitada em julgado a 17.4.2018 e por factos praticados a 26.03.2014 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 44/14.... pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa por igual período;

Por decisão de 3.7.2018, transitada em julgado a 18.9.2018 e por factos praticados a 21.08.2015 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 275/15.... pela prática de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período;

96.Do certificado de registo criminal do arguido HH, consta a seguinte condenação:

Por decisão de 9.3.2010, transitada em julgado a 14.5.2010 e por factos praticados a 14.04.2008 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 95/08.... pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 7€;

Por decisão de 27.10.2009, transitada em julgado a 2.12.2009 e por factos praticados a 26.01.2008 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 59/08.... pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5€;

Por decisão de 28.5.2010, transitada em julgado a 05.7.2010 e por factos praticados a 19.01.2008 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 8/08.... pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 5€;

Por decisão de 12.5.2011, transitada em julgado a 17.6.2011 e por factos praticados a 16.02.2009 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 137/09.... pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 6 meses de prisão, suspensa por 12 meses;

Por decisão de 11.1.2012, transitada em julgado a 10.2.2012 e por factos praticados a 31.12.2011 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 533/11.... pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e condenação de veículo em estado de embriaguez na pena única de 180 dias de multa à taxa diária de 6,5€;

Por decisão de 27.3.2014, transitada em julgado a 5.5.2014 e por factos praticados a 26.11.2012 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 23/12.... pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho;

Por decisão de 23.1.2019, transitada em julgado a 22.2.2019 e por factos praticados a 9.01.2019 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 25/19.... pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 4 meses de prisão suspensa por 1 ano;

Por decisão de 27.2.2019, transitada em julgado a 03.7.2019 e por factos praticados a 2.02.2019 o arguido foi condenado no âmbito do Processo 90/19.... pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 4 meses de prisão suspensa por 1 ano;

Provou-se relativamente às condições pessoais, sociais económicas e familiares dos arguidos que:

97.Do relatório social do arguido AA consta o seguinte:

Natural da ..., AA é o penúltimo de 5 irmãos germanos. Recorda uma vivência intrafamiliar com existência de bom ambiente familiar, mas uma condição socioeconómica fragilizada. Ambos os progenitores já faleceram. AA iniciou o percurso escolar em idade regular, mas apresentou alguma desmotivação e dificuldades, pelo que, ficou retido alguns anos. Concluiu o 4º ano de escolaridade com 11 anos de idade. Após o término dos estudos e, com o intuito de ajudar a família, iniciou o seu percurso laboral, tendo trabalhado como eletricista, mecânico, pedreiro e motorista. Em 2003 experienciou um período de emigração na ..., onde se manteve durante três anos. Com 20 anos ingressou no Serviço Militar e prestou serviço, durante 18 meses, em ... e na .... Contraiu matrimónio com 24 anos de idade e deste relacionamento que durou cerca de 12 anos, tem 1 filho, atualmente 34 anos de idade. AA refere que o término do casamente se deveu ao facto de manter consumos de estupefacientes (haxixe e heroína), o que lhe causou momentos de maior fragilidade e instabilidade pessoal e profissional. Em 1999, com o intuito de debelar a problemática aditiva, esteve internamento durante um ano na Comunidade ..., sita na ..., seguindo-se o acompanhamento no Centro de Resposta Integradas (CRI) da área de residência. Alega que após o internamento manteve um período de abstinência de cerca de 7 anos e durante esse tempo manteve boa integração laboral no setor da construção civil. Há cerca de três anos, AA encetou uma relação de namoro com CC, 10 anos mais velha que o arguido. Segundo este e a namorada, este relacionamento reveste-se de apoio e cumplicidade. O arguido apresenta anteriores contactos com o sistema de justiça penal. Pela prática de crime de tráfico de estupefacientes cumpriu dois períodos de prisão efetiva e medidas de execução na comunidade, penas já extintas. No período que antecedeu a prisão preventiva, AA vivia sozinho em casa própria. Segundo refere, a casa, de tipologia T2, apresenta razoáveis condições de habitabilidade e conforto. A habitação localiza-se numa zona rural onde não se identificam problemáticas significativas. O era beneficiário do Rendimento Social de Inserção (RSI, no valor de 189€ mensais. Refere que, por vezes, fazia alguns biscates na construção civil e daí retirava proventos variáveis, mas a sua situação económica era deficitária. Os gastos referentes à manutenção da habitação e às despesas domésticas não foram quantificados. Refere ainda que, ocasionalmente, tinha ajuda alimentar de uma das irmãs, que vive autonomamente e reside numa localidade próxima. O arguido referiu que conhece alguns coarguidos do presente processo, mantendo com os mesmos uma relação pontual e ocasional. Em termos de ocupação de tempos livres, mantinha convívio com a namorada, sobretudo ao fim- de- semana. AA assume que, no período que antecedeu a prisão preventiva se encontrava numa fase ativa de consumos de estupefacientes (heroína). Apesar do arguido reconhecer a sua situação jurídica como legítima, demonstra distanciamento emocional e é percetível que adota atitudes de minimização perante os tipos de comportamento em causa, desvalorizando os danos nas eventuais vítimas. Em meio prisional tem mantido um comportamento consentâneo com normas e regras institucionais. Encontra-se inativo. Quando foi preso apresentava uma postura de instabilidade emocional e ansiedade. Foi encaminhado para acompanhamento médico, fez protocolo para a síndrome de abstinência com recurso a medicação e manteve acompanhamento psicológico/psiquiátrico. Presentemente refere que se encontra estável e abstinente do consumo de estupefacientes. CC (namorada), apresenta uma atitude de censura em relação aos eventuais comportamentos disruptivos do arguido, referindo que desconhecia a rede de sociabilidade do mesmo. Segundo a mesma, em contexto familiar, o arguido mantinha uma postura adequada e de afeto e preocupação para com esta. No E.P. já teve uma visita de uma irmã. A namorada (CC) visita-o sempre que pode e apoia-o financeiramente na medida das suas possibilidades. Não obstante o apoio agora apresentado, a namorada salienta que, futuramente, apenas manterá esse apoio caso o arguido apresente uma postura isenta de reparos. O processo de socialização de AA parece ter decorrido num contexto familiar de baixa condição socioeconómica, mas com referência a laços afetivos entre os elementos do agregado familiar. A nível afetivo manteve uma relação marital durante vários anos, da qual tem um filho. O arguido apresenta um percurso escolar pouco expressivo e uma trajetória laboral instável e diversificada, que incluiu um curto período de emigração. Antes de preso encontrava-se desempregado, subsistia com recurso a apoio estatais (RSI) e fazia trabalhos pontuais na área da construção civil. O seu percurso de vida tem sido de alguma forma perturbado por um padrão de consumo de estupefacientes, que de determinadas alturas reconhece como excessivo, e viria a constituir-se como um fator de desorganização pessoal e profissional. Já efetuou tratamentos para a problemática aditiva em comunidade terapêutica e em ambulatório, mas estes nem sempre tiveram o efeito desejado. Antes de preso mantinha uma relação de namoro com CC, que se mostra disponível para o apoiar, caso o arguido adote um modo de vida socialmente ajustado. Em contexto prisional tem apresentado um comportamento consentâneo com as normas e regras institucionais. Com um historial de comportamentos aditivos (haxixe e heroína) que terão em determinadas situações facilitado o seu percurso desviante, considera-se importante que, quer em meio livre ou institucional beneficie de acompanhamento/tratamento a nível desta problemática, bem como acompanhamento a nível psicológico/psiquiátrico de forma a atenuar/superar défices na resolução de problemas de autogestão e autocontrolo.

98.Do relatório social do arguido BBB consta o seguinte:

“BBB é natural de ..., distrito ..., oriundo de uma família de etnia cigana, tendo crescido numa prole de 4 irmãos. Quando tinha cincos anos de idade, os pais separaram-se, ficando o arguido e os irmãos sob a responsabilidade parental da mãe e, do que nos referiu, não mais voltou a ter contactos com o progenitor. Residiam em casa arrendada e a situação económica era adequada às necessidades familiares, assente nos proventos da venda ambulante em mercados e feiras e da venda porta a porta desenvolvida pela mãe. Mais tarde a mãe refez a sua vida sentimental com um companheiro da mesma etnia, passando então, a explorar um estabelecimento comercial na área de vestuário, que lhe trouxe um reforço muito compensatório na estabilidade económica. Frequentou a escola até aos 13 anos de idade, não tendo transitado do 2º ano do 1º ciclo do ensino básico, por desinteresse pelas atividades letivas, dando prioridade ao apoio da atividade da mãe, razão com que fundamenta o abandono escolar. Já em adulto frequentou um curso de competências básicas que o habilitou com o 4º ano de escolaridade. BBB apresenta assim um trajeto profissional maioritariamente ligado à venda ambulante, quer por conta própria, quer por conta da mãe. Ainda no plano profissional, referiu um período em que exerceu trabalhos de carater indiferenciado, na área da construção civil, que terá perdurado cerca de dois anos. Aos 18 anos constituiu família, segundo valores e costumes da sua etnia, passando a viver em união de facto com a sua atual companheira. Segundo as fontes contactadas, o relacionamento entre o casal tem vindo a ser interpolado por períodos de grande instabilidade, desentendimentos e separação, seguidos de reconciliação. Na família há o conhecimento da intervenção das instâncias judiciais, por parte da mãe que cumpriu uma pena de prisão efetiva por crime de tráfico de estupefacientes, de julho de 2016 a dezembro de 2017, situação que o arguido ocultou, dando uma imagem positiva sobre aquela. BBB reside há dois anos na morada que indicou nos autos, junto da companheira e dos quatro filhos de ambos, com idades compreendidas entre os 16 anos e os 2 anos de idade. O casal ocupa uma moradia arrendada, de tipologia T3, que da avaliação efetuada pelo próprio reúne adequadas condições de habitabilidade. É desempregado de longa data e referiu não dispor de condições económicas, nem licenciamento para prosseguir com a atividade de venda ambulante. Desde 2010 que a família subsiste com recurso ao RSI – Rendimento Social de Inserção, atualmente com um montante de 701€, acrescido de 208€ de abonos de família. As crianças beneficiam ainda dos apoios da ação social escolar. Como despesas mais relevantes, para além da alimentação, foram referenciadas as tidas com consumos domésticos e renda de casa, que habitualmente rondam os 420€ mensais. Para superar algumas situações de maior carência, vai prestando algum apoio à mãe, nos mercados de fins de semana, vindo a receber a ajuda desta, consoante os proventos da venda. Assim e de acordo, com o próprio, os rendimentos mensais afiguram-se suficientes para assegurar as necessidades básicas da família, embora os tenha de gerir de forma adequada. BBB, apresenta anteriores contactos com o sistema da Justiça Penal e judiciária, por crimes de diversa tipologia criminal. Atualmente, e desde 18-09-2018, tem em curso o processo 275/15…, no qual se encontra condenado por crime de furto e crime de atentado à segurança rodoviária, numa pena de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, com acompanhamento por estes serviços de reinserção social, cujo termo ocorrerá em 18-03-2023. No meio onde reside, a sua imagem é de uma pessoa educada e socialmente aceitável. Frequenta com muita regularidade um café próximo da localidade, conjuntamente com outros frequentadores daquele espaço não pertencentes à sua etina, não sendo conhecidos sinais de rejeição por parte da comunidade alargada. Relativamente aos presentes autos, a sua vida pessoal e familiar não sofreu alterações. O arguido tende a minimizar a sua atitude criminal, transparecendo uma imagem positiva e sem interferência nos factos que o constituíram arguido nos presentes autos. O percurso de vida de BBB decorreu num contexto sociofamiliar e cultural sem valorização da sua formação escolar, optando por priorizar a atividade laboral junto da mãe, apresentando baixa literacia. Constituiu vida própria ainda jovem, registando-se um período de maior instabilidade relacional, atualmente ultrapassado. Profissionalmente o seu percurso de vida foi maioritariamente desenvolvido na área da venda ambulante. É atualmente um desempregado de longa data, vivendo acomodado aos apoios sociais. Não demostrou interesse em desenvolver uma ocupação laboral, o que fundamenta com exclusão social e por sua vez, a cessação dos benefícios sociais, a que se encontra adstrito. Em termos de características pessoais tende a encobrir a sua envolvência em situações adversas aos deveres e regras de conduta sociais, de forma a transmitir uma boa imagem”.

99. Do relatório social do arguido AAA, consta o seguinte:

AAA natural de ... é filho de pais emigrantes e viveu em ... dos 10 até aos 18 anos de idade. Tem o 8º ano de escolaridade. De acordo com o arguido, o percurso laboral foi sempre instável e irregular, por responsabilidade que imputa a si próprio. Desenvolveu atividade em várias áreas indiferenciadas e para vários empregadores num registo sempre precário, desde cerâmica, mecânica automóvel e construção civil. Nesta área refere que actualmente vai desenvolvendo, pontualmente, alguns trabalhos. O arguido referiu o inico do consumo de drogas, heroína, com cerca de 30 anos, por influência do grupo de pares e referiu que o irmão, mais novo, também era e é consumidor. Desde então tem vivenciado períodos de abstinência alternados com recaídas, sendo que o período mais longo de abstinência de estupefacientes coincidiu, segundo referiu, com um período em que voltou a viver e trabalhou em ..., por volta dos 45 anos. Na sequência da sua problemática aditiva e durante o acompanhamento clínico por parte do Centro de Respostas Integradas (CRI) de ... foi internado por duas vezes na Unidade ... do Centro Hospitalar de .... Presentemente verbaliza estar abstinente, não tendo sido possível confirmar a veracidade desta situação. Encontra-se a ser medicado pela sua médica de família, com Bruprenorfina, medicamento usado para tratamento da dependência de opiáceos. Mas a referida clínica considera não ser a solução para o caso, por considerar que o mesmo mantém consumos. O arguido reside com o pai, viúvo, reformado, octogenário e doente oncológico, numa situação de dependência financeira face ao mesmo e na casa de que este é proprietário. Nos contactos com o pai do arguido, embora instado a isso, não nos facultou quaisquer quantitativos referentes à sua reforma e pensão de viuvez por parte da mulher, que ao que tudo indica, receberá. Mais referiu que o quantitativo é pouco, mas suficiente para assegurar a sua sobrevivência e a do arguido. O arguido e pai residem numa pequena habitação, com quintal, sita no centro de ..., que reúne as condições necessárias ao bem-estar de ambos. Durante a visita domiciliária percecionou-se um clima de tensão e animosidade entre ambos. Confrontado com este clima de agressividade o arguido justificou-o com o facto de terem personalidades semelhantes, sendo percetível uma relação distante e pouco afetuosa. A fonte contactada no meio de residência referenciou como um individuo conotado com ligação a pares associados ao consumo e outros comportamentos de natureza criminal. À data do presente processo, o arguido trabalhava esporadicamente e sem vínculo na construção civil e era consumidor habitual de heroína. Mantinha contactos regulares com os coarguidos, todos frequentadores da casa de AA, coarguido, atualmente preso. Presentemente não mantém, segundo referiu, quaisquer contactos com aqueles. De acordo com o órgão de polícia local, existem dois NUIPC em nome do arguido por furto e abastecimento em bomba de combustível com fuga datados de 30 de maio e 9 de dezembro de 2019. Segundo o arguido referiu, o presente processo não teve qualquer impacto na sua vida, não manifestando estar intimidado face às eventuais consequências que daí possam advir, adotando uma postura de negação quanto ao seu envolvimento no mesmo e não mostrando ter consciência do impacto para potenciais vítimas. O percurso de vida de AAA aparece associado às dificuldades de adotar um quotidiano estruturado, ao desinvestimento escolar e à problemática aditiva de consumo de estupefacientes desde os 30 anos de idade. Este padrão de comportamento marcado pela história aditiva tem contribuído para um progressivo processo de desinserção familiar, social e laboral. O arguido encontra-se dependente do suporte económico e habitacional do seu pai, com quem mantém um estilo de comunicação agressivo e sem afeto. No meio de residência o arguido é percecionado como um individuo com comportamentos antissociais, havendo o registo de outros processos, de natureza diferente do atual, em seu nome, quadro que aliado à falta de intimidação face ao sistema judicial penal, à condição de instabilidade financeira e de subsistência, surgem como importantes vulnerabilidades a considerar para a assunção de um padrão de vida socialmente responsável. No que se refere aos coarguidos no presente processo, o arguido refere não existir qualquer ligação ou convívio com os mesmos desde há algum tempo. Face ao exposto, em caso de condenação, qualquer que seja a medida aplicada, considera-se que o arguido tem importantes necessidades de intervenção na área da adição pelo que deverá ser sujeito a um acompanhamento clínico especializado e devidamente estruturado à sua problemática.”

100. Do relatório social do arguido BB consta o seguinte:

“BB é natural da ..., onde residiu com os pais e duas irmãs, mais velhas, até aos 9 anos de idade. Concluiu o 9º ano de escolaridade com 17 anos, não tendo prosseguido os estudos. Com 17 anos idade iniciou o consumo de haxixe e aos 19 anos o consumo de heroína, situação que evoluiu para um quadro de toxicodependência. Na sequência, ensaiou várias tentativas de desintoxicação, com internamentos em comunidades terapêuticas em ... e ..., sem sucesso. Desde há cinco anos que o arguido mantém acompanhamento no Centro de Respostas integradas de ..., na Equipa de Tratamento ..., faz tratamento de substituição com metadona, havendo registo de consumos pontuais de cocaína e ou heroína. De acordo com declaração datada de 12 de maio de 2021, daquele organismo, nesta data “os resultados de pesquisa de metabólitos urinários” indicavam que estava negativo para o consumo de heroína. O arguido é referenciado como um indivíduo com problemática aditiva crónica, que tem conseguido manter um registo funcional e adaptativo ao nível pessoal, familiar e laboral. O arguido, à exceção dos períodos de internamento para desintoxicação, tem mantido um percurso laboral regular, em particular na construção civil. Desde fevereiro de 2021 que desenvolve atividade como pintor de construção civil, com contrato por termo indeterminado, para a empresa “M.…, lda”. O seu desempenho profissional é avaliado muito positivamente, bem como as suas características pessoais. O arguido é descrito como um trabalhador disponível, proactivo e humilde. Ao nível familiar o arguido sempre contou com o apoio, quer dos elementos do agregado de origem, pais, separados há cerca de 10 anos, e irmãs, quer de outros familiares da família alargada. A sua história aditiva preocupa os familiares, no entanto, não tem condicionado negativamente a relação com o arguido, estes desculpabilizam-no e valorizam, em especial, a relação que o arguido mantém com a mãe, descrita como afetuosa e particularmente significativa. O arguido, reside com a mãe, reformada e doente (hemodialisada), na casa de que esta é proprietária e que de acordo com os próprios reúne as condições necessárias à salvaguarda das necessidades de conforto de ambos. O arguido, nos últimos anos, tem sido o principal cuidador da mãe, em especial nos períodos da noite em que esta necessita e solicita o seu apoio. Em contrapartida é a mãe, com a sua reforma no valor de €580, quem assegura as despesas de manutenção da casa, cerca de €120, e alimentação, sendo que neste item a díade também é apoiada pela irmã do arguido, que possui um restaurante. A estas despesas acrescem as decorrentes com medicamentos, seguros (casa e automóvel), IMI, etc. O arguido aufere mensalmente, e em média, cerca de € 850, montante que canaliza para as suas despesas pessoais e deslocações, cujos quantitativos não quantificou. O presente processo judicial, de acordo com o que foi possível apurar, é o primeiro contacto do arguido com o sistema de justiça penal. Segundo verbalizou, a sua situação jurídico-penal atual não tem causado especial impacto na sua vida pessoal, o mesmo acontecendo com os seus familiares, que desconhecem os motivos subjacentes ao processo. Em abstrato o arguido verbaliza reconhecer a gravidade dos factos de natureza idêntica aos descritos no presente processo e os efeitos colaterais na sociedade e nas potenciais vítimas. Da sua narrativa é possível perceber capacidade critica, mas um pensamento consequencial pobre. No que se refere aos coarguidos, com os quais referiu não manter atualmente quaisquer contactos, referiu que conhecia AA, em casa de quem viveu algum tempo por conveniência pessoal. Quanto aos outros, a relação era pontual e ocasional, e acontecia quando estes se deslocavam a casa de AA. Na análise do caso em apreço sobressai um estilo de vida globalmente ajustado, sendo o presente processo o seu primeiro contacto com o sistema de justiça penal. A sua história aditiva, identificada como vulnerabilidade, ainda assim, fruto do acompanhamento clínico especializado que acontece há vários anos, não tem produzido sequelas funcionais para o arguido, não tem interferido nas relações interpessoais, competências profissionais e capacidade laboral. O arguido dispõe de suporte por parte dos familiares de origem, com os quais mantém relação dotada de afeto, em especial com a sua mãe e integração laboral, sendo o seu desempenho profissional avaliado de forma muito positiva. As vulnerabilidades ao nível pessoal e emocional do arguido, nomeadamente ao nível do pensamento consequencial e autocontrolo, surgem como potenciais fatores de desregulação comportamental, de que o próprio tem consciência. Caso o arguido venha a ser condenado, afigura-se-nos existirem condições compatíveis com uma medida de execução na comunidade, com acompanhamento por estes serviços e com manutenção do acompanhamento especializado à problemática aditiva.

101.Do relatório social do arguido HH consta o seguinte:

O processo de socialização de HH decorreu no seio de uma família numerosa e de fraca condição sócio – económica, cujo clima familiar era pautado por laços de afeto e coesão. O pai faleceu há cerca de 16 anos, tendo o arguido mantido um relacionamento de proximidade afetiva com sua mãe, assumindo uma atitude protetora face aos problemas de saúde daquela. O arguido frequentou a escola até à conclusão da 4ª classe, abandonando o sistema de ensino com 12 anos de idade. O percurso laboral, iniciado aos 13 anos de idade, no setor agrícola, prosseguiu em áreas indiferenciadas, onde adotou uma atitude investida, mas sem conseguir obter estabilidade, tendo estado emigrado na ..., durante 9 anos, e na ..., durante dois anos. Posteriormente, trabalhou por curtos períodos no estrangeiro, mantendo uma atividade laboral relativamente regular, na área da construção civil e agricultura, ainda que sem vínculo contratual. O consumo de substâncias estupefacientes, iniciado por volta dos 27 anos de idade, contribuiu para a sua desorganização pessoal, laboral e económica, sendo que, por volta de 2008, sujeitou-se a tratamento médico, ao que se seguiu um período de abstinência. Em 2018, iniciou o acompanhamento à problemática aditiva na Equipa de Tratamento de Dependências ..., tendo sido medicado com Subutex, medicamento usado no tratamento substitutivo da dependência de opiáceos. De acordo com as informações daquele serviço de saúde, o arguido apresentou indicadores de consumo pontual de cocaína, em 2019. Em out.1988, HH obteve a Licença de Condução de Velocípedes com Motor Auxiliar. O arguido alega dificuldades de ordem económica para justificar a não inscrição numa Escola de Condução. HH manteve um relacionamento marital entre os 24 e os 35 anos, do qual nasceu uma filha, atualmente com 18 anos de idade. Após a separação, o arguido viveu na companhia da sua mãe, de um irmão e da sua filha, cuja guarda era detida pela primeira. Neste quadro familiar, HH assumiu a maior parte dos encargos tidos com a sua manutenção e a da sua filha, mantendo uma situação económica precária. Os tempos livres eram ocupados na companhia da família e dos amigos, cujo consumo de álcool era por vezes excessivo, mas sem caráter aditivo. O percurso criminal de HH ficou marcado por vários contactos com o aparelho de justiça, pela prática de crimes rodoviários, de condução sem habilitação legal e condução em estado de embriaguez, tendo cumprido penas de prisão subsidiárias de curta duração e uma pena de prisão resultante da revogação de uma pena suspensa, aplicada em 2011, por ter incumprido a obrigação fixada pelo Tribunal e por reincidência pela prática do mesmo crime. O comportamento de HH durante a última pena de prisão, entre nov.13 e maio/14, caracterizou-se pela adequação às regras institucionais, mas fraco investimento ao nível da sua formação pessoal. A 3/07/2019, foi condenado a 3 meses e 29 dias de prisão, suspensa pelo período de 1 ano (Proc. nº 90/19.... – Juízo Local Criminal ...), pela prática de um crime de condução sem habilitação legal. No decurso do cumprimento desta medida, o arguido não cumpriu a obrigação judicial de proceder à inscrição numa escola de condução, alegando fracos recursos económicos. Embora tivesse mantido uma atividade laboral relativamente regular e o acompanhamento na Equipa de Tratamento de Dependências, revelou dificuldade em manter a abstinência do consumo de cocaína. À data dos factos que constam do presente processo, HH residia em casa da sua mãe, na morada suprarreferida. HH desenvolvia a atividade laboral em atividades sazonais e em áreas indiferenciadas, apresentando uma situação económica que assegurava os gastos tidos com a sua manutenção pessoal. No contacto com a mãe do arguido, apurámos que este prestava apoio em trabalhos de reparação da habitação e no terreno agrícola, embora não tenha despesas relacionadas com os consumos domésticos, de água, luz e gás, suportados pela sua mãe, cuja reforma é aproximadamente de €300/mês. HH ocupava o tempo livre com algumas atividades de bricolage, na agricultura e no convívio social com a família e amigos. No contacto com a Equipa de Tratamento de Dependências, apurámos que o arguido compareceu a última vez naquele serviço no dia 17/09/2020, para levantar receituário, tendo sido efetuadas tentativas de contacto telefónico, sem sucesso. No presente não se encontra a realizar tratamento à problemática aditiva. Atualmente, o arguido mantém as mesmas condições pessoais e familiares, sendo de salientar o bom relacionamento intrafamiliar, que se pauta pela interajuda. Ao nível laboral, mantém-se ativo, mas numa situação relativamente precária, em virtude de não ter trabalho fixo. Recebe o Rendimento Social de Inserção, no valor de €189/mês. As alegadas dificuldades de ordem económica têm sido o principal argumento apresentado pelo arguido, para justificar o adiamento da sua inscrição, desde há vários anos, numa escola de condução, sendo certo que a inabilitação legal para conduzir constitui uma das áreas vulneráveis na situação do arguido. No contacto com a PSP ..., apurámos que HH não está atualmente referenciado com práticas de outra natureza ilícita. No perfil sócio – comportamental de HH, sobressaem competências no plano da interação pessoal, onde adota uma atitude amigável e cordial, e no que se refere à capacidade de trabalho, face ao qual revela, no geral, uma atitude proactiva e investida. Ao nível da tomada de decisões, evidencia alguma dificuldade ao nível do pensamento consequencial e uma deficitária interiorização dos valores sócio – jurídicos. HH mostra-se intimidado face á sua situação jurídica – penal, receando as eventuais consequências penais. Face a factos de igual teor, o arguido revela capacidade para identificar potenciais riscos e consequências para o próprio e para a sociedade. O presente processo não teve qualquer impacto negativo ao nível da inserção familiar ou social do arguido. No âmbito do Proc. nº 25/19.... (Juízo Local Criminal ...), e por despacho transitado em julgado a 20/01/2021, foi prorrogada a suspensão de execução da pena aplicada a HH, pelo período de 1 ano, com regime de prova, pela prática de um crime de condução ilegal. A elaboração do Plano de Reinserção Social não foi efetuada em tempo útil, em virtude de o arguido se encontrar a trabalhar em ..., e de não ter contactado a DGRSP após o seu regresso, no passado mês de março. No entanto, após voltarmos a contactar a sua mãe, o arguido compareceu na DGRSP dia 11 de maio. Na situação de HH, sobressaem aspetos positivos ao nível do suporte familiar, das boas competências relacionais e a interiorização de hábitos de trabalho. Como áreas vulneráveis, salientamos a baixa escolaridade, a existência de antecedentes criminais e uma problemática aditiva que, desde setembro de 2020, está sem acompanhamento médico e terapêutico, sendo que o arguido assume o consumo de cocaína a título recreativo. Os gastos tidos com este consumo interferem negativamente na sua capacidade de organização pessoal e na obtenção de uma situação económica estável. Pelo exposto, afigura-se-nos que HH reúne ainda condições pessoais e sociais para executar uma medida penal na comunidade, com Plano de Intervenção com obrigações direcionadas para a retoma do tratamento à problemática aditiva e desenvolvimento de competências pessoais no que se refere à capacidade de tomar decisões tendo em conta os valores sócio – jurídicos.

102. Do relatório social d arguido EE consta o seguinte:

O processo de desenvolvimento de EE ocorreu no agregado de origem, natural e residente em ..., ..., de humilde condição socioeconómica, composto pelos progenitores e seis irmãos, sendo o pai sapateiro e a mãe doméstica. A dinâmica funcional e relacional da família foi descrita como afetivamente coesa e solidária, mas afetada pelas dificuldades económicas vivenciadas. EE regista um trajeto escolar abreviado tendo desistido após a conclusão do 4.º ano de escolaridade aos 12 anos de idade. Relata ter iniciado ocupação laboral remunerada aos 16 anos de idade como sapateiro, junto do pai, e ter-se mantido laboralmente ativo até aos 65 anos de idade. Trabalhou essencialmente como indiferenciado na construção civil e na agricultura e terá sido igualmente motorista de pesados, identificando um trajeto sem descontinuidades apesar de não ter alcançado vinculação ou estabilidade contratual. Cumpriu o serviço militar e foi combatente como paraquedista na Guerra Colonial em ... para onde foi deslocado com 21 anos de idade. Permaneceu nesse país, e posteriormente em ... até aos 28 anos de idade, mencionando ter aí trabalhado sobretudo na área da agricultura após o fim da guerra. Foi durante esse período que iniciou os consumos de substâncias estupefacientes, que tem preservado, aparentemente sem impactos muito gravosos no plano social, até ao presente. No seu quotidiano, e desde longa data tem mantido igualmente hábitos de consumo regular de álcool. EE nunca casou e não tem filhos, embora mencione ter vivenciado alguns relacionamentos afetivos. Tem residido maioritariamente no meio de origem, reportando algumas estadas em ... por motivos laborais em campanhas sazonais de fruticultura. Apesar das vulnerabilidades ao nível aditivo, garantiu a sua sustentabilidade em função dos rendimentos obtidos dos desempenhos laborais que prosseguiu ao longo do seu trajeto de vida. Por outro lado, não obstante o seu isolamento pessoal, tem preservado algumas relações familiares com os irmãos, residentes na mesma área geográfica, contando no presente com o suporte em termos económicos e afetivos, da parte de uma das irmãs que é gémea do arguido. Nas datas dos factos pelos quais se encontra acusado, EE residia tal como no presente, sozinho, em habitação própria que herdou dos pais, detentora de incipientes condições de habitabilidade, inserida num contexto residencial de caraterísticas rurais e isolada. Detentor de uma condição económica precária, o arguido, que se encontra aposentado, aufere uma pensão no valor de 330,00 euros mensais a que acrescem 59,00 euros como complemento de reforma. Apresenta dificuldades na gestão equilibrada dos seus rendimentos mensais, que utiliza essencialmente para suprimir necessidades aditivas relacionadas com o consumo de tabaco, de álcool e de estupefacientes. Tem sido apoiado ao nível alimentar por uma associação local de proteção social, mas conta sobretudo com o apoio da irmã gémea que se tem constituído suporte afetivo e no atendimento das suas necessidades básicas. Esta familiar que se mantém disponível para apoiar afetivamente na garantia da sustentabilidade do arguido, assume as despesas com a eletricidade e gás, tem procurado que o mesmo disponha de condições dignas de habitabilidade com a oferta de eletrodomésticos e mobiliário, mas recusa-se a apoiar monetariamente, reconhecendo as suas vulnerabilidades persistentes em termos aditivos. EE prossegue atualmente um quotidiano maioritariamente assente em permanências na habitação, e na realização de pequenos trabalhos de limpeza numa pecuária localizada nas imediações. Identifica manter uma rede de sociabilidades associadas ao consumo de estupefacientes, deslocando-se ocasionalmente à localidade de ... onde preserva os contactos e convívio junto de pares com características comportamentais similares. Admite manter consumos regulares de álcool e ocasionalmente de estupefacientes (heroína), salientando a dificuldade económica como fator inibidor da manutenção regular desses comportamentos. Em termos pessoais EE surge como um sujeito que indicia tendência a adotar uma atitude de desvalorização das suas necessidades pessoais e de assunção das suas dificuldades, por desvalorizar os impactos dos seus comportamentos aditivos nos diferentes contextos de pertença e inserção, aferindo- se igualmente vulnerabilidades na capacidade de pensamento consequencial. No contexto comunitário não é alvo de rejeição, mas é-lhe atribuída uma imagem associada a problemas aditivos e ao isolamento social. Do contacto com as autoridades policiais com intervenção na área de residência de EE foi possível apurar a inexistência de ocorrências que envolvam o arguido. O arguido aparentemente manifesta-se confiante quanto à possibilidade de um desfecho favorável do presente processo, sem quaisquer impactos pessoais ou outros. Quando confrontado com factos similares aos que deram origem ao processo evidência dificuldades para reconhecer e refletir criticamente sobre o bem jurídico em causa, inferindo-se um posicionamento tendencialmente desculpabilizante desse tipo de comportamentos, focalizando-se em fatores causais externos. A avaliação efetuada remete para um percurso de vida condicionado pela ligação aos tóxicos, iniciada no início da vida adulta aquando do cumprimento do serviço militar no contexto de guerra colonial, que se tem vindo a perpetuar ao longo da sua vida com impactos sobretudo aos níveis pessoal e familiar. Não obstante, em termos de fatores de proteção há que assinalar a existência de um trajeto laboral sem descontinuidades, a aparente capacidade de ajustamento comportamental, e na atualidade o arguido beneficiar de suporte familiar e solidariedade assegurados pela irmã. As áreas de maior vulnerabilidade com potencial para uma interferência negativa na inserção social do arguido, apesar da sua idade, relacionam-se com a persistente problemática aditiva, cujo impacto desvaloriza, e ao nível pessoal as características que indiciam limitações ao nível do pensamento consequencial e da valorização de algumas regras e valores sociojurídicos. Face ao exposto, e em caso de condenação, considera-se existirem condições para a execução de uma medida na comunidade.

Matéria de facto não provada:

1.No dia 26 de março de 2020, pelas 15:30 horas, na rua ..., ..., ..., um indivíduo do sexo feminino estacionou o veículo que conduzia - de marca ..., modelo ... – junto à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, CCC que se encontrava no lugar do pendura, saiu do veículo, entrou na referida habitação e comprou produto estupefaciente ao arguido AA mediante a entrega àquele de contrapartida monetária.

2.No dia 10 de abril de 2020, pelas 11:15 horas, na rua ..., ..., ..., um indivíduo do sexo masculino estacionou o veículo que conduzia, de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-LC, junto à referida habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e o arguido AA vendeu produto estupefaciente a tal indivíduo mediante o recebimento de contrapartida monetária.

3.No dia 10 de abril de 2020, pelas 14:30 horas, na rua ..., ..., ..., um indivíduo do sexo masculino estacionou o veículo que conduzia, de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-IO-.., junto à referida habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e o arguido AA vendeu produto estupefaciente a tal indivíduo mediante o recebimento de contrapartida monetária.

4.No dia 10 de abril de 2020, pelas 14:40 horas, na rua ..., ..., ..., DDD estacionou o veículo que conduzia, de marca ..., modelo ..., com a matrícula PQ-...-..., em frente à referida habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,40 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €20,00 (vinte euros).

5.No dia 3 de junho de 2020, pelas 14:40 horas, na rua ..., ..., ..., um indivíduo do sexo masculino estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., em frente à mencionada habitação do arguido AA sita em tal rua, entrou na habitação e o arguido AA vendeu produto estupefaciente a tal indivíduo mediante o recebimento de contrapartida monetária.

6.No dia 4 de junho de 2020, pelas 9:00 horas, na rua ..., ..., ..., o arguido BB estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-AQ, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, entrou na habitação e o arguido AA vendeu produto estupefaciente ao arguido BB mediante o recebimento de contrapartida monetária.

7.No dia 16 de junho de 2020, pelas 10:27 horas, na rua ..., ..., ..., um indivíduo do sexo masculino estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., em frente à referida habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e o arguido AA vendeu produto estupefaciente a tal indivíduo mediante o recebimento de contrapartida monetária.

8.No dia 24 de junho de 2020, pelas 9:40 horas, na rua ..., ..., ..., EEE, estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-KF, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

9.No dia 24 de junho de 2020, pelas 12:40 horas, na rua ..., ..., ..., FFF estacionou o veículo que conduzia de marca ..., Modelo ... ..., com a matrícula ...-...-QB, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, e KK que se encontrava no lugar do pendura saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

10.No dia 24 de junho de 2020, pelas 12:43 horas, na rua ..., ..., ..., GGG estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-RG, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros.

11.No dia 24 de junho de 2020, pelas 14:02 horas, na rua ..., ..., ..., EEE, estacionou o veículo que conduzia de marca ..., com a matrícula ...-...-KF, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

12.No dia 24 de junho de 2020, pelas 14:44 horas, na rua ..., ..., ..., HHH, estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-XF-..., em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

13.No dia 25 de junho de 2020, pelas 10:42 horas, na rua ..., ..., ..., um indivíduo do sexo masculino estacionou a bicicleta que conduzia junto à referida habitação do arguido AA sita em tal rua, entrou na habitação e o arguido BB vendeu produto estupefaciente a tal indivíduo mediante o recebimento de contrapartida monetária.

14.No dia 3 de julho de 2020, pelas 11:50 horas, na rua ..., ..., ..., um indivíduo do sexo masculino estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-IE, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

15.No dia 3 de julho de 2020, pelas 12:00 horas, na rua ..., ..., ..., um indivíduo do sexo masculino estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-ZS, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e o arguido AA vendeu produto estupefaciente a tal indivíduo mediante o recebimento de contrapartida monetária.

16.No dia 28 de julho de 2020, pelas 12:00 horas, na rua ..., ..., ..., III, estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-RP, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

17.No dia 28 de julho de 2020, pelas 16:14 horas, na rua ..., ..., ..., JJJ, estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-OQ, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou duas doses de cannabis (resina), com o peso global não superior a 2 gramas, ao arguido AA pelas quais pagou €20,00 (vinte euros).

18.No dia 4 de agosto de 2020, pelas 8:20 horas, na rua ..., ..., ..., HHH, estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-XF-..., em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

19.No dia 4 de agosto de 2020, pelas 12:04 horas, na rua ..., ..., ..., indivíduo do sexo masculino estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-SJ, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e um indivíduo de identidade não concretamente apurada – a mando do arguido AA - vendeu produto estupefaciente ao condutor do citado veículo de marca ... mediante o recebimento de contrapartida monetária.

20.No dia 4 de agosto de 2020, pelas 13:38 horas, na rua ..., ..., ..., indivíduo de identidade não concretamente apurada estacionou o velocípede que conduzia junto à porta da citada habitação do arguido AA sita em tal rua, entrou na habitação e um indivíduo de identidade não concretamente apurada – a mando do arguido AA - vendeu produto estupefaciente ao condutor do citado velocípede mediante o recebimento de contrapartida monetária.

21.No dia 4 de agosto de 2020, pelas 13:45 horas, na rua ..., ..., ..., indivíduo de identidade não concretamente apurada estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo “...”, com a matrícula ..-GJ-.., em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e um indivíduo de identidade não concretamente apurada – a mando do arguido AA – vendeu produto estupefaciente ao condutor do citado veículo de marca ... mediante o recebimento de contrapartida monetária.

22.No dia 4 de agosto de 2020, pelas 13:51 horas, na rua ..., ..., ..., indivíduo de identidade não concretamente apurada estacionou o velocípede que conduzia junto à porta da citada habitação do arguido AA sita em tal rua, entrou na habitação e um indivíduo de identidade não concretamente apurada – a mando do arguido AA - vendeu produto estupefaciente ao condutor do citado velocípede mediante o recebimento de contrapartida monetária.

23.No dia 4 de agosto de 2020, pelas 14:13 horas, GGG estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-RG, em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, a um indivíduo de identidade não concretamente apurada pela qual pagou €10,00 (dez euros).

24.No dia 4 de agosto de 2020, pelas 14:30 horas, na rua ..., ..., ..., indivíduo de identidade não concretamente apurada estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo “...”, com a matrícula ...-GJ-..., em frente à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, saiu do veículo, entrou na habitação e o arguido AA vendeu produto estupefaciente a tal indivíduo mediante o recebimento de contrapartida monetária.

25.No dia 23 de agosto de 2020, pelas 11:00 horas, KKK, estacionou o veículo que conduzia, de marca ..., modelo ..., junto à habitação do arguido AA sita em tal rua, e um indivíduo de identidade não concretamente apurada que se encontrava no lugar do pendura saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,40 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €20,00.

26.No dia 24 de agosto de 2020, pelas 11:15 horas, KKK, estacionou o veículo que conduzia, de marca ..., modelo ..., junto à habitação do arguido AA sita em tal rua, e um indivíduo de identidade não concretamente apurada que se encontrava no lugar do pendura saiu do veículo, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,40 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €20,00 (vinte euros).

27.No dia 26 de agosto de 2020, pelas 13:05 horas, na rua ..., ..., ..., LLL estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo “C”, com a matrícula ...-...-VS, junto à citada habitação do arguido AA sita em tal rua, e juntamente com MMM que se encontrava no lugar do pendura saíram do veículo, entraram na habitação e o arguido AA vendeu-lhes produto estupefaciente mediante o recebimento de contrapartida monetária).

28.No dia 26 de agosto de 2020, pelas 18:15 horas, NNN, estacionou o velocípede que conduzia junto à porta da citada habitação do arguido AA sita em tal rua, entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso líquido de 0,065 gramas, ao arguido AA pela qual pagou €10,00 (dez euros).

29.No dia 24 de junho de 2020, GG estacionou o veículo que conduzia de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-RG, em frente à habitação do arguido AA sita na rua ..., entrou na habitação e comprou uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, ao arguido BB pela qual pagou €10,00.

30.No dia 28 de julho de 2020, o arguido AA, vendeu a GGG uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00.

31.No dia 4 de agosto de 2020, o arguido AA vendeu a DDD uma dose de heroína, com o peso de 0,40 gramas, pela qual pagou €20,00 (vinte euros).

32.Pelo menos desde o dia 5 de junho de 2020 e até ao dia 26 de agosto de 2020 o arguido BBB vendeu semanalmente cocaína ao arguido AA.

33.No dia 2 de julho de 2020, pelas 19:58 horas, na rua ..., ..., ..., o arguido BBB conduzia um veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-ZN e estacionou o veículo em frente à habitação do arguido AA sita em tal rua e de seguida, o arguido AA aproximou-se da porta do pendura do veículo, introduziu a sua cabeça e o seu tronco pela janela da porta do pendura e o arguido BBB vendeu cocaína ao arguido AA, mediante o recebimento de contrapartida monetária.

34.O veículo apreendido ao arguido BBB foi adquirido com os rendimentos provenientes dessa atividade.

*

Factualidade tida por “não escrita”:

A restante matéria alegada não foi considerada provada nem não provada, por constituir matéria irrelevante, desnecessária, opinativa e/ou de direito.

Refira-se, a este respeito, que a decisão a proferir quanto à prática crime de tráfico de estupefacientes, pese embora a abrangência do tipo, deve sustentar-se na necessária e indispensável concretização dos factos capazes de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do agente, sendo, por isso, de realçar, para esse efeito, a irrelevância jurídico-penal das imputações genéricas, que não encontram no texto da decisão aquele limiar indispensável de concretização (cfr., exatamente, em igual sentido, e entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-05-2012, Proc. 222/09.9JACBR.C2, in www.dgsi.pt).

*

Motivação da decisão de facto

Para formação da convicção do Tribunal, foram tidos em consideração os elementos de prova constantes dos autos, na sua globalidade, bem como a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente testemunhal, prova essa apreciada e avaliada à luz dos critérios da normalidade e segundo as regras de experiência comum e a sua livre convicção (cfr. Artigo 127.º do Código de Processo Penal).

O Tribunal formou assim a sua convicção:

Os arguidos BBB, OOO e AAA, usaram, validamente, o seu direito ao silêncio, sendo que posteriormente, os arguidos AA e EE prestaram declarações, e o arguido HH nunca compareceu em audiência de discussão e julgamento.

Foram lidas as declarações dos arguidos HH e AAA, prestadas em primeiro interrogatório judicial, cfr. fls. 709 a 711 e 716 a 718, nos termos do artigo 357º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPP.

Da leitura das declarações do arguido HH resulta que é consumidor de heroína adquiriu ao AA a quem efetuava contato telefónico prévio a perguntar “tás em casa” ou “posso passar aí” e deslocava-se a casa deste onde consumia; era usual haver indivíduos a entrar e a sair com o intuito de adquirirem droga; deslocou-se a ..., à ... com o AA, cerca de cinco vezes, porque aquele não tinha carro, mas ficou sempre na viatura afirma nunca ter vendido qualquer estupefaciente;

Da leitura das declarações do arguido AAA resulta que é consumidor de heroína que desde Agosto de 2019 se deslocava com o AA a ... ao antigo ..., inicialmente, comprar heroína apenas para os seu consumes e mais tarde o AA pediu-lhe para o conduzir até ... comprar heroína para vender a terceiros; começou a pernoitar em casa do AA, o que se prolongou por cerca de três meses e durante esse período foi, por disseras vezes a ...; durante o tempo em que pernoitou na casa do AA eta era frequentada por muitos consumidores que ai iam adquirir heroína e ai consumiam; durante esse período o AA deixou-lhe doses de heroína para entregar a consumidores que lá iam a casa; conhece o BBB como sendo PPP, a quem comprou, por varias vezes, pelo menos dez, heroína na zona da ... em 2018 e pagava 10€ a dose 0,01/0,02 grs; nunca ganhou dinheiro ao levar o AA a ... nem a entregar estupefaciente a consumidores; não pagava renda ao AA e quando pernoitou na habitação do AA nunca lhe comprou heroína uma vez que a ia adquirir a ... por ser mais barata; Concretizando:

O arguido AA referiu ser consumidor de heroína e que ficou desempregado o que levou que fossem consumidores a casa dele para consumirem e em troca davam-lhe um “bocado” para o consumo dele e que se deslocava a ... compra-la e o que ganhava era para o seu consumo, os outros consumidores o AAA, o EE e o BB acompanhavam-no a ..., porque não tinha carro e iam à Quinta ... em ...; levava dinheiro de outros consumidores e comprava lá para eles e estes à noite iam a casa dele e consumiam todos; portanto era só para seu consumo que lhe dispensavam porque não tinha dinheiro;

O arguido EE referiu que o AA lhe pagava o gasóleo para o transportar na sua viatura a ... para adquirir estupefacientes na zona do antigo ...; ele ficava no carro e o AA ia comprar com o dinheiro que lhe davam para trazer para “a malta”; consumia heroína, de vez em quando dava 10 a 20 € ao AA para ele comprar;

Sopesado o depoimento das testemunhas:

WW, esclareceu que comprou heroína ao AA até antes dele ser detido; em 2020 comprou cerca de 30 vezes, três vezes por semana, 10 € a dose; encontrava-se com o AA em casa dele a quem, previamente, AA em casa dele a quem, previamente, telefonava e perguntava se “estava tudo bem” e entregava-lhe o dinheiro na hora;

QQQ, consumidor de heroína e cocaína e comprava diariamente heroína ao AA por 10 a 20€ ;

NN, comprou heroína ao AA em 2020, ia a casa dele, telefonava previamente e perguntava se “estava tudo bem”, comprou 3 a 4 vezes por 10€;

GG, comprava heroína ao AA por 10 €, deslocava-se na sua própria viatura; nunca comprou ao “RRR”;

QQ, consumidor de heroína ia a casa do AA, consumia lá dentro e pagava 10€, duas vezes por semana, telefonava antes ao AA e perguntava se “tava tudo bem”; referiu que havia lá mais pessoas a consumir, chegou a ver 5 ou 6 pessoas.

II, consumidor de heroína, comprou-a ao AA a 10 a 20€ conforme a quantidade; ia a casa do AA, mas telefonava previamente a perguntar se estava em casa. Em 2020 comprou durante 3 a 4 meses, duas pu 3 vezes por semana; estavam lá mais 3 ou 4 pessoas em casa do AA;

KK, comprou heroína ao AA duas a três vezes por semana a 10€ a dose durante 3 a 4 meses, telefonava previamente a perguntar se podia passar lá; havia mais pessoas, em casa do AA, mas nem todas estavam a consumir.

FF, comprou heroína ao AA, durante meia dúzia de vezes ao longo de um número de meses que já não recorda em 2020 a 10€ a dose; ia sozinho e chegou a ir com o primo FF; DD, comprou cannabis ao AA uma a duas vezes e pagou 5 a 10€; MM, consumidor de heroína comprava ao AA ia a casa dele e umas vezes telefonava, a perguntar se podia ir, pagava 10€, oito a dez vezes durante dois meses em 2020; nunca lá viu ninguém;

VV, consumidor de heroína, consumia com o AA e com o AAA, chegou a levar heroína algumas vezes; nunca pagou a nenhum dos arguidos;

OO, conhece o AA e o RRR (BB) é consumidor de heroína e comprou heroína ao RRR seis ou sete vezes por 10€; também comprou ao AA, dirigia-se a casa deste, sem telefonema prévio, mas nunca foi ele que lhe vendeu diretamente; comprou heroína 3 a 4 vezes ao SSS a 10€;

UU, consumidor de heroína, comprou ao AA quarto ou cinco vezes a 10€; telefonava antes de ir.

XX, conhece o AA, comprou-lhe heroína, há cerca de um ano, quatro ou cinco vezes a 10 € a dose, em casa dele perto da ..., telefonava previamente;

JJ, consumidor de heroína conhece o AA, o RRR e o SSS; o AA trazia-lhe a heroína, telefonava antes e perguntava se “tava tudo bem”, 3 a 4 vezes;

YY, comprou heroína ao AA há mais de um ano por 10 ou 20€ a dose, diariamente durante dois meses, ligava e perguntava se estava tudo bem.

PP adquiriu heroína ao AA duas a três vezes por semana a 10€ durante um ano e três meses; antes de se deslocar a casa do AA telefonou uma ou outra vez;

TTT, consumidor de heroína e cocaína comprou heroína ao AA uma duas vezes por 10€ durante março e abril de 2020;

RR, consumidor de heroína, consumiu juntamente com o AA em casa deste algumas vezes por semana entre 3 a 4 durante cerca de 4 a 5 meses em 2020;

SS, consumidor de heroína comprava ao AA por 10€ durante cerca de seis meses em casa daquele;

ZZ, foi a casa do AA uma a duas outras vezes comprar heroína por 10€; foi “ao calhas” sem contato prévio;

LLL, consumiu heroína com o AA, mas não lhe pagava nada;

UUU, conhece o AA, consumidor de heroína, foi várias vezes a casa dele, mas nunca lhe comprou nada;

TT, comprou heroína ao AA, não mais de seis vezes uma ou 2 vezes por mês e pagava 10€;

KKK, consumidor de heroína, afirmou ter chegado a ir a casa do AA com um conhecido seu, duas vezes e comprou 20€ no verão de 2020; mas esperava no carro e o amigo é que ia buscar a heroína;

VVV, consumidor de heroína, nunca entrou na casa do AA, mas levava lá outras pessoas, que iam comprar e fumava com eles, mas nunca comprou diretamente.

WWW, consumidora de cocaína, comprou ao BBB, há mais de dois anos, e durante o período de um mês uma vez por semana por 10€;

XXX, conhece o AAA, comprava cannabis mas a nenhum dos arguidos;

YYY, a sua companheira ZZZ consumia cocaína e comprava ao BBB a 10€ a dose.

AAAA, não conhece o BBB, nem mesmo conhecido por “PPP”.

BBBB, consumidor de cocaína mas nunca comprou a nenhum dos arguidos;

CCCC, militar da GNR, esteve em praticamente todas as vigilâncias à casa do AA com excepção de duas e descreveu como se processava a chegada, entrada e saída dos compradores que ali permaneciam cerca de 5 a 10 minutos; houve ainda intercepções e apreensões;

DDDD, namorada do AA referiu que vai visitá-lo à cadeia e que até 2019 trabalhava e esclareceu o Tribunal sobre a personalidade do arguido.

Na análise critica do Relatório de exame pericial (fls. 1611, 1612 e 1622) e na documentação junta aos autos, nomeadamente: Relatórios de diligência externa nºs 1 a 13; Relatório de análise de informação criminal (fls. 302 a 308); Pesquisa na base de dados da segurança social (fls. 383, 385, 386, 387); Auto de revista e apreensão (fls. 505, 506, 518, 519, 632 e 633); Auto de pesagem/teste rápido (fls. 507, 514 e 520); Relatório fotográfico (fls. 508, 509, 515 a 517, 521, 522, 532, 533, 547 e 548); Auto de busca e apreensão domiciliária (fls. 512 e 513); Auto de busca e apreensão em veículo (fls. 526 e 527); Auto de apreensão de veículo automóvel (fls. 528 e 529); Certificado de matrícula (fls. 530); Relatório de diligência criminalística (fls. 848 e 849); Informação da Autoridade Tributária e Aduaneira (fls. 1018);

Relatório final (fls. 1536 a 1584); Transcrições das interseções telefónicas, em Anexos, bem como todos os DVD/CDs com as interseções telefónicas;

Transcrições de escutas telefónicas de fls. 1733 a 1738; Histórico de registo de veículo automóvel (fls. 1744 a 1746); Certificado de Registo Criminal dos arguidos (fls. 1904, 1905 a 1908, 1909, 1910, 1912, 1913 a 1923; Relatórios Sociais de fls. 2021 e ss, 2030 e ss, 2039 e ss, 2043 e ss, 2093 e ss, 2102 e ss;

*

Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º nº 1 do D.L. nº 15/93 de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C imputado aos arguidos, assentaram essencialmente no depoimento das testemunhas/consumidoras que foram claras e credíveis no esclarecimento da compra quer de heroína, quer de haxixe, na sua maioria ao arguido AA e aos arguidos BBB e BB, em menor numero e referiram as quantias, os números de vezes e a quantia monetária que receberam; assentou ainda no depoimento do elemento da GNR CCCC que, com credibilidade e isenção, esclareceu a participação na investigação, bem como, como já se disse acima, na prova documental e pericial junta aos autos.

Em concreto no que tange ao arguido AA, foram muitos os consumidores que em audiência afirmaram terem-lhe comprador heroína, já não cocaína e pelo menos um deles refeiu ter-lhe adquirido haxixe; quanto ao arguido BBB, as testemunhas WWW e YYY foram peremptorias em afirmar, aquela que lhe comprou cocaína e eta afirmou que a sua companheira – ZZZ - lhe comprava cocaína, sendo que também o arguido AAA afirmou que aquele lhe vendeu heroína; no que tange ao arguido BB a testemunha OO afirmou ter-lhe comprador seis ou sete vezes heroína; já o arguido AAA confessou ter-se deslocado com o AA a ..., conduzindo a sua viatura com o fim daquele comprar heroína para vender; mais afirmou que durante cerca de três meses pernoitou na casa do AA e que na ausência deste entregava doses de heroína aos consumidores que ali se deslocavam; o arguido EE foi com o AA a ..., conduzindo-o para que este compra-se estupefacientes e também lhe comprou 10 a 20 €de heroína; o arguido HH também conduziu o AA a ... cerca de cinco vezes para comprar heroína; outrossim o arguido AA confirmou que os arguidos AAA, EE e BB o conduziram e acompanharam a ... com o intuito de comprar produto estupefaciente;

Quanto à matéria de facto não provada, a mesma ficou a dever-se a total ausência de prova, bem como a identificação concreta dos consumidores.

De todo o exposto o Tribunal concluiu, sem margem para dúvidas, considerando toda a prova na sua globalidade, que os factos se passaram como supra referido, ou seja, em conclusão, a convicção do Tribunal sobre os factos foi determinada pela consideração de toda a prova produzida, interpretada de acordo com juízos de experiência.

*

B

O Direito

As questões a que importa responder são as seguintes:

a) Vícios da decisão suscitados pelo M.º P.º neste tribunal.

b) A qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido AA, medida da pena aplicada e eventual suspensão.

c) Qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido BB e medida da pena aplicada.

1. O M.º P.º neste tribunal foi de parecer que o acórdão recorrido padece de contradição insanável entre os factos provados 1 a 24, 26 a 39, 41 a 49 (nos quais se dá como provado que o arguido AA apenas mercadejava heroína) e 50 (na parte em que se dá como provado que ao arguido AA apenas foi apreendida heroína e cocaína) e os factos provados 54, 57, 58, 60 e 61 (na parte em que se dá como provado que o arguido AA [também] vendeu e cedeu cannabis a terceiros); Entre os factos provados 50 e 51 (na parte em que se dá como provado que no dia 26.08.2020 foram apreendidos ao arguido AA 0,358 grs. de cocaína que o mesmo destinava à revenda) e a decisão de não condenar o arguido por traficar cocaína (substância incluída na Tabela I-B anexa ao DL 15/93, de 22.01).

2. Lida e analisada a decisão no seu conjunto, verifica-se que não padece da invocada contradição. Nos factos provados 1 a 24, 26 a 39 e 41 a 49, refere-se a venda de heroína e não apenas ou de heroína, pelo que é compatível com a venda de cannabis (54, 57, 58, 60 e 61). Quanto à alegada contradição «entre os factos provados 50 e 51 (na parte em que se dá como provado que no dia 26.08.2020 foram apreendidos ao arguido AA 0,358 grs. de cocaína que o mesmo destinava à revenda) e a decisão de não condenar o arguido por traficar cocaína (substância incluída na Tabela I-B anexa ao DL 15/93, de 22.01)», importa recordar os factos relevantes:

«50. No dia 26 de agosto de 2020, pelas 18:30 horas, o arguido AA tinha na sua posse:

- Heroína com o peso líquido de 0,642 gramas, com o grau de pureza de 22,1%, suficiente para uma dose individual que se encontrava no bolso direito frontal das calças do arguido:

- A quantia de €108,40 (cento e oito euros e quarenta cêntimos), faseada em duas notas de €20,00 (vinte euros), cinco notas de €10,00 (dez euros), três notas de €5,00 (cinco euros), uma moeda de dois euros, uma moeda de um euro e em duas moedas de 20 cêntimos, que se encontrava no bolso direito frontal das calças do arguido;

- Heroína com o peso líquido de 2,376 gramas, com o grau de pureza de 22,7%, suficiente para cinco doses individuais que se encontrava acondicionada no interior de um recetáculo de plástico em forma de ovo localizado no interior de uma gaveta de um móvel da sala da habitação do arguido sita na rua ..., ..., ...;

- Resíduos de cocaína com o peso de 0,358 gramas que se encontravam acondicionados em papel de alumínio e localizados por cima da lareira da sala de estar da citada habitação do arguido;

(…) 51. Os produtos estupefacientes que o arguido AA detinha eram destinados a revenda».

3. Lido o dispositivo constata-se que o arguido AA foi absolvido «como co-autor material, e na forma consumada da prática de 1 (um) crime de tráfico estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei N.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao mesmo diploma) e foi condenado pelo mesmo crime, mas sem referência à tabela I-B. Não terá sido mero preciosismo a omissão da referência à tabela I-B. A conclusão a extrair será a de que para o tribunal não se provou tráfico de cocaína, por banda do arguido AA. Mas, então, pergunta-se como se explica a redação do facto provado em 51. «Os produtos estupefacientes que o arguido AA detinha eram destinados a revenda»?

4. Diz o M.º P. º que segundo os factos provados, os 0,358 grs. de cocaína [o AA] destinava-os à revenda. Essa conclusão não é assim tão clara, sendo uma das possíveis leituras que os factos em causa permitem, sendo certo que o tribunal não afirma em frase seguida que os resíduos de cocaína eram para revenda Se o tribunal expressamente e de caso pensado excluiu o tráfico de cocaína, ou há menor cuidado na redação do n.º 51, ou então os produtos estupefacientes detidos para a revenda são apenas as duas porções de heroína, uma «com o peso líquido de 0,642 gramas, com o grau de pureza de 22,1%»; a outra «com o peso líquido de 2,376 gramas, com o grau de pureza de 22,7%,» e não os resíduos de cocaína. Importa lembrar que na acusação se afirmava que «[p]elo menos desde o dia 5 de junho de 2020 e até ao dia 26 de agosto de 2020 o arguido BBB vendeu semanalmente cocaína ao arguido AA» [n.º 115 da acusação], facto que veio a ser considerado não provado (n.º 32 dos factos não provados no acórdão). A desconsideração pela decisão recorrida dos resíduos de cocaína – pois é disso que se trata – pode também ter resultado do entendimento de que esses concretos resíduos não eram transacionáveis, razão pela qual não foi mencionada a Tabela I-B. Seja como for, a situação não configura contradição insanável da fundamentação. Se o M.º P.º entendia que nessa parte ocorreu erro de julgamento devia ter recorrido; se a decisão padecia de lapso devia ter pedido a sua correção, se não era clara a sua aclaração.

5. A circunstância de, ao contrário do que aconteceu com a heroína, não ter sido identificado(s) na matéria de facto provada, comprador(es) de cannabis não implica que o arguido AA não vendeu cannabis. Por outro lado, lida a motivação, conclui-se que os factos provados relativos à venda de cannabis, estão ancorados em prova produzida na audiência. Em conclusão, nessa parte, não há insuficiência da matéria de facto provada.

4. Quanto à insuficiência da matéria de facto provada para se poder concluir que o arguido BB atuou em comunhão e conjugação de esforços e de intenções, quanto ao transporte, importa referir o que constava da acusação, entre o mais, o seguinte:

«4º Os arguidos AAA, EEEE e BB auxiliaram o arguido AA na venda de estupefacientes a terceiros - nomeadamente faziam entregas de heroína, de cocaína e de cannabis (resina) - e auxiliaram, ainda, o arguido AA na aquisição de produto estupefaciente, transportando o arguido AA nos veículos automóveis que utilizavam até aos locais onde aquele adquiria heroína, cocaína e cannabis (resina), entre os quais, o bairro Quinta ... sito em ... e o Bairro ... sito na ...».

5. Este era um dos vários factos que ancoravam a imputação da coautoria. Havia outros, nomeadamente o auxílio nas vendas, mas não se apurou (cf. n.ºs 13 e 29 dos não provados). Percorrida a factualidade provada e não provada, constata-se que aí não se toma posição expressa quanto à viagem para aquisição de estupefacientes, facto que, como vimos, constava da acusação. A decisão recorrida não é um exemplo de rigor na arrumação dos factos provados, não provados e respetiva motivação, mas sabemos as contingências dessa tarefa, nem sempre facilitada pela acusação que a precede. As decisões judiciais são suscetíveis de interpretação. Da totalidade da fundamentação da decisão recorrida, onde consta a enumeração dos factos provados e não provados, e a exposição dos motivos que a fundamentam (art. 374.º/2, CPP), retira-se, sem margem para qualquer dúvida, que o arguido BB (entre outros) Transportou no seu veículo o arguido AA a ... onde comprou produto estupefaciente que destinava ao tráfico. Esta realidade, dada como assente na motivação, aparece pressuposta nos factos provados n.ºs 57 e 60, e concretamente na referência ao transporte, facto que ancora na «confissão» do arguido AA, pois o BB fez uso do deu direito ao silêncio. Esta menor correção, na arrumação dos factos e motivação, não configura insuficiência da matéria de facto. Aliás, o recorrente BB no recurso aceita e não questiona a sua [pequena] parcela na coautoria.

6. Finalmente, sustenta o M.º P.º que existe erro notório na apreciação da prova porquanto a súmula do depoimento da testemunha DD que consta da fundamentação probatória do acórdão e ao qual o tribunal coletivo atribuiu credibilidade (de que só comprou cannabis ao arguido AA) não só não suporta como contraria frontalmente os factos provados 3, 10, 13, 38 e 41 (nos quais se dá como provado que a mesma testemunha apenas adquiriu heroína ao arguido AA).

7. O que consta da motivação é que «DD, [afirmou que] comprou cannabis ao AA uma a duas vezes e pagou 5 a 10€». Nos números 3, 10, 13, 38, e 41 consta que «3. No dia 26 de março de 2020, o arguido AA vendeu a DD uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00. (…), 13. No dia 3 de junho de 2020, o arguido AA vendeu a DD uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00; (…) 38. No dia 3 de julho de 2020, o arguido AA: (…) Vendeu a DD uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00 (…) 41. No dia 28 de julho de 2020, o arguido AA: (…) Vendeu a DD uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pelo preço de €10,00». Na decisão recorrida não consta a afirmação de que só comprou cannabis ao arguido AA) não só não suporta como contraria frontalmente os factos provados 3, 10, 13, 38 e 41, nem a de que apenas adquiriu heroína… ao arguido AA.

8. O erro notório é a falha grosseira percetível pelo juiz em concreto pressuposto pela ordem jurídica. Como disse FFFF na declaração aposta no ac. TC 322/1993, não se julga justificável a interpretação de tal erro como aquele de tal modo evidente que o homem médio deteta com facilidade. É que pode ser «notório» apenas para o julgador com a especial formação e experiência de um juiz… Abreviando razões, o erro invocado não se verifica, pois, os factos não são inconciliáveis entre si.

9. A circunstância de constar da motivação que o DD afirmou ter comprado cannabis ao AA uma a duas vezes e pagou 5 a 10, é perfeitamente conciliável com os factos provados donde resulta que afinal as vendas foram em número superior ao admitido pelo DD. Uma coisa é o DD admitir uma ou duas compras, outra resultar de outro meio de prova que foram mais.

*

10. Quanto à qualificação jurídica do crime, pretende o arguido AA que se ponderem como fatores que reduzem a «gravidade do ato para situação de menor gravidade» o período de tempo reduzido – 26 Março 2020 a 26 Agosto 2020 – durante o qual praticou o tráfico, o produto adquirido por consumidores foi inferior a 950 gramas; a venda destinava-se a obtenção de produto para próprio consumo, cingindo-se à localidade onde residia, inexistência de qualquer organização com meios sofisticados no modo como praticava a atividade nomeadamente haver colaboradores e/ou dependentes pagos pelo arguido para o exercício do tráfico. Quanto à medida da pena sustenta que sempre exerceu atividade profissional encontrando-se desempregado desde Dezembro de 2019; auferia rendimento de reinserção social no valor de cerca de 200,00, tem habitação própria, tem relacionamento com CC, há cerca de 3 anos, de quem continua a ter apoio incondicional; tem tido um comportamento irrepreensível no estabelecimento onde se encontra detido; com 60 anos de idade, está completamente integrado na sociedade, regendo a sua vida de forma autónoma e independente e com apoio da sua companheira/namorada, está determinado em manter um comportamento adequado ao ordenamento jurídico (como o fez ao longo de toda a sua vida de trabalho); a pena não é proporcional nem adequada ao facto apurado. Face ao que foi apurado em sede de audiência, às circunstâncias concretas e aos fatores atenuantes, entende que a medida decidida não pode manter-se nunca devendo a pena exceder os [4] anos de prisão suspensa.

11. Por sua vez o arguido BB entende que deve ser condenado «como traficante consumidor (art.º 26º n.º 1 do DL 15/93 de 22/01), em pena de multa a fixar em dias e valor pelo douto Tribunal de Recurso, ou, se assim não se entender, ser-lhe aplicada a pena de prisão até um ano suspensa na sua execução».

12. Quanto à qualificação jurídica, a decisão recorrida subsumiu a conduta do arguido AA, na previsão do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e com referência à Tabela I-A e I-C, prática em coautoria, um crime de tráfico de estupefacientes. Como vimos, o arguido pretende ver a sua conduta subsumida ao art. 25.º, DL 15/93. Dispõe o art. 25.º do DL 15/93:

«Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV».

13. As substâncias traficadas pelo recorrente constam das tabelas I – A e I – C. A análise dos tipos legais de tráfico de estupefacientes não deve ser dicotómica, apenas entre o tipo fundamental de ilícito (art. 21.º/1, DL 15/93) e o tipo privilegiado em razão da menor gravidade do facto (art. 25.º DL 15/93), mas estender-se ao art. 24.º, que prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto. Mesmo o art. 21.º deve ser considerado na sua completude, pois tem um âmbito de aplicação alargada, com agravação (nºs 2 e 3) e atenuação (n.º 4) de penas. Só uma ponderação global fornece uma visão integrada da resposta legislativa ao fenómeno do tráfico de estupefacientes: o tipo fundamental de tráfico no art. 21.º/1, um tipo de crime privilegiado no art. 25.º, e um tipo de crime qualificado no art. 24.º.

14. O tipo privilegiado de tráfico de menor gravidade (art. 25.º) pressupõe uma dimensão da ilicitude do facto, consideravelmente menor do que a ínsita no tipo fundamental (art. 21.º), enquanto o tipo qualificado, exigindo em regra uma ilicitude maior que a pressuposta no art. 21.º, beneficia de uma indicação taxativa de situações passíveis de integrar o tipo qualificado (ac STJ 13.09.2018, wwwdgsi.pt).

15. Em matéria de tráfico e outras atividades ilícitas, dispõe o art. 21.º/1, DL 15/93:

«Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».

16. Por sua vez em tema de agravação dispõe o art.º 24.º, DL 15/93, «as penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: a) as substâncias ou preparações foram entregues ou se destinavam a menores ou diminuídos psíquicos; b) as substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas; c) o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória; d) o agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão dessas infrações; e) o agente for médico, farmacêutico ou qualquer outro técnico de saúde, funcionário dos serviços prisionais ou dos serviços de reinserção social, trabalhador dos correios, telégrafos, telefones ou telecomunicações, docente, educador ou trabalhador de estabelecimento de educação ou de trabalhador de serviços ou instituições de acção social e o facto for praticado no exercício da sua profissão; f) o agente participar em outras actividades criminosas organizadas de âmbito internacional; g) o agente participar em outras actividades ilegais facilitadas pela prática da infracção; h) a infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações; i) o agente utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores ou de diminuídos psíquicos; j) o agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando; l) as substâncias ou preparações foram corrompidas, alteradas ou adulteradas, por manipulação ou mistura, aumentando o perigo para a vida ou para a integridade física de outrem». Finalmente, quanto ao tráfico de menor gravidade diz o art. 25.º, DL 15/93, «se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV».

17. O crime de tráfico de menor gravidade pressupõe situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, processa-se de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude. A título exemplificativo, indicam-se no preceito (art. 25.º) como critério ou índice da ilicitude consideravelmente diminuída as seguintes circunstâncias objetivas «os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».

18. Os pressupostos de aplicação da norma respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto, uns à própria ação típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da ação), outros ao objeto da ação típica (qualidade – percentagem de presença do princípio ativo – ou quantidade do estupefaciente), pelo que não relevam, como diminuindo a ilicitude, fatores atinentes ao juízo sobre a culpa, quer relativos ao desvalor da atitude interna do agente, ou à sua personalidade (ac STJ. 15.01.2020, disponível em wwwdgsi.pt).

19. Em regra, a menor ilicitude afere-se pela ponderação dos meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, o número de pessoas a quem foi realizada a venda, distribuição, cedência etc., ou o número de vezes em que tal ocorreu em relação à mesma pessoa. O arguido dedicou-se ao tráfico durante o período de março a agosto de 2020. Mas esse curto período, em si mesmo não representa uma circunstância favorável quando devidamente analisado: o terminus da sua atividade não foi uma decisão voluntária do arguido; foi a sua detenção que pôs fim à sua atividade ilícita. Acresce que nesse período vendeu a mais de 20 consumidores diferentes, a alguns várias vezes. No curto período de tráfico apurou-se que vendeu cerca de um quilograma de produtos estupefacientes, essencialmente heroína, sendo conhecidos os efeitos nefastos associados a esta droga. Para se ter um ponto de referência para o que representa 1 (um) Kg., basta referir que durante o ano de 2021 foi apreendida na totalidade do país a quantidade de 73 kg. (setenta e três) de heroína (Relatório Anual de Segurança Interna, 2021, p. 63). O abastecimento do arguido ocorria em ..., viagem que empreendia na companhia de coautores que disponibilizavam o respetivo transporte. Sendo no caso irrelevante saber se os atos de tráfico se limitaram à localidade onde residia, porquanto importa atender às quantidades traficadas e o tráfico pode estender-se por várias localidades e ser diminuto e concentrar-se numa localidade e envolver grandes quantidades, além de que nos dias de hoje, com a mobilidade facilitada, a venda pode ocorrer numa localidade e abastecer várias localidades.

20. Alega também o recorrente AA que a venda destinava-se a obtenção de produto para próprio consumo, o que a verificar-se podia ser um indício da menor gravidade. Ocorre que a factualidade provada desmente a sua alegação, provando-se diversamente que (61) o arguido AA encontrava-se desempregado e vivia dos lucros que retirava da diferença entre o preço de compra de heroína e de cannabis resina por grosso e o maior preço que obtinha na sua venda a retalho. Finalmente a percentagem de presença do princípio ativo nas substâncias traficadas é apreciável. Procedendo a uma valorização global da conduta do arguido AA ponderando o conjunto da ação, tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstrato) do bem jurídico protegido (saúde pública) (ac. STJ de 15.01.2020, disponível em www.dgsi.pt), face à ausência de circunstâncias provadas que diminuam consideravelmente a ilicitude da ação delituosa do recorrente, não merece reparo sendo correta a integração da apurada conduta no tipo fundamental de ilícito do art. 21.º do DL 15/93.

21. Sustenta o recorrente a aplicação de uma pena que não exceda os [4] anos de prisão e suspensa. A decisão recorrida em matéria de medida concreta da pena ponderou:

«Quanto ao grau de ilicitude, haverá que referir que o mesmo se afigura elevado, atenta a natureza e quantidade das drogas transacionadas (haxixe e heroína) sendo a heroína droga dura, com elevado nível de dependência e causadora de efeitos nefastos na saúde dos consumidores;

- Quanto ao modo de execução do crime, este revela-se de grau elevado, atentos os meios e a forma utilizados na compra e venda de produto estupefaciente.

- As exigências de prevenção geral são elevadíssimas, na medida em que o tráfico de estupefacientes, é crime que teima em persistir na nossa sociedade, afetando a saúde, a integridade física dos consumidores, afetando, por vezes, de forma irremediável o seu relacionamento com familiares e amigos, e levando-os, muitas das vezes, à adoção de condutas ilícitas com vista a arranjar proventos para satisfazer as suas necessidades de consumo, contribuindo para um sentimento de insegurança por parte da população.

- O grau de participação do arguido AA.

- O período de duração da atividade, de março a agosto de 2020, que apenas terminou com a reclusão do arguido AA;

- A intensidade do dolo desfavorece também o arguido, o facto de ter agido com dolo direto, a forma de dolo mais grave».

22. Secundamos no essencial as anteriores considerações A moldura penal abstrata é a de prisão de 4 a 12 anos. Vem sendo salientado por este Supremo Tribunal que na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender às fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e as suas nefastas consequências para a comunidade. A pena aplicada de cinco anos e seis meses é ajustada e proporcionada ao comportamento delituoso do arguido pelo que será mantida, ficando, obviamente, prejudicada a apreciação da suspensão de execução da pena, porque aplicada em medida superior a 5 anos (art. 50.º/1, CP). Não foram assim violados os arts 71.º e 72.º, do CP e 29 n.º 1 CRP.

23. Quanto à pretensão do arguido BB dispõe o artigo 26.º do DL 15/93:

1 - Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.

(…)

24. Percorrida a matéria de facto provada não se apurou que o arguido traficou tendo por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal. Como é sabido o tipo legal do traficante consumidor não coincide com o tipo sociológico do traficante consumidor. É, aliás, a maior exigência do tipo legal – o tráfico tiver por finalidade exclusiva conseguir substâncias para uso pessoal … – que explica que as condenações por esse tipo legal, na vigência do DL 15/93, não assumem relevância. Sem necessidade de mais alongadas considerações, conclui-se que a conduta do recorrente não pode ser subsumida à previsão do art. 26.º do DL 25/93.

25. O arguido BB foi condenado como coautor material de 1 (um) crime de tráfico estupefacientes, da previsão do artigo 21.º/1, DL 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-C, anexas ao mesmo diploma. Apurou-se neste particular:

25.No dia 24 de junho de 2020, o arguido BB vendeu a OO uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

40.No dia 28 de julho de 2020, o arguido BB vendeu a OO uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros).

Além disso o arguido transportou o arguido AA a ... para este aí adquirir estupefaciente para traficar. Foi este segmento da sua conduta que viabilizou a sua condenação em coautoria com o arguido AA. A circunstância de a conduta do arguido AA preencher a previsão do tipo de ilícito do art. 21.º DL 15/93, não é obstáculo a que a conduta do arguido BB possa preencher diverso crime de tráfico, quer porque a atuação conjunta dos arguidos ocorre apenas em relação a uma pequena parcela do comportamento delituoso do BB, quer ainda porque cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes (art. 29.º, CP e art. 48.º DL 15/93).

26. Como disse o ac. de 30.04.2008 deste STJ (disponível em www.dgsi.pt) o crime de tráfico de menor gravidade contempla situações em que o tráfico de estupefacientes se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito. Como acima referido indicam-se no art. 25.º DL 15/93, índices, critérios, exemplos padrão ou fatores relevantes de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objetivas e factuais, verificadas na ação concreta, nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objeto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspetiva global, uma mais ampla e correta perceção das ações desenvolvidas (atividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo essencial, na descrição fundamental do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01. No caso, qualquer que seja a perspetiva de análise, apurando-se que o arguido BB no dia 24 de junho de 2020, vendeu a OO uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros) comportamento que repetiu no dia 28 de julho de 2020, altura em que vendeu a OO uma dose de heroína, com o peso de 0,20 gramas, pela qual pagou €10,00 (dez euros) e ainda que transportou o AA a ... para este adquirir estupefaciente para venda – não se tendo apurado se foi uma ou mais as viagens realizadas, nem a quantidade de estupefaciente transportado, circunstâncias que nem a acusação concretizou, o resultado, por decorrência do princípio in dubio pro reo, é o de que esse non liquet não pode ser decidido em desfavor do arguido – temos de concluir que a conduta do arguido preenche o tipo de ilícito do art. 25.º DL 15/93, punível com prisão de um a cinco anos.

27. Em tema de determinação da medida concreta da pena dispõe o art. 71.º/2/d/e, CP, que o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as condições pessoais do agente e a conduta posterior ao facto, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime. Considerando as circunstâncias já identificadas na decisão recorrida como relevantes para a determinação concreta da pena entendemos proporcionada a pena de vinte meses de prisão, suspensa na sua execução, por idêntico período de tempo, dado que se mantêm os pressupostos que possibilitaram o juízo de prognose de ressocialização efetuado na primeira instância (art. 50.º/1/5, CP).

Decisão:

Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Na parcial procedência do recurso do arguido BB, vai o mesmo condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade da previsão do art. 25.º/a, DL 15/93, na pena de vinte meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

Custas pelo recorrente AA, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC (art.º 8º n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

Supremo Tribunal de Justiça, 23 de junho de 2022.

António Gama (Relator)

Orlando Gonçalves

Eduardo Loureiro (Presidente de Seção)