Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4871/07.1TBBRG.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
PAGAMENTO
MORA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 290/291 e RLJ, ano 119, 1986/1987, p. 144.
- Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, p. 290.
- José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Conceito e Fundamento, p. 127 e seguintes.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 6ª edição, p. 262.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, p. 263.
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, pp. 790 e 791.
- Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, p. 440.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, p. 405.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 428.º, 805º, N.º 2, ALÍNEA A), 762.º, N.º2, 916.º, 1208.º, 1211.º, N.º2, 1225.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, 684.º, N.º3, 690.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 5/06/2008, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A excepção de não cumprimento do contrato é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.

II - Tendo havido estipulação de prazos diferentes para o cumprimento das prestações, a limitação constante da parte inicial do art. 428º, nº 1, do CC, aplica-se, apenas ao contraente que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, continuando a ser admissível para o outro o recurso à excepção de não cumprimento, não entrando em mora se não realizar a sua prestação enquanto a sua contraprestação não for realizada.

III - Esta excepção também se aplica às situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual.

IV - Nos casos referidos em IV, o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser feito em conformidade com o princípio da boa fé e a possibilidade de recurso ao abuso de direito, por forma a que o alcance da excepção de não cumprimento seja proporcional à gravidade da inexecução.

V - Se o preço total da obra era de € 190 000 e a parte retida correspondia ao valor de € 50 000, valor de um prédio dado em pagamento, esta não é excessiva quando os defeitos da obra exigiam uma intervenção em todos os compartimentos do edifício.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA, identificada nos autos, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra “Herança de BB”, representada por CC, cabeça-de-casal, e também contra esta, pedindo que as rés sejam condenadas:

1º - A eliminar definitivamente os defeitos de construção existentes no imóvel urbano (que lhes comprou e identifica no item 1.º da petição inicial), bem como aqueles que surjam na pendência da acção, no prazo de 90 dias;

2º - A pagar-lhe a realização das obras de eliminação dos defeitos, caso elas, rés, não procedam às mesmas obras no prazo acima referido;

3º - A pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais de valor não inferior a € 10.000;

4º - A pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação, sobre qualquer quantia em que vierem a ser condenadas.

Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, que comprou aos referidos BB e esposa, que se dedicavam à construção civil e à compra e venda de imóveis, um prédio urbano para habitação, sito em Real, Braga, o qual apresenta graves defeitos de construção, dos quais lhes deu conhecimento. Apesar de reconhecerem a existência dos defeitos e de terem procedido a reparações, persistem os que descreve, os quais, segundo alega, põem em risco a salubridade e a habitabilidade do imóvel.

As rés contestaram e deduziram reconvenção, pedindo que a autora/reconvinda seja condenada a entregar-lhes o imóvel que lhes vendeu, e que constitui parte do preço da compra do prédio urbano que àquela foi vendido e ainda a pagar-lhes a quantia de € 350 por mês, devida pela ocupação daquele imóvel, a partir de Agosto de 2006 até que a entrega se verifique.

Na contestação alegam que corrigiram todos os defeitos que a autora lhes foi sucessivamente indicando e por que se julgaram responsáveis.

Replicou a autora e, quanto ao pedido reconvencional, invocou a excepção de não cumprimento para não entregar às rés o imóvel e nem lhes pagar qualquer importância pela sua ocupação.

Os autos prosseguiram os seus termos, e, na sequência do julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar parcialmente procedente a acção, condenando as rés a eliminar, no prazo de 90 dias, os defeitos que enumera nos pontos elencados.

Mais se decidiu julgar improcedentes os pedidos reconvencionais, deles absolvendo a Autora, assim como o pedido de indemnização por danos morais formulado pela autora, dele absolvendo as rés.

Inconformadas com o decidido, apelaram as rés, pretendendo que a decisão seja revogada e substituída por outra que condene a autora no pedido reconvencional que formularam.

Por sua vez, não aceitando a absolvição das rés quanto ao pedido de condenação em indemnização pelos danos não patrimoniais, recorreu a autora, recurso subordinado, pretendendo que as rés sejam condenadas no pagamento de uma quantia não inferior a € 15.000.

Por acórdão de 11 de Junho de 2012, a Relação confirmou integralmente a decisão impugnada, julgando, consequentemente, improcedentes os recursos interpostos.

Inconformada, recorreu de revista a ré Herança de BB, circunscrevendo o recurso á admissibilidade (ou inadmissibilidade) da excepção de não cumprimento do contrato, invocado pela autora para recusar o pagamento de parte do preço do contrato de empreitada celebrado com a ré, invocando as seguintes conclusões:

1ª - A excepção de não cumprimento do contrato é definida pelo artigo 428º do Código Civil como a possibilidade de um dos contraentes, no âmbito de um contrato bilateral, poder recusar a sua prestação enquanto o outro contraente não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

2ª - A ré/recorrente assumiu no negócio jurídico aqui em apreço a veste de construtora/vendedora, traduzindo-se, assim, a sua prestação, na construção e venda do prédio urbano sito no Lugar de S. ........, Lote n.º ........, Real, Braga.

3ª - Já a prestação a que a recorrida se obrigou traduzia-se na entrega do preço acordado, que no caso dos autos se concretizaria mediante a entrega da fracção autónoma designada pela letra "G" e do montante global de € 140.000 (cento e quarenta mil euros).

4ª - Resulta da matéria de facto assente que:

a) - O falecido DD e a sua mulher CC construíram o prédio urbano para habitação, sito no Lugar de S. ........, Lote ....n.º ...., Real, Braga (Alínea B).

b) - Quando a autora/recorrida se mostrou interessada em adquirir o referido bem imóvel, propôs como forma de pagamento a entrega do apartamento de que era, à data, proprietária e o remanescente em dinheiro, o que as partes acordaram (alínea E).

c) - Em escritura pública, outorgada em 28/06/2006, BB e mulher CC declararam vender e a autora declarou comprar, com destino a habitação própria permanente, pelo preço de cento e quarenta mil euros, o prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, sito no Lugar de S. ........, Lote n.º ........, Real, Braga (alínea C).

d) - Em escritura pública, outorgada em 28/06/2006, a autora declarou vender e BB e mulher CC declararam comprar, pelo preço de cinquenta mil euros, a fracção autónoma designada pela letra "G", correspondente ao 3.º andar direito, lado norte, destinada a habitação, com um lugar marcado na cave para recolha de um automóvel ligeiro, com entrada pelo n.º 172 de polícia (alínea D).

e) - Com a outorga das escrituras referidas em 3) e 4) - a que ora se fez menção - a autora passava a ocupar a casa referida em 4) e desocupava a habitação referida em 3) (alínea G).

5ª - Cumprida que estava a obrigação da recorrente, de construção e venda do imóvel, e parcialmente cumprida a obrigação da recorrida, que já havia entregado parte do preço em dinheiro, o integral cumprimento das respectivas prestações ficaria agora totalmente concretizado, mediante entrega das chaves dos imóveis adquiridos, o que, nos termos do estabelecido pelas partes, deveria ocorrer no acto de outorga das escrituras.

6ª - Pese embora tenha aceitado as chaves do imóvel por si adquirido à recorrente, a aqui recorrida não entregou a recorrente as chaves do imóvel por si dado como forma de pagamento, nem nessa data, nem posteriormente - já lá vão mais de 5 anos (!)

7ª - A recorrida encontrava-se, assim, em mora para com a recorrente quanto à obrigação de entrega do predito bem imóvel - representativo de parte do preço acordado pela compra do prédio urbano sito em Real, mora esta que se havia iniciado antes de a mesma invocar a excepção de não cumprimento.

8ª - Esta falta de cumprimento por parte da recorrida, que ocorreu a partir da data de outorga da escritura pública, não foi acompanhada de declaração relativa ao contrato celebrado entre as partes, juridicamente significativa.

9ª - Só quando interpelada pela aqui recorrente para proceder à entrega das chaves do imóvel dado como forma de pagamento, mais de 30 dias corridos desde a data da outorga da escritura e, consequentemente, desde a data em que se obrigou a cumprir a sua prestação, é que a autora/recorrida arguiu a excepção de não cumprimento.

10ª - A não entrega do referido imóvel, representativo de parte do preço que remanescia por pagar, é apenas isso, falta de cumprimento por parte da recorrida.

11ª - A recorrente tinha realizado as prestações a que se obrigou.

12ª - Não se questiona que a recorrida tenha aceitado as prestações de execução da obra e de venda do imóvel tal como cumpridas pela recorrente, nem tal se poderá questionar em face dos factos descritos nas alíneas C) e H) da matéria de facto assente.

13ª - A falta de entrega do imóvel que mais não é do que a falta de pagamento de parte do preço pela aquisição do prédio sito em Real, é uma estrita recusa de cumprimento com as consequências prescritas nos artigos 798º e 804º do Código Civil.

14ª - Embora se tenha verificado - posteriormente - que a obra tinha sido executada com ligeiras deficiências [alínea L) e quesitos 11º a 52º] e que a recorrente as não eliminou, nessa data já a recorrida se encontrava em situação de ilícito contratual, concretamente em mora.

15ª - A eliminação das deficiências faz parte da própria prestação de execução da obra mas tem um regime legal próprio consagrado nos artigos 1219º a 1226º do Código Civil, não permitindo a persistente recusa de pagamento de uma fracção do preço, já vencida e relativamente à qual o comprador se encontra em mora, como um meio de coagir o vendedor a eliminar essas deficiências.

16ª - Esse regime legal não permite afirmar, como parece aceitar o acórdão recorrido, que a obrigação de pagamento do preço ou de uma das fracções correspondentes se não vence enquanto subsistir a possibilidade legal de exigir ao empreiteiro a eliminação dos defeitos.

17ª - Pretendendo a eliminação dos defeitos da obra, perante a recusa da recorrente em fazê-lo - o que nem sucedeu -, poderia a recorrida recorrer aos meios próprios, o que não fez, antes parecendo querer fazer operar uma espécie de compensação entre o que deve e o que entende ser-lhe devido, sendo certo que não lhe é admissível que, com esse fundamento, justifique a situação de mora em que, desde há muito, se encontra.

18ª - Deveria o acórdão recorrido ter rejeitado a invocada excepção, interpretando e aplicando o artigo 428º do Código Civil de forma correcta, pois que, nos termos de tal preceito normativo, a excepção não se aplica na situação em que, quem excepciona, está, voluntariamente, em mora (cfr. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2002 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Maio de 2006, disponíveis em www.dgsi.pt.).

SEM PRESCINDIR:

19ª - Tem-se entendido que a exceptio non adimpleti contractus pode ser invocada nos casos de cumprimento parcial e de cumprimento defeituoso da obrigação, por parte do contraente a que é oposta.

20ª - Não obstante, tal uso deverá verificar-se sempre com o apelo aos princípios do equilíbrio das prestações inerente ao sinalagma e ao princípio da boa - fé.

21ª - Constitui questão pacífica na doutrina e na jurisprudência que, para que a excepção possa ser invocada por aquele que recusa o cumprimento, importa que haja proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção.

22ª – A boa – fé constitui um limite à alegação de tal excepção face ao cumprimento inexacto do contrato, podendo levar inclusivamente à sua negação, já que a parte da prestação recusada pelo excipiente deve ser proporcional à parte ainda não executada pelo contraente faltoso.

23ª - No caso dos autos ficou demonstrado que a habitação vendida à recorrida padece de alguns defeitos, o que não se vem aqui questionar.

24ª - No entanto, é igualmente facto assente o carácter pouco significativo dos referidos defeitos.

25ª - Os defeitos apresentados pela moradia não impediam a recorrida de habitar a casa.

26ª - Nos antípodas de tais defeitos, meritórios do epíteto da não essencialidade e reduzida dimensão (confirmada pela resposta dada ao quesito 78º, de pendor negativo), situa-se a fracção do preço não entregue à recorrente, cifrada em € 50.000, quantia que se considera corresponder ao valor do imóvel não entregue à recorrente.

27ª - A ocupação do imóvel pela recorrida, sem pagar qualquer valor, permitiu-lhe ainda "poupar" cerca de € 2 6.000, correspondentes a 74 meses a um valor médio de renda de € 350, provado nos autos.

28ª - Atenta tal factualidade, admitir como lícita a invocada excepção de não cumprimento - possibilidade esta que se repugna por completo - significa considerar existir algum tipo de proporcionalidade entre a não entrega de parte do preço, cifrada em € 50.000 (cinquenta mil euros), e as deficiências que se consideram existir e que, contas feitas de mote generoso, seriam eliminadas mediante cerca de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), além da "disponibilização" gratuita de uma habitação, sonho de todos os inquilinos.

29ª - Qualquer homem médio comum concluirá existir, na situação supra apontada, um claro desequilíbrio entre as prestações não realizadas, desequilíbrio este tanto mais exponencial, quando se considera que a recorrente sempre se prontificou a reparar os defeitos apontados pela recorrida, o que chegou, inclusivamente, a fazer (alínea L).

30ª - Tal desequilíbrio é tanto mais patente quando se tem presente que o instituto em apreço não é o único passível de assegurar a pretensão da recorrida de ver reparados os defeitos existentes na moradia por si adquirida.

31ª - A recorrida tinha, como tem ainda, outras soluções jurídicas ao seu dispor, concretamente poderia, nos termos do artigo 1222º do Código Civil, ter exigido a redução do preço da empreitada, o que não fez, ou, em opção, poderia ter resolvido o contrato de empreitada, não tendo lançado mão de nenhum destes direitos.

32ª - Deveria o acórdão recorrido ter considerado ilegítima a invocada excepção de não cumprimento, a qual se afigura violadora do princípio da boa - fé, porque as prestações das partes são substancialmente diferentes ao nível do seu valor pecuniário.

33ª - O acórdão recorrido sufraga uma tese que protege excessivamente a recorrida, olvidando a protecção devida ao comércio jurídico e confirmando um enriquecimento injustificado da recorrida que se vê na confortável situação de não pagar rendas nem condomínio enquanto não envernizarem o pavimento da sua moradia e eliminarem meia dúzia de fissuras.

34ª - O acórdão recorrido violou o estatuído nos artigos 428º, 227º e 762º, n.º 2 do Código Civil.

A recorrida contra – alegou e, defendendo a confirmação do acórdão recorrido, formulou as seguintes conclusões:

1ª - Não assiste à recorrente qualquer razão, nas alegações que produz, no âmbito do presente recurso, uma vez que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, no que diz respeito ao alegado por esta.

2ª - O Acórdão proferido não merece qualquer reparo ou censura no que concerne à possibilidade da recorrida invocar a excepção de não cumprimento para recusar o pagamento de parte do preço do contrato celebrado com a recorrente.

3ª - A excepção de não cumprimento encontra-se prevista no artigo 428º do C.C. e a sua função passa por evitar o desequilíbrio contratual que possa existir eventualmente por um dos contraentes não realizar a sua prestação.

4ª - A nossa doutrina, bem como a nossa jurisprudência na sua generalidade, têm entendido que a excepção de não cumprimento também pode ser invocada nos contratos bilaterais em que existem prazos diferentes nas prestações.

5ª - A natureza deste instituto leva-nos a concluir que este desempenha uma dupla função: uma função de garantia e uma função coerciva.

6ª - A recorrente começa por afirmar que a recorrida, ao não entregar na data da outorga da escritura as chaves do imóvel, por si dado como forma de pagamento, se encontrava desde logo em mora.

7ª - Não ficou provado que a autora e o Sr. BB acordaram, aquando das escrituras, que esta teria de entregar as chaves, nem tão pouco que essa entrega ocorreria até final de Julho de 2006.

8ª - Foi dado como provado que o Sr. BB solicitou à autora as chaves do apartamento, tendo esta respondido que não o fazia enquanto não fossem feitas reparações na moradia e também que, após os trabalhos de reparação efectuados em Setembro de 2006, a autora interpelou o Sr. BB informando-o da manutenção dos defeitos, pelo que daqui se extrai que este cumpriu defeituosamente a sua obrigação.

9ª - O regime jurídico a aplicar aos presentes autos é o dos defeitos da obra no contrato de empreitada, pelo que os artigos 1221º, 1222º e 1225º do C.C. assumem grande relevância e levam-nos a concluir que a autora exerceu o seu direito de forma perfeitamente legal, não existindo, por isso, qualquer mora da sua parte.

10ª - Atendendo à definição e natureza da referida excepção de não cumprimento e ao seu enquadramento ao caso em análise, parece-nos inquestionável que a mesma se adequa com todas as suas nuances a esta situação em particular.

11ª - A recorrente limita-se a referir que a excepção de não cumprimento apenas poderia ser invocada pela recorrida, caso o imóvel objecto do contrato se encontrasse numa situação de impossibilidade de ocupação e que esta procedeu a uma retenção desproporcional em relação aos defeitos que o mesmo imóvel apresentava.

12ª - A exceptio non adimpleti contractus poderá unicamente ser exercida após o credor ter, não só, denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados.

13ª - A excepção de não cumprimento deve ter como pano de fundo o princípio da boa - fé, daí a importância de analisar se, no caso em concreto, a recorrida feriu a boa - fé aqui subjacente.

14ª - Ficou demonstrado que os trabalhos de reparação na moradia efectuados pelo recorrente não foram suficientes e que a mesma continuou a apresentar inúmeros defeitos.

15ª - Os defeitos elencados nos autos são de uma gravidade pouco admissível para uma casa acabada de construir.

16ª - É nossa convicção de que assiste à autora o direito a invocar a exceptio non adimpleti contractus, na medida em que é razoável que poderia reter a parte do preço adequada e proporcional aos inúmeros defeitos que a moradia apresenta.

17ª - A Autora entregou a quantia de 140.000 €, aquando da outorga da escritura, sendo que o remanescente do pagamento da moradia seria a entrega do apartamento no valor de 50.000 €.

18ª - A não entrega do apartamento, enquanto não fossem feitas as reparações devidas na moradia, mais não era do que a única forma que a autora tinha à sua disposição para reter a única parte da sua prestação que estava em falta.

19ª - O argumento utilizado pela recorrente de que o princípio da boa - fé, ex vi artigo 762º, n.º 2 do C.C., estaria aqui a ser violado não pode ser invocado no caso em apreço.

20º - Nesta situação, a boa - fé não pode ser vista sequer como um limite à alegação da excepção face ao cumprimento inexacto do contrato, já que a parte da prestação que a autora reteve em seu poder é um bem indivisível, pelo que a autora estava forçada a retê-la na sua totalidade, não podendo optar, por isso, por outra quantia.

21ª - O argumento utilizado pela recorrente de que a autora apenas podia reter uma quantia inferior ou equivalente/proporcional aos defeitos de construção significa inviabilizar-lhe o direito de exercer a excepção de não cumprimento.

22ª - É inadmissível uma moradia nova, no valor de 190.000 €, apresentar, desde a data da sua construção até aos dias de hoje, inúmeros defeitos, quando a recorrente tem na sua posse desde 28 de Junho de 2006 a quantia de 140.000 € relativa ao pagamento de parte do preço desta moradia.

23ª - Entendemos ter sido legítima a invocação por parte da autora da excepção de não cumprimento, não tendo existido aqui qualquer abuso do direito nem má - fé, pelo que deve manter-se o douto acórdão proferido, improcedendo assim, os pedidos reconvencionais formulados pela recorrente.

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

2.

A autora veio peticionar nos presentes autos a condenação das rés (i) a eliminarem definitivamente os defeitos da obra, no prazo de 90 dias, (ii) a pagarem à autora a realização das obras de eliminação dos defeitos, caso não procedam à sua realização naquele prazo e (iii) a pagarem á autora uma indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de, pelo menos, 10.000 euros.

Por sua vez, as rés deduziram reconvenção, pedindo que a autora/reconvinda seja condenada a entregar-lhes o imóvel que lhes vendeu, e que constitui parte do preço da compra do prédio urbano que foi vendido à autora, e ainda a pagar-lhes a quantia de € 350 por mês, devida pela ocupação daquele imóvel, a partir de Agosto de 2006 até que a entrega se verifique.

A sentença, considerando a existência de diversos defeitos no imóvel que as rés venderam à autora e o direito que a esta assiste de obter a sua eliminação por parte das rés, condenou-as a eliminarem definitivamente os defeitos elencados nos pontos 12º, 13º, 14º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 49º e 58º, no prazo de 90 dias.

Quanto ao pedido de condenação das rés no pagamento de uma indemnização a título de danos morais, não foi atribuída à autora qualquer indemnização, por se entender que tais danos não assumem gravidade que mereça a tutela do direito.

Quanto aos pedidos reconvencionais, os mesmos foram julgados improcedentes, tendo deles sido absolvida a autora, com o fundamento de que, face ao cumprimento defeituoso das rés, podia aquela recusar-se legitimamente a cumprir a sua prestação de entrega da fracção em causa, invocando a excepção de contrato não cumprido, previsto no artigo 428º do Código Civil.

Atendendo a que a Relação confirmou a sentença recorrida e porque apenas recorrem de revista as rés, questionando a absolvição da autora/reconvinda, por discordarem da admissibilidade da excepção de não cumprimento ao caso sub judice, conclui-se que todos os segmentos da sentença recorrida transitaram, com excepção daquele em que a autora foi absolvida dos pedidos reconvencionais.

Fica, assim, delimitado o objecto do recurso à questão de saber se a excepção de não cumprimento do contrato é, ou não, admissível, no caso sub judice e, em caso de inadmissibilidade da excepção, retirar daí as consequências legais, isto é, a revogação do acórdão recorrido, na parte em que absolve a autora dos pedidos reconvencionais (vide artigos 660º, nº. 2; 684º, nº. 3; e 690º, nº. 1 todos do C.P.C. (redacção anterior ao DL 303/2007).

3.

Qualificação jurídica dos contratos celebrados entre autora e rés:

De acordo com a matéria de facto provada, BB e mulher, CC, exploravam a actividade de construção civil e de compra e venda de imóveis (alínea A).

No desenvolvimento da referida actividade construíram o prédio urbano para habitação, composto por casa de cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, sito no lugar de São ........, Lote n.º ........, Real, Braga (alínea B).

Em escritura pública outorgada em 28/06/2006, o referido BB e mulher, CC, declararam vender e a autora declarou comprar, com destino a habitação própria e permanente, pelo preço de 140.000 euros, o referido prédio urbano (alínea C).

Na mesma data, a autora declarou vender e o BB e mulher declararam comprar, pelo preço de 50.000 euros, a fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 3º andar direito, lado norte, destinada a habitação, com um lugar marcado na cave para recolha de um automóvel ligeiro, com entrada pelo n.º 172 de polícia, fracção essa integrada no prédio urbano, sito na Rua ..........., n.º ...... e Rua .............., com o n.º ...., Maximinos, Braga (alínea D).

Quando a autora se mostrou interessada em adquirir o imóvel construído pelo falecido BB, propôs, como forma de pagamento, a entrega da referida fracção autónoma designada pela letra “G” e o remanescente em dinheiro, o que foi aceite pelos construtores/vendedores, pelo que, no dia 28/06/2006, outorgaram as referidas escrituras de compra e venda (alíneas E e F).

Tal relação negocial consubstancia a celebração de um contrato de compra e venda que teve por objecto o prédio urbano para habitação, acima referido, que aqueles construíram.

Uma vez que a autora invoca que o referido imóvel apresenta defeitos, importa definir o regime jurídico aplicável.

Como ficou demonstrado, o falecido BB e a sua esposa, que exploravam a actividade de construção civil e compra e venda de imóveis, construíram o prédio urbano que venderam à autora, assumindo, assim, a veste de verdadeiros construtores/vendedores, pelo que é de aplicar o regime jurídico dos defeitos da obra no contrato de empreitada e não o regime da compra e venda de coisa defeituosa.

Com efeito, os artigos 916º e 1225º do Código Civil, na redacção que lhes foi dada pelo DL n.º 267/94, de 25 de Outubro, estenderam o campo de aplicação do regime de empreitada ao vendedor que tenha sido, simultaneamente, construtor do prédio, uniformizando os prazos de denúncia dos defeitos e subsequente direito de acção nas situações de empreitada e venda de coisa defeituosa.

Não se suscitando dúvidas sobre a existência de diversos defeitos no imóvel que as rés construíram e venderam à autora, foram aquelas condenadas a eliminar definitivamente os defeitos elencados.

4.

Excepção de não cumprimento do contrato:

Por força dos defeitos existentes, a autora, ao abrigo da excepção de não cumprimento do contrato, veio invocar a faculdade de não entregar a fracção que conserva em seu poder e que constituíra parte do preço às rés, enquanto não forem eliminados os defeitos existentes no prédio que lhes comprou.

Importa então apreciar a questão de saber, se, face ao cumprimento defeituoso, pode a autora recusar-se, legitimamente, a cumprir a sua prestação de entrega da fracção em causa, invocando a excepção de não cumprimento do contrato.

Nos contratos sinalagmáticos verifica-se reciprocidade entre as prestações de ambas as partes, o que implica que, por força do sinalagma funcional, não deva permitir-se a execução de uma das prestações sem que a outra também o seja.

Essa situação implica que o não cumprimento das obrigações de prestações recíprocas seja sujeito a um regime especial, admitindo-se ser lícita a recusa de cumprimento, enquanto a outra parte não realizar a sua prestação (excepção de não cumprimento do contrato) e que o incumprimento definitivo de uma das prestações permite à outra parte a resolução do contrato[1].

A excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) encontra-se prevista no artigo 428º, cujo n.º 1 estabelece que, “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

Como refere Almeida e Costa, “analisa-se a «exceptio» na faculdade atribuída a qualquer das partes de um contrato bilateral, em que não haja prazos diferentes para a realização das prestações, de recusar a prestação a que se acha adstrita, enquanto a contraparte não efectuar o que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo[2]”.

Assim, nos contratos sinalagmáticos, a lei permite a qualquer dos contraentes recusar a realização da sua prestação, enquanto não ocorrer a prévia realização da prestação da contraparte, ou a oferta do seu cumprimento simultâneo.

Deste modo, o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento da prestação nem enjeita o dever de a cumprir, pretendendo tão-somente o efeito dilatório de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que recebe a contraprestação a que tem direito.

Como refere José João Abrantes[3], “a excepção de contrato não cumprido tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor sem, por sua vez, cumprir a obrigação correspectiva a seu cargo ou sem, pelo menos, oferecer o cumprimento simultâneo”.

“É pois uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem alega”.

“O exercício da excepção não extingue o direito de crédito de que é titular o outro contraente. Apenas o neutraliza ou, melhor, apenas o paralisa temporariamente”.

“A excepção mostra-se assim como um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição”.

“Traduz-se esse direito em que o excipiens poderá legitimamente recusar a sua prestação, sem com isso incorrer em mora”.

É, assim, lícita neste caso a recusa do cumprimento, o que impede a aplicação do regime de mora (artigo 804º e seguintes) e, naturalmente, o do incumprimento definitivo (artigo 808º), mesmo que tenha havido interpelação da outra parte. Se as duas obrigações forem puras, a excepção de não cumprimento é, assim, sempre invocável, nem sequer podendo ser afastada mediante a prestação de garantias (artigo 428º, n.º 2).

E se houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações?

“Tendo havido, porém, estipulação de prazos certos diferentes para o cumprimento das prestações, um dos contraentes obriga-se a cumprir em primeiro lugar, o que implica uma renúncia da sua parte à excepção de não cumprimento do contrato e a consequente constituição em mora pelo decurso do prazo [artigo 805º, n.º 2, alínea a)].

Apesar da redacção do artigo 428º, n.º 1, naturalmente que nesta hipótese o contraente que esteja obrigado a cumprir em segundo lugar continua a poder usar da excepção de não cumprimento, não entrando em mora se não realizar a sua prestação enquanto a contraprestação não for realizada.

A limitação constante da parte inicial do artigo 428º, n.º 1, aplica-se, por isso, apenas ao contraente que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, continuando a ser admissível para o outro o recurso á excepção de não cumprimento[4]”.

Neste mesmo sentido, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela que, “mesmo estando o cumprimento das obrigações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá ser sempre invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro[5]”.

Também Nuno Manuel Pinto Oliveira defende que o artigo 428º “deverá aplicar-se por interpretação declarativa aos casos em que as duas prestações devam ser realizadas em simultâneo e deverá aplicar-se por interpretação extensiva aos casos em que o contraente que quer invocar a excepção é aquele que está obrigado a cumprir em segundo lugar[6]”.

Esta excepção também se aplica às situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual, assumindo-se, então, como exceptio non rite adimpleti contractus[7], podendo, consequentemente, o contraente recusar a prestação enquanto a outra não for completada ou rectificada. “Neste caso, estamos perante uma verdadeira excepção em sentido técnico, correspondendo a um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição – a prestação devida não é negada em termos definitivos, ficando, apenas, suspensa, no que diverge da resolução por incumprimento[8]”.

Nestes casos, como alerta Almeida Costa, há que ter presente o princípio da boa - fé no cumprimento dos contratos, consagrado no artigo 762º, nº. 2, e a possibilidade do recurso ao abuso do direito, nos termos do artigo 334º., donde “resulta a exigência de uma apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se insignificante, bem como se impõe a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção[9]”.

Revisitando o caso concreto, importa, então, apurar se a invocação da excepção pela autora em face dos concretos defeitos apresentados pela moradia fere a boa – fé, como pretendem as rés.

Com interesse para a apreciação desta questão, além dos factos acima enumerados, interessa ainda salientar que, com a outorga das aludidas escrituras, a autora passava a ocupar a casa que as rés haviam construído e desocupava a casa em que, à data do contrato, habitava (vide alínea G).

No dia 28/07/2006, a autora ficou na posse das chaves da casa que as rés construíram (alínea H).

O BB solicitou à autora as chaves do apartamento, em que a autora habitava, tendo-lhe esta respondido que não as entregava, enquanto não fossem feitas reparações na casa que as rés lhe haviam vendido (Alínea I).

Em 22/09/06, a autora e o BB, acompanhados de outras pessoas, deslocaram-se ao imóvel que a autora comprara, tendo o BB, nos dias posteriores a essa deslocação, realizado trabalhos de reparação na aludida casa (alíneas J e L), visando eliminar os defeitos que a obra apresentava (resposta ao quesito 76º).

Esses trabalhos terminaram em Setembro de 2006, tendo a autora sido informada da sua conclusão (Resposta aos quesitos 87º e 88º).

Após isso, a autora interpelou o BB informando-o da manutenção dos defeitos referidos nos anteriores números 13) e seguintes (Resposta ao quesito 90°).

Como atrás se referiu e as próprias rés reconhecem, a sua posição no contrato que celebraram com a autora é a de “construtora/vendedora”, daí decorrendo a obrigação de executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, como resulta do disposto no artigo 1208º., para além de, na vertente da venda, entregar a “obra” à compradora.

Por sua vez, o dono da obra, ou comitente, terá de pagar o preço que haja sido acordado, nos termos e prazos que constem da lex contractus ou dos usos.

Se o contrato for omisso quanto à data do pagamento do preço, ou não havendo uma prática comum, então ele deverá ser pago no acto de aceitação da obra, como se dispõe no artigo 1211º, nº. 2.

Na situação sub judicio, o preço da compra (e, concomitantemente, da obra) foi de € 190.000, havendo ficado acordado que a autora – compradora/dona da obra ou comitente – pagaria uma parte deste preço com a fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 3º Andar direito do prédio urbano sito na Rua ..........., nº. ......, em Maximinos, Braga, à qual foi atribuído o valor de € 50.000.

No dia 28/06/2006 foram outorgadas as duas escrituras de compra e venda, relativas ao prédio urbano comprado pela autora e à fracção autónoma que vendeu (entregou) às rés para parcial pagamento do preço daquele prédio.

Tendo, embora, ficado estabelecido que “com a outorga das escrituras a autora passava a ocupar aquele prédio urbano (casa) e desocupava a fracção autónoma, o certo é que só no dia 28/07/2006, ou seja, decorrido um mês da data da outorga das escrituras, é que ficou na posse das chaves da referida casa.

A autora pôde, então, constatar que a casa apresentava defeitos e denunciou-os ao BB (empreiteiro) – o que significa que ela não aceitou a obra – e, tendo-os este reconhecido, fez obras com o objectivo de os eliminar mas não o conseguiu, continuando a obra a apresentar defeitos, que a autora lhe voltou a denunciar.

Daqui se extrai que aquele cumpriu defeituosamente a sua obrigação contratual, no que concerne ao contrato de empreitada.

Não obstante, o referido BB solicitou à autora as chaves do apartamento, respondendo esta que lhas não entregava enquanto não fossem feitas reparações na casa, destarte invocando a excepção de não cumprimento.

Em face do que se deixou exposto, assistiria à autora o direito a invocar a excepção de não cumprimento, não se suscitando dúvidas de que poderia reter a parte do preço adequada e proporcional aos inúmeros defeitos elencados.

Ora, para sabermos se existe “equilíbrio” entre a prestação que a autora se recusou a prestar e a parte incumprida (traduzida nos defeitos que a obra apresenta) da prestação contratual que cabia à contraparte, importa reter que o apartamento que a autora não entregou ao falecido BB, enquanto não fossem feitas as reparações na moradia vendida por este à autora, mais não era do que o pagamento de parte do preço da moradia.

Com efeito, quando a autora se mostrou interessada em adquirir a moradia propôs como forma de pagamento a entrega do apartamento e o remanescente em dinheiro, o que o BB aceitou.

Assim, o BB e a mulher CC receberam como pagamento do preço da moradia no valor de € 190.000, a quantia de € 140.000 em numerário e o apartamento no valor de € 50.000.

Como muito bem considerou a sentença, a retenção do apartamento efectuada pela autora corresponde á retenção de parte do preço (€ 50.000), sendo certo que relativamente a esta parte do preço estava a autora forçada a retê-la na sua totalidade, não podendo optar por outra quantia. Considerar que a autora o não podia fazer por se entender que a quantia de € 50.000 seria excessiva relativamente aos defeitos e que apenas poderia reter quantia inferior equivaleria a inviabilizar á autora o direito de exercer a excepção de não cumprimento, face ao cumprimento com defeitos da outra parte, pois que apenas podia reter aquele valor, correspondente ao apartamento. De salientar aliás que, em 28/06/2006, a autora pagou, desde logo, relativamente ao preço da moradia a quantia de € 140.000, que ficaram na disponibilidade dos construtores/vendedores e que, desde então, continua sem ver os defeitos eliminados.

E o certo é que, como resulta dos factos transcritos sob os n.os 12º a 49º e 58º, e o acórdão recorrido salienta, pode dizer-se que, desde o portão de entrada até à chaminé, passando pelo interior, vai haver necessidade de uma intervenção, segundo cremos, em todos os compartimentos do edifício, o que de algum modo justifica que a autora não pretenda que tal intervenção se faça estando ela e o seu agregado familiar a viver lá dentro.

Assim, não se entende violadora da boa – fé nem abusiva a invocação pela autora da excepção de não cumprimento, mantendo-se no apartamento, enquanto não se mostrarem feitas as obras necessárias para a eliminação dos defeitos que a casa apresenta.

5.

Concluindo:

I - A excepção de não cumprimento do contrato é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.

II - Tendo havido estipulação de prazos diferentes para o cumprimento das prestações, a limitação constante da parte inicial do artigo 428º, n.º 1, do CC, aplica-se, apenas ao contraente que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, continuando a ser admissível para o outro o recurso à excepção de não cumprimento, não entrando em mora se não realizar a sua prestação enquanto a sua contraprestação não for realizada.

III - Esta excepção também se aplica às situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual.

IV - Nos casos referidos em II, o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser feito em conformidade com o princípio da boa - fé e a possibilidade de recurso ao abuso de direito, por forma a que o alcance da excepção de não cumprimento seja proporcional à gravidade da inexecução.

V - Se o preço total da obra era de € 190 000 e a parte retida correspondia ao valor de € 50 000, valor de um prédio dado em pagamento, esta não é excessiva quando os defeitos da obra exigiam uma intervenção em todos os compartimentos do edifício.

6.

Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2013

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

___________________


[1] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 6ª edição, página 262.
[2] Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, página 290.
[3] A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Conceito e Fundamento, páginas 127 e seguintes.
[4] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, página 263.
[5] Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 405.
[6] Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, páginas 790 e 791.
[7] Vide Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, página 440.
[8] Ac. RL de 5/06/2008, em www.dgsi.pt.
[9] Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 290/291 e RLJ, ano 119, 1986/1987, página 144.