Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
35/20.7T8PNI-A.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: TIBÉRIO NUNES DA SILVA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE EMPREITADA
DIREITOS DO DONO DA OBRA
DENÚNCIA
DEFEITO DA OBRA
CADUCIDADE
PROPOSITURA DA AÇÃO
INTERPELAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. No âmbito de um contrato de empreitada, o direito do dono da obra à eliminação dos defeitos, perante uma infrutífera denúncia feita ao empreiteiro, deve ser exercido mediante instauração de acção judicial, sob pena de caducidade dos seus direitos (arts. 1224º, nº 1, e 1225º, nºs 2 e 3 do C. Civil), não bastando, para o efeito, uma interpelação extrajudicial.

II. O Supremo Tribunal de Justiça tem poderes para, nos termos do art. 682º, nº3, do CPC, determinar que se amplie a matéria de facto, de modo a constituir base suficiente para a decisão da matéria de direito atinente à questão ou questões que lhe foram submetidas, o que implica a anulação do acórdão, na parte afectada, e o reenvio do processo ao tribunal recorrido para novo julgamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I


Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de S. Pedro de Peniche, com os sinais dos autos, instaurou a presente acção declarativa contra Armando Cunha, S. A., também com os sinais dos autos, pedindo a condenação desta a proceder à correção integral dos defeitos detectados na obra identificada na petição.

Alega, em síntese, que:

Entre Autora (dona da obra) e “P..., SA” (empreiteira) foi celebrado um contrato de empreitada que tinha como objecto a realização de obras de beneficiação da Igreja de São Pedro, em Peniche.

As obras foram realizadas, tendo a empreitada sido provisoriamente recebida pela Autora.

Posteriormente, chegou à Autora uma comunicação da Ré no sentido de esta ter assumido as obrigações que do mencionado contrato de empreitada decorriam para a “P..., SA”, transmissão que foi aceite pela Autora.

Acontece que a obra em causa apresenta defeitos (que discrimina).

A Autora procedeu à interpelação da Ré para que corrigisse os defeitos detectados, o que fez através de mensagem de correio electrónico, cuja cópia junta.

Perante a inércia da Ré, foi-lhe dirigida, posteriormente, a missiva cuja cópia é também junta.

Seguiram-se vários contactos entre as partes, no âmbito dos quais os representantes da Ré chegaram a assumir o compromisso de dar início às intervenções necessárias.

Tais compromissos foram sendo, contudo, sucessivamente incumpridos pela Ré, motivo, pelo qual se viu a Autora forçada a interpelar formalmente a Ré, através de carta dirigida pelo seu mandatário, cuja cópia é igualmente junta.

Apesar de todas as diligências encetadas pela A. no sentido de obter a regularização extrajudicial da questão, até à presente data, nada fez a Ré para corrigir os vícios detectados na obra, mantendo-se em incumprimento relativamente às obrigações assumidas.

Os trabalhos necessários para proceder à correcção dos defeitos da obra ascendem a cerca de €30.750,00 (trinta mil, setecentos e cinquenta euros).

Contestou a Ré, concluindo que deve:

«a) Ser declarada nula a declaração emitida pela R., por extravasar a capacidade jurídica das sociedades comerciais, absolvendo-se a R. do pedido;

b) Ser reconhecida a revogação pela R. da declaração emitida a favor da A., absolvendo a mesma do petitório;

c) Ser reconhecida a caducidade do direito da A. de peticionar junto da R. a obrigação de reparar os defeitos, por decurso do prazo de tal exercício, absolvendo-se a R. do petitório;

d) Ser declarado prescrito o direito da A. de requerer a condenação da R. a reparar a anomalia referente impermeabilização dos algerozes e guarda fogos, com a consequente absolvição da R..

e) Absolver-se a R. do petitório, porque não demonstrado nem legalmente fundamentado.»


A A. pronunciou-se sobre as excepções, pugnando pela sua improcedência.


Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a defesa por excepção apresentada pela R. nos arts. 39º-50º da contestação (ou seja, a caducidade do direito de acção e a prescrição), com o consequente prosseguimento dos autos.

A Ré apelou desta decisão.

O Tribunal da Relação de Coimbra, conhecendo do recurso, manteve a decisão da 1ª Instância.


Ainda inconformada, a R. interpôs recurso de revista excepcional, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:

«a) Nos autos que correm termos no Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal da Comarca ..., a A. (aqui Recorrida) instaurou ação de condenação contra a R., aqui Recorrente, peticionando que esta seja condenada na reparação integral dos defeitos detetados na obra de beneficiação da Igreja Paroquial da Freguesia de Peniche empreendida pela empresa P... S.A.;

b) A aqui Recorrente contestou e alegou, entre outras exceções, a exceção de caducidade da instauração da ação para a eliminação dos defeitos, requerendo a sua absolvição;

c) Em sede de despacho saneador-sentença o ilustre tribunal de primeira instância julgou como demonstrado que (já na versão retificada pelo Tribunal da Relação de Coimbra): “Em 25.02.2016, a A. remeteu à R. por Correio eletrónico email que aqui se dá por reproduzido designadamente a “existência de anomalias ao nível da pintura e do reboco exterior e interior”, tendo em 8 de maio de 2018 A. remetido à R. uma missiva, na qual se alude àquele email e se estipula prazo para se iniciar a intervenção para a eliminação dos efeitos o dia 11 de junho de [2018]; 4. A presente acção foi proposta em 21.01.2020 e a R. foi citada por via postal em 31.01.2020;” tendo julgado como improcedente a exceção de caducidade do exercício do direito da Recorrida, alegado pela Recorrente, decisão esta que foi mantida pela Veneranda Relação de Coimbra;

d) Ao ser notificada do douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo que confirmou a sentença proferida em primeira instância, o que conduziu à dupla conforme, evidenciou a Recorrente que, aquela decisão, se pronunciava no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito em sentido diverso ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no Processo n.º 666/15.7T8AGH.L1-6 de 02-06-2021 – cuja certidão do teor e a atestar transito em julgado aqui se junta -, ou seja, entendeu o Venerando Tribunal a quo que, num relação contratual de empreitada sujeita ao direito privado, o direito de exigir a eliminação dos defeitos por parte do Dono da Obra, sujeito ao prazo de caducidade de 1 (um) ano, poderá ser exercido simplesmente por mera interpelação extrajudicial e professou a Veneranda Relação de Lisboa - aqui acórdão fundamento - que apenas mediante a instauração de ação judicial no prazo de 1 ano a contar da denúncia dos defeitos poderá ser exercido o direito do dono da obra contra o empreiteiro;

e) Quanto àquela magna questão entendeu o douto Tribunal a quo que: não exige que o exercício dos direitos conferidos pelo diploma seja efectuado por via judicial para que impeça a caducidade (ao contrário do que sucede, v. g., com a venda de coisa viciada, quando tendo por base simples erro, ex vi art. 917.o do CC), sendo bastante o exercício gracioso e desformalizado desses direitos, desde que realizado um acto declarativo de interpelação da entidade responsável”, pelas seguintes razões: a)- O n.º 1, do art.º 311.º, do C.C., não exige a instauração de ação judicial. b)- O dono da obra ao denunciar os defeitos e a pedir a sua eliminação, ainda que o faço, sem ser através de ação judicial, está no fundo a fazer, o que iria fazer ao intentar ação judicial. c)- Ora, se o n.º 1, do preceito citado não exige ação judicial e se o dono da obra denuncia os defeitos e pede a sua eliminação está a cumprir o n.º 1, do art.º 311.º d) – Do referido em a), b) e c), temos para nós, como se entendeu na decisão recorrida, que o n.º 1, do art.º 311.º, do C.C. se satisfaz com o exercício gracioso;

f) Ao passo que o Tribunal da Relação de Lisboa, cujo acórdão aqui nos subjaz como fundamento, entendeu que: “Ora, a questão que se coloca é a de saber se o direito à eliminação dos defeitos deve ser efectuado através de acção judicial ou se se basta com mera notificação extrajudicial ao empreiteiro. (…). Como se referiu acima, o legislador, nos artºs 1220º nº 1, 1224º e 1225º estabeleceu prazos de caducidade para a denúncia dos defeitos da obra e para o exercício dos direitos que são conferidos ao dono da obra. Não se trata de prazos de prescrição. Se assim não fosse, os direitos do dono da obra poder-se-iam protelar no tempo, com o inconveniente da insegurança jurídica que adviria para o empreiteiro. De resto, esses prazos de caducidade, curtos, foram estabelecidos no interesse do empreiteiro, a fim de os desvincular das responsabilidades emergentes dos defeitos da obra no caso de inércia do dono da obra. Ora, a tese que, na linha do entendimento de Cura Mariano, defende que o exercício dos direitos do dono da obra, mormente o direito à reparação dos defeitos, pode ser exercido extrajudicialmente no ano seguinte à denúncia dos defeitos e que a posterior acção de condenação do empreiteiro à reparação dos defeitos pode ser exercida no prazo geral da prescrição, ou seja no prazo de 20 anos após a interpelação extrajudicial para eliminação dos defeitos (conforme artº309º do CC) redunda, salvo o devido respeito, numa subversão da ratio que levou o legislador a estabelecer prazos curtos para que o dono da obra compelisse o empreiteiro à reparar/eliminar os defeitos da obra. Note-se que o Legislador optou por prazos de caducidade e não de prescrição por se entender que os institutos da suspensão e da interrupção da prescrição não se harmonizavam com as razões que justificavam o estabelecimento de prazos curtos para o exercício dos direitos resultando do descobrimento de defeitos (Cf. Pires de Lima e Antunes Varela CC anotado, vol. II, 3ª edição, 1986, pág. 824). Por conseguinte, somos a entender que o dono da obra dispõe de um ano, contado a partir da denúncia dos defeitos, para instaurar a acção correspondente, sob pena de caducidade dos seus direitos.” (sublinhados da responsabilidade da signatária);

g) Tanto quanto a Recorrente investigou, inexiste nesta data Acórdão Uniformizador de jurisprudência quanto à questão que aqui nos traz a esta revista excecional;

h) Face ao expendido, transparece a discórdia de jurisprudência quanto à mesma questão fundamental de direito ao abrigo da mesma legislação, ou seja, importa apurar se o direito à eliminação dos defeitos pode ser exercido no prazo de 1 ano a contar da denúncia dos defeitos por mera interpelação judicial ou antes através de ação judicial para aquele efeito;

i) Nesta conformidade, cremos, salvo melhor e douto entendimento, estarem reunidos os pressupostos para que o presente Recurso de Revista Excecional seja liminarmente aceite, o que aqui se Requer, prosseguindo-se para a devida apreciação dos autos de recurso;

j) O regime de caducidade em geral regulado nos arts. 328.º e ss do Cód. tem aplicação a todos os institutos jurídicos que não prevejam regras especiais para aquele efeito, o que de fato não sucede com a relação contratual proveniente da empreitada de obras particulares cujas regras são civilisticamente estabelecidas nos arts. 1207.º e ss do Cód. Civil;

k) Nos termos aquele regime, evidenciam-se regras muito próprias deste instituto que passam pela existência de prazos para a denuncia dos defeitos e ainda a estipulação, por ordem de preferência, do direito à eliminação dos defeitos, de redução do preço se aquela eliminação não for possível ou se revelar desproporcional, e o direito à resolução se a obra se mostrar inadequada para o fim a que se destinava, vide arts. 1220.º a 1224.º do Cód. Civil. A todos estes direitos acresce o da indemnização nos termos gerais. Estipulam-se ainda prazos mais protelados para o exercício daqueles direito no caso de nos encontrarmos perante obras de construção nova ou de remodelação, no disposto no art. 1225.º do Cód. Civil;


Ora,

l) Naquele regime especial de empreitada prevê-se normas próprias para a caducidade a alegar nas relações contratuais estabelecidas sob aquela égide, sendo clara a diferença de expressão do legislador quanto à denúncia dos defeitos prevista no art. 1220.º e o que previu para o direito à eliminação dos defeitos para a qual refere, de forma inequívoca, que caduca aquele direito se não for exercido dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva ou da denúncia dos defeitos, vide art. 1224.º, n.º 1 do Cód. Civil;

m) Assim, se para a comunicação dos defeitos se afirma tão só a necessidade de denuncia sem que qualquer forma especial seja referida valendo por isso o regime da liberdade formal previsto no disposto no art. 219.º do Cód. Civil, para o direito à eliminação dos defeitos exige o exercício daquele direito, o que, em relações de direito privado e sem que nenhuma das partes seja dotado de ius imperi, apenas pode significar o recurso às vias judiciais nos casos em que o empreiteiro não reconhece aquele direito, o repudia ou simplesmente não toma qualquer conduta após a denúncia dos defeitos, em virtude de ao silencio não se atribuir qualquer valor declarativo conforme se dispõe no art, 218.º do Cód. Civil;

n) E, portanto, o regime que deve primacialmente ser observado no que respeita à análise da caducidade do direito à eliminação dos defeitos será o que se consigna no disposto nos arts. 1224.º e 1225.º do Cód. Civil e não o que se prescreve, em termos genéricos, no art. 331.º do Cód. Civil, tendo o tribunal a quo violado o preceituado no art. 7.º, n.º 3 do Cod. Civil, ao dar primazia a este regime ao invés daquele outro especial;

o) Por sua vez, sendo os normativos da empreitada os que devem ser observados para se julgar a questão da caducidade do direito à eliminação dos defeitos, mal andou o douto tribunal a quo na interpretação que advém do disposto no art. 1224.º aplicável às obras de construção e remodelação abrangidas pelo preceito constante no art 1225.º do diploma civil, porque ali se refere com clareza, ao contrário do que se dispõe no art. 1220.º, que o direito para a eliminação dos defeitos carece de ser exercido e não apenas comunicado, sob liberdade de forma ante o disposto no art. 1219.º;

p) Ou seja, o reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos resultante de um contrato de empreitada não é atribuído por lei , nem por convenção negocial – pelo menos no casos dos autos - antes resultará ou da aceitação (expressa o tacita ainda que inequívoca) do empreiteiro ou de uma decisão judicial que o determine, uma vez que não é reconhecido, pelo menos na ordem jurídica portuguesa, a um privado o poder de determinar a existência dos seus próprios direitos, cabendo aos tribunais dirimir questões e entendimento opostos entre os privados, face ao que se dispõe nos arts. 202.º da Constituição da Républica Portuguesa (CRP) e 1.º, 2.º e 10.º do Código Processo Civil (CPC);

q) Pelo que, a douta decisão do tribunal recorrido violou o que se dispõe nos arts. 202.º da CRP e arts. 1.º, 2.º e 10.º do CPC atribuindo poderes a um privado de, por forma unilateral e por motu proprium, se intitular num direito à eliminação de defeitos, cuja existência não se encontra sequer se encontra reconhecida pelo empreiteiro ou por ele aceite;

r) Por outro lado, entende a Recorrente que julgar-se, como o faz o douto tribunal a quo, que bastará, para impedir a caducidade, a mera interpelação do respetivo titular do direito à contraparte, esvaziaria de sentido, ou pelo menos restringiria o âmbito de atuação do que se dispõe no n.º 2 do art. 331.º do Cód. Civil;

s) Por certo, se, independentemente do reconhecimento da contraparte, o direito à eliminação dos defeitos pudesse manter-se na ordem jurídica indefinidamente – ou pelo menos sujeito ao prazo geral de prescrição – com a respetiva interpelação para quele efeito, sempre se indagaria quais os casos então em se seria necessário o reconhecimento do empreiteiro para obstar àquela caducidade?;

t) A ser assim, teríamos necessariamente de concluir que o disposto no n.º 2 do art. 331.º teria a aplicação residual para as hipóteses, certamente raras e académicas, em que o dono da obra não comunicaria ao empreiteiro o seu direito à eliminação dos defeitos, mas o empreiteiro reconheceria aquele direito, quer de forma expressa quer de forma tacita, relegando tal norma para o esvaziamento total face à praticidade das relações contratuais da empreitada;

u) Cremos por isso que, a decisão aqui recorrida mal interpretou o que se visa consignar no n.º 1 do art. 331.º do Cód. Civil, sobretudo quando confrontado com o disposto no n.º 2, donde resulta claro que apenas no caso de reconhecimento do empreiteiro é que o dono da obra não terá que acionar nenhuma ação judicial dentro do prazo de 1 (um) ano podendo fazê-lo, caso nenhuma eliminação seja promovida pelo construtor, ao abrigo do prazo geral para o exercício dos direitos;

v) Acresce ainda que, o acórdão aqui impugnado, com semelhante entendimento, violou ainda o que se dispõe no art. 9.º, n.º 3 do Cod. Civil, nos termos do qual na interpretação que se defina de um preceito jurídico deve sempre presumir-se “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”;

w) O entendimento aqui expendido toma ainda mais acuidade quando fundamentado na doutrina que determina que não é todo e qualquer reconhecimento que poderá obstar à caducidade do direito, mas apenas aquele que seja claro, inequívoco e coordenante com os efeitos de uma sentença judicial, dispondo-se que “se se trata do prazo de proposição de uma ação judicial, o reconhecimento deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido. (…), Código Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. I, 4.ª Edição revista e atualizada, pág. 295-296;

x) Para além, como aliás já expendido no acórdão fundamento desta revista excecional, encontra-se doutrinaria e jurisprudencialmente defendido e entendido ao longo dos anos, de forma maioritária, ainda que não uniformizada, dever ser o direito à eliminação dos defeitos exercido judicialmente no prazo de um ano a contar da data da denuncia dos defeitos, sob pena de caducidade do exercício daquele direito, revelando-se as “circunstâncias em que a lei foi elaborada” (art. 9.º, n.º 2 do Cód. Civil), vide Vaz Serra, Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, 4.ª Edição revista e atualizada, pág. 296, Cumprimento Defeituoso, Em Especial na Compra e Venda e Na Empreitada, Pedro Romano Martinez, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 413;

y) Neste sentido também tem propugnado a mais douta jurisprudência realçando que apenas a instauração da ação judicial por parte do Dono da Obra poderá obstar à caducidade do direito à eliminação dos defeitos, vide Acórdão Fundamento aqui junto a estes autos; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/10/2008, Revista n.º 3233/08, 2.ª Seção, in www.pgdl.pt; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/01/2009, Proc. n.º 08A3878, in www.dgsi.pt; Voto de vencido da Desembargadora Catarina Gonçalves, in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de junho de 2020 no Processo n.º 5320/16.0T8VIS.C1 in www.dgsi.pt;

z) O prazo de caducidade para o exercício do direito à eliminação por parte do Dono da Obra contra o empreiteiro através da ação judicial pretende evitar situações longas e duradouras de uma responsabilidade contratual, primando pela segurança jurídica de que, se ao fim de um ano após a denuncia dos defeitos sem que o empreiteiro as tenha reconhecido ou em que haja discórdia entre a posição do Dono da Obra e este, a ação não for instaurada, pode o empreiteiro e o trafico jurídico em geral, considerar-se, pelo menos quanto ao defeitos denunciados, liberto da obrigação de atender às demandas – as quais aliás podem não ter fundamento – do Dono da Obra;

aa) Aceitar como bom o entendimento propugnado pelo Acórdão poderia resvalar na atribuição de um direito ao Dono da Obra poderoso e excessivo sobre um empreiteiro que ficaria sempre sujeito à possibilidade de ser demandado num ação judicial por defeitos que nunca reconheceu e que desconhecia inclusive que existissem na data da interpelação, podendo inclusive propiciar casos de condenação de um empreiteiro por vícios que resultem da normal deterioração da Obra e do usos indevidos, sempre que a ação for instaurada largo tempo após a interpelação extrajudicial;

a) Poderíamos na realidade chegar ao cúmulo de os empreiteiros interpelados pelos donos das obras a respeito do respetivo de direito de eliminação terem necessidade, para alcançar a segurança jurídica de que nada lhes é apontado ou sequer devido, serem confrontados com a necessidade de instaurarem ações de simples apreciação negativa a fim de afastar alegados efeitos de uma interpelação sem acionamento judicial atempado;

b) Entendemos assim que, a interpretação que vem defendida no douto acórdão recorrido viola o princípio da igualdade de partes no direito privado, princípio este magno no direito privado e atenta contra a segurança jurídica das relações contratuais que se preza no ordenamento jurídico português;

c) Nesta conformidade e ante tudo quanto exposto, concretamente quanto às violações de normas jurídicas apontadas e diferentes entendimentos hermenêuticos, impõe-se revogar a douta decisão proferida pelo tribunal a quo e julgar como procedente a exceção de caducidade alegada nos autos de primeira instância pela Recorrente e absolvê-la do petitório alegado pela Recorrido;


NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, certamente e muito respeitosamente, supridos por V. EXAS., deve o presente Recurso de Revista Excecional ser recebido, porque tempestivo e verificados que se encontram os pressupostos para a devida apreciação, concretamente a oposição de entendimentos quanto à mesma questão fundamental de direito e sob o domínio da mesma legislação, versada no acórdão aqui recorrido e no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, no Processo n.º 666/15.7T8AGH.L1-6 de 02-06-2021 e na sequência, por violação de demais dispositivos legais supra elencados e diferentes interpretações da aqui propugnada, ser revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra aqui impugnado julgando-se como procedente a exceção de caducidade do direito à eliminação dos defeitos da Recorrido, absolvendo-se a Recorrente dos presentes autos.»


Não houve contra-alegações.


A Formação entendeu verificar-se contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão da Relação de Lisboa de 02-06-2021, Proc. n.º 666/15.7T8AGH.L1-6, relatado por Adeodato Brotas, publicado em www.dgsi.pt.


*


Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, importará saber, in casu, se relativamente à pretensão de eliminação de defeitos decorrentes da execução do contrato de empreitada, não se exigirá, após a denúncia, a interposição de uma acção, mas apenas o exercício gracioso desse direito, através de uma interpelação extrajudicial, com as consequências processuais resultantes da posição que se adoptar.



II


O Tribunal recorrido tomou em consideração os seguintes factos:

«1. Em 20.12.2012, AA, em representação da A., aí era designada por Primeiro Outorgante e BB, em representação de P..., SA, aí designada por Segundo Outorgante, subscreveram o documento de fls. 6-7, que aqui se tem por reproduzido para todos os efeitos intitulado de contrato de empreitada, pelo qual declaram o que do mesmo consta designadamente que a primeira adjudicava à segunda a empreitada de beneficiação da igreja de S. Pedro nos termos da proposta apresentada ao concurso e de harmonia com o caderno de encargos da obra, a executar no prazo de 12 meses e pelo preço de 749.999,70€;

2. As obras foram realizadas e a obra foi recebida pela A. em 07.04.2015 pela subscrição por representante da A. do auto de vistoria de fls. N, que aqui se tem por integralmente reproduzido para todos os efeitos, pelo qual declarou o que do mesmo consta;

3. Em 25.02.2016, a A. remeteu à R. por correio electrónico o mail que aqui se dá por reproduzido designadamente a “existência de anomalias ao nível da pintura e do reboco exterior e interior”, tendo em de 8 de maio de 2018 A. remetido à R., uma missiva, na qual se alude àquele email e se estipula prazo para se iniciar a intervenção para a eliminação dos defeitos o dia 11 de junho [de 2018]” [redacção dada pelo Tribunal da Relação];

4. A presente acção foi proposta em 21.01.2020 e a R. foi citada por via postal em 31.01.2020».



III


III.1.

A R., a propósito da caducidade, alegou, na contestação, o seguinte:

«C) Da Caducidade do direito de ação

39. º

A A. interpelou a R. alegando a existência de defeitos na obra da Igreja de S. Pedro de Peniche, por email datado de 25 de Fevereiro de 2016, vide Doc. 4 junto com a petição inicial.

40. º

Desde então a R. nunca interveio em qualquer reunião, vistoria ou assumiu a existência e a reparação das alegadas anomalias invocadas pela A..

41. º

A ação de reparação dos defeitos e de condenação da R. só foi instaurada a 21 de Janeiro de 2020, ou seja volvidos que estão mais de 4 anos desde a data da interpelação para a correção/eliminação dos defeitos.

42. º

Tendo sido a R. apenas citada no final de Janeiro de 2020.

43. º

A própria A. confirma, por email datado de 7 de julho de 2017 junto aos autos como Doc. 4 da petição inicial, o decurso do prazo: “na ausência de resposta ao email datado de 25 de fevereiro de 2016 (…) vimos, agora, passados 17 meses solicitar calendarização para as intervenções discriminadas (…)”

Ora,

44. º

Nos termos do disposto no art. 1225.º, n.ºs 2 e 3 do Cód. Civil, o prazo para instaurar ação de condenação do empreiteiro na eliminação dos defeitos deve ser intentada dentro de 1 ano após a interpelação

45. º

o que não ocorreu, encontrando-se por isso já caducado o exercício do direito da A. contra a R., devendo a R. ser absolvida do pedido.»


Invocou ainda a prescrição relativamente a algerozes e corta-fogos.


No despacho saneador, começou a 1ª Instância por abordar a invocada “prescrição” relativamente aos algerozes e corta-fogos, considerando-se que em causa está um prazo de caducidade e não de prescrição e «porque algerozes e corta-fogos devem ser definidos como componentes do imóvel de cariz não-estrutural, o prazo de caducidade para denúncia de defeitos a eles referentes (apelidado pelas partes de «prazo de garantia») será de cinco anos (…).»

Em seguida, debruçando-se sobre o efeito impeditivo da caducidade, referiu que este estava apenas dependente do exercício do direito que assistia à empreiteira, em função dos defeitos da obra que sinalizou, resultando dos factos que a demandante o exerceu extrajudicialmente perante a R. em 25.02.2016, apontando as anomalias existentes nas paredes exteriores e reclamando da demandada a entrada em obra em prazo para a competente rectificação.

Ponderou em que a declaração utilizada – “anomalias ao nível da pintura e reboco exterior e interior” – se revela suficiente para que se encontre identidade entre a denúncia e a causa de pedir da presente acção e, se não existe referência expressa a algerozes e corta-fogos, o caso não impõe nenhuma consideração em sentido diferente, já que a peticionada impermeabilização destes elementos conforma a medida correctiva adequada à reparação dos defeitos, não constituindo um defeito em si mesmo.

Considerou também o Tribunal que a falta de propositura de acção judicial no ano subsequente à denúncia dos defeitos em nada fere a conclusão a que chegou de obstrução ao prazo de caducidade pelo exercício extrajudicial, pela A., do direito à reparação dos defeitos, já que:

«(…)  o corpo de normas dos arts. 1220.º-1223.º do CC e, em especial, o art. 1224.º/1 e 2 do mesmo diploma, não exige que o exercício dos direitos conferidos pelo diploma seja efectuado por via judicial para que impeça a caducidade (ao contrário do que sucede, v. g., com a venda de coisa viciada, quando tendo por base simples erro, ex vi art. 917.º do CC), sendo bastante o exercício gracioso e desformalizado desses direitos, desde que realizado um acto declarativo de interpelação da entidade responsável (cfr. art. 805.º/1 do CC) (neste sentido, vide JOÃO CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.ª Ed., Almedina, pp. 169-170).»


E acrescentou, relativamente à problemática do preenchimento da previsão do nº 1 do art. 331º do C. Civil, o seguinte:

«Quando, como no caso com que nos confrontamos, o direito à reparação da obra foi exercido por via graciosa, desde logo se preenche a norma previsiva do art. 331.º/1 do CC, a que se associa, no domínio estatutivo, o impedimento do prazo de caducidade e o início do prazo para obtenção judicial do respectivo cumprimento (prazo este, agora sim, de prescrição – cfr. art. 298.º/1 do CC). Isto é assim porque a interpelação do dominus rei perante a entidade responsável desde logo atribui natureza contenciosa ao relacionamento material entre ambos, afastando um quadro de consensualidade ou de conformação com os resultados obtidos com a execução do contrato que permitisse o curso de um prazo de caducidade que assenta nesse consenso aparente e com base nele se dirige a conferir estabilidade às posições de direito substantivo entre contratantes.

Assim, porque impedido o prazo de caducidade, improcede a defesa por excepção da contestante.»


A Relação concordou com a 1ª Instância no que concerne a não ser exigível «que o exercício dos direitos conferidos pelo Código Civil seja efectuado por via judicial para que impeça a caducidade (ao contrário do que sucede, v. g., com a venda de coisa viciada, quando tendo por base simples erro, ex vi art. 917.º do CC), sendo bastante o exercício gracioso e desformalizado desses direitos, desde que realizado um acto declarativo de interpelação da entidade responsável”.

Também concordou a Relação com a 1ª Instância quanto a estarem os algerozes e os corta-fogos abrangidos pela denúncia e serem componentes do imóvel de cariz não-estrutural, sujeitos ao prazo de caducidade de cinco anos.

Referiu o Tribunal a quo, entre o mais, o seguinte:

«Nos termos do art.º 331º nº1, do mesmo diploma a caducidade só é impedida pela prática do acto, a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, dentro do prazo legal ou convencional.

É quanto à interpretação desta norma que há divergência entre a recorrente e a decisão recorrida.

Nesta entendeu-se que o n.º 1, do art.º 331.º citado, ficou observado com a denúncia dos defeitos e pedido de sua eliminação, enquanto que a recorrente entende se tal não é suficiente para o mesmo ficar observado, pelas razões, supra citadas.

Que dizer?

A questão não é pacífica.

Há quem advogue que o n.º 1, do art.º 311.º, citado, não fica observado com a denuncia dos defeitos e exigência de sua eliminação (cfr. Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, em anotação ao art.º 331.º, onde escreve “A regra do n.º 1, está em harmonia com a do art.º 328.º”, preceito que reza “O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”.

E, em contrapartida há quem advogue ser suficiente a denúncia dos defeitos e pedido da sua eliminação, por o n.º 1, citado não exigir a instauração de ação judicial (cfr. neste sentido Ac. da Rel. de Guimarães de Ac. da Rel. de Guimarães, 14 de fevereiro de 2019, proc.º n.º 995/16.2T8BGC-G2, relatado por Alcides Rodrigues).

Temos para nós, que a razão, está do lado da sentença recorrida quando refere “que o diploma, referindo-se ao Código Civil, sublinhado é nosso, não exige que o exercício dos direitos conferidos pelo diploma seja efectuado por via judicial para que impeça a caducidade (ao contrário do que sucede, v. g., com a venda de coisa viciada, quando tendo por base simples erro, ex vi art. 917.o do CC), sendo bastante o exercício gracioso e desformalizado desses direitos, desde que realizado um acto declarativo de interpelação da entidade responsável”, pelas seguintes razões:

a) - O n.º 1, do art.º 311.º, do C.C., não exige a instauração de ação judicial.

b) - O dono da obra ao denunciar os defeitos e a pedir a sua eliminação, ainda que o faço, sem ser através de ação judicial, está no fundo a fazer, o que iria fazer ao intentar ação judicial.

c) - Ora, se o n.º 1, do preceito citado não exige ação judicial e se o dono da obra denuncia os defeitos e pede a sua eliminação está a cumprir o n.º 1, do art.º 311.º

d) – Do referido em a), b) e c), temos para nós, como se entendeu na decisão recorrida, que o n.º 1, do art.º 311.º, do C.C. se satisfaz com o exercício gracioso.

Dito isto, e aplicando ao caso em apreço de onde resulta que a recorrida denunciou os defeitos e pediu a sua eliminação, (cfr. facto 3), entendemos que observado ficou o n.º 1, do art.º 311.º, do C.C.

Assim, face ao exposto nesta vertente improcede a pretensão da recorrente.»


III.2.

Importa saber se o direito à eliminação dos defeitos impõe a propositura de uma acção ou se basta uma interpelação extrajudicial para impedir a caducidade.


O Tribunal da Relação manteve a decisão da 1ª Instância no sentido da suficiência da denúncia dos defeitos e pretensão da sua eliminação através de um procedimento gracioso, uma interpelação extrajudicial, não se exigindo a instauração de uma acção para esse efeito.

Citou-se neste aresto o Ac. da Rel. de Guimarães de 14 de Fevereiro de 2019, Proc.º 995/16.2T8BGC-G2, relatado por Alcides Rodrigues, publicado em www.dgsi.pt.

Na sentença proferida na 1ª Instância, fez-se menção à posição de Cura Mariano, que, na sua obra Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 167-168, refere o seguinte:

«O exercício atempado dos direitos do dono da obra impede a sua caducidade (art. 331º, nº 1, e 1224º, nº 1, do C.C.).

Podendo os direitos do dono da obra serem exercidos extrajudicialmente, a simples declaração de redução do preço ou de resolução do contrato, ou mesmo a interpelação extrajudicial do empreiteiro para a eliminação dos defeítos, realização de nova obra ou pagamento de indemnização, impedem a caducidade destes direitos. Em nenhum lado a lei exige que o ato impeditivo da caducidade deva ser a propositura de ação judicial, nomeadamente o disposto no at. 1224º do C.C.».


Invocou a Recorrente a oposição de julgados, apresentando como acórdão-fundamento o mencionado Ac. da Rel. de Lisboa 02-06-2021, Rel. Adeodato Brotas, Proc. n.º 666/15.7T8AGH.L1-6, publicado em www.dgsi.pt, no qual se concluiu que «o dono da obra deve denunciar os defeitos da obra, ao empreiteiro, no prazo de um ano a contar da sua descoberta e, deve requerer a eliminação desses defeitos no ano seguinte à denúncia, sob pena de caducidade do direito a essa eliminação dos defeitos (artº 1225º nºs 2 e 3, 1221º nº 1 e 1224º nº 1 do CC)».


Vejamos.

Estamos – ninguém o questiona – perante um contrato de empreitada, que teve como objecto a realização de obras de beneficiação da Igreja de São Pedro, em Peniche.

Em discussão está o prazo de um ano subsequente a denúncia de defeitos atinentes a um edifício destinado a longa duração (nºs 2 e 3 do art. 1225º do C. Civil), importando apurar, como se já se adiantou, se, sendo infrutífera a denúncia, basta para impedir a caducidade a interpelação graciosa para a eliminação dos defeitos ou se é necessária a instauração de uma acção para o efeito.

Pedro Romano Martinez, na obra Direito das Obrigações (Parte Especial): Contratos, 2ª edição, Almedina, Coimbra, pp. 492-493, refere que:

«O Código Civil, nos arts, 1220º, nº1, 1224º e 1225º CC, estabeleceu prazos curtos de caducidade para a denúncia dos defeitos da obra e para o exercício dos direitos que são conferidos ao comitente nos arts. 12210 ss. CC. Não foram estabelecidos prazos de prescrição, mas de caducidade, pelo que não estão sujeitos à interrupção nem à suspensão (art. 328º CC) e só poderão ser impedidos (art. 331º CC). Caso contrário, os direitos do dono da obra poder-se-iam protelar no tempo, com o inconveniente da insegurança jurídica que daí adviria para o empreiteiro.

Os prazos de caducidade só derrogam as regras gerais da prescrição quando se estiver perante situações de cumprimento defeituoso da obra, pois se se tratar de mora ou de incumprimento definitivo encontram apli­cação os arts. 309º ss. CC.

Nos artigos citados foram estabelecidos prazos de caducidade cur­tos no interesse do empreiteiro, a fim de o desvincular da responsabili­dade emergente dos defeitos da obra, em caso de inércia do comitente. Os motivos que presidiram a tal tomada de posição foram, por um lado, evitar que o decurso de um longo lapso venha a dificultar a prova e, por outro, permitir que o empreiteiro mais facilmente proceda à eliminação do defeito.»


Diz, noutro ponto, que «a lei estabeleceu o prazo de um ano para interpor a acção, prazo esse que se conta da recusa de aceitação, da aceitação com reserva ou, sendo os defeitos ocultos, da respectiva denúncia» (p. 496) (destaque nosso).

Também em “Compra e venda e empreitada”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora 2006, p. 247, faz menção ao prazo de um ano após a denúncia para ser intentada a acção judicial, e em Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, p. 412, assinala que «[n]o direito português, ao contrário do que se verifica noutros sistemas jurídicos, foi autonomizado um prazo para ser intentada a acção judicial», inovação que entende ser «de aplaudir, pois, por via dela, evitam-se as  confusões entre os prazos de propositura da acção e de limite da garantia» (p. 413).

Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição (reimpressão), Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 899, fazem referência à necessidade de fixação de um prazo curto, designadamente, para o exercício dos direitos de eliminação dos defeitos, reconhecida na generalidade das legislações.

Menezes Leitão regista que «[e]fectuada a denúncia dentro do prazo, o dono da obra dispõe de um ano para instaurar a acção correspondente, sob pena de caducidade» (art. 1224º, nº1)» (Direito das Obrigações, Volume III – Contratos em Especial, 3ª edição, 2005, p. 557).

Pelo mesmo diapasão alinha João Serras de Sousa, fazendo menção a «um ano para o exercício do direito de acção, contado a partir do momento da denúncia» (Ana Prata (coord.) e Outros, Código Civil Anotado, vol. I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 1579).

No que concerne à jurisprudência, verifica-se que alguns acórdãos das Relações têm vindo a considerar que os direitos do dono da obra a que se reportam os artºs 1224º e 1225º do CC, não têm de ser exercidos através de acção judicial, como acontece, por exemplo, com o Ac. Rel. do Porto de 15-10-2013, Rel. Anabela Luna de Carvalho, Proc. 4838/09.5TBVLG.P1; Ac. Rel. Guimarães, de 16/06/2011, Rel. Manso Raínho), Proc. 29121/09.2YIPRT.G1; Ac. Rel. Coimbra, de 24/04/2012, Rel. Arlindo Oliveira, Proc. nº 372/11.8T2AGD.C, ou Ac.  da Rel. Coimbra, de 22/06/2020, Proc. nº 5320/16.0T8VIS.C1, relatado por Maria João Areias, com voto de vencido da relatora inicial, Catarina Gonçalves, publicados em www.dgsi.pt.


No Ac. da Rel. de Lisboa de 04-12-2003, Rel. Granja da Fonseca, Proc. 9333/2003-6, em www.dgsi.pt, entendeu-se, em sentido diverso, que foi autonomizado um prazo para a instauração de uma acção judicial para o exercício dos direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização (artigo 1224º CC) e acrescentou-se que, tratando-se de empreitada, a acção judicial deverá ser proposta no prazo de um ano a contar da recusa da aceitação da obra, da aceitação com reserva, da denúncia dos defeitos ou do reconhecimento da existência destes por parte do empreiteiro (artigo 1224º, n.ºs 1 e 2 CC).

No Ac. da Rel. do Porto de 16-05-2017, Rel. Márcia Portela, Proc. nº 1614/13.4TJPRT.P1, em www.dgsi.pt, considerou-se que «a denúncia deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização e o direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º devem ser pedidos no ano seguinte à denúncia (n.ºs 2 e 3)», concluindo-se e que «para obviar à caducidade do direito o credor deveria ter intentado a acção no prazo de um ano a contar da denúncia do defeito».

No mesmo sentido, pode ver-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 04-11-2008, Rel. Rui Vouga, Proc. 2552/2008-1, também em www.dgsi.pt.

No Ac. da Rel. de Lisboa 02-06-2021, Proc. n.º 666/15.7T8AGH.L1-6 (acórdão-fundamento), entendeu-se que:

«(…) o legislador, nos artºs 1220º nº 1, 1224º e 1225º estabeleceu prazos de caducidade para a denúncia dos defeitos da obra e para o exercício dos direitos que são conferidos ao dono da obra. Não se trata de prazos de prescrição. Se assim não fosse, os direitos do dono da obra poder-se-iam protelar no tempo, com o inconveniente da insegurança jurídica que adviria para o empreiteiro. De resto, esses prazos de caducidade, curtos, foram estabelecidos no interesse do empreiteiro, a fim de os desvincular das responsabilidades emergentes dos defeitos da obra no caso de inércia do dono da obra.

Ora, a tese que, na linha do entendimento de Cura Mariano, defende que o exercício dos direitos do dono da obra, mormente o direito à reparação dos defeitos, pode ser exercido extrajudicialmente no ano seguinte à denúncia dos defeitos e que a posterior acção de condenação do empreiteiro à reparação dos defeitos pode ser exercida no prazo geral da prescrição, ou seja no prazo de 20 anos após a interpelação extrajudicial para eliminação dos defeitos (conforme artº 309º do CC) redunda, salvo o devido respeito, numa subversão da ratio que levou o legislador a estabelecer prazos curtos para que o dono da obra compelisse o empreiteiro à reparar/eliminar os defeitos da obra. Note-se que o Legislador optou por prazos de caducidade e não de prescrição por se entender que os institutos da suspensão e da interrupção da prescrição não se harmonizavam com as razões que justificavam o estabelecimento de prazos curtos para o exercício dos direitos resultando do descobrimento de defeitos (Cf. Pires de Lima e Antunes Varela CC anotado, vol. II, 3ª edição, 1986, pág. 824).

Por conseguinte, somos a entender que o dono da obra dispõe de um ano, contado a partir da denúncia dos defeitos, para instaurar a acção correspondente, sob pena de caducidade dos seus direitos.»


No que toca a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, importa recordar alguns acórdãos, todos publicados em www.dgsi.pt  (com destaques nossos):

- Ac. STJ de 01-10-1996, Rel. Aragão Seia, Proc. 96A075 («II - E não tendo [o dono da obra] denunciado os defeitos da obra nos trinta dias posteriores a ter tomado conhecimento deles, ou, não tendo intentado acção destinada a obter a eliminação dos mesmos no ano posterior à sua aceitação - ou à aceitação com reserva - o direito que pretendia obter com a acção caducou.»);


- Ac. STJ de 13-01-2009, Rel. Urbano Dias, Proc. 08A3878 («Para efeitos de relevância da excepção da caducidade, não há que fixar prazo ao empreiteiro para a conclusão da reparação dos defeitos: no prazo de garantia de cinco anos (dentro desse prazo pode o dono da obra denunciar defeitos entretanto descobertos), o dono da obra, se for caso disso (ou seja, se forem verificados defeitos) terá de accionar o empreiteiro, no prazo de um ano a partir do seu conhecimento, sob pena de caducidade.»);


- Ac. STJ de 29-06-2010, Rel. Helder Roque, Proc. 12677/03.0TBOER.L1.S1 (um caso de imóvel edificado pelo empreiteiro-vendedor), no qual se consignou que “a denúncia dos defeitos será feita (…) dentro do prazo de um ano, após o conhecimento dos mesmos, e a acção instaurada, igualmente, dentro de um ano, a contar dessa denúncia, e tudo isto, dentro do prazo de cinco anos, a partir da entrega do imóvel, sob pena de caducidade”.


- Ac. STJ de 29-11-2011, Rel. Gabriel Catarino, Proc. 121/07.TBALM.L1.S1 («V - O dono da obra ou o terceiro adquirente, para fazer valer com êxito uma pretensão para reparação de defeitos detectados numa obra de longa duração, terá de: 1) denunciar os defeitos no prazo de garantia da obra, ou seja 5 anos após a entrega da mesma; b) propor a acção, caso o empreiteiro ou vendedor do imóvel não aceitem proceder à reparação dos defeitos, no prazo de 1 ano a partir do momento em que efectuou a denúncia.»);


- Ac. do STJ de 19-04-2012, Rel. Maria dos Prazeres Beleza, Proc. 9870/05.5TBBRG.G1.S1 (um caso de construtor-vendedor), no qual se deixou expresso que é «de um ano o prazo de caducidade do direito de propor a acção de condenação na reparação dos defeitos do imóvel.»;

 

- Ac. STJ de 06-06-2013, Rel. Granja da Fonseca, Proc. 8473/07.4TBCSC.L1.S1 (um caso de construtor-vendedor, com aplicação do regime do do artigo 1225º do Código Civil), no qual se considerou que este normativo contempla três prazos:

«a) - Um ano para fazer a denúncia dos defeitos, prazo que se conta a partir do descobrimento dos defeitos da obra;

b) - Um ano, a partir da denúncia, para a interposição da acção judicial a pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos;

c) - Cinco anos, a contar da entrega do imóvel, dentro dos quais terá que ser feita a denúncia.»


- Ac. STJ de 14-01-2014, Rel. Moreira Alves, Proc. nº 378/07.5TBLNH.L1.S1, no qual se concluiu que «O art. 1225.º do CC contempla três prazos de caducidade: (i) o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente; (ii) o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia; e (iii) o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a acção destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização


- Ac. STJ de 11-05-2017, Rel. Bernardo Domingos, Proc. 1393/08.7TBSTB.E1, tratando-se de um caso em que o vendedor foi o construtor do imóvel, aplicando-se o disposto nos nºs 1 a 3 do art. 1225º por força do nº 4, do CC (“se a compra e venda tiver por objecto bem imóvel destinado a longa duração, que tenha sido construído, reparado ou modificado pelo vendedor, os prazos de caducidade serão:
(1) de um ano para fazer a denúncia dos defeitos, prazo que se conta a partir do descobrimento dos mesmos (art.º 1220.º, n.º 1, do Código Civil), (2)
de um ano, a partir da denúncia, para pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos nº 2,3 e 4 do art.º 1225 do CC e (3) de cinco anos, a contar da entrega da obra, dentro dos quais terá que ser feita a denúncia e proposta a ação de indemnização ou reparação do imóvel.»);


Como se vê, há constante jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que, nos casos de imóveis destinados a longa duração, à denúncia dos defeitos se segue, dentro de 1 ano, uma acção destinada a pedir a reparação desses defeitos, sob pena de caducidade.

Conforme se exarou no Ac. da Rel. de Lisboa de 02-06-2021 (acórdão-fundamento), estamos perante prazos de caducidade, curtos, tendentes a desvincular o empreiteiro das responsabilidades emergentes dos defeitos da obra no caso de inércia do dono da obra, permitindo que mais facilmente se proceda à reparação dos defeitos, para além dos aspectos de dificuldade da prova que a passagem do tempo criaria (como refere Romano Martinez).

Não vemos razões para nos desviarmos da mencionada jurisprudência do Supremo.

Assim, entende-se que, após a denúncia dos defeitos, que se revele infrutífera, deve o dono da obra instaurar acção destinada a pedir a condenação do empreiteiro na eliminação desses defeitos, sob pena de caducidade.


III.3.

No caso presente, relativamente à apreciação da excepção em causa, deu-se, entre o mais, como provado que:

«3. Em 25.02.2016, a A. remeteu à R. por correio electrónico o mail que aqui se dá por reproduzido designadamente a “existência de anomalias ao nível da pintura e do reboco exterior e interior”, tendo em de 8 de maio de 2018 A. remetido à R., uma missiva, na qual se alude àquele email e se estipula prazo para se iniciar a intervenção para a eliminação dos defeitos o dia 11 de junho [de 2018]”»

4. A presente acção foi proposta em 21.01.2020 e a R. foi citada por via postal em 31.01.2020».


Ocorreria caducidade face às duas datas em apreço (25-02-2016 e 21-02-2020).

Sucede que, como se relatou, a 1ª Instância entendeu ser suficiente para impedir a caducidade o exercício gracioso do direito de reclamar a reparação dos defeitos, bastando, pois, a interpelação extrajudicial, sendo essa decisão mantida pelo Tribunal da Relação.

Essa posição dispensou, naturalmente, a ponderação da ocorrência de outras eventuais causas, decorrentes da matéria alegada, que pudessem constituir obstáculo à caducidade, como o do reconhecimento, por parte da empreiteira, dos defeitos apontados, sendo certo que a R. insistiu, na contestação, em que, por ela, jamais assumiu a existência e a reparação das alegadas anomalias.

Nos termos do art. 331º, nº2, do C. Civil, estando em causa direito disponível, impede (…) a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

Conforme explicam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 296:

«O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reco­nhecimento que interrompe a prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica defini­tivamente impedida» (Vaz Serra, Prescrição e caducidade, cit., n.° 118). O que pode acontecer é que a lei sujeite o exercício do direito a um novo prazo de caducidade (cfr., por ex., os arts. 916.° e 917.°). Quando tal se não verifique, o direito reconhecido passará a ficar subordinado às regras da prescrição, se se tratar de um direito prescritível.»


No Ac. do STJ de 08-03-2007, Proc. 07B372, Rel. Alberto Sobrinho, publicado em www.dgsi.pt, considerou-se que:

«A proposta de reparação traduz inequivocamente o reconhecimento, por parte da ré/construtora, da existência dos defeitos que se propôs eliminar. Através deste reconhecimento, muito concreto e preciso, não subsistem dúvidas sobre a aceitação dos direitos da autora, tanto para, nos termos do aludido nº 2 do art. 1220º, o fazer equivaler à denúncia como para, segundo o nº 2 do art. 331º, impedir a caducidade».


No Ac. do STJ de 28-04-2009, Proc. 08B3604, Rel. Maria dos Prazeres Beleza, também disponível em www.dgsi.pt, concluiu-se que:

«O reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos impede a sua extinção por caducidade.»


A A. alegou que, no dia 25 de Fevereiro de 2016, recebeu a comunicação cuja cópia juntou como Doc. nº 3, através da qual veio a aqui Ré assumir as obrigações que do contrato de empreitada decorriam para a “P..., SA”

Mais alegou que interpelou a Ré para que viesse corrigir os defeitos detectados, o que fez através de mensagem de correio eletrónico cuja cópia foi junta como Doc. nº 4. Ora, verifica-se, lendo esse documento – um e-mail datado de 25-02-2016 –, dirigido à R, que nele se diz que se vem informar das anomalias já detectadas na reunião de 12 de Janeiro de 2016, apontando-se como tendo estado presentes, para além de representantes do dono da obra, o da empreiteira e referindo-se que os mesmos verificaram a totalidade da Obra, tanto o exterior como o interior, apontando-se as (…) anomalias, que, a seguir, são discriminadas.

Refere-se também, no que tange à calendarização, que:

«Ficou acordado entre os presentes na reunião que seriam reparadas as anomalias verificadas de acordo com o seguinte cronograma» (subsequentemente discriminado).

Informa-se, ainda, que das anomalias apontadas já se encontra executado o ponto 5 das anomalias exteriores e acrescenta-se:

«De acordo com a calendarização apontada pela P... S.A., na pessoa do Senhor BB, somos pelo presente questionar se a mesma será aceite por vós”.


Embora haja que referir que seria desejável uma mais completa alegação dos factos nos artigos da petição inicial, certo é que não se pode ignorar o teor deste documento, para que se remete na petição e do qual será possível extrair (pelo menos, indiciariamente, ou seja, sem prejuízo do resultado probatório final, após realização da audiência de julgamento) a assunção, pela empreiteira, da existência das anomalias e da reparação das mesmas, apenas se questionando a R. sobre se aceitava a calendarização.

Na perspectiva defendida, desde logo, pela 1ª Instância, no que se refere à caducidade, compreende-se que seria despiciendo (porque essa posição, assente na suficiência da interpelação extrajudicial, só por si, resolveu o problema)  considerar esta matéria enquanto possível obstáculo (também) à invocação feita pela R. na contestação, ou seja, ponderar a factualidade, antecipadamente alegada na petição (designadamente através de remissão para os documentos oferecidos),  no sentido de haver acordo ou assunção de responsabilidade quanto à reparação dos defeitos, susceptível de consubstanciar o reconhecimento do direito da A..

Tendo em conta a tese que neste acórdão se perfilha, já será de entender que o conhecimento da caducidade no despacho saneador foi prematuro. Impunha-se, neste quadro, que se deixasse para final o conhecimento da excepção, produzida que fosse a prova e reunida toda a possível factualidade, tendente também (e à partida) à dilucidação de tal questão.

Extrai-se da consulta, via Citius, do processo principal que, entretanto, foi proferida sentença condenatória nos autos principais, que prosseguiram, tendo sido interposto recurso dessa sentença, inclusive com impugnação da decisão da matéria de facto, na qual se entendeu, tendo em consideração os factos apurados, que se estaria perante uma assunção cumulativa de dívida (art. 595º do C. Civil), sendo que a validade da transmissão  também foi objecto de discussão, na sequência do que a R. alegou na contestação, onde aduziu a nulidade da transmissão em causa.

Não cabe aqui, sem suporte fáctico consolidado (regista-se que, por exemplo, no ponto 12 da matéria de facto provada na sentença, se faz referência a uma reunião havida em 12 de Janeiro de  2016, “entre o dono de obra e a empreiteira, tendo sido detectadas pela autora e pelos representantes da P... S.A. as anomalias mencionadas na comunicação de fls. 20”, ponto que foi alvo de impugnação),  tomar posição sobre o preenchimento dessa figura jurídica, mas dentro das soluções plausíveis da questão de direito (estando alegada uma transmissão, para a Ré, das responsabilidades decorrentes do contrato de empreitada em causa), não há razão para considerar, desde já, independentemente dos factos que se venham a apurar e estabilizar,  que se verifica a caducidade do direito em relação à Ré.

Significa isto que este Supremo Tribunal, para além de não se lhe aplicar a regra da substituição, a que se refere o art. 665º do CPC (a esse propósito, vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 820, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 483-484 e 498-499, e, por exemplo, Acs. do STJ de 28-09-2015, Proc. 852/12.1TBPTM-A.E1.S1, Rel. Pinto de Almeida, e de 04-0-42017, Proc. nº 5371/15.1T8OAZ.P1.S1, Rel. Fonseca Ramos, publicados em www.dgsi.pt,  bem como a fundamentação do AUJ nº 11/15, Rel. Lopes do Rego, datado de 02-07-2015 e publicado no Diário da República n.º 183/2015, Série I, de 18-09-2015), não teria na sua posse todos os elementos fácticos necessários à decisão da questão da caducidade, tendo em conta os apontados resultados da tese aqui defendida, diferente da adoptada pelas instâncias, e a surgida necessidade de, quanto a essa questão, ter em conta um espectro factual mais lato do que aquele que, nas instâncias, se cingiu (e que, como se disse, dentro da posição assumida, resolveu o problema) à aferição da interpelação extrajudicial.


Dispõe o art. 682º, nº3, do CPC:

«O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.»


Conforme se exarou no Ac. do STJ de 06-04-2021, Rel. Fernando Samões, Proc.    3300/15.1T8ENT-A.E1.S2, em www.dgsi.pt,:

«4. Ao Supremo Tribunal de Justiça é legítimo (…) apreciar criticamente a suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada e não provada em conexão com a matéria de direito aplicável, nos termos do art.º 682.º, n.º 3, do CPC.

5. A necessidade de ampliação da matéria de facto determina a anulação do acórdão pelo STJ e a remessa à Relação para novo julgamento, nos termos dos art.ºs 682.º, n.º 3 e 683.º, ambos do CPC.»


Entende-se, de acordo com o que ficou dito, que, quanto à questão submetida a este Supremo Tribunal, se impõe a ampliação da matéria de facto, por ser insuficiente aquela que, relativamente a este particular aspecto,  foi elencada nas instâncias, o que implica que os autos voltem ao Tribunal recorrido, de acordo com o disposto no citado art. 682º, nº3, do CPC, para que  sejam definidos os termos dessa ampliação, relativamente à matéria factual susceptível de estribar (ou rejeitar) um eficaz reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos,  podendo ordenar-se a remessa dos autos à 1ª Instância, com a anulação, na medida do necessário, dos actos entretanto levados a cabo, de modo  que o julgamento da questão da caducidade possa assentar numa base factual suficiente (incluindo os factos que, desde que se revistam de interesse para o efeito, foram apurados em momento posterior à prolação do despacho saneador, que apenas pôde contar com os acima transcritos), para a respectiva decisão.

Julgar-se-á, em seguida, a questão da caducidade de acordo com a posição aqui definida.


*

Sumário (da responsabilidade do relator)



1. No âmbito de um contrato de empreitada, o direito do dono da obra à eliminação dos defeitos, perante uma infrutífera denúncia feita ao empreiteiro, deve ser exercido mediante instauração de acção judicial, sob pena de caducidade dos seus direitos (arts. 1224º, nº 1, e 1225º, nºs 2 e 3 do C. Civil), não bastando, para o efeito, uma interpelação extrajudicial.

2. O Supremo Tribunal de Justiça tem poderes para, nos termos do art. 682º, nº3, do CPC, determinar que se amplie a matéria de facto, de modo a constituir base suficiente para a decisão da matéria de direito atinente à questão ou questões que lhe foram submetidas, o que implica a anulação do acórdão, na parte afectada, e o reenvio do processo ao tribunal recorrido para novo julgamento.



IV


Pelo exposto, anula-se o Acórdão recorrido, no que se refere ao objecto do presente recurso, e determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para efeitos de ampliação da matéria de facto, nos termos definidos na parte final do ponto III.3, procedendo-se, depois, a novo julgamento quando à matéria sob apreciação, de acordo com a posição adoptada neste acórdão.

Custas conforme o decaimento que se apurar a final.


Lisboa, 10-01-2023


Tibério Nunes da Silva (Relator)

Nuno Ataíde das Neves

Sousa Pinto