Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
137/17.7YRPRT.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REGULAMENTO (CE) 2201/2003
DIVÓRCIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DESPESAS JUDICIAIS
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA
LEI APLICÁVEL
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS ESPECIAIS / REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA / FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO DO PEDIDO.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II, p. 187, 188 e 189;
-Diogo Leite de Campo e Mónica Campos, Lições de Direito da Família, 3ª edição, p. 356;
-Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, do reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras, Aditamentos, 1975, p. 96 e ss. ; 1973, p. 566;
-J. Batista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, 1974, p. 254, 256, 404 e 418.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 983.º, N.º 2.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS: - ARTIGO 26.º.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 1347/2000: - ARTIGO 13.º, N.º 2.
REGULAMENTO (CE) N.º 2201/2003: - ARTIGO 49.º.
Legislação Estrangeira:
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL FRANCÊS: - ARTIGO 700.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


- DE 15-04-2008, PROCESSO N.º 225-C/1998.C1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A condenação proferida por tribunal francês ao abrigo do art. 700º do Novo Código de Processo Civil Francês - que estabelece que a parte perdedora pode ser condenada a pagar à outra parte uma quantia relativamente às despesas incorridas e não incluídas nas custas – objetiva-se em despesas decorrentes do processo judicial, pelo que estas são havidas, nos termos e para os efeitos dos Regulamentos (CE) nºs 1347/2000 e 2201/2003 (relativos à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental), como custas processuais.

II - Um tal encargo tem alguma similitude, no ordenamento jurídico português, com a antiga procuradoria (basicamente, uma atribuição destinada a compensar a parte pelo dispêndio com o patrocínio judiciário), e com as custas de parte previstas atualmente no art. 26º Regulamento das Custas Processuais.

III - Resulta dos citados Regulamentos (artigos 13º, nº 2, e 49º, respetivamente) que qualquer decisão em matéria de custas relativamente aos processos a que se aplicam está também submetida às estipulações desses Regulamentos, o que, nas relações entre os Estados-Membros, afasta o procedimento de revisão e reconhecimento tal como estabelecido nas respetivas leis processuais em matéria de revisão e confirmação de sentenciamentos estrangeiros.

IV - O que significa que a decisão que condenou ao abrigo do referido art. 700º pode ser feita valer em Portugal no quadro dos ditos Regulamentos, portanto independentemente de revisão e confirmação nos termos prevenidos no Código de Processo Civil.

V - São qualificáveis como de ordem pública aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem económico-social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.

VI - A exceção de ordem pública internacional do Estado Português, ou reserva da ordem pública, só ocorre quando da aplicação de uma norma de direito estrangeiro resulte uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a ordem jurídica portuguesa.

VII - O reconhecimento de decisão de tribunal francês que condenou uma parte no pagamento à outra de um capital a título de prestação compensatória pela disparidade que a rutura do casamento criou nas respetivas condições de vida, e a decisão que condenou uma das partes no pagamento á outra a título de indemnização pelo prejuízo moral e material que lhe causou no decurso do matrimónio, não conduzem a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

VIII - Tais decisões conduzem a um resultado que, no essencial, se identifica com o resultado a que poderia conduzir a atuação dos institutos, previstos na ordem jurídica portuguesa, da responsabilidade civil por facto ilícito e culposo e da prestação de alimentos ao ex-cônjuge, logo não estamos perante decisões cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

IX - Para efeitos do nº 2 do art. 983º do CPCivil interessa atender quer á decisão tomada quer aos seus fundamentos, o que equivale a dizer que se trata aqui de uma revisão de mérito, e não apenas externa e formal; mas não compete ao juiz controlar a regularidade, proficiência ou suficiência da decisão revidenda quanto à matéria de facto.

X - Tendo uma das partes (nacional português) sido condenada pelo tribunal francês no pagamento imediato à outra parte da quantia de €170.000,00 a título de prestação destinada a compensar a disparidade que a rutura do casamento criou nas condições de vida, mas verificando-se que se tivesse sido aplicado o direito material português (que era o competente segundo as normas de conflitos da lei portuguesa) seria aquela parte condenada a pagar a esta uma prestação de alimentos mensal de €500,00, conclui-se, nos termos e para os efeitos do nº 2 do art. 983º do CPCivil, que o resultado da ação teria sido mais favorável ao condenado se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito português.

Decisão Texto Integral:

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação do Porto

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA demandou, pelo Tribunal da Relação do Porto e em autos de ação com processo especial de revisão de sentenças estrangeiras, BB, peticionando que fosse revisto e confirmado o acórdão do Tribunal de Apelação de Paris (França) de 25 de Outubro de 2007 (retificado quanto aos nomes das partes em 18 de Março de 2010) na parte em que condenou o Réu a pagar à Autora as quantias de:

(i) €170.000,00, a título de prestação compensatória, prevista no art. 270º do Código Civil Francês, destinada a compensar o prejuízo decorrente da disparidade nas condições de vida que a rutura do casamento provocou;

(ii) €10.000,00, a título de indemnização por, sendo a culpa do divórcio partilhada, haver um prejuízo específico independente do prejuízo resultante da rutura do casamento, nos termos do art. 1382º do mesmo Código Civil;

(iii) €8.000,00, a título das despesas causadas demanda, nos termos do art. 700º do Novo Código de Processo Civil Francês.

Apresentou documento de que constava a decisão a rever e alegou que estavam cumpridos todos os requisitos necessários para a confirmação, tal como indicados no art. 980º do CPCivil.

Citado o Réu, deduziu este oposição, concluindo pela improcedência do pedido.

Disse, em síntese, que o pretendido reconhecimento não podia proceder, isto porque a decisão revidenda não aplicou a lei material portuguesa, mas que era imperativamente aplicável, como imposto pelas pertinentes normas de conflitos e até pela Constituição da República Portuguesa; porque a decisão conduziu a resultados incompatíveis com os princípios de ordem constitucional e da ordem pública internacional do Estado Português; e porque, confrontando os efeitos resultantes da decisão revidenda com os que resultariam da aplicação ao caso da ordem jurídica portuguesa vigente à data da apresentação do pedido, estes ser-lhe-iam mais favoráveis, na certeza de que tem a nacionalidade portuguesa.

Seguindo a ação seus termos, veio, a final, a ser proferido acórdão que julgou procedente a ação, sendo a decisão revidenda confirmada.

Inconformado com o assim decidido, pede o Réu revista.

Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões:

1 - A douta sentença revidenda é o Acórdão do Cour d'Appel de Paris de 25/10/2017, devidamente transitado em julgado, já que o Acórdão de 18/3/2010 do mesmo tribunal se limitou a retificar o Acórdão anterior quanto ao nome completo das partes, sendo certo que da certidão do referido Acórdão junta como Doc. nº 2 com a p.i. e dos demais documentos juntos aos autos, resulta provado com interesse para a decisão da presente causa o seguinte, e não apenas, nem exatamente o que foi elencado no douto Acórdão recorrido sob o item os FACTOS:

a) Por não conciliação de 31 de Janeiro de 1991, o Juiz de Família do Tribunal de Grande Instância de Bobigny atribuiu, nomeadamente, o usufruto, a titulo gratuito, da casa de morada de família à aqui recorrida (data a partir da qual, 31 de Janeiro de 1991, é indubitável que cessou a coabitação entre ambos - requerente e requerido);

b) Em 26 de Setembro de 1991, o ora recorrente apresentou uma notificação de divórcio com fundamento no artigo 242º do Código Civil;

c) Através de sentença de 18 de Maio de 1995 o Juiz de Família do Tribunal de Grande Instância de Bobigny suspendeu a decisão sobre a pronuncia do divórcio devido ao processo penal instaurado pela Autora e condenou o aqui recorrente a pagar a título de prestação de alimentos à aqui recorrida 1.500 francos franceses mensais;

d) Por Acórdão de 16/9/1999 sobre recurso interposto pelo aqui recorrente contra a suspensão de tal pronúncia sobre o divórcio, o Tribunal confirmou parcialmente a decisão relativa à suspensão, mas suprimiu a pensão de alimentos devida a título de dever de assistência à aqui recorrida que ele fora condenado a pagar-lhe em 18/5/1995, bem como a pensão devida de alimentos para o sustento e alimentação da filha de maior idade;

e) Por sentença de 27 de Abril de 2004, o Juiz dos Juízos de Família do Tribunal de Grande Instância de Bobigny:

i. Decretou o divórcio por culpa partilhada de ambos os cônjuges;

ii. Indeferiu o pedido do aqui recorrente de apresentação de documentos contabilísticos do fundo de comércio explorado com o nome de “Le ..." pela aqui recorrida;

iii. Declarou inadmissível o pedido de prestação compensatória deduzido pela aqui recorrida ao abrigo do artigo 270º do Código Civil Francês;

iv. Indeferiu o pedido da aqui recorrida formulado ao abrigo do artigo 1116º do Novo Código de Processo Civil;

v. Indeferiu o pedido de indemnização deduzido pelo aqui recorrente;

vi. Condenou o aqui recorrente a pagar à aqui recorrida a quantia de € 6.000,00 a titulo de indemnização ao abrigo do artigo 1382º do Código Civil;

vii. Decidiu não haver lugar à aplicação do artigo 700º do Novo Código do Processo Civil Francês.

f) A aqui recorrida interpôs recurso dessa sentença em 30/07/2004, que foi cancelado em 18 de Março de 2005 pelo facto de a ali recorrente não ter junto os documentos solicitados pela 2a instância, e foi reinscrito na lista das audiências em 27/612006, data em que a ali recorrente (aqui recorrida) apresentou o documento solicitado (declaração de honra de património e rendimentos) - vide 3° parágrafo da pág. 3 e 2° parágrafo da pág. 8, ambas da certidão do Acórdão junto com a pi como Doc. nº 2;

g) A fase instrutória no Tribunal da Relação (Cour d' Appel) de Paris (2ª Instância) foi encerrada em 20/09/2007, o que significa que foram produzidas em 2ª instância provas que não foram apresentadas e produzidas em 1ª instância, tal como resulta do 2° parágrafo da pág. 8 da cópia da certidão junta com a p.i., em que se escreve “Considerant que le fait que repouse n'at pas produit en premiere instance sa déclaration sur I' honneur ne pouvait permettre ao premier juge de déclarer, pour ce seul motif, irrecevable sa demande de prestation compensatoire, alors qu’il s’agit non d’une condition de recevabilité de la demande mais d’une question probatoire garante de la loyauté du procés, que, devant la cour elle produit un tel document, daté du 27 juin 2006 et non réactualisé, sous le numéro 171;que celle produite par M. BB est en date du 27 février 2006 e non réactualisé, sons le numéro 171°, que celle produite por M. BB est en date du 27 février 2006”.

h) Por Acórdão de 25/10/2007 do Cour d’Appel (Tribunal da Relação) de Paris - 24éme chambre (24 Juízo) - Section C) foi confirmado o divórcio decretado pela 1ª instância por culpa partilhada de ambos os cônjuges, e foi revogada a sentença de 1ª instância:

i. Na parte em que não admitiu o pagamento da prestação compensatória da Autora formulado ao abrigo do artigo 270° do Código Civil Francês por não ter apresentado em 1ª instância a sua declaração de honra, que lhe havia sido solicitada, e, por ela ter apresentado essa declaração de honra a solicitação da 2ª instância em 27/6/2006, foi admitido esse pedido de prestação compensatória e condenado o aqui requerido e ora recorrente no pagamento duma prestação compensatória de € 170.000,00;

ii. Na parte em que condenou o aqui requerido no pagamento duma indemnização com base no artigo 1382º do Código Civil Francês do montante de € 6.000,00, condenando-o ao pagamento duma indemnização com base naquele mesmo artigo de € 10.000,00;

iii. Na parte em que determinou não haver lugar à aplicação do artigo 700º do Novo Código do Processo Civil Francês, e condenou o aqui requerido com base naquele artigo no pagamento à Autora da quantia de € 8.000,00.

i) A sentença da 1ª instância do Juízo de Família do Tribunal de Grande Instância de Bobigny é de 27 de Abril de 2004 e o Acórdão do Cour d’Appel de Paris é de 25 de Outubro de 2007, uma vez que o Acórdão do mesmo Tribunal (Cour d’Appel de Paris) de 18/03/2010 contém uma mera retificação daquele Acórdão quanto aos nomes integrais de Autor e Réu;

j) O próprio Acórdão do Cour d’Appel de Paris de 25/Outubro/2007, na pág. 4 in fine, considera que a lei francesa de 26/5/2004 relativa ao divórcio que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005 - não é aplicável ao caso;

k) Na ação onde veio a ser proferido o Acórdão foi deduzido pedido de divórcio pelo aqui requerido em 26/9/1991, segundo refere o próprio Acórdão;

l) a coabitação entre os aqui recorrente e recorrida cessou pelo menos em 30 de Janeiro de 1991, conforme decisão mencionada na alínea a) do número 2 supra que atribuiu nessa data o usufruto gratuito da casa do casal à ora requerente (pág. 2 da certidão junta com a p.i. como Doc. nº 2);

m) A ora requerente explorou sozinha desde 1994 o fundo do comércio de ambos os cônjuges denominado Le ... (vide parágrafo terceiro da pág. 6 da certidão junta com a p.i. como Doc. nº 2).

n) A requerente e o requerido são ambos cidadãos de nacionalidade portuguesa. tendo ele nascido em  ... - Portugal, em 1 de Março de 1951, e ela nascido em  ...,  ... - Portugal, em 3 de Dezembro de 1951, conforme resulta do duplicado do assento de transcrição de casamento civil nº 767, de 1975, do Consulado de Portugal em Nogent Sur Mame - França, que, por sua vez, se encontra registado na Conservatória dos Registos Centrais Portugueses sob o nº 3753 em 22/2/1984 (conforme tudo consta e resulta do Documento junto com a p.i. sob o nº 1 e dos assentos de nascimento de cada um deles juntos aos autos em cumprimento do despacho de 3/7/2017).

o) No referido registo de transcrição do casamento de requerente e requerido, que com a informatização deu origem ao Assento de casamento nº  .../2010 da Conservatória dos Registos Centrais, foi averbado no dia 22 de Junho de 2010 a dissolução do casamento por divórcio decretado por Acórdão de 25 de Outubro de 2007, proferido pelo Tribunal da Relação (Cour d’Appel) de Paris, oportunamente transitado em julgado, e retificado apenas quanto a erros materiais nos nomes das partes por Acórdão de 18/03/2010, transitado em 316/2010 (vide Doc. nº 1 junto com a p.i.).

p) O Acórdão que tem que ser objeto de revisão e confirmação em Portugal é, pois, o Acórdão do Cour d’Appel de Paris de 25/10/2007 que, com base e com os fundamentos dele constantes, decretou o divórcio entre os aqui requerente e requerido com culpa partilhada de ambos, e, para além disso, condenou o aqui requerido a pagar à aqui requerente:

1) A quantia de € 170.000,00 a título de prestação compensatória;

2) A quantia de € 10.000,00, a título de indemnização com base no artigo 1382º do Código Civil Francês;

3) A quantia de € 8.000,00 ao abrigo do artigo 700º do Novo Código do Processo Civil Francês,

Sendo apenas em relação a estas três condenações que nele se contêm que tem que versar a sua revisão e confirmação em Portugal.

q) Para além daquelas três condenações, o dito Acórdão da Cour d’Appel de Paris de 25/10/2007 termina com uma condenação em custas, decidindo que “contabilizada a totalidade das custas, determina que serão suportadas 4/5 pelo Sr. BB e 1/5 pela Sr AA, com direito a cobrança directa a favor dos procuradores judiciais, o Dr. CC, por um lado, e a SCP DD, por outro, de acordo com as condições do artigo 699º do Novo Código de Processo Civil”.

2 - O Acórdão recorrido confirmou o Acórdão de Cour d’Appel de Paris de 25/10/2017 (retificado apenas quanto ao nome completo das partes pelo Acórdão de 18/3/2010) na parte em que condenou “o Réu a pagar à Autora as importâncias de €170.000,00 a título de prestação compensatória, de € 10.000,00 a título de indemnização por danos morais e patrimoniais e de € 8.000,00 a título de compensação pelas despesas com o processo de recurso”, para o que cindiu aquelas três condenações contidas no Acórdão revidendo em dois tipos ou segmentos de natureza diversa:

a) o primeiro, contendo a condenação do Réu no pagamento de € 8.000,00 a título de compensação pelas despesas com o processo de recurso;

b) O segundo, contendo as outras duas condenações:

- na prestação acessória de € 170.000,00;

- na indemnização de € 10.000,00 a título de danos morais e patrimoniais.

3 - À condenação do aqui requerido no pagamento de € 8.000,00 a título de compensação pelas despesas com o processo de recurso (sic), o douto Acórdão recorrido considerou aplicável o disposto no artigo 13°, nº 2, do Regulamento (CE) nº 1.347/2000, de 29/5/2000, e o artigo 49° do Regulamento (CE) nº 2.201/2003, de 27/11/2003, atento o disposto no artigo 42°, nº 2, daquele Regulamento nº 1347/200 (dado que na data da instauração da ação não havia convenção em vigor entre Portugal e França que dispusesse diferentemente) e no artigo 64°, nº 2, do Regulamento nº 2201/2003, entendendo que o regime do artigo 64° deve ser interpretado como abrangendo no seu regime as decisões que o seriam ao abrigo daquele 1° Regulamento (o nº 1374/2000), designadamente o Acórdão revidendo, para tanto tendo considerado que aquela condenação no pagamento de € 8.000,00 a título de compensação pelas despesas com o processo de recurso é estritamente processual e se prende com o próprio regime de custas que o tribunal considerou aplicável ao próprio processo de divórcio e seus recursos e que, por isso, tal condenação nos termos do artigo 700° do Novo Código de Processo Civil Francês é uma condenação em custas, que é paralela à condenação em procuradoria por um tribunal Português, figura cuja eliminação no direito português foi acompanhada pela inclusão no conceito de custas de parte das despesas com os honorários do mandatário judicial nos termos dos artigos 25° e 26° do Regulamento das Custas Processuais, e que, por isso, aquela condenação é reconhecida automaticamente pelos citados Regulamentos e exequível em Portugal ao abrigo dos mesmos Regulamentos por se tratar de decisão proferida em ação instaurada antes da entrada em vigor dos mesmos Regulamentos, mas proferida em processo pendente à data da sua entrada em vigor e proferida após a sua entrada em vigor por tribunal cuja competência se fundava nas regras de competência territorial previstas nos mesmos Regulamentos, não havendo à data da instauração da ação (26/9/1991) convenção em vigor entre Portugal e França que dispusesse diversamente.

4 - O douto Acórdão recorrido não teve na devida conta o texto exato do nº 2 do artigo 13° do Regulamento nº 1347/2000, de 29/5/2000, que entrou em vigor em 1 de Março de 2001, o qual, diferentemente do que dispõem os seus nºs 1 e 3, a que se aplica o disposto no nº 2 do artigo 42°, prescreve expressamente que quanto a decisões que fixam o montante das custas do processo e qualquer decisão relativa a custas o disposto no Regulamento apenas se aplica a processos instaurados ao abrigo do presente Regulamento, o que significa que se aplica apenas a processos instaurados após a sua entrada em vigor e ao abrigo do mesmo e que é inaplicável a quaisquer outros processos.

6 - Assim, o normativo do nº 2 do artigo 42° do citado Regulamento, que é aplicável às decisões e atos mencionados no nº 1 e no nº 3 do artigo 13° do Regulamento que sejam proferidos após a data da entrada em vigor do Regulamento em processos que estejam pendentes em tribunal à data da sua entrada em vigor, já não é aplicável às decisões em matéria de custas que não sejam as que sejam proferidas nos processos instaurados ao abrigo do Regulamento. ou seja. após a sua entrada em vigor (nº 2 do seu artigo 13°) - 1 de Março de 2001.

6 - Aliás, o Regulamento nº 1347/2000, de 29/5/2000, foi revogado expressamente pelo artigo 71° do Regulamento nº 2201/2003, de 27/11, que entrou em vigor em 1 de Março de 2005, e que era o que se encontrava em vigor na data do Acórdão de Cour d’Appel de Paris de 25/10/2007, e este Regulamento nº 2201/2003, de 27/11, dispõe expressamente no seu artigo 49° que o disposto no presente capítulo (que é o capítulo III-Reconhecimento e execução), com exceção da Secção 4, é igualmente aplicável à fixação do montante das custas de processos instaurados ao abrigo do presente Regulamento e à execução de qualquer decisão relativa a essas custas”, o que excluiria desde logo a aplicação dos citados Regulamentos àquela decisão de condenação no pagamento de € 8.000,00 a título de compensação por despesas com o recurso, se, porventura, se tratasse de uma decisão no âmbito da fixação das custas judiciais - mas sempre estará também excluída a aplicação dos citados Regulamentos à mesma decisão por não se tratar de forma alguma duma decisão de fixação de custas num processo instaurado ao abrigo do Regulamento (CE) nº 2201/2003 ou ao abrigo do Regulamento nº 1347/2000, de 29/5/2000,que aquele revogou.

7- O artigo 64° do citado Regulamento nº 2201/2003, de 27/11, entrado em vigor em 1 de Março de 2005 (seu artigo 72°), dispõe claramente que as disposições desse Regulamento são aplicáveis apenas às ações judiciais posteriores à sua data de entrada em vigor, sendo, porém, reconhecidas e executadas nos termos do Capítulo III do presente Regulamento, se a competência do tribunal se fundava em normas conformes as previstas no seu capítulo II, as decisões proferidas antes da data da sua entrada em vigor mas após a data de entrada em vigor do Regulamento (CE) nº 1347/2000, e também as decisões proferidas antes da data da entrada em vigor do mesmo Regulamento mas proferidas após a entrada em vigor do citado regulamento nº 1347/2000, em processos instaurados antes da entrada em vigor deste Regulamento, desde que se trate de decisões de divórcio, separação ou de anulação de casamento ou relativa a responsabilidade parental (vide nº 2, 3 e 4 do citado artigo 64° do Regulamento n° 2201/2003, de 27/11) - o que não tem nada a ver com custas ou com a fixação duma indemnização para compensação de despesas com o processo de recurso numa ação de divórcio instaurada em 26/9/1991.

8-Consequentemente, tendo a decisão de condenação na indemnização de € 8.000,00 ao abrigo do artigo 700° do Novo Código do Processo Civil Francês sido proferida em 25/10/2007, ou seja, em data em que se encontra em vigor o Regulamento n° 2201/2003, de 27/11, mas num processo instaurado em 26/9/1991, não lhe poderia ser aplicável de forma alguma por força do disposto no artigo 64° e seguintes desse mesmo Regulamento nº 2201/2003, de 27/11, o disposto no artigo 49°, nº 2, desse Regulamento e muito menos o artigo 13°, nº 2 do Regulamento nº 1347/2000, de 29/5, que fora já revogado por aquele.

9 - Não pode de forma alguma manter-se a decisão contida no Acórdão recorrido na parte em que considerou aplicável o artigo 13°, nº 2, do Regulamento (CE) nº 1347/2000, de 29/5, e o artigo 49° do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27/11, à condenação na indemnização de € 8.000,00 a título de compensação para despesas com o recurso, proferida pelo Acórdão do Cour d’Appel de Paris datado de 25/10/2007, numa ação de divórcio instaurada em 26/9/1991, e por força disso a considerou reconhecida automaticamente em Portugal sem necessidade de revisão com o fundamento de se tratar de uma condenação em custas proferida numa ação de divórcio abrangida por aquele Regulamento, quando aquela ação não era um processo instaurado ao abrigo daquele Regulamento como expressamente dispõe aquele nº 2 do seu artigo 13°.

10- E o Acórdão recorrido fê-lo, considerando-a uma decisão em matéria de custas, sem ter na devida conta que aquela decisão está para além da verdadeira decisão em matéria de custas que se contém no final daquele mesmo Acórdão do Cour d’Appel de Paris revidendo, que determina que a totalidade das custas contabilizadas a final serão suportadas 4/5 pelo aqui requerido e 1/5 pela aqui requerente, com direito a cobrança directa a favor dos procuradores judiciais, o Dr. CC, por um lado, e a DD, por outro, de acordo com as condições do artigo 699º do Novo Código de Processo Civil” - esta sim, a verdadeira decisão em matéria de custas que se contem na decisão cuja revisão e confirmação é objecto de apreciação.

11 - De forma alguma se pode equiparar, como o fez o Acórdão recorrido, uma tal condenação no pagamento de € 8.000,00 para compensação de despesas com o processo de recurso ao abrigo do artigo 700° do Novo Código do Processo Civil Francês à compensação de despesas a título de custas de parte prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 25° e na alínea a) do nº 3 do artigo 26° do atual Regulamento das Custas Processuais Português, que tem apenas em conta as taxas de justiça pagas por ambas as partes e tem como limite máximo 50% do seu somatório, ou à extinta procuradoria prevista no anterior Código das Custas Judiciais, a qual teria que ser fixada entre 1/10 e 1/4 da taxa de justiça devida (artigo 41°, do Código das Custas Judiciais, na redação que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº 324/03, de 27/12), tanto mais que a própria condenação em custas contida no Acórdão revidendo prevê a cobrança directa pelos mandatários judiciais a partir das custas contabilizadas das quantias a que têm direito nos termos do disposto no artigo 699° do Novo Código de Processo Civil Francês, o que significa que esta condenação em custas é que poderá equiparar-se ao que agora o nosso Regulamento das Custas Processuais prevê no seus artigos 25° e 26°.

12 - A natureza da procuradoria prevista na alínea g) do nº 1 do artigo 32° e nos artigos 40° e 41° do Código das Custas Judiciais e o seu destino previsto no artigo 42° do mesmo Código nada têm a ver com uma indemnização autónoma pelas despesas com um processo de recurso, como resulta ex abundanti dos citados preceitos legais, da mesma forma que as custas de parte previstas na alínea d) do nº 2 do artigo 25° e na alínea c) do nº 3 do artigo 26° do Regulamento das Custas Judiciais, que prevê o pagamento de 50% do somatório das taxas de justiça pagas no processo para compensação da parte vencedora para as despesas com honorários do mandatário judicial, não têm de forma alguma a natureza e o caráter de uma indemnização fixada para ressarcimento das despesas com o processo de recurso, aliás sem qualquer fundamentação quanto ao elevado montante em que a fixa, em violação do disposto nos artigos 205º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 154º do C.P.C. português.

13- A equiparação feita pelo Acórdão recorrido duma tal indemnização com a extinta procuradoria e com a compensação prevista na alínea c) do nº 3 do artigo 26° do Regulamento das Custas Judiciais é manifestamente descabida e infundamentada, porquanto uma tal indemnização, com aquele fim e com o grau de grandeza da mesma, só é possível no ordenamento jurídico português nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 456º e 457º do Código de Processo Civil vigente à data da prolação do Acórdão de Cour d’Appel de Paris, e atualmente e nos artigos 542º e 543º do Código de Processo Civil vigente, pelo que, não tendo o aqui recorrente sido considerado e condenado pelo Acórdão revidendo como litigante de má-fé o resultado a que se chegaria por força do Acórdão recorrido seria manifestamente muitíssimo mais gravoso para o aqui requerido e até impossível de alcançar contra ele com a aplicação ao caso da lei portuguesa, pelo que também por essa razão jamais poderia ser concedida a revisão e o reconhecimento à decisão revidenda na parte em que condena o aqui recorrente numa indemnização de € 8.000,00 para compensação com despesas com o processo de recurso - e não foi o aqui recorrente que deu causa ao recurso, mas sim a decisão de que recorreu a parte a que foi atribuída aquela indemnização -, pois que jamais o aqui recorrente poderia ser condenado a pagar uma indemnização à aqui recorrida para a compensar das despesas correspondentes aos custos que ela terá tido que pagar no recurso que ela própria interpôs e dos honorários do seu mandatário judicial, sem que tivesse sido condenado como litigante de má-fé, pelo que o resultado da aplicação da Lei Francesa nessa matéria é processualmente muitíssimo gravemente lesivo do aqui requerido conduzindo a um resultado que jamais para ele poderia advir da aplicação da lei portuguesa nessa matéria e que violaria frontal e manifestamente os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa em sede de responsabilidade das partes pelos danos causados às outras pela sua conduta processual.

14 - Aliás, a equipação feita pelo Acórdão recorrido violaria claramente o princípio da igualdade entre as partes em sede de aplicação de sanções e cominações consagrado no artigo 4° do Código de Processo Civil vigente e violaria frontalmente as normas que regulam as custas e as custas de parte no nosso Código de Processo Civil (artigos 527° a 541°), e sobretudo o preceituado no seu artigo 533°, maxime quando conjugado com o disposto nos artigos 542° e 543° do mesmo Código, que, estes sim, preveem a possibilidade de condenação devidamente fundamentada numa indemnização para compensação das efetivas despesas, incluindo honorários de advogado, e outros concretos prejuízos que se prove que a conduta processual do litigante de má-fé tenha obrigado a contraparte a fazer, e violaria frontal e manifestamente os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa em sede de responsabilidade das partes pelos danos causados às outras pela sua conduta processual.

15 - Uma tal descabida equiparação feita pelo Acórdão recorrido entre aquela condenação numa indemnização de € 8.000,00 para compensação de despesas apenas presumivelmente (na verdade, na decisão revidenda não se indicam quaisquer despesas concretas e seus montantes para se chegar a um tal montante) feitas pela própria recorrente com o recurso e o extinto regime da procuradoria ou a inclusão no conceito de custas de parte, até a um máximo de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, de uma compensação para honorários de advogado da parte vencedora, conduziria para o cidadão português, que é o requerido, a um resultado gravemente lesivo para ele e mesmo impossível de lhe acontecer em confronto com o resultado que para ele seria suscetível de advir por aplicação da lei portuguesa vigente à data da instauração da ação (1991) e mesmo à data da prolação da decisão revidenda (25/10/2007) e mesmo à data atual.

16 - Aliás, por aplicação da lei portuguesa que regia e rege em matéria de custas, procuradoria e custas de parte, jamais poderia resultar para o requerido um tal resultado sem que o fosse por força duma condenação como litigante de má-fé, e sempre em sede da lei portuguesa a fixação de uma tal indemnização teria que ser fixada em função de despesas concretas e devidamente quantificadas e provadas e não sem qualquer fundamentação, como o fez a decisão revidenda e o Acórdão recorrido aceitou sem mais, com inteira violação do princípio constitucional do dever de fundamentação de qualquer acto de um magistrado, que não seja de mero expediente, consagrado constitucionalmente no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa e que contem a sua expressão processual no artigo 154º do C.P.C.

17 - Consequentemente, o douto Acórdão recorrido na parte em que considera tratar-se duma decisão em matéria de custas, até equiparável em Portugal à condenação na extinta procuradoria e atualmente às custas de parte previstas nos artigos 25º e 26º do Regulamento de Custas Processuais, e, por isso, diretamente exequível em Portugal, a condenação do aqui recorrente numa indemnização de € 8.000,00 à aqui recorrida nos termos do disposto no artigo 700º do Novo Código de Processo Civil Francês para compensação de despesas - que não indica e não refere sequer terem-se provado - com o processo de recurso, sem qualquer fundamentação concreta para chegar a um tal montante, e sem ter tido em conta que a decisão de condenação em matéria de custas propriamente ditas se contem no final da decisão revidenda e nela se tem já em consideração a cobrança direta das despesas com advogados (artigo 699º do Novo Código de Processo Civil Francês), não pode de forma alguma manter-se por:

- não ter tido em conta essa decisão de condenação em custas propriamente dita contida no final do Acórdão do Cour d’Appel de Paris de 25/10/2007, que, inclusivé, manda aplicar o artigo 699° do Novo Código de Processo Civil em relação à cobrança direta das despesas com os advogados;

- por errada aplicação do disposto nos Regulamentos (CE) nº 1347/2000, de 29/5, e nº 2201/2003, de 27/11, que em matéria de custas é apenas aplicável aos processos instaurados ao abrigo desses Regulamentos e após a sua entrada em vigor, e, por isso, por tal condenação não ser automaticamente exequível em Portugal sem declaração de executoriedade e revisão;

- por a decisão revidenda, a ser exequível na ordem jurídica portuguesa, violar sempre nessa parte o princípio constitucional português do dever de fundamentação de todos os actos dos magistrados judiciais que não sejam de mero expediente consagrado no artigo 205° da Constituição e que tem a sua expressão no artigo 154° do C.P.C. português;

- por a equipação feita pelo Acórdão recorrido violar claramente o princípio da igualdade entre as partes em sede de aplicação de sanções e cominações consagrado no artigo 4° do Código de Processo Civil vigente e violar frontalmente as normas que regulam as custas e as custas de parte no nosso Código de Processo Civil (artigos 527° a 541°), e sobretudo o preceituado no seu artigo 533°, maxime quando conjugado com o disposto nos artigos 542° e 543° do mesmo Código, que, estes sim e só eles, preveem a possibilidade de condenação devidamente fundamentada numa indemnização para compensação das despesas, incluindo honorários de advogado, e outros prejuízos que a conduta processual do litigante de má-fé tenha obrigado a contraparte a fazer;

- por tal descabida equiparação feita pelo Acórdão recorrido entre aquela condenação numa indemnização de € 8.000,00 para compensação de despesas apenas presumivelmente (na verdade, na decisão revidenda não se indicam quaisquer despesas concretas e seus montantes para se chegar a um tal montante) feitas pela própria recorrente com o recurso e o extinto regime da procuradoria ou a inclusão no conceito de custas de parte, até a um máximo de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, de uma compensação para honorários de advogado da parte vencedora, conduziria para o cidadão português, que é o requerido, a um resultado gravemente lesivo e mesmo impossível de lhe acontecer em confronto com o resultado que para ele seria suscetível de advir por aplicação da lei portuguesa vigente à data da instauração da ação (1991) e mesmo à data da prolação da decisão revidenda (25/10/2007) e mesmo à data atual (artigo 983º nº 2, do C.P.C.);

-conduzir a um resultado que violaria os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa em sede de responsabilidade das partes pelos danos causados às outras pela sua conduta processual e a resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português que enformam as disposições acima citadas.

18- Sendo tal resultado manifestamente chocante e incompatível com os princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português em sede de matéria do regime das custas processuais e do regime da responsabilidade das partes perante a contraparte pela sua conduta processual.

19 - Relativamente às outras duas condenações o douto Acórdão da Relação do Porto recorrido considerou - e bem - que lhe não eram aplicáveis os regulamentos (CE) nº 1347/2000, de 29/5/2000, e nº 2201/2003, de 27/11/2003, sendo necessário proceder à sua revisão e confirmação nos termos do nº 1 do artigo 978° do Código de Processo Civil, devendo o tribunal verificar oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 983° e negar oficiosamente a confirmação, quando pelo exame do processo ou por conhecimento derivado das suas funções, apurar que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

21 - E, nos termos do disposto do nº 2 do artigo 983º do Código de Processo Civil, quando a sentença revidenda tiver sido proferida contra pessoa singular de nacionalidade portuguesa - como é o caso - o tribunal terá que apreciar se o resultado da ação lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa, se a impugnação da revisão e confirmação tiver invocado também essa circunstância.

22- O aqui recorrente, que começou por invocar que, de harmonia com as normas de conflitos da lei portuguesa, era a lei da nacionalidade comum das partes -requerente e requerido são cidadãos nacionais portugueses -, ou seja a lei portuguesa, nos termos do disposto nos artigos 25°, 31°, 52° e 55° do Código Civil, a aplicável ao divórcio e seus efeitos e sustentou que, de acordo com a lei portuguesa e por aplicação desta, jamais os tribunais poderiam chegar ao resultado a que chegou o Acórdão revidendo, uma vez que de harmonia com as normas aplicáveis da lei portuguesa jamais teria sido possível qualquer tribunal proferir contra um cidadão português as duas condenações contidas no dito Acórdão - condenação numa prestação compensatória de € 170.000,00, e condenação numa indemnização de € 10.000,00 ao abrigo do artigo 1382° do Código Civil Francês - e, por isso, o resultado da aplicação da lei portuguesa ao caso concreto seria sempre muito mais favorável ao aqui recorrente.

23 - Tal fundamento de impugnação do pedido de revisão e confirmação do Acórdão do Cour d’Appel de Paris de 25/10/2007 foi clara e expressamente invocado pelo requerido nos artigos 20° a 33° e 39° a 43° da sua oposição, nos quais sustenta expressa e inequivocamente que, sendo a lei portuguesa a aplicável ao caso concreto por força das normas de conflito da ordem jurídica portuguesa, por aplicação da lei portuguesa jamais poderiam resultar para o aqui recorrente as duas condenações acima referidas, pelo que da aplicação da lei francesa resultou para o aqui requerido/ora recorrente um resultado não só mais gravoso, mas até impossível de atingir, do que aquele que para ele resultaria por aplicação da lei portuguesa, o que significa que os requisitos e fundamentos que integram a exceção do nº 2 do artigo 983° do C.P.C. estão expressamente invocados na oposição deduzida ao pedido de revisão, sem necessidade de indicação expressa da norma onde tal exceção está prevista.

24 - Assim, o aqui recorrente, ao contrário do que parece dar a entender o douto Acórdão recorrido, não impugna a revisão e confirmação apenas com o fundamento em que o seu reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, mas também e expressamente que, de harmonia com as normas de conflitos da lei portuguesa era a lei portuguesa a aplicável ao caso concreto e que do reconhecimento e confirmação da decisão revidenda resultaria para o aqui recorrente, enquanto cidadão português, um resultado muito mais gravemente lesivo do que aquele que para ele resultaria da aplicação ao caso da lei portuguesa, e que por aplicação desta jamais para ele poderia ser possível resultar, uma vez que por aplicação da lei portuguesa (direito nacional português), pela qual devia ser resolvida a questão segundo as normas de conflito da lei portuguesa, para ele e contra ele jamais seriam alcançáveis as condenações contra ele proferidas pela decisão revidenda.

25 - De harmonia com as normas de conflito do ordenamento jurídico português constantes nos artigos 25° a 65° do Código Civil Português, que eram as vigentes na ordem jurídica portuguesa à data da instauração da ação de divórcio e à data da decisão revidenda, à questão do divórcio e aos seus efeitos deve ser aplicada pelo tribunal do foro a lei nacional comum dos cônjuges, requerente e requerido, que no caso concreto é a portuguesa, pelo que está verificado um dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 983° do Código de Processo Civil.

26 - Na realidade, na data da prolação do Acórdão de Cour d’Appel revidendo de 25/10/2007 não existiam quaisquer Regulamentos ou Convenções internacionais que contivessem normas de conflito através dos quais se determinasse a lei aplicável ao divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou outras relações jurídicas familiares ou com elas conexas, sendo nessa parte o ordenamento jurídico de cada país que continha o seu sistema de normas de conflito, sendo no caso de Portugal as normas de conflito do ordenamento jurídico português contidas nos artigos 14° a 65° do Código Civil as que determinam a lei aplicável a uma relação jurídica, no caso sub judice as relações entre os cônjuges, o divórcio e seus efeitos (artigo 55°, nº 1 e 52°, nº 1 do Código Civil).

27- As normas de conflito existem para e destinam-se exatamente a definir a lei que determinado foro terá que aplicar a determinada relação jurídica, estando um tribunal com competência processual para conhecer duma determinada questão obrigado a aplicar a lei que de harmonia com a norma de conflito que seja aplicável à situação em causa, o que significa que se porventura o tribunal do foro aplica a uma determinada relação jurídica a lei do foro, por ser essa a aplicável de harmonia com as normas de conflito da lex fori, isso por si só não pode implicar que a decisão proferida por aplicação dessa lei produza os seus efeitos noutro país, cujas normas de conflito determinem que a lei aplicável àquela relação jurídica é, não a lex fori, mas a lei nacional comum das partes naquela ação, por serem ambos cidadãos desse país, não obstante residirem no estrangeiro.

28 - Na realidade, tal como afirma Fernanda Muraro Bonatto, na Revista Eletrónica de Direito - Outubro de 2013-no 2, pág. 10, “Uma vez determinado o tribunal competente, segundo as Regras de competência do Regulamento de Bruxelas II-bis, a lei aplicável ao caso de divórcio e separação sub-judice será aquela relativa ao conflito de leis em vigor no Estado-membro do tribunal competente. E isto representa um problema, pois muitas vezes as normas de conflito de leis apresentam muitas diferenças entre países o que pode gerar consequências inesperadas e imprevisíveis aos cônjuges”, uma vez que, tal como a mesma Autora refere na mesma obra e local a pág. 6, “As diferenças legislativas entre os países nesta área são muito evidentes e ainda que atualmente o divórcio seja permitido em todos os países europeus, a forma através da qual ele é obtido e as consequências que dele derivam obedecem a critérios variados relacionados a uma combinação de factores sociais, políticos, históricos e religiosos”, pois “não há e nem poderia haver uniformidade em âmbito tão delicado e sensível a factores sociais quanto o direito de família, em particular quanto às regras de dissolução do matrimónio”, pelo que “ regular o direito de família em nível europeu significa buscar maior segurança jurídica e previsibilidade para os casais evitando, assim, resultados inesperados que contrariem a legitima expectativa dos cônjuges” (mesma autora e local, pág. 7).

29 - O Regulamento nº 1259/2010, de 20/12, do Conselho, veio eliminar parte dos problemas acabados de enumerar e estabelecer normas de conflito intereuropeias para determinação da lei aplicável ao divórcio e separação judicial, mas tal Regulamento prescreve expressamente não só que só é aplicável aos processos instaurados partir de 21 de Junho de 2012 (vide seu artigo 18°), mas também que se aplica exclusivamente ao divórcio e à separação judicial, não se aplicando às matérias enumeradas no nº 2 do seu artigo 1°, mesmo que suscitadas no divórcio ou separação judicial a título preliminar ou acessório, nessas matérias se incluindo os efeitos patrimoniais do casamento e as obrigações alimentares, bem como os efeitos patrimoniais do divórcio e as obrigações alimentares entre cônjuges e ex-cônjuges - Vide ainda mais claramente o que se expõe no seu Considerando (10).

30 - O douto Acórdão recorrido para considerar não verificada a hipótese prevista no nº 2 do artigo 983° do Código de Processo Civil faz apelo ao disposto no Regulamento (CE) nº 1259/2010 do Conselho de 20/12/2010 - que, como se viu, é aplicável apenas aos processos de divórcio e separação judicial instaurados a partir de 21 de Junho de 2012, e que veio pela primeira vez estabelecer normas de conflito intereuropeias, mas limitadas a 14 estados membros, para uniformizar os critérios de determinação da lei aplicável apenas em sede de divórcio e separação judicial nos estados membros participantes - mas para tal considera aplicável agora, na data da revisão, o dito Regulamento (CE) nº 1259/2010 do Conselho, de 20/12/2010, a uma decisão de 25/10/2007 proferida numa ação instaurada em 26/9/1991, ou seja, faz aplicação retroativa das normas de conflito intereuropeias nele contidas ao caso sub-judice (normas essas absolutamente inexistentes à data da decisão revidenda) para poder considerar legítima a aplicação da lei francesa de harmonia com as normas de conflito do ordenamento jurídico francês, e não lhe considerar aplicáveis as normas de conflito do direito português que vigoravam naquelas datas e que ainda vigoram.

31 - Tal posição do Acórdão recorrido é insustentável, porquanto:

1 - o citado Regulamento (CE) nº 1259/2010 do Conselho de 20/12/2010 dispõe expressamente que:

a) é aplicável, nas situações em que envolvem um conflito de leis, apenas ao divórcio e à separação judicial (art° 1°, nº 1);

b) não se aplica às matérias indicadas nos nºs 2 do seu artigo 1° e a que alude no seu Considerando (10), entre as quais se contam os efeitos patrimoniais do casamento, os efeitos patrimoniais do divórcio, obrigações alimentares e outras medidas acessórias;

c) é aplicável a lei designada pelo presente Regulamento, mesmo que não seja a lei de um Estado Membro participante (o que contradiz claramente a afirmação contida no douto Acórdão recorrido de que os tribunais apenas têm que aplicar a lex fori) - artigo 4°;

d) os cônjuges podem acordar em designar a lei aplicável ao divórcio ou à separação judicial desde que seja uma das enumeradas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 5°;

e) estabelece no seu artigo 8° as regras de determinação da lei aplicável na ausência de escolha dos cônjuges;

f) a aplicação de uma disposição da lei designada nos termos dos seus preceitos só pode ser recusada se essa aplicação for manifestamente incompatível com a ordem pública do foro - artigo 12°;

2 - O citado Regulamento, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, que ocorreu em 29/12/2010, ou seja em 30/12 (2010 (art° 21°) aplica-se apenas aos processos instaurados a partir de 21 de Junho de 2012 (artigo 18°), produzindo todavia efeitos um acordo de escolha da lei aplicável celebrado pelos cônjuges antes de 21/6/2012 (isto é, um acordo celebrado entre a data da entrada em vigor, 30/12/2010, e a data da sua aplicação), desde que cumpra o disposto nos seus artigos 6° e 7°.

32 - Ou seja, é o próprio Regulamento nº 1259/2010, do Conselho, de 20/10/2010, que expressamente prescreve a sua inaplicabilidade aos processos instaurados antes de 21/6/2012, e, por isso, a sua inaplicabilidade à revisão e reconhecimento de uma decisão de divórcio proferida em processo instaurado em 26/9/1991 e julgada por decisão de 25/10/007, devidamente transitada em julgado, o que tudo ocorreu antes da data da sua entrada em vigor e da data a que se aplicaria aos processos instaurados a partir dela.

33 - Assim sendo, de nada valem os argumentos contidos no douto Acórdão recorrido no sentido de que atualmente os países membros passaram a estar sujeitos a normas de conflitos em matéria de divórcio que prevalecem sob as suas normas de conflitos internas, e que, fazendo apelo a tais normas de conflitos estabelecidas pelo dito Regulamento nº 1259/2010 do Conselho, de 20/10/2010, para serem aplicadas apenas a processos instaurados a partir de 21/6/2012, considerou que, devendo a confirmação duma sentença estrangeira ser declarada em função dos dados jurídicos existentes na data em que a revisão é pedida e concedida, não se verifica a exceção do nº 2 do artigo 983° do Código de Processo Civil, porquanto atualmente as normas de conflitos daquele Regulamento prevaleceriam sobre as normas de conflitos do ordenamento jurídico português e seria aplicável ao divórcio a lei francesa (da residência habitual comum dos cônjuges à data da instauração do processo de divórcio nem 26/9/1991 - e não a da nacionalidade comum dos cônjuges ou a da residência habitual atual dos cônjuges) - o douto Acórdão recorrido faz uma aplicação retroativa a uma decisão de divórcio de 25/10/2007 do Regulamento nº 1259/2010, de 20/12/2010, que não existia pura e simplesmente e que, por sua disposição expressa, é aplicável apenas a processos de divórcio instaurados após 21/6/2012 - violando, assim, frontalmente o preceituado naquele Regulamento e o princípio fundamental do ordenamento jurídico português da não retroatividade das leis, consagrado no artigo 12°, nº 1 do Código Civil.

34 - Mas, para além disso, o que está em causa na presente revisão e confirmação não é a decisão que decreta o divórcio, mas a decisão que condenou o aqui recorrente numa prestação compensatória de € 170.000,00 ao abrigo do artigo 270° do Código Civil Francês, e a decisão que condenou o aqui recorrente numa indemnização de € 10.000,00 ao abrigo do artigo 1382° do Código Civil Francês, matérias estas que estão clara e expressamente excluídas no âmbito da aplicação do Regulamento nº 1259/2010 do Conselho de 20/12, tal como resulta do seu Considerando (10), pelo que em relação a elas jamais poderiam ter aplicação as normas de conflitos entre leis aplicáveis ao divórcio e separação judicial que aquele Regulamento contém.

35 - Tais matérias terão que ser julgadas e apreciadas segundo a lei determinada pelas normas de conflitos do direito interno - é o próprio regulamento que, no seu considerando 10, refere expressamente que questões tais como os efeitos patrimoniais do divórcio ou da separação judicial, as obrigações alimentares ou outros eventuais modelos acessórios deverão ser determinadas pelas normas de conflitos de leis aplicáveis no Estado participante em questão - o argumento contido no douto Acórdão recorrido de que se as normas de conflito de direito interno não distinguem a lei aplicável ao divórcio propriamente dito da lei aplicável aos respetivos efeitos patrimoniais, tem de se entender que a lei aplicável ao divórcio é igualmente aplicável a essas matérias e que daí decorre que, sendo assim, terá também que se aplicar a essas matérias o estatuído no dito Regulamento nº 1259/2000, do Conselho de 20/12/2010, é francamente insustentável, pois que faz completamente tábua rasa do que expressamente se consagra naquele Regulamento, fazendo-o aplicar a matéria a que ele próprio expressamente se diz inaplicável. (???!!!)

36 - Não caindo a natureza das decisões condenatórias a rever no âmbito da aplicação daquele Regulamento, como ele próprio prevê, ter-se-ia que lhe aplicar a lei portuguesa, por ser a da nacionalidade comum dos cônjuges e ser essa a aplicável ao divórcio (artigo 55° do Código Civil) e às relações entre os cônjuges (art° 52° do Código Civil) de harmonia com as normas de conflito da ordem jurídica portuguesa, pelo que não pode concluir-se liminarmente como o fez o douto Acórdão recorrido pela não verificação da exceção do nº 2 do artigo 983° do Código de Processo Civil, por se considerar que não seria pelo direito material português que deveria ter sido resolvida a questão segundo as normas de conflito da lei portuguesa.

37 - Pelo contrário, é de harmonia com as normas de conflito da lei portuguesa - que determina a aplicação da lei portuguesa, por ser a lei da sua nacionalidade comum, ao divórcio e às relações entre recorrente e recorrida - vigentes no ordenamento jurídico português à data da instauração do processo de divórcio em 26/9/1991 e na data em que foi proferida o Acórdão revidendo em 25/10/2007, que tem que ser apreciada a questão da revisão e confirmação de decisões condenatórias numa prestação compensatória de € 170.000,00 e numa indemnização de € 10.000,00 ao abrigo do artigo 1382° do Código Civil Francês, e se estamos perante decisões que conduziriam a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português e que, pelo menos, sempre conduziriam a um resultado para o aqui recorrente manifestamente mais gravoso e desfavorável do que aquele a que se chegaria por aplicação da lei portuguesa, e até mais a um resultado contra o aqui recorrente que seria inalcançável por aplicação da lei portuguesa.

38 - Por aplicação da lei portuguesa jamais seria possível chegar-se aos resultados constantes das decisões condenatórias acima referidas, sobretudo à decisão condenatória numa prestação compensatória de € 170.000,00, que foi fixada sem qualquer fundamentação concreta em violação frontal com o princípio fundamental do dever de fundamentação das decisões judiciais consagrado constitucionalmente (artigo 205º da Constituição) e expresso também no artigo 154º do Código de Processo Civil.

39- Na realidade, jamais poderá considerar-se que, destinando-se aquela prestação compensatória a compensar a presumida futura disparidade das condições de vida dos cônjuges, contra a mulher, que a pronúncia do divórcio causará, a qual apenas terá direito a reforma irrisória e não pode constituir poupanças, contrariamente ao marido que explorou os bens comuns em seu único proveito pessoal, por aplicação da lei portuguesa seria possível com base nela o aqui recorrente ser condenado em tal prestação compensatória - uma tal possibilidade não tem qualquer correspondência no direito português, como se reconhece no douto Acórdão recorrido, até porque, segundo o Acórdão recorrido, nos termos do direito francês tal compensação assenta apenas num fundamento de equidade.

40 - De harmonia com a lei portuguesa - que é a aplicável ao caso sub-judice de harmonia com as normas de conflito do ordenamento jurídico português antes e depois do Regulamento do Conselho nº 1259/2010, de 20/10, por estarmos em face de matéria de efeitos patrimoniais do divórcio entre cidadãos de nacionalidade portuguesa ou, na perspetiva do Acórdão recorrido eventualmente em matéria de natureza alimentar entre cidadãos portugueses, matérias a que aquele Regulamento não é aplicável (ver seu Considerando 10) - jamais seria possível o aqui recorrente ser condenado no pagamento duma prestação compensatória à aqui recorrida com os fundamentos teóricos invocados e num montante de € 170.000,00, sem que tal decisão contenha um mínimo de fundamentação concreta para chegar a um tal montante, ao que parece arbitrariamente calculado.

41 - Na verdade, jamais se pode considerar - como o fez o Acórdão recorrido - tal prestação compensatória como equivalente a uma prestação de alimentos e que na lei portuguesa nada impediria que uma prestação de alimentos, em vez de ser constituída por prestações periódicas, fosse constituída por um capital capaz de gerar um rendimento periódico e esgotar-se no fim do período, equiparando uma tal prestação a que atribuiu natureza alimentar a uma indemnização em matéria de responsabilidade civil automóvel ou laboral. (???)

42- Esta pretensa equivalência ou paralelismo a que o douto Acórdão recorrido recorre para sustentar a natureza alimentar de uma tal prestação compensatória traduz um verdadeiro salto jurídico sobre um precipício, uma vez que, de harmonia com o ordenamento jurídico português, as obrigações de natureza alimentar, que se destinam ao sustento, habitação e vestuário das pessoas com direito a alimentos (artigo 2003° do Código Civil), são, por sua própria natureza, prestações pecuniárias periódicas - mensais, diz expressamente o artigo 2005° do Código Civil - e suscetíveis de modificações por alteração das circunstâncias que determinam a sua fixação (artigo 2012° do C.C.) e prestações temporárias que se extinguem em certos casos (artigo 2013° e 2019° do C.C.), o que é de todo em todo juridicamente incompatível com a natureza de uma prestação compensatória única que para mais não se destina ao sustento, habitação e vestuário da aqui recorrida, mas sim a compensá-la na medida do possível da presumida e eventual futura disparidade nas suas condições de vida que a rutura do casamento criaria, tendo em conta a sentença na altura do divórcio a evolução dessa situação num futuro possível.

43- Essa aberrante equiparação duma tal prestação compensatória a uma prestação alimentar é vedada até pela circunstância de ter sido considerado como provado no douto Acórdão revidendo que por Acórdão de 16/9/1999 foi suprimida a pensão de alimentos de 1.500 francos franceses devida a título de assistência à ora recorrida que havia sido fixada por sentença de 18/5/1995, do que resulta que, mesmo a nível do direito interno francês, a dita prestação compensatória prevista no artigo 270° do Código Civil nada tinha a ver com uma prestação alimentar ou de assistência, e, por isso, não tendo aquela prestação natureza alimentar mesmo no direito interno que a previa, jamais seria e será possível, para efeitos de se conceder a sua confirmação em Portugal, atribuir-se a uma tal prestação natureza de obrigação alimentar, como erradamente o fez o douto Acórdão recorrido.

44 - Afastada que está a natureza de obrigação alimentar de uma tal prestação compensatória, estaremos perante uma prestação que, por aplicação da lei portuguesa, jamais seria possível fixar e condenar o aqui recorrente, pelo que a revisão e confirmação do Acórdão revidendo na parte em que condenou o aqui recorrente, enquanto cidadão português, no pagamento à aqui recorrida ( também cidadã portuguesa) dessa prestação compensatória inexistente no ordenamento jurídico português e insusceptível de alguém nela ser condenado por aplicação da lei portuguesa, conduziria a um resultado não só muito menos favorável para o aqui recorrente do que o que para ele resultaria por aplicação da lei portuguesa, mas sobretudo a um resultado impossível de acontecer por aplicação a lei Portuguesa, que, de harmonia com as suas normas de conflitos em vigor, seria aplicável às relações jurídicas entre ambos, quer em matéria de divórcio, quer ainda hoje em matéria de efeitos patrimoniais do casamento e do divórcio, não restando, por isso, quaisquer dúvidas de que sempre se verificaria no caso sub-judice a exceção prevista no nº 2 do artigo 983° do Código do Processo Civil, que terá que conduzir indubitavelmente à não concessão da revisão e confirmação em Portugal de uma tal condenação.

45 - Mas, para além disso, o recorrente entende também que a sua própria condenação do pagamento de tal prestação compensatória à aqui recorrida pelo Acórdão de Cour d'Appel de Paris de 2007 conduzirá a um resultado que também será manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, recusando-se a aplicação da lei francesa (artigo 22° do Código Civil).

46 - As normas de conflito que regulam a lei aplicável (artigos 22° a 65° do Código Civil), bem como as normas jurídicas que regulam a nacionalidade, a capacidade, o estado civil das pessoas, as relações de família, e, por isso, também o divórcio e a separação judicial e os seu efeitos, as obrigações alimentares e as sucessões, e, bem assim, as normas constitucionais que consagram os princípios da igualdade (artigo 13°), da proteção jurídica dos cidadãos portugueses no estrangeiro (artigo 14°), dos direitos liberdades e garantias e do dever de fundamentação das decisões judiciais artigo 205° e 154° do C.P.C.), o princípio da impossibilidade de prova de factos favoráveis à parte por declarações desta consagrado no artigo 352° do Código Civil, etc., são princípios essenciais que enformam a ordem jurídica portuguesa e que indubitavelmente são de interesse e ordem pública e integram a ordem pública internacional do Estado Português.

47 - O ordenamento jurídico português à data da instauração do divórcio, à data em que foi proferido o Acórdão da Cour d’Appel de Paris de 25/10/2007 e ainda atualmente consagrava e consagra o primado da lei nacional de ambos os cônjuges cidadãos nacionais na regulação das relações entre ambos e no seus deveres e efeitos do mesmo e também nos efeitos patrimoniais do casamento e nos efeitos do divórcio (mesmo em relação aos que então residissem no estrageiro (artigos 14°, 21° e 36° da Constituição da República e artigos 22°,25°,31°, 52°, 55°, do Código Civil), já que, como vimos, mesmo atualmente aos efeitos do casamento e do divórcio e às obrigações alimentares é inaplicável o Regulamento nº 1259/2000, do Conselho de 20/12/2010.

48 - Nos termos do disposto no artigo 352° a 361° e 326° a 387°, todos do Código Civil, não era nem é admitida a prova de factos favoráveis às partes por mera declaração delas mesmas e nem sequer é admitida a prova por confissão de factos desfavoráveis em ações sobre o estado das pessoas, como as de divórcio, e a prova documental só era e é admitida até ao encerramento da discussão em 1a instância só podendo ser apresentados em sede de recurso os documentos cuja apresentação não teria sido possível em 1a instância (artigo 523º e 524º do C.P.C.), a natureza de obrigações periódicas e temporárias e suscetíveis de extinção das obrigações alimentares, nos termos dos artigos 2003 e sesg do Código Civil, e o principio constitucional de que, nos termos do disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 154º do C.P.C., toda a decisão judicial tem que ser devidamente fundamentada - todos estas regras constituem princípios fundamentais do ordenamento jurídico português cuja violação choca profundamente com a ordem pública internacional do Estado Português.

49 - A prestação compensatória em causa não tem de forma alguma natureza de obrigação alimentar entre ex-cônjuges que se encontra regulada no artigo 2016º do Código Civil, e cujas condições de atribuição nele estavam e estão previstos após a lei nº 61/2008, de 31/10/2008, que agora até dispõe expressamente que o cônjuge credor de alimentos não tem o direito de exigir a manutenção da prestação de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.

50 - Consequentemente, a condenação do aqui recorrente, com base, segundo o próprio Acórdão revidendo e o previsto na lei francesa, em meras declarações de honra apresentadas pelas partes apenas na 2ª instância e a convite desta, no pagamento à aqui recorrida duma prestação compensatória, logo do montante de € 170.000,00, sem uma qualquer fundamentação concreta para chegar a este montante e apenas com a indicação de que destinaria a compensá-la pela eventual disparidade futura de condições de vida em relação ao aqui recorrente que a pronuncia do divórcio lhe iria causar é um resultado completa e manifestamente incompatível com os princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica portuguesa, tais com os acima enumerados em sede de normas constitucionais, de ordem substantiva e processual, e por isso, manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português.

51 - Com efeito, tal como refere Rui Moura Ramos, no local citado pelo douto Acórdão recorrido, “a ordem pública é um conceito indeterminado e de uma noção funcional, de uma cláusula geral porque permite tomar em conta as circunstâncias particulares do caso concreto, transferindo para o Juiz a tarefa de concretizar a disposição legal no momento da sua aplicação", "uma noção funcional, porque ela é indefinível a não ser pela função que lhe cabe desenvolver na ordem jurídica: impedir que a aplicação de certas regras ou o reconhecimento de determinadas sentenças ( judiciais ou arbitrais) possam, num caso particular, pôr em causa aspectos essenciais da ideia de direito do sistema jurídico do foro", sendo a base para "comportar a possibilidade de recusar a aplicação ou o reconhecimento daqueles comandos jurídicos que sejam expressão de concepções que se revelem intoleráveis face à ideia de justiça do Estado do foro”.

52 - Exatamente nessa base não é concebível na ordem jurídica portuguesa ser possível uma condenação de um dos cônjuges no pagamento ao outro cônjuge duma prestação compensatória destinada a compensá-lo da eventual e presumida disparidade de vida futura que virá a ter em relação ao outro cônjuge por força do divórcio, bem como jamais será possível uma tal condenação com base em meras declarações de honra prestadas pelos cônjuges e fixada num montante para o qual não se refere uma adequada fundamentação em factos e montantes concretos para se chegar a tal montante.

53 - E o próprio montante em si, sem uma concreta e adequada fundamentação, é para a ordem jurídica portuguesa gravemente elevado, para não dizer chocante, e gravemente lesivo do aqui recorrente, tendo em conta a Jurisprudência Portuguesa para indemnizações da perda do bem supremo que é o direito à vida (Note-se que o elevado, excessivo e iníquo montante em causa foi um dos factores determinantes que o STJ teve em consideração na prolação do seu Acórdão de 14 de Março de 2017 (Reconhecimento de sentença arbitral estrangeira e ordem pública internacional) na Revista de Legislação e Jurisprudência ano 146°, nº 4003, pág. 267 e segs. Anotado por Rui Moura Ramos citado no Acórdão recorrido.

54 - Assim, não pode deixar de se considerar como manifestamente incompatível com a ordem jurídica portuguesa e com os princípios fundamentais que a enformam e, por isso, com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português o resultado a que a revisão e confirmação em Portugal da decisão judicial de condenação do recorrente no pagamento à recorrida numa prestação compensatória da presumida disparidade futura de vida que iria ter por força da pronuncia do divórcio no montante de € 170.000,00, decisão essa que tem por base meras declarações de honra das partes e sem a devida e concreta fundamentação para a sua fixação em tal montante.

55 - Quanto à condenação na indemnização do montante de € 10.000,00 com base no artigo 1382° do Código Civil o douto Acórdão recorrido considerou que tal indemnização com base no artigo 1382° do Código Civil, se destinou a indemnizar a aqui recorrida de um prejuízo específico distinto do originado pela dissolução do casamento, tendo o aqui recorrente sido condenado por ter praticado sobre o património do casal atos que a obrigaram a realizar variadas ações e instaurar sucessivos procedimentos judiciais para evitar ser prejudicada em relação a esse património e que, embora proferida numa ação de divórcio, essa condenação não é um efeito do divórcio, nem uma condenação por danos causados pela dissolução do casamento, sendo apenas o resultado da aplicação da regra geral da responsabilidade civil equiparável ao nosso artigo 483º do Código Civil, e que, por isso, tal condenação é manifestamente compatível com a ordem jurídica portuguesa.

56 - Ora, a norma do artigo 483º do Código Civil Português é a norma que rege em matéria de responsabilidade civil extracontratual e que obriga aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a indemnizar o lesado pelos danos que resultem dessa violação.

57 - Nos termos do Acórdão revidendo e do Acórdão recorrido a indemnização de € 10.000,00 destinou-se a compensar a aqui recorrida do “grave prejuízo, moral e material, um stress considerável, para além da constante corrida contra o relógio para evitar que fosse ainda mais enganada”, mas não indica qualquer fundamentação para a fixar naquele montante, pelo que, salvo o devido respeito, uma tal indemnização não se destina a ressarcir quaisquer danos resultantes da violação de qualquer direito da aqui recorrida ou de disposição legal destinada a proteger os seus interesses, pelo que, ao contrário do que decidiu o Acórdão recorrido, não se pode enquadrar de forma alguma no regime do artigo 483º do Código Civil.

58- Nas datas acima referidas (26/9/1991 - data do pedido de divórcio-, 27/04/2004 - data da decisão da 1a instância dos Juízos de Família de Bobigny -, e 25/10/2007 - data da decisão da 2a instância (Cour d’Appel de Paris) a ordem jurídica portuguesa apenas concedia ao cônjuge não culpado e ao cônjuge não principal culpado o direito de indemnização por danos não patrimoniais que o divórcio lhe causasse a exercer na própria ação de divórcio (artigo 1792° do Código Civil na redação vigente antes da alteração do regime de divórcio introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31/10/208, entrada em vigor em 1/12/2008), pelo que, no caso sub-judice em que o divórcio foi decretado por culpas partilhadas por ambos os cônjuges, sem declaração de cônjuge principal culpado, se tivesse sido aplicada a lei portuguesa, como teria que ter sido de harmonia com as normas de conflitos do direito internacional privado português (lei da nacionalidade comum de ambos os cônjuges, cidadãos portugueses - artigo 22° do C.C.), não podia o tribunal que conheceu do pedido de divórcio condenar na própria ação de divórcio qualquer um dos cônjuges a indemnizar o outro.

59- Também nesta parte a decisão judicial de condenação na indemnização de € 10.000,00, sem qualquer fundamentação concreta para a fixar em tal montante, contida, por aplicação da Lei Francesa e nomeadamente do artigo 1382° do Código Civil Francês, no Acórdão do Cour d’Appel de Paris de 25/10/2007 ao caso concreto conduz a um resultado que se traduziria numa contradição flagrante e até uma ofensa intolerável dos princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica portuguesa e a concepção de justiça do direito material português, nomeadamente em sede de normas de conflito de direito internacional privado e em sede de relações de família, tendo em conta o disposto nos artigos 1792° do Código Civil na redação então vigente, nos artigos 22°, 25°, 31°, 52° e 55° do Código Civil, e até em sede do principio constitucional do dever de fundamentação das decisões judiciais, resultado esse manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

60 - Além disso, a revisão e confirmação de tal decisão judicial conduziria também a um resultado inquestionavelmente lesivo e inequitativo para o cidadão português, que é o aqui requerido, em confronto com o resultado que para ele seria suscetível de advir por aplicação da lei portuguesa vigente à data da instauração da ação e mesmo à data da prolação da decisão revidenda, que era a lei aplicável a esta matéria de harmonia e por força das normas de conflito da lei Portuguesa (artigos 22° e 25° a 65° do C.C.).

61 - Consequentemente, por qualquer uma dessas razões, também não pode ser concedida a revisão e confirmação do Acórdão do Cour d’Appel de Paris de 25/10/2007 na parte em que condena o aqui requerido no pagamento à aqui recorrida ao abrigo do disposto no artigo 1382° do Código Civil Francês, duma indemnização do montante de € 10.000,00 destinada a compensá-la do “grave prejuízo, moral e material, um stress considerável, para além da constante corrida contra o relógio para evitar que fosse ainda mais enganada”, sem qualquer fundamentação concreta para a fixar naquele montante, sendo certo que, não sendo a lei nacional comum de ambas as partes, a lei francesa não poderia ter sido aplicada ao caso sub-judice.

62 - O douto Acórdão recorrido fez, assim, uma errada apreciação dos factos contidos no Acórdão revidendo e dos factos e circunstâncias integrantes da exceção prevista no nº 2 do artigo 983° do C.P.C. que o aqui recorrente invocou expressamente sem aludir à norma que a consagra na sua oposição, e fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 980° alínea f) e 983°, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, bem como uma errada interpretação e aplicação do disposto nas normas de conflitos contidas no Código Civil Português ( artigos 22°, 25° a 65° do Código Civil), do estatuído nos artigos 12°, nº 1, 352° a 361° e 362° a 365° do Código Civil, 483°,1792°, 2003°, 2005°, 2016° e 2019° do Código Civil, dos artigos 32°, nº 1 al. g), e 40º e 41° do anterior Código das Custas Judiciais, dos artigos 25° e 26° do Regulamento das Custas Processuais, dos artigos 4°, 154°, 423°, 424°, 527° a 541°, 542° e 543°, todos do C.P.C., dos Regulamentos (CE) nº 1347/2000, de 29/5, nº 2201/2003, de 27/11, e nº 1259/2010, de 20/12, e violou o disposto nos artigos 13°, 14°, 20°, 36° e 205° da Constituição da República Portuguesa.

                                                           +

A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- As isoladas sob III, ponto 2.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. Plano factual

Estão documentalmente provados os seguintes factos, como tal descritos no acórdão recorrido:

1. A autora nasceu em Portugal, no  ..., no dia 03.12.1951, sendo filha de pais portugueses.

2. O réu nasceu em Portugal, em  ..., no dia 01.03.1951, sendo filho de pais portugueses.

3. No dia 09.06.1973, em …, …, França, perante o oficial de Registo Civil da respectiva Câmara Municipal, a autora e o réu celebraram, entre si, casamento civil sem convenção antenupcial, inscrito no assento n.º … do ano de 1975 do Consulado de Portugal em Nogent Sur Marne, França, transcrito para os Registos Centrais pelo assento de casamento n.º  .../2010.

4. Este casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 25.10.2007, rectificada por Acórdão de 18.03.2010, transitada em julgado em 03.06.2010, proferido pelo Tribunal da Relação de Paris, conforme averbamento n.º 1 ao assento de casamento n.º  .../2010 da Conservatória dos Registos Centrais.

5. Por sentença do Tribunal de Grande Instância de Bobigny proferida em 27 de Abril de 2004 na sequência do pedido de divórcio apresentado pelo aqui réu em 26.09.1991, foi decretado o divórcio entre a autora e o réu, «por culpa partilhada de ambos os cônjuges», tendo, além do mais, o réu sido condenado a pagar à autora a quantia de €6.000,00 de indemnização «ao abrigo do artigo 1382.º do Código Civil».

6. A autora interpôs recurso da aludida sentença.

7. Por Acórdão de 25.10.2007 o Tribunal da Relação de Paris julgou o referido recurso, confirmando as disposições da sentença recorrida com excepção das «relativas à prestação compensatória, ao montante da indemnização» a favor da autora e «ao artigo 700.º do novo Código de Processo Civil», e decidindo, a esse respeito, condenar o aqui réu a pagar à aqui autora: «a título de prestação compensatória um capital de €170.000», «a quantia de €10.000 a título de indemnização com base no artigo 1382 do Código Civil» e «a quantia de €8.000 ao abrigo do artigo 700.º do novo Código de Processo Civil».

8. O referido Acórdão transitou em julgado em 03.06.2010 na sequência da rejeição pelo Supremo Tribunal de Justiça do recurso interposto do mesmo.

9. O referido Acórdão foi rectificado quanto ao nome das partes por Acórdão da Relação de Paris de 18.03.2010.

10. O referido Acórdão tem a redacção que consta da tradução junta a fols. 28 a 39, a qual aqui se dá como reproduzida.

11. Em 2.11.2010 a aqui autora instaurou no Juízo de Grande Instância Civil de Aveiro da Comarca do Baixo Vouga, a acção n.º 1874/10.2T2AVR, na qual pediu a declaração de exequibilidade judicial ou executoriedade do Acórdão da Relação de Paris de 25.10.2007 que condenou o aqui réu a pagar-lhe uma prestação compensatória de €170.000.00, a quantia de €10.000,00 a título de indemnização com base no artigo 1382.º do Código Civil Francês, e a quantia de €8.000,00 ao abrigo do artigo 700.º, do novo Código de Processo Civil Francês.

12. Por sentença de 25.3.2011 essa acção foi julgada improcedente com fundamento em não se estar perante um caso de reconhecimento ao abrigo dos Regulamentos CE n.os 44/2001, de 22/12/2000, e 2201/2003, de 27/11/2003, nem ao abrigo das Convenções de Bruxelas ou de Lugano, e que a sentença para ser exequível em Portugal terá que ser objecto de revisão e confirmação através do processo especial de revisão de sentença estrangeira.

13. Essa sentença transitou em julgado em 11/05/2011.

14. Posteriormente a autora instaurou no Juízo de Grande Instância Cível da Comarca do Baixo Vouga Aveiro, a acção n.º 43/14.7T2AVR, pedindo, ao abrigo do disposto no Regulamento CE nº 44/2001, de 22/12/2000, e subsidiariamente, ao abrigo da Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução das decisões em matéria civil e comercial de 1968, a declaração de executoriedade em Portugal do Acórdão do Tribunal da Relação de Paris de 25.10.2007, na parte em que condenou o réu a pagar-lhe uma prestação compensatória de €170.000, a quantia de €10.000 a título de indemnização com base no artigo 1382.º do Código Civil Francês, e a quantia de €8.000 ao abrigo do artigo 700.º do novo Código de Processo Civil Francês.

15. Nessa acção foi proferida sentença afirmando estarem reunidos os requisitos previstos no artigo 53.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22/12/2000, e declarando executório em Portugal, de harmonia com o preceituado no artigo 41.º do citado Regulamento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Paris de 25.10.2007.

16. Desta sentença foi interposto recurso para a Relação do Porto, a qual, por Acórdão de 23.03.2015 revogou a aludida sentença e absolveu o réu da instância por considerar verificada a excepção dilatória do caso julgado formado pela decisão referida nos itens 12 e 13.

                                                           +

2. Plano jurídico-conclusivo

Quanto à matéria da conclusão 1ª.

Nesta conclusão reporta-se o Recorrente a uma série de factos processuais relativos à causa onde foi produzido o acórdão revidendo, significando a propósito que o que está provado com interesse para a decisão da presente causa não é apenas nem exatamente o que foi elencado a tal título no acórdão recorrido.

A verdade é que tais factos já estão elencados, no que importa ao caso, na factualidade descrita no acórdão recorrido. E não se vê qualquer vantagem em estar a discriminar outros factos, que nada acrescentam de relevante a essa factualidade. De resto, e bem vistas as coisas, os factos cuja adução pretende o Recorrente estão já compreendidos na fórmula remissiva do ponto 10 da factualidade supra descrita. Tão pouco se vê que a factualidade constante do acórdão recorrido não retrate exatamente o que decorre da documentação junta os autos.

Donde, nada há a modificar ou a aditar aos factos acima transcritos.

Quanto à matéria da conclusão 2ª:

O que se diz nesta conclusão não exige qualquer pronunciamento. Trata-se apenas de uma inútil menção àquilo que já se sabe constituir quer o teor da decisão revidenda quer o objeto do pedido de confirmação.

Quanto à matéria das conclusões 3ª a 18ª:

Nestas conclusões o Recorrente sustenta que a decisão revidenda não poderia ser confirmada na parte em que o condenou na quantia de €8.000,00.

Carece de razão.

Justificando:

A condenação foi proferida ao abrigo do art. 700º do Novo Código de Processo Civil Francês, que estabelece que em todos os processos o juiz deve condenar a parte responsável pelas custas ou, na sua falta, a parte perdedora, a pagar à outra parte a quantia que determinar, relativamente às despesas incorridas e não incluídas nas custas[1].

Tratando-se de despesas incorridas por causa (em decorrência) do processo judicial travado entre as partes, terão que ser havidas, nos termos e para os efeitos dos Regulamentos (CE) nºs 1347/2000 e 2201/2003 (relativos à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental), como custas processuais, ainda que (o que é absolutamente irrelevante para os efeitos em causa) a lei interna francesa não as insira formalmente ao conceito de custas (pelo menos distingue, como se vê, entre custas e despesas não incluídas nas custas). Inclusivamente, e tal como se diz no acórdão recorrido e é igualmente acentuado no acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Abril de 2008 (Processo nº 225-C/1998.C1, disponível em www.dgsi.pt), um tal encargo identifica-se, no ordenamento jurídico português (isto com reporte à data em que foi produzida a decisão revidenda, 25 de Outubro de 2007), com o conceito de procuradoria (basicamente, uma atribuição destinada a compensar a parte pelo dispêndio com o patrocínio judiciário; v. a propósito os art.s 33º, nº 1, alínea c) e 40º, 41º e 42º do, entretanto revogado, Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL nº 224-A/96, em vigor à data em que foi proferida a decisão revidenda).

Ora, resulta dos citados Regulamentos (artigos 13º, nº 2, e 49º, respetivamente) que qualquer decisão em matéria de custas relativamente aos processos a que se aplicam (nomeadamente, processos em matéria matrimonial, como era o caso do processo onde foi proferida a decisão revidenda) está também submetida às prescrições desses Regulamentos, o que, nas relações entre os Estados-Membros, afasta o procedimento de revisão e reconhecimento tal como estabelecido nas respetivas leis processuais em matéria de revisão e confirmação de sentenciamentos estrangeiros. O que significa que a decisão em causa pode ser feita valer em Portugal no quadro dos ditos Regulamentos, portanto independentemente de revisão e confirmação nos termos prevenidos no CPCivil (v. também o nº 1 do respetivo art. 978º, que, concordantemente, salvaguarda do processo de revisão e confirmação o que se acha estabelecido nos regulamentos da União Europeia).

É verdade, entretanto, que o primeiro dos ditos Regulamentos foi revogado e substituído pelo segundo, e que este, em vigor aquando do proferimento do acórdão revidendo, poderia, numa perspetiva puramente ideográfica (literal), ser visto como inaplicável ao caso, isto dada a data em que o processo francês foi instaurado (1991).

Mas, segundo cremos, não é assim que deve ser interpretado o Regulamento nº 2201/2003.

Pois que, decorre dos nºs 2, 3 e 4 do art. 64º desse Regulamento, que se pretendeu que os casos judiciais instaurados anteriormente à sua entrada em vigor (1 de Agosto de 2004) não fossem pura e simplesmente abduzidos da aplicação do Regulamento, mas sim atendidos, embora de forma correlacionada com a vigência do Regulamento nº 1347/2000. Particularmente à luz do nº 4 do citado art. 64º, vemos que se pretendeu que o novo Regulamento fosse aplicado a decisões de divórcio (e, logicamente, a decisões sobre custas indexadas ao processo de divórcio, como decorrente do art. 49º) subsequentes à entrada em vigor do Regulamento nº 1347/2000, proferidas em processos instaurados anteriormente a essa mesma entrada em vigor. Por maioria de razão, terá o Regulamento nº 2201/2003 que ser aplicado a decisões posteriores à sua entrada em vigor e proferidas em processos instaurados anteriormente à entrada em vigor do Regulamento nº 1347/2000, como é precisamente o caso. No fundo, é o que significa o acórdão recorrido, aí onde refere que “Muito embora este Regulamento tenha deixado de vigorar em 28/02/2005, quando passou a ser aplicável o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 (…), o facto de este ter substituído aquele determina que as consequências jurídicas da aplicação do primeiro devam ser absorvidas pelo segundo, excepto nas situações em que o novo Regulamento passou a decidir diferentemente, razão pela qual o regime do artigo 64.º deste deve ser interpretado como abrangendo no seu regime as decisões que o seriam ao abrigo do anterior Regulamento, designadamente aquela que no caso foi proferida pelo Cour D’Appel de Paris em 25/10/2007 numa acção de divórcio iniciada em 26/09/1991”.

As considerações do Recorrente em torno quer da falta de indicação (na decisão revidenda) das despesas concretas que justificaram a decisão em causa, quer da violação do princípio da igualdade, quer da aplicação de várias normas do Código de Processo Civil Português (entre estas, a alínea f) do art. 980º), carecem de pertinência. Não cabia ao tribunal ora recorrido escrutinar o mérito jurídico da decisão revidenda em causa, e muito menos à luz das normas e princípios do direito português, mas apenas decidir sobre o seu reconhecimento dentro do enquadramento estabelecido nos citados Regulamentos.

Acresce dizer que, contra o que se pretende na conclusão 18ª, o reconhecimento da decisão em causa não conduz a um resultado que seja incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. Vale aqui mutatis mutandis o que se diz no item seguinte em torno da temática da ordem pública internacional do Estado Português, na certeza de que também o ordenamento jurídico português (v. art. 26º do Regulamento das Custas Processuais) prevê que uma das partes possa ser compensada pela parte contrária a título das despesas feitas com o processo judicial.

Improcedem pois, as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões 19ª a 62ª:

Nestas conclusões sustenta o Recorrente que, relativamente às outras duas decisões sob revisão (e que, como é pacífico nos autos, estão submetidas ao processo de revisão tal como regulado no art. 978º e seguintes do CPCivil), o seu reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

Mais sustenta que, tendo ele, Recorrente, nacionalidade portuguesa, o resultado da ação lhe teria sido mais favorável se tivesse sido aplicado o direito material português, que era o competente segundo as normas de conflitos da lei portuguesa.

Vejamos:

Desde logo é de dizer que, contra o que pretende o Recorrente, o tribunal francês não tinha que aplicar, nos feitos sobre que decidiu e cuja revisão está em equação, a lei portuguesa. Embora segundo a norma de conflitos da lei portuguesa fosse atendível a lei nacional das partes (art.s 52º, nº 2 e 55º, nº 1 do CCivil) - isto é, a lei portuguesa - tal estatuição apenas vincularia os tribunais decidentes na ordem jurídica portuguesa (ou seja, os tribunais portugueses), e não já todo e qualquer tribunal estrangeiro (que, por sua vez, estará vinculado às normas de conflitos impostas pelo ordenamento jurídico do Estado a que pertence). Tão pouco a lei portuguesa proibia que tais feitos pudessem ser apreciados pelos tribunais estrangeiros ou que a decisão a tomar nesses tribunais se estribasse na respetiva lei material interna.

Daqui que as considerações do Recorrente não possam, no que vão ou pressupõem o contrário disto, ser subscritas, seja na perspetiva da pretensa violação da lei ordinária portuguesa seja na perspetiva da pretensa violação da Constituição da República Portuguesa.

Isto posto:

Cremos ser por demais evidente que o reconhecimento das decisões em causa não conduz a um resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. E muito menos a um resultado manifestamente incompatível, como se exige na alínea f) do art. 980º do CPCivil.

Parafraseando J. Batista Machado (Lições de Direito Internacional Privado, 1974, pp. 254 e 256), podemos dizer que são qualificáveis como de ordem pública “aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem económico-social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos. Seriam assim de ordem pública aquelas normas que estabelecem as regras fundamentais da organização económica, as que visam garantir a segurança do comércio jurídico e proteger terceiros, as que tutelam a integridade dos indivíduos e a independência da pessoa humana e protegem os fracos e incapazes, as que respeitam à organização da família e aos estado das pessoas, visando satisfazer um interesse geral da coletividade. (…) O juiz precisa ter à sua disposição um meio que lhe permita precludir a aplicação de uma norma de direito estrangeiro, quando dessa aplicação resulte uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a sua ordem jurídica. Esse meio ou expediente é a exceção de ordem pública internacional ou reserva da ordem pública”.

Sendo assim, e centrando-nos nas relações de família, nem tudo o que diz respeito a essas relações tem que ser visto como inserível ao domínio da ordem pública. Diz bem o acórdão recorrido quando observa que “nem todas as normas do direito português sobre as relações de família integram a ordem pública internacional do Estado Português. Podem possuir essa natureza as normas jurídicas estruturantes das relações de família tal como elas são concebidas pela ordem jurídica nacional e as normas jurídicas que reflectem a consideração dos direitos absolutos ou essenciais dos elementos da família e os princípios básicos do nosso ordenamento jurídico, como são, por exemplo, as normas que asseguram a liberdade da constituição da família, a igualdade dos cônjuges, a manutenção do regime jurídico pessoal dos cônjuges, a estabilidade das relações patrimoniais fixadas, a não descriminação dos filhos nascidos fora do casamento. Mas já não o são as normas que regulam aspectos acessórios da relação de família, do divórcio, da organização do poder paternal ou dos modos de substituição deste”.

As decisões que aqui estão em causa são: a que condenou o Recorrente no pagamento à outra parte de um capital forfetário de €170.000,00 a título de prestação compensatória pela disparidade que a rutura do casamento criou nas respetivas condições de vida, em função das necessidades do ex-cônjuge, tudo nos termos do art. 270º[2] e seguintes do Código Civil Francês; e a que condenou o Recorrente no pagamento da quantia de €10.000,00 a título de indemnização pelo prejuízo moral e material (distinto do originado pela dissolução do matrimónio) infligido à outra parte, tudo nos termos do art. 1382º do mesmo Código[3].

Ora, o resultado (atribuição de recursos de vida em decorrência do divórcio e atribuição de uma indemnização pelo dano causado) a que estas decisões conduzem, em nada contende com quaisquer princípios da ordem pública internacional do Estado Português, justamente porque em nada representa uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a ordem jurídica portuguesa.

Tal resultado não apenas não contende, como até se identifica, no essencial, com o resultado que se poderia obter a partir de dois triviais institutos jurídico-materiais, admitidos na ordem jurídica portuguesa, quer com referência à data do acórdão revidendo, quer com referência à data atual (é, porém, esta última data que aqui interessa[4]). E esses institutos são o da responsabilidade civil por facto ilícito e culposo (art. 483º e seguintes do CCivil) e o da prestação de alimentos ao ex-cônjuge (art. 2009º, nº 1, alínea a) do CCivil).

Se acaso o direito aplicado pelo tribunal francês não coincide inteiramente (ou seja, se não existe uma correspondência exata), nos seus pressupostos e efeitos, com o direito português, isso nada tem de relevante para o caso, pois que não será essa simples dissonância ou não convergência que provocará um resultado incompatível em termos de ordem pública internacional. E muito menos um resultado manifestamente (flagrantemente, ostensivamente, intoleravelmente) incompatível.

Donde, improcedem as conclusões em destaque na parte em que, por referência à alínea f) do art. 980º do CPCivil, se sustenta que as decisões em causa conduzem a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

Mais sustenta o Recorrente, desta feita com reporte ao nº 2 do art. 983º do CPCivil, que o resultado da ação lhe teria sido mais favorável se o tribunal francês tivesse aplicado o direito material português, sendo que era este que estava destinado, segundo as normas de conflitos da lei portuguesa, a resolver a contenda (privilégio da nacionalidade).

Tem razão em parte.

Vejamos:

Tal como defende o Recorrente, segundo as normas de conflitos da lei portuguesa seria aplicável às espécies sobre que decidiu o acórdão revidendo o direito material português. É o que decorre do art. 52º, nº 1 do CCivil[5]. Neste particular não acompanhamos o entendimento contrário avançado no acórdão recorrido, que é no sentido de ser aplicável o direito francês, isto pelo facto dos cônjuges residirem em França.

Todo esse entendimento do acórdão recorrido está centrado no pressuposto da aplicação ao caso do Regulamento (EU) nº 1259/2010 do Conselho, de 20 de Dezembro de 2010 (que criou uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial). Mas tal pressuposto não é válido, tanto porque o dito Regulamento foi produzido e entrou em vigor posteriormente à data em que foi proferido o acórdão revidendo[6], como porque não é de aplicação às matérias aqui em equação, senão apenas à matéria do divórcio e da separação judicial (v. os respetivos art.s 1º, 18º e 21º).

Isto posto:

Para efeitos do nº 2 do art. 983º do CPCivil interessa atender quer á decisão tomada quer aos seus fundamentos, o que equivale a dizer que se trata aqui de uma revisão de mérito, e não apenas externa e formal (v., a propósito, Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II, pp. 187 e 188, e Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, do reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras, Aditamentos, 1975, pp. 96 e seguintes).

De observar que não nos compete aqui controlar a regularidade, proficiência ou suficiência da decisão revidenda quanto à matéria de facto, pelo contrário teremos que nos ater pura e simplesmente à factualidade tal como nos é apresentada nessa decisão, cumprindo simplesmente conhecer do tratamento jurídico a que os factos ali expostos deviam ser submetidos segundo o direito português (v., a propósito, Alberto dos Reis, ob. cit., p. 189).

De observar também que, diferentemente do que sucede com o juízo aferidor da (in)compatibilidade dos resultados da decisão a rever com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, o direito material português a levar em conta para os efeitos em causa é o direito vigente à data em que foi proferida a decisão revidenda (2007) e não o direito atual. Isto antolha-se como óbvio, desde que se tenha presente que o que se está a fazer é, ficcionando, procurar saber qual seria o desfecho da ação se acaso o tribunal estrangeiro tivesse aplicado naquele seu concreto sentenciamento o direito português.

Ora, no tocante à decisão condenatória em €10.000,00 a título de indemnização pelo prejuízo moral e material (distinto do originado pela dissolução do matrimónio) infligido pelo Recorrente à mulher, não encontramos que, face ao direito material português, o resultado da ação (rectius: o resultado de um qualquer processo instaurado pela mulher contra o marido; é absolutamente irrelevante para o caso que a indemnização em causa não pudesse ser processualmente obtida, ao invés do que sucedeu no tribunal francês, no âmbito de uma ação de divórcio[7]) teria sido mais favorável ao Recorrente.

Tratando-se de uma pura situação de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, regeriam para o caso, basicamente, os art.s 483º, 494º e 562º a 566º do CCivil.

Dos factos que o acórdão revidendo teve por demonstrados (adultério do marido desde 1981; expulsão da mulher do estabelecimento de Café que explorava; agressões físicas à mulher em frente das empregadas; abandono da mulher e filha, aquando das deslocações que regularmente fazia a Portugal, deixando-as sem dinheiro; intenção de deixar a mulher coberta de dívidas; tentativa de obtenção de declaração testemunhal falsa tendente a significar a infidelidade da mulher; desvio de fundos comuns, no total de 1.908.493,89 francos; venda, sem o conhecimento da mulher, de estabelecimento comercial comum, operação que foi até judicialmente anulada; utilização de falsas declarações, do que foi judicialmente condenado) resulta que o Recorrente, de forma ilícita e culposa, causou significativos danos patrimoniais e não patrimoniais à mulher.

Danos estes para cuja reparação estaria ajustada a indemnização de €10.000,00. Precisamente a que foi fixada na decisão revidenda.

Donde, se tivesse sido a concreta questão aqui em discussão regulada pelo direito material português, não teria o ora Recorrente obtido uma decisão mais favorável, mas sim uma decisão igual à que foi proferida à luz do pertinente enquadramento jurídico francês.

Nesta parte carece de razão o Recorrente.

Passemos agora à decisão condenatória na quantia de €170.000,00.

Esta condenação foi decretada a título de prestação destinada a compensar a disparidade que a rutura do casamento criou nas condições de vida da ora Recorrida, nos termos do art. 270º e seguintes do Código Civil Francês.

Trata-se de uma prestação que não tem correspondência formal e exata no direito português. Não assenta na culpa mas na equidade, tendo o propósito de garantir uma independência material aos cônjuges após o termo do casamento.

Porém, na medida em que visa assegurar condições de vida material ao ex-cônjuge e, nessa base, prover necessariamente à sua manutenção futura, e na medida em que é determinada em função das necessidades e possibilidades dos cônjuges (art. 271º), e ainda na medida em que para essa determinação são levados em conta circunstâncias similares às que estavam indicadas no nº 3 do art. 2016º do Código Civil Português (idem, art. 271º), não deixa de ter bastante semelhança com a obrigação, prevista na lei portuguesa, de prestação de alimentos ao ex-cônjuge (art.s 2003º, nº 1 e 2009º, nº 1, alínea a) do CCivil).

Face à lei portuguesa o ex-cônjuge só teria normalmente direito a uma tal prestação de alimentos se não tivesse culpa no divórcio ou não tivesse a maior culpa (art. 2016º, nº 1, alínea a) do CCivil), e sempre desde que estivesse necessitado de alimentos, ou seja, carecido do necessário ao seu sustento, habitação e vestuário (medido, segundo certa teoria que fez carreira, e entretanto proscrita, pelo padrão de vida existente no casamento). O quantum dessa prestação seria estabelecido com respeito pelo binómio necessidade do ex-cônjuge alimentando - possibilidades do ex-cônjuge devedor (art. 2004º), binómio esse que era depois refinado no nº 3 do citado art. 2016º.

Ora, a decisão revidenda indica como factos comprovados os acima indicados, praticados pelo marido contra a mulher; da mesma forma que considera como provado que a mulher desconsiderou o marido, pondo em causa a sua honestidade aquando do propósito da compra de um veículo a crédito, afirmando perante terceiros que o preço nunca iria ser pago e que o veículo iria servir para um tráfico de droga entre França e Portugal. Donde, impõe-se concluir pela culpa de ambos os cônjuges no divórcio, mas sendo a culpa do marido consideravelmente superior (como, aliás, não deixa de se concluir na decisão revidenda, aí onde se reporta à culpa do marido como “bastante preponderante”).

Daqui que, face à lei portuguesa (art. 1787º do CCivil), o marido seria declarado o principal culpado e, como tal, elegível para prestar alimentos à ex-mulher.

De outro lado, a decisão revidenda tem como provado (pelo menos, refere que a mulher apresentou as “devidas provas”) que o cônjuge marido era dono de quotas (ainda que as tenha doado) num fundo de comércio avaliado em €750.000,00; e que, cessada a atividade da sociedade, realizou um contrato de arrendamento e gerência, mediante uma renda mensal de €2.500,00, paga diretamente a ele. Assim, abstraindo de outros factos, significativos, porventura, de maiores recursos e posses do cônjuge marido, mas que o acórdão revidendo simplesmente indica serem resultado de alegações ou declarações do cônjuge mulher (e que não são apresentados como provados, isto se bem se entende o acórdão), podemos concluir que o cônjuge marido sempre teria possibilidades de prestar alimentos ao ex-cônjuge.

Estaria assim cumprida a primeira parte do supra referido binómio.

Mas, que dizer da necessidade de alimentos do ex-cônjuge mulher?

Nenhum facto se colhe no acórdão revidendo que signifique, com suficiente concludência, uma efetiva necessidade de alimentos. Pelo contrário, o acórdão indica até que o cônjuge mulher explorava um estabelecimento comercial (“Le ...”), o qual certamente geraria rendimentos (no acórdão fala-se no “revenue” de €6.356,00 em 2003, €5.989,00 em 200 e €6.340,00 em 2005, mas não resulta muito claro se se está a referir a rendimento da exploração do estabelecimento ou se se está a referir ao montante de endividamento dessa exploração). O que, em princípio, sugere que não estava carecida de alimentos. Entretanto, a circunstância do cônjuge mulher fazer descontos para a sua reforma apenas desde 1994 ou a circunstância de não ter podido constituir poupanças (factos estes também indicados no acórdão), em nada contendem com a pressuposta desnecessidade de alimentos.

Porém, dado que o acórdão fala em endividamento da exploração, poder-se-á porventura dizer que, na prática, o cônjuge mulher estava em situação de privação de uma real fonte de rendimento. A ser assim, estaria adequado o estabelecimento de uma prestação de alimentos de €500,00, que teria de ser havida, dentro da normalidade, como suficiente e condigna (atente-se em que a remuneração mínima mensal garantida na lei portuguesa para o ano de 2007 era de €403,00).

Prestação que seria paga numa base mensal (art. 2005º, nº 1 do CCivil) e que, dentro da normalidade das coisas (os alimentos ao ex-cônjuge não podiam ser visto, por regra, como um direito vitalício, senão apenas como uma prestação transitória[8], sendo que o alimentando tinha o dever de porfiar por meios que garantissem o seu próprio sustento, e não o direito de parasitar ad aeternum), estaria destinada a ser cancelada ou diminuída no futuro (v., a propósito, o art. 2012º do CCivil).

Já ao invés, a prestação estabelecida no acórdão revidendo é única (estabelecida a forfait), exigível no imediato e pela totalidade, definitiva (inalterável e não passível de cessação) e de elevado montante.

Sendo assim, como é, salta à evidência que se tivesse sido aplicado o direito material português aos factos provados, o resultado da ação teria sido mais favorável ao ora Recorrente. Pois que ou não teria sido condenado a prestar alimentos à ex-mulher, por não se mostrar a necessidade deles, ou, no limite, teria sido condenado numa obrigação momentaneamente muito menos gravosa: €500,00 por mês, contra uma obrigação imediata de €170.000,00. Obrigação essa de €500,00 que só ao cabo de muitíssimos anos (quase trinta!) atingiria o elevado montante da obrigação estabelecida no acórdão revidendo.

Nesta parte merece, pois, provimento o recurso.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcialmente a revista, e assim:

- É revogado o acórdão recorrido na parte em que confirmou o acórdão revidendo quanto à decisão condenatória de €170.000,00. Nesta parte é o pedido da Autora julgado improcedente (recusada a confirmação).

- É o acórdão recorrido confirmado na parte em que confirmou o acórdão revidendo relativamente às decisões condenatórias de €10.000,00 e de €8.000,00.

Regime de custas:

Custas do presente recurso e da instância recorrida por Autora e Réu, na proporção de 90,43% para a Autora e de 9,57% para o Réu.

                                                           ++

 

Sumário:

                                                           ++

Lisboa, 24 de Abril de 2018

José Rainho

Graça Amaral

Henrique Araújo

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[1] “…dans toutes les instances, le juge condamne la partie tenue aux dépens ou, à défaut, la partie perdante, à payer à l'autre partie la somme qu'il détermine, au titre des frais exposés et non compris dans les dépens. Le juge tient compte de l'équité ou de la situation économique de la partie condamnée. Il peut, même d'office, pour des raisons tirées des mêmes considérations, dire qu'il n'y a pas lieu à cette condamnation.” Texto (francês) acedido em https://www.legifrance.gouv.fr
[2] Na versão vigente à data de 1991, que foi a versão aplicada pelo acórdão revidendo, tal norma prescrevia o seguinte: “Sauf lorsqu'il est prononcé en raison de la rupture de la vie commune, le divorce met fin au devoir de secours prévu par l'article 212 du code civil ; mais l'un des époux peut être tenu de verser à l'autre une prestation destinée à compenser, autant qu'il est possible, la disparité que la rupture du mariage crée dans les conditions de vie respectives.” (Exceto quando é pronunciado por causa da rutura da vida comum, o divórcio põe fim ao dever de assistência previsto no artigo 212 do código civil; mas um dos cônjuges pode ser obrigado a pagar ao outro uma prestação destinada a compensar, na medida do possível, a disparidade que a rutura do casamento cria nas respetivas condições de vida). Texto (francês) acedido em https://www.legifrance.gouv.fr
[3] Esta norma prescrevia o seguinte: “Tout fait quelconque de l'homme, qui cause à autrui un dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé à le réparer”. (Numa tradução adaptada, isto significa que qualquer fato culposo que causa dano a outrem, obriga o seu autor à respetiva reparação). Texto (francês) acedido em https://www.legifrance.gouv.fr
[4] Como ensina Ferrer Correia (Lições de Direito Internacional Privado, 1973, p. 566  “…a o.p. internacional – rectius: o juízo pelo qual se exprime a oposição aos princípios de o. p. de certo resultado que se imagina  - é função de concepções (…) que hão-de vigorar na própria ocasião do julgamento: esta característica da actualidade da o. p. internacional é admitida pela doutrina quase de modo pacífico. Na verdade, tal característica deduz-se da própria noção de ordem pública: se por ela se trata de defender valores precípuos do direito nacional, não se compreenderia que o juiz fosse autorizado a pôr em xeque a justiça do DIP em nome de concepções já abandonadas e peremptas; como, ao invés, se compreenderia mal que não estivesse em sua mão fazê-lo se a situação sub judice, inócua ao tempo da sua constituição, se encontra agora, à dará do reconhecimento, em manifesta contradição com princípios essenciais do ordenamento do foro”.
[5] Por si e, em parte, por remissão do art. 55º (v. a propósito Batista Machado, ob. cit., pp. 404 e 418).
[6] A menção que o acórdão recorrido faz à lição de Ferrer Correia não tem pertinência ao caso, pois que não se está aqui a decidir sobre matéria relativa à ordem pública internacional do Estado Português (que é do que está a tratar o dito autor).
[7] Apenas os danos não patrimoniais provenientes do divórcio, e não também os danos morais causados pelos factos suscetíveis de levar ao divórcio, podiam ser pedidos na ação de divórcio (art. 1792º do CCivil).
[8] V. Diogo Leite de Campo e Mónica Campos, Lições de Direito da Família, 3ª ed., p. 356.