Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7459/16.2T8LSB.L1.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR
DECLARAÇÃO INEXATA
RISCO
DEVER DE DECLARAÇÃO
CLÁUSULA DE AGRAVAMENTO DE RESPONSABILIDADE
QUESTIONÁRIO
DEVER DE INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O cumprimento do dever de declaração inicial de risco (art. 24.º, n.º 1, Regime Jurídico do Contrato de Seguro: «O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.») insere-se num sistema vinculado de declaração pré-contratual (como regra, espontânea) de circunstâncias, geralmente (mas não obrigatoriamente) a inscrever em questionário “aberto” submetido para preenchimento (v. art. 24.º, n.º 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro), a fim da correspondente apreciação do risco pelo segurador, a cargo do tomador do seguro e/ou segurado, tendo em vista a decisão de contratar por parte do segurador (em especial, o cálculo do prémio correspondente àquela apólice (o “preço” fixado para a cobertura prevista) e dos termos contratuais, especialmente as cláusulas especiais a convencionar com o tomador do seguro (por ex., exclusões de cobertura, franquias, etc).
II - Em complemento e válvula de segurança, o art. 24.º, n.º 4, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro («O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.») prescreve um dever de informação a cargo do segurador como um mecanismo (ainda por cima sob cominação de responsabilidade civil por incumprimento) que se instrumentaliza, num contexto de boa fé colaborativa das partes, em favor do esclarecimento completo e exacto previsto no n.º 1 do art. 24.º e, ademais, como um expediente ao serviço da superação de situações em que o risco percepcionado pelo segurador pode ser mesmo distinto do risco real. Não sendo cumprido, faz surgir um perigo de omissão e inexactidão na declaração inicial de risco (em particular perante um tomador de seguro ou segurado negligentes) que corre por conta do segurador.
III - As circunstâncias (pelo menos) desconhecidas (e, por isso, omitidas ou “reticentes”) sem dolo ou negligência e as omissões e inexactidões irrelevantes ou indiferentes (na visão do segurador) para a determinação do risco (assistidos pelos nexos causais respectivos) não atingem a validade (art. 25.º) nem o conteúdo e vigência do contrato de seguro (art. 26.º).
IV - Atendendo aos factores de risco a sindicar pelo segurador num seguro Directors & Officers’ Insurance / Directors & Officers’ Liability Insurance (seguro de responsabilidade civil dos administradores de sociedades: art. 396.º, n.º 2, do CSC), e seus coligados seguros “de excesso”, deve entender-se que (na segmentação do art. 24.º, n.º 1, quanto ao dever genérico de informação na fase negocial) relevam: (i) não só as circunstâncias efectivamente conhecidas, mas ainda, atentos o risco a cobrir neste seguro e a qualidade do segurado (administrador ao qual se exige que venha a actuar como «criterioso e ordenado») (art. 64.º, n.º 1, al. a), do CSC), e/ou cognoscíveis, isto é, aquelas que, podendo ou devendo conhecê-las de acordo com um dever de cuidado, foram ignoradas por actuação grosseiramente negligente (desconhecidas mas que razoavelmente se deveria conhecer: desconhecimento culposo) ou demonstrando “ignorância intencional”, desde que não sejam de considerar como «circunstâncias conhecidas pelo segurador, em especial quando são públicas e notórias» (art. 24.º, n.º 3, al. e), do Regime Jurídico do Contrato de Seguro); (ii) as circunstâncias significativas ou relevantes na perspectiva da apreciação do risco pelo segurador e subsequente tomada de decisão do segurador, seja quanto à sociedade, seja quanto ao risco pessoal dos administradores segurados, assente num padrão objectivo e abstracto de normalidade, aferido de acordo com a capacidade de discernimento e indagação de um declarante dotado da diligência média (homem correspondente ao bonus pater familias), que se adequa a figurar a essencialidade para o segurador da situação de facto a declarar no caso daquela relação jurídica de seguro em concreto, em face da maior ou menor probabilidade de produção do sinistro (e da amplitude das suas consequências) e da relevância do próprio contrato.
V - Os factos objecto deste dever de esclarecimento inerente à “declaração inicial de risco” devem ser anteriores ou contemporâneos da data da conclusão do contrato, pois só relativamente a esse arco temporal relativo à formação do contrato - findo com a perfeição, com aceitação, expressa ou tácita, da proposta contratual do tomador pelo segurador: arts. 224.º do CC; 27.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro) - se exige a referida diligência informativa de um tomador de seguro/segurado candidato(s) à subscrição do seguro.
VI - Não subsiste uma equivalência - ou uma busca de equivalência - entre o “risco real” e o risco percepcionado e assumido pelo segurador em função do que lhe é dado a conhecer, nomeadamente por força da declaração do tomador do seguro/segurado, justamente vinculados por a eles pertencer um conhecimento mais directo e exacto desse risco, colocando-se sobre o segurador um risco sobre o risco: o de inexactidão ou não correspondência da informação recebida para a sua avaliação.
VII - O regime de avaliação inicial do risco no iter formativo do contrato não está submetido a uma garantia do segurador em obter toda a informação factual e toda a informação que pudesse ser relevante para a avaliação do risco, cabendo ao segurador activar mecanismos sucedâneos de inspecção do risco e obtenção de informação, a fim de garantir uma aceitação esclarecida da proposta.
VIII - As informações relevantes que venham ao conhecimento do tomador do seguro e/ou do segurado, após a conclusão do contrato, ou qualquer agravamento posterior das condições do risco, não estão abrangidos pelo dever pré-contratual de descrição do risco, antes são objecto de um dever contratual de comunicação em sede de execução do contrato, relativas a circunstâncias abrangidas pelo agravamento do risco, contempladas, em nome do reequilíbrio contratual entre o prémio pago pelo segurado e a probabilidade de prestação pelo segurador, pelo regime dos arts. 91.º e 93.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (alteração superveniente das circunstâncias contemporâneas do contrato de seguro e do risco coberto).
IX - Se o proponente e/ou o segurador conhecer determinados factos, mas não os tiver razoavelmente por significativos para a apreciação do risco pelo segurador e não os informar a este, por não considerar que o conhecimento atempado dos mesmos levaria a que o segurador não contratasse, ou haveria de contratar em condições diversas, de acordo com a bitola de diligência imputável a um proponente abstracto colocado na posição do proponente e do segurado concretos, não há incumprimento do dever de declaração (não há uma acção anti-jurídica e uma conduta de má fé dos tomadores proponentes do seguro e do segurado) e não é de averiguar dolo na omissão informativa (e sindicação do art. 25.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro), porque não estamos perante omissão censurável.
X - Este (in)cumprimento não pode ser definido a posteriori e em razão de circunstâncias ulteriores e/ou da ocorrência de sinistros hipotéticos a que se refere a cobertura do seguro, nomeadamente se não há fundamento para um juízo de prognose ou inferência ou se não se prove que havia na fase pré-conclusão do contrato um grau elevado de probabilidade de verificação de tais circunstâncias e sinistros.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S1

Revista: Tribunal recorrido – Relação de Lisboa, 2.ª Secção

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. AA intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra «Zurich Insurance plc UK Branch», com sede no Reino Unido, «HCC International Insurance Company Plc» – Sucursal en España», «ANV Global Services Ltd», com sede em Espanha, «Berkley Professional Liability UK Limited», com sede no Reino Unido, «Berkshire Hathaway International Insurance Limited», com sede no Reino Unido, «Allianz Global Corporate & Speciality AG – Sucursal en España», «Lloyd’s Syndicate Navigators 1221 (Navigators Underwriting Agency Ltd)», com sede no Reino Unido, e «Argo Global SE», com sede em Malta, pedindo a condenação das Rés no pagamento da quantia de € 71.340,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, desde a citação para a presente acção e até integral e efectivo pagamento.

Alegou que a Ré Zurich celebrou, no dia 21 de Dezembro de 2013, um contrato de seguro de responsabilidade civil de administradores, directores e sociedade em que são tomadores a «Espírito Santo Finantial Group, S.A.» (doravante, «ESFG») e a «Banco Espírito Santo, S.A.» (doravante, «BES») tendo como segurados, entre outros, os respectivos administradores, o que inclui o Autor; o capital seguro é de dez milhões de euros; foram celebradas apólices adicionais subscritas pelas restantes Rés, sendo que a «AON, UK Limited» exerceu no âmbito daqueles contratos a função de corretora; o Autor foi membro do conselho de administração do BES e membro da sua comissão executiva estando abrangido pelas apólices; foram comunicadas à AON (corretora) circunstâncias relevantes então conhecidas no que diz respeito à situação financeira da «Espírito Santo International S.A.» e de outras sociedades do grupo, nomeadamente decorrente do facto de ter sido pedida por essas sociedades protecção de credores e gestão controlada; foram de igual modo comunicadas circunstâncias relativas à «Banco Espírito Santo Angola, S.A.»; foi comunicada à corretora a possibilidade de virem a existir processos contra o Autor; foi comunicada a constituição do Autor como arguido em dois processos contra-ordenacionais movidos pelo Banco de Portugal e a sua constituição como Réu em duas acções de natureza cível; foi apresentada a nota de honorários a advogados no âmbito desses processos; a Ré não procedeu a tal pagamento a que estava obrigada por força do contrato de seguro.

O valor peticionado foi assim discriminado: € 67.650,00 (IVA incluído) referentes a processos de contra-ordenação; € 3.690,00 referentes ao processo cível n.º 763/15.....

2. Citadas, apresentaram Contestação as Rés Zurich, ANV, Berkley, Berkshire, Lloyds e Argo, pedindo que fosse julgada procedente a excepção de incompetência deste tribunal por preterição do tribunal arbitral; caso assim não se entendesse, consideraram que fosse julgada procedente a excepção de anulação do contrato de seguro por violação dolosa do dever de declaração de risco; caso assim não se entendesse, fosse julgada procedente a excepção de anulação do contrato por violação do dever de comunicação do agravamento de risco; caso assim não se entendesse, fosse julgada procedente a excepção de aplicação das regras da pluralidade de seguros; caso assim não se entendesse, fosse julgada procedente a excepção de subsidiariedade das coberturas adicionais de excesso; caso assim não se entendesse, fosse julgada procedente a excepção de cumprimento das regras de rateio; caso assim se não entendesse, deveria a acção ser julgada improcedente por não provada.

Também a Ré HCC apresentou Contestação, alegando a sua ilegitimidade passiva e falta de cobertura da apólice e a incompetência do tribunal por preterição do tribunal arbitral, concluindo com a improcedência da acção.

O Autor respondeu por escrito à matéria das excepções mediante articulado de Resposta, pronunciando-se pela sua improcedência, alegando que: o Autor não é parte do contrato (apenas beneficiário), nem elaborou a Proposta de seguro, pelo que não lhe podem ser imputadas alegações de omissão dolosa de prestação de informação a respeito da proposta; foram efectuadas, tanto pela «BES» como pelo Autor, comunicações à corretora «AON» e algumas também às próprias Rés, de acordo com o contratado (cf. cláusula 10.1), designadamente em 25 de julho de 2014 e em 19 de novembro de 2014; foram as Rés alertadas, em 12-03-2015, para o facto de o Autor ter sido constituído arguido num processo instaurado pelo Banco de Portugal e, em 05-11-2015, para a constituição do Autor como arguido num outro processo do Banco de Portugal; existe um contrato de seguro com a Tranquilidade que não cobre custos de defesa em processos contraordenacionais, mas apenas em ações cíveis, tendo sido esgotado o montante máximo garantido de € 50.000 atinente a custos de defesa, pelo que apenas foi peticionado, na presente ação, o montante remanescente de € 3.690 (que excedia aquele sublimite).

4. Por despacho de 24/2/2017, foi decidido indeferir a nulidade da citação da Ré Allianz Global Corporate.

5. Foi realizada audiência prévia em 24/5/2017.

6. Foi proferido despacho saneador em 2/10/2017, no qual foi decidida a excepção de preterição do tribunal arbitral, tendo sido declarada a competência do tribunal de 1.ª instância (decisão da qual foram interpostos recursos de apelação pelas Rés, julgados improcedentes por acórdão do TRL proferido em 7/3/2019), assim como a excepção de ilegitimidade processual da Ré HCC, tendo sido decidido considerá-la como parte legítima.

Foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Foi fixado o valor da causa em € 71.340,00.

7. Prosseguida a instância e realizada audiência de discussão e julgamento em várias sessões, o Juiz ... do Juízo Central Cível de Lisboa (Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa) proferiu sentença em 1/4/2019, julgando a acção procedente por provada e decidindo condenar a Ré Zurich no “pagamento ao A. da quantia de € 71.340,00[,] acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor para os juros civis, desde a citação para a presente acção e até integral e efectivo pagamento[,] sendo que as restantes RR. são condenadas a satisfazer tal quantia apenas excutido o capital seguro da apólice da Ré Zurich (apólice principal)”.

8. Inconformadas, a «HCC International Insurance Company Plc – Sucursal en España» (1.ª Apelante) e as «Zurich Insurance Plc UK Branch», «ANV Global Services Ltd», «Berkley Professional Liability UK Limited», «Berkshire Hathaway International Insurance Limited», «Lloyd’s Syndicate Navigators 1221 (Navigators Underwriting Agency Ltd)», «Argo Global SE» e «Allianz Global Corporate & Speciality AG – Sucursal en España» (2.as Apelantes) interpuseram recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).

Foi proferido acórdão em 20/2/2020, no qual, depois de, quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, se modificar os factos provados 67., 81., 95. e aditar os factos provados 56.-A), 56.-B), 56.-C), 81.-A) e 101.-A) (com eliminação dos factos não provados 2. e 6. e a restrição dos factos não provados 8. e 9.), se julgou conceder parcial provimento aos (dois) recursos interpostos pelas Rés (1.ª e 2.as Apelantes) e, em consequência: “a) Revogar (parcialmente) a sentença recorrida, na parte em que condenou as Rés a pagarem ao Autor a quantia de 15.000 € acrescida dos respetivos IVA e juros de mora, confirmando-a quanto ao mais, julgando-se, assim, em substituição, parcialmente procedente a ação, condenando a Ré Zurich Insurance Plc Uk e as demais Rés/Apelantes (seguradoras de excesso) – estas últimas apenas excutido o capital seguro da apólice principal – no pagamento ao Autor da quantia de 52.890,00 €, acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-as (todas as Rés) do mais peticionado; b) Confirmar o despacho de 24-02-2017 (que indeferiu a arguição de nulidade processual da Ré Allianz por falta de citação); c) Condenar as partes no pagamento das custas processuais, em ambas as instâncias, fixando a respetiva proporção, na ação, em 26% para o Autor e 74% para as Rés; no 1.º recurso, em 26% para o Autor-Apelado e 74% para a 1.ª Apelante, a Ré HCC; e no segundo recurso, em 21% para o Autor-Apelado, 74% para as Rés 2.as Apelantes e 5% para a Ré Allianz.”

9. Novamente sem se resignar, a Ré e Apelante «HCC International Insurance Company Plc – Sucursal en España» interpôs recurso de revista para o STJ, fundamentando-se nos arts. 671º e 674º do CPC e sustentando a arguição de nulidades do acórdão recorrido nos termos do art. 615º, 1, d) e e), do CPC, visando a revogação do acórdão no que respeita ao segmento decisório descrito no dispositivo sob a respectiva alínea a).

O Autor e Recorrido apresentou contra-alegações, sustentando a inadmissibilidade da revista em face da subsistência de “dupla conformidade” no que toca a esse segmento decisório e a improcedência dos fundamentos utilizados pela Recorrente para ter vencimento no recurso, o que reiterou quando interpelado a pronunciar-se nesta instância.

10. Por sua vez, as demais Rés e demais Apelantes (v. supra, 1. e 8.) interpuseram recurso de revista para o STJ, interposta como excepcional a título principal, tendo por base o art. 672º, 1, a), do CPC, e como normal a título subsidiário, sustentando igualmente a arguição de nulidade do acórdão recorrido nos termos do art. 615º, 1, d), do CPC, tendo em vista a revogação do acórdão recorrido também no segmento decisório impugnado e descrito sob a respectiva alínea a).

O Autor e Recorrido apresentou igualmente contra-alegações, batendo-se pela inadmissibilidade do recurso, seja na modalidade excepcional, seja na modalidade normal (novamente em face da “dupla conformidade” no segmento impugnado), assim como pela insubsistência das razões que foram alegadas pelas Recorrentes como fundamento para revogar o acórdão do TRL.

11. Em acórdão proferido em conferência pelo TRL, com data de 24/9/2020, foi julgado “indeferir a arguição das invocadas nulidades do acórdão deduzida nas alegações dos recursos de revista interpostos pelas Rés”, assim como “determinar a retificação do acórdão, no que concerne à identificação do nome próprio do Autor, de forma a que, no relatório, onde consta “BB” passe a constar “AA””.

12. Por despachos proferidos pela Senhora Juíza Desembargadora Relatora em 30/9/2020, não foi admitido o recurso de revista normal apresentado pela Ré HCC, tendo em conta o preenchimento do art. 671º, 3, do CPC, e admitido o recurso de revista excepcional apresentado pelas demais Rés Recorrentes, determinando-se a remessa dos autos ao STJ.

13. Considerando que “o conteúdo do objecto do recurso de revista, limitado à impugnação do decidido no segmento a) do dispositivo decisório do acórdão recorrido do TRL, e o seu confronto com os pressupostos de (in)admissibilidade ditados pelo art. 671º, 3, do CPC, e, nessa circunstância processual, tendo ainda a Recorrente «HCC» interposto a presente revista com fundamento na referida arguição de nulidades do acórdão recorrido (art. 615º, 1, d), e), CPC)”, vista a possibilidade de tal obstar ao conhecimento do objecto do recurso interposto pela Ré e aqui Recorrente «HCC International Insurance Company Plc – Sucursal en España», foi proferido despacho nos termos e para os efeitos previstos no art. 655º, 1, do CPC, pelo aqui Relator.

O Autor apresentou pronúncia (reiterando a inadmissibilidade legal de conhecimento do exposto pelas Rés).

14. Na sequência, foi proferido Despacho pelo aqui Relator, no qual se julgou estar o  recurso de revista interposto pela Ré «HCC International Insurance Company Plc – Sucursal en España» findo e insusceptível de ser conhecido o seu objecto, uma vez decidida, por despacho proferido pela Senhora Juíza Desembargadora Relatora, a sua não admissão, em face do preenchimento do art. 671º, 3, do CPC, e consequente extinção da instância respectiva (arts. 641º, 2, a), e 6, 643º, 1, 620º, 1, CPC).

Ademais, estando preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso ordinário (arts. 629º, 1, 631º, 1, CPC) e os requisitos especiais de admissibilidade da revista enquanto espécie (art. 671º, 1, CPC) relativamente ao recurso de revista excepcional interposto pelas Rés «Zurich Insurance Plc UK Branch», «ANV Global Services Ltd», «Berkley Professional Liability UK Limited», «Berkshire Hathaway International Insurance Limited», «Lloyd’s Syndicate Navigators 1221 (Navigators Underwriting Agency Ltd)», «Argo Global SE» e «Allianz Global Corporate & Speciality AG – Sucursal en España», o único admitido pela 2.ª instância, e assente a existência de “dupla conformidade” no dispositivo decisório julgado sob a) no acórdão recorrido, com parcial procedência favorável na condenação, e fundamentação coincidente das instâncias no que toca aos segmentos/questões de direito objecto de impugnação e de reapreciação pela Relação, foi decidido remeter os autos à Formação Especial a que alude o art. 672º, 3, do CPC, para apreciar e decidir se se verificava o pressuposto específico de admissibilidade da revista excepcional, admitido na al. a) do n.º 1 do art. 672º do CPC.

Na sequência, foi proferido Acórdão pela Formação em 22/9/2021, admitindo a revista excepcional, para apreciação do “critério de relevância das circunstâncias conhecidas, para efeitos de declaração inicial do risco, decorrente do art. 24º n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro”.

Mais tarde, no contexto de Requerimento por parte do Autor para rectificação de lapso/inexactidão (Autor), foi proferido em 29/11/20221 novo Acórdão pela Formação, que julgou indeferir o solicitado no incidente.

15. Após, vieram os Recorrentes de revista excepcional requerer e juntar aos autos (17/12/2021) Parecer elaborado por Doutor e Professor de Direito, ao abrigo do disposto no art. 651º, 2, do CPC.

O Autor pronunciou-se contra a admissão do Parecer, seja pela sua bondade em face da factualidade considerada provada e não provada nos autos, seja pela sua extemporaneidade em face do regime legal, reiterando e remetendo neste último ponto para o requerimento antes atravessado a 3/12/2021. Os Réus atravessaram então requerimento a solicitar a respectiva desconsideração (13/1/2022).

Consignados os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Objecto do recurso

1.1. De acordo com a decisão da Formação, o tema recursivo delimita-se na aplicação do regime do art. 24º, 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS: DL 72/2008, de 16 de Abril), para efeitos do dever de declaração inicial do risco quanto às circunstâncias significativas para apreciação desse risco pelo segurador, e sua conjugação com o art. 25º, 1, do mesmo RJCS, referente à anulação do contrato de seguro celebrado, com as consequências decorrentes dessa disciplina legal para a sindicação do dispositivo decisório sob a al. a) do acórdão recorrido, tendo em conta a questão recursiva da Exceção de anulação dos contratos de seguro – se os contratos foram válida e eficazmente anulados, assistindo às Rés o direito à anulação, designadamente por incumprimento da obrigação de declaração de risco” – em causa a prestação da seguradora relativa aos “custos de defesa” do Autor associados à intervenção em processos (judicial e contra-ordenacionais) enquanto administrador da «BES, S.A.» (sinistros, para o efeito) e cobertos pela garantia dos seguros em que é segurado-beneficiário.
Acessoriamente e em referência instrumental à questão recursiva, deve ainda ser discutida e apreciada a nulidade arguida pelos Recorrentes, em referência ao art. 615º, 1, c), do CPC.
Preliminarmente, importa tomar posição sobre o incidente respeitante à junção e admissão do Parecer atravessado nos autos pelos aqui Recorrentes.

1.2. Tendo em conta esta delimitação, devem ser consideradas as Conclusões I. a XIX., XXXIII. a XCVII. e CVI a CIX, a saber:

 

“I. O Meritíssimo Tribunal da Relação (“Tribunal Recorrido”) julgou parcialmente procedente a apelação das Rés, ora Recorrentes, sobre a sentença (“Sentença”) do Tribunal de Primeira Instância que as condenara a satisfazer ao Autor € 71.340,00 acrescidos de juros, revogando-a parcialmente numa das parcelas indemnizáveis e reduzindo o montante de condenação para € 52.890,00 (acrescidos dos respectivos juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento).

II. Contudo, o Tribunal Recorrido manteve a procedência da acção e, assim, a condenação das Rés Seguradoras no pagamento de custos de defesa do Autor ao abrigo dos Contratos de Seguro dos autos, decisão com a qual as ora Recorrentes não se conformam.

III. Para além de estabelecer uma situação de dupla conforme, o Acórdão Recorrido incide sobre uma questão que, pela sua relevância jurídica, suscita a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça (art. 672º, nº 1, alínea a) do CPC).

IV. Um dos fundamentos do presente recurso é o de que, atendendo aos factos provados, o Tribunal Recorrido deveria ter considerado terem existido omissões dolosas, por parte da Tomadora BES e do Autor, de circunstâncias por eles conhecidas e que razoavelmente deveriam ter tido por significativas para a apreciação do risco pelas Seguradoras, assim considerando procedente a excepção de Anulação do Contrato de Seguro.

V. Contudo, o Tribunal Recorrido entendeu que as “circunstâncias conhecidas” (pela Tomadora BES e pelo Autor) não deveriam ter sido consideradas relevantes para a apreciação do risco pelas Seguradoras, aquando da negociação/celebração dos contratos de seguro.

VI. O critério de relevância de uma circunstância é fundamental na delimitação do dever de declaração do risco (previsto no art. 24º, nº 1 do Decreto-lei nº 72/2008 de 16 de Abril, “LCS”).

VII. Trata-se de uma matéria exaustivamente debatida no Direito dos seguros.

VIII. Jurisprudencialmente, discute-se em que alicerces assenta o critério de relevância de uma circunstância (quais os “critérios de essencialidade”): i) numa perspectiva subjectiva (releva o que for relevante para um dos contraentes) ou objectiva (há um padrão abstracto de relevância); ii) acolhendo aquela, se os referidos critérios se pautam pelo juízo do segurador singular; iii) se, acolhendo a perspectiva objectiva, os referidos critérios tomam por referência a óptica do universo dos tomadores, a de um proponente abstracto enquanto “segurado razoável”; iv) ou se, pelo contrário, a do universo dos seguradores que representam o mercado.

IX. Mais: o referido artigo 24º, nº 1 LCS tem conceitos indeterminados de complexa densificação, gerando decisões desconformes baseadas nas suas divergentes interpretações: (“todas as circunstâncias que conheça”, “e razoavelmente “deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”).

X. Para uns, “razoavelmente” comporta o sentido de ser exigível ao declarante uma diligência média, por forma a figurar a essencialidade para o segurador do facto a declarar
— Cfr. Júlio Gomes, “O dever de informação do candidato a tomador na fase pré-contratual, à luz do Decreto-Lei nº 72/2008 de 16 de Abril”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Coimbra, Almedina, 2011

XI. Para outros, o juízo de relevância de um facto poderá ser (ou não) razoável mas, tratando-se apenas de uma operação mental, isto é, um juízo de facto, seria isento de um juízo de culpa
— Cfr. Luis Poças, O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro, Coimbra, Almedina, 2013

XII. Doutrinalmente, surgem tanto soluções que invocam o quadro de representações subjectivas do “proponente concreto”, como utilizam o critério da normalidade que se abstrai das características do proponente
— Cfr. Romano Martinez, “Artigo 24º - Comentários complementares”, LCS Anotada, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2011

XIII. Há uma clara dificuldade em ajuizar sobre a relevância das circunstâncias conhecidas pelo obrigado à declaração do risco (no caso, pelo Tomador BES e pelo Autor), que foi inclusivamente assumida no Acórdão Recorrido (pág. 219 - “…se dúvidas existissem quanto a este juízo (que não é fácil,”)

XIV. Por fim, tem suscitado dúvidas saber qual o sentido da restrição “circunstâncias que conheça”:

XV.       (i) se abrange apenas as circunstâncias conhecidas
— Cfr. Júlio Gomes, “O dever de informação…”, cit;

(ii) a declaração de circunstâncias desconhecidas do tomador ou segurado, mas que razoavelmente devesse conhecer;


(iii) a declaração de circunstâncias desconhecidas, cujo desconhecimento se deva a ignorância intencional;


(iv) a declaração de circunstâncias desconhecidas, cujo desconhecimento se deva a negligência grosseira
— Cfr. Romano Martinez, “artigo 24º - Comentários complementares….”, cit; e Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, Almedina, Coimbra, 2017; ou


(v) quaisquer circunstâncias que sejam susceptíveis de tornar o sinistro mais
provável ou as suas consequências mais amplas
— Cfr. Ac. do STJ de 12-07-2018, processo nº 3016/15.9T8CSC.L1.S1.

XVI. Em suma, há uma situação de dupla conforme, na medida em que o Acórdão Recorrido manteve uma condenação das Rés Seguradoras ao pagamento de custos de defesa ao abrigo dos Contratos de Seguro, através da aplicação das mesmas normas que o Tribunal de Primeira Instância; e

XVII. o Acórdão Recorrido aprecia questão de relevância jurídica pois o critério de relevância das circunstâncias conhecidas, para efeitos de declaração do risco (art. 24º, nº 1 LCS) exige uma certeza que não se compadece com as divergências jurisprudenciais e doutrinais acima citadas.

XVIII. São estas divergências jurisprudenciais e doutrinais que, qualificando este problema como tendo uma “relevância jurídica”, têm justificado a sua apreciação pelo STJ: Cfr.Ac. do STJ de 30.1.2014, processo nº 1246/10.9TJLSB.L1.S1; Ac. do STJ de 10.11.2016, processo nº 501/14.3T8PVZ.E1.S1; Ac. do STJ de 27.06.2019, processo nº 3980/17.3T8CBR-B.C1.S2.

XIX. Também o tem justificado a necessidade de densificar conceitos indeterminados da lei: Cfr. Acórdão do STA de 16.12.2009, processo nº 01206/09; Acórdão do STJ de 27.05.2010, processo nº 2303/08.7TVLSB-A.L1.S1.

(…)

5. INCORRECTA DECISÃO DE DIREITO SOBRE A EXCEPÇÃO DE ANULAÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO, ATENDENDO À MATÉRIA DE FACTO PROVADA


XXXIII. Considerando a matéria de facto provada o Meritíssimo Tribunal Recorrido incorreu em erros de interpretação e aplicação do direito aos factos sobre três matérias referentes à excepção de anulação dos contratos de seguro: 5.1. A relevância das circunstâncias conhecidas pelo Tomador BES e pelo Autor; 5.2. As omissões dolosas por parte do Tomador ESFG e BES; e 5.3. As omissões dolosas por parte do Autor.


5.1.1 Introdução

XXXIV. As seis circunstâncias conhecidas pelo Tomador BES e pelo Autor, analisadas pelo Tribunal Recorrido e sobre as quais o mesmo entendeu que nenhuma deveria ter sido considerada relevante e, assim, declarada à data da celebração dos Contratos de Seguro (págs. 218-219 e 220-221 do Acórdão Recorrido), foram as seguintes:

Primeira Circunstância:

 “(…) colocação por esta instituição bancária, na qualidade de intermediária financeira, junto dos seus clientes, de dívida (papel comercial) da ESI, a partir de setembro de 2013, suspensa em 04-12-2013”;


Segunda Circunstância:


(…) existência de irregularidades nas contas da ESI, conhecida em 04-12-2013”;


Terceira Circunstância:


(…) determinação pelo Banco de Portugal, em 03-12-2013, de medidas a
implementar pelo grupo ESFG como barreira de proteção (ring-fencing) face aos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES”;


Quarta Circunstância:


(…) em abstrato, poder vir a existir um risco reputacional para o BES”


Quinta Circunstância


(…) as Rés a negociarem com as Tomadoras dos seguros alterações ao clausulado (em 18 de março de 2014, 8 de abril de 2014, 20 de maio de 2014, 9 de junho de 2014 e 9 de julho de 2014) e a apresentarem ao BES, através da AON, uma proposta de aumento de capital seguro para 150 milhões de euros (no dia 15 de abril de 2014).”


Sexta Circunstância


“Lembramos, por fim, o clausulado no contrato a respeito da “Não Anulação da Apólice para pessoas Seguras: A Seguradora mais convenciona que não procurará anular nem invalidar a presente Apólice ou alguma parte cindível da presente Apólice quanto à cobertura ao abrigo da Apólice para uma Pessoa Segura que não tenha feito falsas declarações ou não tenha conhecimento de afirmações dolosas ou falsas ou omissões a respeito da Proposta.”


5.1.2 Os Factos Provados

XXXV. Revisando a matéria de facto provada que consta dos arestos proferidos (pp. 167 e ss do Acórdão Recorrido, e pp. 24 e ss da Sentença), as referidas circunstâncias correspondem aos seguintes factos: ponto 9, ponto 10, ponto 11, ponto 12, ponto 14, ponto 18, ponto 22, ponto 51, ponto 55, ponto 56, ponto 56.-A), ponto 56.-B), ponto 56.-C), ponto 57, ponto 64, ponto 66, ponto 75, ponto 76, ponto 77, ponto 78, ponto 79, ponto 81, ponto 81.-A), ponto 83, ponto 84, ponto 89, ponto 90, ponto 91, ponto 92, ponto 95, ponto 96, ponto 97, ponto 98, ponto 99, ponto 100, ponto 101.

XXXVI. O Acórdão Recorrido (pág. 218) reconhece que o Tomador BES e o Autor conheciam todas estas circunstâncias, ao referir que: “…o que efetivamente se provou ser do conhecimento do BES (e até do Autor), à data da negociação/celebração dos contratos de seguro em apreço apenas se perfilam as circunstâncias atinentes à colocação por esta instituição bancária, na qualidade de intermediária financeira, junto dos seus clientes, de dívida (papel comercial) da ESI, a partir de setembro de 2013, suspensa em 04-12-2013; à determinação pelo Banco de Portugal, em 03-12-2013, de medidas a implementar pelo grupo ESFG como barreira de proteção (ring-fencing) face aos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES; e à existência de irregularidades nas contas da ESI, conhecida em 04-12-2013.


5.1.3 O Direito


XXXVII. Analisemos os elementos constitutivos deste dever/obrigação do tomador e do segurado para com o segurador estabelecidos pelo artigo 24º da LCS: 1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador; 2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.


A declaração deve compreender as “circunstâncias significativas” para a apreciação
do risco

XXXVIII. A apreciação do risco corresponde à actividade de calcular – com base nas circunstâncias conhecidas e métodos estatísticos – a probabilidade de ocorrência do evento que desencadeia a cobertura da apólice.


XXXIX. Quanto às circunstâncias, aquelas que devem ser declaradas tratam-se dos factos actuais ou passados relativos ao segurado ou ao objecto do seguro, e que permitem ao segurador apreciar o risco.

XL. As circunstâncias significativas serão todas aquelas que puderem ter influência no cálculo probabilístico da possibilidade de o evento coberto pela apólice vir a ocorrer ou não, e não apenas as que façam prever que o evento seguro vai efectivamente ocorrer – i.e. que o sinistro vai ocorrer.


A declaração deve compreender “todas” as circunstâncias

XLI. A declaração do risco obriga o proponente a comunicar as próprias inferências que desses factos se devem extrair, abrangendo quaisquer informações possuídas, desde que relevantes, e mesmo os próprios rumores, quando minimamente fundamentados.

XLII. Com estas premissas, vejamos em pormenor cada uma das Circunstâncias analisadas pelo Tribunal Recorrido.


5.1.4 As Circunstâncias


Primeira Circunstância

XLIII. Relativamente à Primeira Circunstância – conhecimento pelo Tomador BES e pelo Autor da colocação de dívida (papel comercial) da ESI junto dos seus clientes, a partir de Setembro de 2013, e suspensa em 4 de Dezembro de 2013 –, o Tribunal Recorrido (pag. 219) desvaloriza esta circunstância para efeitos de declaração do risco, com a presunção de que a situação financeira da ESI podia ser recuperável.

XLIV. Contudo, o meritíssimo Tribunal Recorrido incorre num erro de raciocínio, pois não é este, nem a viabilidade económica, financeira ou de falência da ESI, BES ou da ESFG o risco garantido pelos Contratos de Seguro dos autos.

XLV. O risco garantido pelos Contratos de Seguro dos autos é a possibilidade de pagamento a terceiros de indemnizações decorrentes de reclamações – fossem civis, penais, administrativas ou regulatórias – de responsabilidade civil por actos incorrectos praticados pelos segurados, bem como a possibilidade de estes virem a ter de despender fundos para se defender delas, ou seja, o reembolso de custos de defesa suportados pelos segurados (pontos 9, 10, 11, 12, 14, 18, 75, 81, 81.-A, 89, 90, 91, 92, 95, 100 dos Factos Provados).

XLVI. O BES havia colocado um ciclópico valor de dívida da ESI junto dos seus clientes o que gerava não só um risco reputacional (ponto 51, 55, 56.-A, 57, 64, 75, 76, 77, 79, 81.-A dos factos provados), como a situação de falência técnica da ESI gerava também o risco de poder vir a não ter capacidade para reembolsar o crédito contraído directamente junto do BES (ponto 51, 55, 57, 64, 66 e 77 dos Factos Provados).

XLVII. Não só o Autor aceitou a possibilidade de surgirem “Reclamações” contra si (ponto 75 dos Factos Provados), como o risco reputacional é assumido pelo Acórdão Recorrido (p. 219), razão pela qual ficaram os administradores do BES apreensivos quando o souberam (ponto 77 dos Factos Provados) e conscientes da gravidade da situação (ponto 66 e 79 dos Factos Provados).

XLVIII. Só estas circunstâncias geravam imediatamente a possibilidade abstracta de o banco e os seus administradores virem a ser (“pelo menos”) investigados da infracção de normas regulatórias, e de delas terem de se defender (pontos 18, 75, 81, 81.-A, 84, 89, 90, 91 e 92 dos factos provados).

XLIX. Só o facto de haver uma medida para “solucionar” e para levar a cabo (de que se fala no Acórdão Recorrido, e referente ao ponto 57 dos Factos Provados), significava que havia uma situação negativa que havia que “solucionar”, ou seja, havia efectivamente um problema, de enormíssima dimensão (pontos 77, 78 e 79 dos Factos Provados) para resolver.

L. Pelo que esta Primeira Circunstância era assim importante para as Rés seguradoras calcularem as probabilidades de os eventos cobertos virem a ocorrer e, desse modo, tomarem a decisão sobre a aceitação ou não desse risco (ponto 99 dos factos provados).

LI. Tanto assim é, que o certo é que por força da aludida circunstância (colocação de dívida da ESI pelo BES) ocorrida até à celebração dos contratos de seguro, poucos meses mais tarde veio o Autor a receber várias Reclamações para efeitos destes contratos, que se materializaram em processos de contra-ordenação e processos judiciais (ponto 81, 81.-A), 84, 89, 90, 91, 92 dos factos provados).

LII. Sendo a apreciação do risco baseada num cálculo probabilístico/estatístico, as circunstâncias significativas para essa apreciação são todas as que possam ter repercussão nesse cálculo, pelo que não poderia o Tribunal Recorrido considerar que apenas “se a situação financeira da ESI prenunciasse que poderia não vir a pagar a dívida comercializada” é que “um tal risco apenas se concretizaria e razoavelmente deveria ser tido por significativo para a apreciação pelas Seguradoras”.

LIII. Ao desvalorizar a importância desta Primeira Circunstância conhecida pelo Tomador BES e pelo Autor para efeitos de declaração inicial do risco, o Acórdão Recorrido violou, assim, a lei substantiva (artigo 1º e artigo 24º, nº 1 da LCS).

LIV. Deve assim o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, reconhecendo a validade e eficácia da anulação dos contratos de seguro ao abrigo das citadas disposições legais, julgue procedente por provada essa excepção de anulação do contrato de seguro por violação do dever de declaração de risco, assim absolvendo as Apelantes do pedido.


Segunda Circunstância

LV. Relativamente à Segunda Circunstância – irregularidades nas contas da ESI, conhecidas a 04-12-2013 – o Tribunal Recorrido (pág. 219) novamente desvaloriza esta circunstância para efeitos de declaração do risco, com a presunção de que a situação financeira da ESI podia ser recuperável.

LVI. Uma vez mais se refira que tal não é correcto uma vez que as seguradoras não cobriam o risco da viabilidade económica financeira ou de falência da ESI, nem mesmo do BES ou da ESFG (pontos 9, 10, 11, 12, 14, 18, 75, 81, 81.-A, 89, 90, 91, 92, 95, 100 dos Factos Provados), mas sim o cálculo das probabilidades de virem a ser deduzidas reclamações contra os administradores das tomadoras e de estes virem a ter de despender fundos para se defender delas (ponto 9, 10, 11, 12, 14 , 18, 75, 89, 90, 91, 92 e 95 dos Factos Provados).

LVII. Sendo a apreciação do risco baseada num cálculo probabilístico/estatístico, as circunstâncias significativas para essa apreciação são todas as que possam ter repercussão nesse cálculo e não apenas as que façam prever que o sinistro vai ocorrer.

LVIII. Ao desvalorizar a importância desta Segunda Circunstância conhecida pelo Tomador BES e pelo Autor para efeitos de declaração inicial do risco, o Acórdão Recorrido violou, assim, a lei substantiva (artigo 1º e artigo 24º, nº 1 da LCS).

LIX. Deve assim o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, reconhecendo a validade e eficácia da anulação dos contratos de seguro ao abrigo das citadas disposições legais, julgue procedente por provada essa excepção de anulação do contrato de seguro por violação do dever de declaração de risco, assim absolvendo as Apelantes do pedido.


Terceira Circunstância

LX. Relativamente à Terceira Circunstância – o conhecimento pelo Tomador BES e pelo Autor da determinação pelo Banco de Portugal, em 03-12-2013, de medidas a implementar pelo grupo ESFG como barreira de protecção (ring-fencing) face aos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES – o Tribunal Recorrido (págs. 218-219) desvaloriza-a para efeitos de declaração do risco, atendendo ao contexto fáctico em que essa determinação foi adoptada (pontos 51, 52, 53 e 54 dos Factos Provados).

LXI. Sucede que, existem dois elementos a que o Tribunal Recorrido teria de ter atendido:

LXII. (i) a referida determinação do Banco de Portugal teve em vista proteger (“ring-fencing”) o ramo financeiro do GES (incluindo o BES) dos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES, associados à comercialização da dívida da ESI, atendendo à sua exposição face a esta; nessa medida, no dia seguinte à referida determinação foi então decidido pela Comissão Executiva do BES suspender a comercialização do papel comercial (ponto 57, 76 e 77 dos Factos Provados);


LXIII. Existia assim uma “exposição” bem como uma necessidade de garantir um reembolso que se pretendia assegurar, que os membros da Comissão Executiva do BES, incluindo o Autor, conheciam e que, por si só, são relevantes para efeitos do tipo de risco que vislumbram os contratos de seguro dos autos. E

LXIV. (ii) quando o Tribunal Recorrido pondera que “estava-se perante um exercício promovido pelo Banco de Portugal para os principais grupos bancários nacionais, a ESI não estava identificada como mutuária de risco, as empresas de auditoria validaram, com base na informação contabilística disponível, imparidades quase nulas”, uma vez mais confunde o “risco” para efeitos do contrato de seguro (artigos 1º, 100º e 24º da LCS) com um risco financeiro, económico ou contabilístico.

LXV. Ao desvalorizar a importância desta Terceira Circunstância conhecida pelo Tomador BES e pelo Autor para efeitos de declaração inicial do risco, o Acórdão Recorrido violou, assim, a lei substantiva (artigo 1º e artigo 24º, nº 1 da LCS).

LXVI. Deve assim o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, reconhecendo a validade e eficácia da anulação dos contratos de seguro ao abrigo das citadas disposições legais, julgue procedente por provada essa excepção de anulação do contrato de seguro por violação do dever de declaração de risco, assim absolvendo as Apelantes do pedido.


Quarta Circunstância

LXVII. Relativamente à Quarta Circunstância – o risco reputacional abstracto para o BES – o Tribunal Recorrido (pág. 219) desvaloriza-a para efeitos de declaração do risco, por entender que um tal risco apenas deveria ser tido por significativo para a apreciação pelas Seguradoras se se concretizasse, i.e, se “a situação financeira da ESI prenunciasse que poderia não vir a pagar a dívida comercializada”.

LXVIII. Uma vez mais o Tribunal Recorrido confunde o “risco” para efeitos do contrato de seguro (artigos 1º, 100º e 24º da LCS) com um risco financeiro, económico ou contabilístico, ou com a impossibilidade de a ESI pagar a dívida comercializada (!).

LXIX. Para efeitos do contrato de seguro, não importa se o “risco reputacional” é abstracto e não “concreto”. Aquele risco reputacional existe para o colocador de dívida (Tomador BES) pela mera comercialização de dívida de terceiros, tal como também se retira do documento nº 10 junto com a Contestação das Rés (“Relatório de conclusões WB3”).

LXX. Ao desvalorizar a importância desta Quarta Circunstância conhecida pelo Tomador BES e pelo Autor para efeitos de declaração inicial do risco, o Acórdão Recorrido violou, assim, a lei substantiva (artigo 1º e artigo 24º, nº 1 da LCS).

LXXI. Deve assim o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, reconhecendo a validade e eficácia da anulação dos contratos de seguro ao abrigo das citadas disposições legais, julgue procedente por provada essa excepção de anulação do contrato de seguro por violação do dever de declaração de risco, assim absolvendo as Apelantes do pedido.

Quinta Circunstância

LXXII. Relativamente à Quinta Circunstância – as Rés a negociarem com as Tomadoras dos seguros alterações ao clausulado (em 18 de março de 2014, 8 de abril de 2014, 20 de maio de 2014, 9 de junho de 2014 e 9 de julho de 2014) e a apresentarem ao BES, através do AON, uma proposta de aumento de capital seguro para 150 milhões de euros (no dia 15 de abril de 2014) – o Tribunal Recorrido (págs. 219 a 220) socorreu-se da mesma para ditar a irrelevância das circunstâncias supra referidas para a apreciação do risco pelas Seguradoras.

LXXIII. Por um lado, o Tribunal recorrido formula o juízo sobre a relevância de circunstâncias para os Seguradores omitadas em Dezembro de 2013 (Ponto 49 dos Factos Provados), em função de um comportamento desses mesmos Seguradores reportado a 2014, o que vai contra o disposto no artigo 24º, nº 3, alínea e) da LCS.

LXXIV. Por outro, não resulta dos factos provados que as Seguradoras sabiam da situação financeira, irregularidades nas contas da ESI ou o conhecimento do Autor e das Tomadoras de todas as circunstâncias omitidas no período invocado pelo Tribunal Recorrido – resulta, sim, que tinham conhecimento precisamente do contrário, cfr. pontos 95, 96, 97, 98, 99 e 100 dos factos provados –, razão pela qual foi feita a proposta de aumento de capital.

LXXV. Por fim, nem mesmo se a situação financeira e irregularidades nas contas da ESI bem como a exposição da ESFG a essa situação financeira fosse conhecida pelas Seguradoras em Dezembro de 2013, as Tomadoras ou o Autor estariam desonerados do dever de declarar as mesmas, tal como imposto pelo artigo 24º, nº 1 e 3 da LCS.

LXXVI. Ao desvalorizar a importância desta Quinta Circunstância conhecida pelo Tomador BES e pelo Autor para efeitos de declaração inicial do risco, o Acórdão Recorrido violou, assim, a lei substantiva (artigo 1º e artigo 24º, nº 1 e nº 3 da LCS).

LXXVII. Deve assim o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, reconhecendo a validade e eficácia da anulação dos contratos de seguro ao abrigo das citadas disposições legais, julgue procedente por provada essa excepção de anulação do contrato de seguro por violação do dever de declaração de risco, assim absolvendo as Apelantes do pedido.


Sexta Circunstância

LXXVIII. Relativamente à Sexta Circunstância – o clausulado no contrato a respeito da “Não Anulação da Apólice para pessoas Seguras: A Seguradora mais convenciona que não procurará anular nem invalidar a presente Apólice ou alguma parte cindível da presente Apólice quanto à cobertura ao abrigo da Apólice para uma Pessoa Segura que não tenha feito falsas declarações ou não tenha conhecimento de afirmações dolosas ou falsas ou omissões a respeito da Proposta – o Tribunal Recorrido (págs. 220 a 221) socorreu-se da transcrição da mesma impedir a procedência da excepção de anulação invocada pelas Rés.

LXXIX. Contudo, a referida Cláusula não aplica ao caso dos autos porquanto o Autor tinha conhecimento da omissão de declaração de circunstâncias relevantes para a apreciação do risco pelas Rés seguradoras.

LXXX. Ao entender que o Autor deveria continuar a beneficiar da cobertura dos seguros, por a anulação do contrato de seguro não lhe ser oponível, o Acórdão Recorrido violou, assim, a lei substantiva (artigo 1º e artigo 24º da LCS).

LXXXI. Deve assim o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, reconhecendo a validade e eficácia da anulação dos contratos de seguro ao abrigo das citadas disposições legais, julgue procedente por provada essa excepção de anulação do contrato de seguro por violação do dever de declaração de risco, assim absolvendo as Apelantes do pedido.


5.2.      As Omissões dolosas por parte do Tomador ESFG e BES

LXXXII. Sobre a questão de saber se houve inexactidão, por parte dos Tomadores ESFG e BES, das declarações atinente à falsidade à “pergunta 7.b.” do questionário que integra a Proposta de Seguro, o Tribunal Recorrido (págs. 216 e 217) entende que não existiu um questionário respondido pelo Tomador BES.

LXXXIII. O Meritíssimo Tribunal Recorrido incorre num erro de apreciação da matéria de facto impugnada, na medida em que o ponto 49 dos factos provados foi efectivamente impugnado pelas Recorrentes em sede de apelação (Conclusão CCI.).

LXXXIV. Por outro lado, o próprio Tribunal Recorrido afirma que o referido questionário teve o “propósito de beneficiar Diretores/Administradores de outras sociedades do Grupo Espírito Santo (GES)”, razão pela qual o Tomador ESFG sabia que, perante o que é perguntado no referido formulário, tinha de reunir todos os administradores em causa para responder à referida questão.

LXXXV. Isto mesmo resulta da leitura do referido questionário que indica que a resposta deveria ser dada “depois de inquérito”, presumindo a realização de um inquérito a todas as entidades tomadoras e seguradas (incluindo as elencadas no anexo ao Questionário) cuja responsabilidade era garantida pelas apólices dos autos.

LXXXVI. Só assim faz sentido as Rés terem considerado, para efeitos de análise e cálculo do risco inerente à cobertura que se pretendia ver garantida pelos Contratos de Seguro, as demonstrações financeiras do BES e os riscos a ele associados (pontos 95, 97, 98 e 99 dos Factos Provados).

LXXXVII. Por fim, as circunstâncias devem ser declaradas em resposta a eventual questionário mas também de forma espontânea, como imposto pelos nºs 1 e 2 do artigo 24º da LCS, estando demonstrado que os contratos dos autos foram celebrados também com o Banco Espírito Santo, S.A (ponto 30 dos Factos Provados).

LXXXVIII. Ainda sobre a questão de saber se houve inexactidão, por parte dos Tomadores ESFG e BES, das declarações atinente à falsidade à “pergunta 7.b.” do questionário que integra a Proposta de Seguro, o Tribunal Recorrido (pág. 217) entende que não foi feita prova de que existia alguma pessoa consciente na ESFG, depois de inquérito interno, da verificação de circunstâncias que a pudessem levar a supor que existia fundamento para uma futura reclamação abrangida pela cobertura do seguro.

LXXXIX. Contudo, em relação ao Tomador ESFG resultou demonstrado (ponto 55 dos factos provados) que a mesma tomou conhecimento da determinação do Banco de Portugal de 3 de Dezembro de 2013 com vista a constituir uma barreira de protecção (ring-fencing) face aos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES e, portanto, que existia efectivamente pessoa consciente, depois de inquérito interno, da verificação de circunstâncias que a pudessem levar a supor que existia fundamento para uma futura reclamação abrangida pela cobertura do seguro.

XC. Em relação ao Tomador BES, relembre-se que as circunstâncias devem ser declaradas também de forma espontânea (nºs 1 e 2 do artigo 24º da LCS), e que o mesmo tinha conhecimento de circunstâncias que eram significativas para a apreciação do risco pelas Seguradoras (Pontos 56-C e 57 dos Factos Provados).

XCI. Ao restringir o alcance do preenchimento do questionário incluído na Proposta de Seguro ao Tomador ESFG, e desvalorizar a relevância do conhecimento pelo Tomador ESFG do facto contido no ponto 55 dos Factos Provados, o Acórdão Recorrido violou, assim, a lei substantiva (artigo 24º, nº 1 da LCS).

XCII. Deve assim o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, reconhecendo a validade e eficácia da anulação dos contratos de seguro ao abrigo das citadas disposições legais, julgue procedente por provada essa excepção de anulação do contrato de seguro por violação do dever de declaração de risco, assim absolvendo as Apelantes do pedido.


5.3.       As Omissões dolosas por parte do Autor

XCIII. Sobre a questão de saber se ocorreram omissões dolosas por parte do Autor, o Tribunal Recorrido entende que “não impendia sobre o Autor um dever geral de informação, como segurado, pois não teve intervenção nenhuma na celebração dos contratos de seguro”.

XCIV. A declaração de risco deve ser prestada também pela entidade cujo risco é segurado – o segurado.

XCV. Por outro lado, o Autor tinha conhecimento de circunstâncias que eram significativas para a apreciação do risco pelas Seguradoras (Pontos 56, 56-A, 56-B., 56-C., e 57 dos Factos Provados).

XCVI. Ao entender que não impendia sobre o Autor um dever geral de informação como segurado o Acórdão Recorrido violou, assim, a lei substantiva (artigo 24º, nº 1 da LCS).

XCVII. Deve assim o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, reconhecendo a validade e eficácia da anulação dos contratos de seguro ao abrigo das citadas disposições legais, julgue procedente por provada essa excepção de anulação do contrato de seguro por violação do dever de declaração de risco, assim absolvendo as Apelantes do pedido.

(…)

7. NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

CVI. Na página 76 da Sentença, primeiro parágrafo lê-se:

Com efeito, à data de tal celebração já se sabia por força da reunião de 4 de Dezembro de 2013, porém, na altura o entendimento e a convicção era de que tudo era recuperável.”

CVII. Nesta frase da Sentença quando se refere que “já se sabia” não se indica o que é que se sabia, omissão essa que torna todo o segmento obscuro uma vez que fica por descobrir o que é que o Tribunal Recorrido refere que o Autor sabia por força da reunião de 4 de Dezembro de 2013, conhecimento esse que foi, por sua vez, desconsiderado pelo mesmo como “circunstância relevante” para a apreciação do risco pelas Rés Seguradoras.

CVIII. As omissões dolosas por parte do Autor foi um dos fundamentos essenciais da excepção da anulação do contrato de seguro invocada pelas Seguradoras ora Recorrentes, e controvérsia central a dirimir no presente litígio.

CIX. Tendo as Recorrentes requerido que o referido lapso de escrita fosse suprido, e não tendo o Meritíssimo Tribunal procedido a essa rectificação, deverá a referida nulidade por omissão de pronúncia ser relevada e declarada procedente, nos termos dos artigos 615º, nº 1 alínea d), 679º, nº 1, 666º, nº 1, e 674º, nº 1, alínea c) do CPC.”

2. Factualidade

2.1. Foram considerados provados pela 2.ª instância os seguintes factos, depois de integrados e rectificados, nomeadamente ao abrigo dos arts. 607º, 4, e 662º, 1, do CPC, assim como modificados e aditados os factos relativos aos pontos 67., 81., 95., 56.-A), 56.-B), 56.-C), 81.-A) e 101-A):


1. O Autor foi administrador do BES e membro do Conselho de Administração desta empresa entre 6 de setembro de 2006 e 3 de agosto de 2014. (Cf. fls. 1503 e ss. e 1434 e ss.) [cf. art. 15.º da Petição Inicial, doravante PI]

2. O Autor foi membro da Comissão executiva do BES, entre 6 de setembro de 2006 e 3 de agosto de 2014. (Cf. fls. 1503 e ss. e 1434 e ss.) [cf. art. 16.º da PI]


3. Entre 31 de dezembro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, o Autor foi membro do ... do BES. (Cf. fls. 1503 e ss. e 1434 e ss.) [doc. 5 e doc. 4 juntos com a Contestação da Ré Zurich e outras, isto é, respetivamente, o Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia da República e a Acusação do Banco de Portugal no processo n.º ...4...; cf. art. 112.º da Contestação da Ré Zurich e outras, doravante Contestação da Ré Zurich]

4. Durante o período referido em 3., o Autor era membro da ... (comité do BES [designado pela sigla ALCO] dedicado à análise da informação macroeconómica das principais regiões económicas internacionais e de Portugal, contribuindo para a perspetivação dos respetivos impactos a prazo sobre a atividade bancária). (Cf. fls. 1503 e ss. e 1434 e ss.) [cf. art. 113.º da Contestação da Ré Zurich]

5. Durante esse período o Autor era membro do ..., comité responsável por todas as matérias relacionadas com o risco global do BES. (Cf. fls. 1503 e ss. e 1434 e ss.) [cf. art. 114.º da Contestação da Ré Zurich]

6. O Autor era encarregue dos seguintes pelouros:

- ...;

- ...;

- ... (a partir de 2012);

- Sucursal de Espanha (até 2012);

- B..., SA;

- Representação da ...;
- .... (Cf. fls. 1503 e ss. e 1434 e ss.) [cf. art. 117.º da Contestação da Ré Zurich]

7. O Autor nunca foi administrador ou exerceu quaisquer funções na ESFG [Espírito Santo Financial Group, S.A.], na ES Control, na ESI, na RioForte. [cf. artigo 30.º do Articulado de Resposta do Autor, doravante Resposta]

8. Do contrato de seguro celebrado [com a Zurich Insurance Plc, Sucursal no Reino Unido, como Seguradora] e cuja tradução se mostra junta a fls. 2188 [tradução do doc. 1 junto com o Articulado de Resposta] consta como Tomador do seguro “Espírito Santo Financial Group, S.A.”, constando como período do seguro 1 de janeiro de 2013 a 1 de dezembro de 2013, sendo o limite de responsabilidade 10.000,000 € ([Apólice] n.º 7066633-13 PL FN D1). [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

9. Do ponto 1.1 consta:

“Cobertura da Pessoa Segura


A seguradora procederá ao pagamento de perdas financeiras (incluindo custos anteriores ao pedido de indemnização) de uma pessoa segura que decorram de um pedido de indemnização (incluindo investigações de pessoas seguras) apresentado contra essa pessoa segura, excepto na medida em que esse segurado seja indemnizado pela sociedade.” [artigos 23.º e 25.º da Resposta]

10. Do ponto 3.7 consta:

Pedido de Indemnização significa (…) 3.7.2 “processos cíveis, penais, administrativos, em matéria de regulação ou de arbitragem/mediação (incluindo reconvenções) iniciados através de: (i) um requerimento de pedido de indemnização (ou um instrumento semelhante); (ii) um despacho de pronúncia, informações ou documentos semelhantes (no caso de processos penais); ou (iii) recepção ou apresentação de uma acusação, alegando um acto ilícito.” [artigos 23.º e 25.º da Resposta]

11. Por custos de indemnização entende-se de acordo com o ponto 3.8:

“(...) custos de defesa, custos anteriores ao pedido de indemnização, custos de investigação, custos de extradição, custos de protecção de bens e da liberdade, comissões de cauções cíveis ou criminais, custos de contencioso, despesas para recuperar a reputação pessoal, despesas de comunicação em caso de crise, custo de investigação de pedidos derivados, custos de indemnização de accionistas para pedidos de indemnização derivados e custos de resposta a rapto.” [artigos 23.º e 25.º da Resposta]

12. No ponto 3.14 entende-se como custos de defesa:

“... honorários, custas, encargos e despesas e necessários incorridos, com o consentimento prévio por escrito da seguradora (consentimento este que não deve ser indevidamente recusado nem protelado: (1) por ou em representação de um segurado na investigação, defesa, ajuste, resolução ou recurso de um pedido de indemnização efectuado ou intentado contra o segurado (...)” [artigos 23.º e 25.º da Resposta]


13. No ponto 3.17 consta que “Administrador ou Director significa um antigo, presente ou futuro. (1) administrador, director, membro de uma comissão de gestão (...)” [artigos 23.º e 25.º da Resposta]

14. De acordo com o ponto 3.29 “Perdas Financeiras” significa entre outros “os custos da defesa” conforme o ponto 3.29.2 do contrato. [artigos 23.º e 25.º da Resposta]


15. Do ponto 3.35 consta “Segurado significa: uma pessoa segura; e a sociedade mas apenas (...)” [artigos 23.º e 25.º da Resposta]

16. Do ponto 3.36 consta que pessoa segura significa um administrador ou diretor. [artigos 23.º e 25.º da Resposta]

17. Do ponto 4.1 consta “Dever de defesa: O segurado tem o dever de tomar todas as medidas razoáveis para assegurarem a defesa e contestarem os pedidos de indemnização e não praticar nenhum acto que prejudique a posição da seguradora. A seguradora não assume o dever de contestar nem investigar nenhum pedido de indemnização” [artigos 23.º e 25.º da Resposta]

18. A propósito da participação e colaboração nos pedidos de indemnização rege o ponto 4.3 que dispõe: “A respeito de pedidos de indemnização que possam potencialmente estar cobertos pela presente apólice: devem ser fornecidas à seguradora todas as informações relativas aos pedidos de indemnização que a seguradora requeira com razoabilidade; a seguradora deve ser mantida totalmente informada sobre as matérias relativas ou respeitantes à investigação, contestação, processo judicial, negociação, resolução ou recurso de pedidos de indemnização em causa e tem o direito de receber cópias de toda a documentação relevante relativa aos mesmos; e a seguradora tem o direito de se associar de forma efectiva aos segurados e à sociedade na investigação, contestação, processo judicial, negociação, resolução ou recurso dos pedidos de indemnização.” [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

19. No ponto 4.4 e relativo ao consentimento estabelece-se que “os segurados não devem admitir nem assumir nenhuma responsabilidade, oferecerem-se para resolver, celebrar algum acordo de resolução, consentir com uma sentença ou incorrer em custos de pedido de indemnização sem o consentimento prévio da seguradora por escrito (consentimento este que não deve ser indevidamente recusado ou protelado) (...)” [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

20. Na secção 9, relativa a exclusões, estabelece-se que “a seguradora não é responsável ao abrigo da presente apólice por fazer nenhum pagamento por perdas financeiras relacionadas com pedidos de indemnização apresentados contra um segurado “decorrentes de, baseados em, imputáveis a ou resultantes de “9.1.1 um segurado ter adquirido lucros ou vantagens a que não tinha ou não tem direito ao abrigo da lei; ou, 9.1.2. um acto ou omissão intencionalmente desonesto ou intencionalmente fraudulento cometido por um segurado; (...)” [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

21. Da secção 10 (Condições Gerais) 10.1: “Comunicação de pedidos de Indemnização e Circunstâncias: A seguradora terá responsabilidade ao abrigo da presente apólice por pedidos de indemnização que sejam comunicados por escrito à seguradora logo que possível depois do departamento de Gestão de Riscos, o Gabinete do Secretário da Sociedade ou o Gabinete do Director do Departamento jurídico do tomador do seguro tomar conhecimento de tal pedido de indemnização pela primeira vez. Em qualquer caso esta comunicação tem de ser efectuada no prazo máximo de 60 dias a contar do termo do período do seguro (...) [artigos 23.º e 25.º da Resposta]


22. (...) A comunicação por escrito deve incluir, nomeadamente uma descrição do pedido de indemnização, a natureza dos danos alegados ou potenciais, os nomes dos reclamantes efectivos ou potenciais e a maneira como a sociedade ou pessoas seguras, consoante as circunstâncias, tomaram conhecimento do pedido de indemnização pela primeira vez (...) [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

23. (...) Não comunicação de eventos anteriores a pedidos de indemnização; Para evitar dúvidas, a não comunicação de um evento anterior a um pedido de indemnização ao abrigo da presente apólice ou de uma apólice anterior de que a presente apólice constitua renovação contínua não constitui uma contravenção nem violação desta secção para efeitos de pedidos de indemnização posteriores (com excepção desse evento anterior a um pedido de indemnização) apresentados contra um segurado durante o período do seguro que aleguem, decorrentes de, baseados em, ou imputáveis a tal evento anterior a um pedido de indemnização (...) [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

24. Do ponto 10.2. e sob a epígrafe “cancelamento da apólice” prevê-se que “a apólice não pode ser cancelada pela seguradora excepto devido a falta de pagamento de prémio (...)” [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

25. Do ponto 10.5 e sob a epígrafe “Cindibilidade do Formulário da proposta e Não Anulação da Apólice” consta que na concessão de cobertura ao abrigo da presente apólice a seguradora sustentou-se na proposta [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

26. Mais se estabelece: Relativamente às declarações, afirmações e informações financeiras da proposta: “10.5.1. nenhuma afirmação contida na proposta e efectuada por um segurado ou um conhecimento (incluindo conhecimento de falsas declarações ou omissões relativamente à proposta) possuído por segurados será imputado a pessoas seguras para efeitos de apurar a disponibilidade de cobertura ao abrigo da presente apólice”; [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta] e (...)

27. (...) 10.5.2. para os efeitos das coberturas 1.2., 1.3 e 1.9, as afirmações contidas na proposta efectuadas e o conhecimento (incluindo o conhecimento das falsas declarações ou omissões relativamente à proposta) possuído por um antigo, presente ou futuro administrador-delegado, e/ou director financeiro (ou cargo executivo ou de gestão equivalente) da sociedade, será imputado a essa sociedade e o conhecimento dos mesmos directores do tomador do seguro será imputado a todas as sociedades” [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

28. Sob a epígrafe “Não anulação da apólice para pessoas seguras” dispõe-se que “a seguradora mais convenciona que não procurará anular nem invalidar a presente apólice ou alguma parte cindível da presente apólice quanto à cobertura ao abrigo da apólice para uma pessoa segura que não tenha feito falsas declarações ou não tenha conhecimento de afirmações dolosas ou falsas ou omissões a respeito da proposta” [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

29. Sob a epígrafe “Não anulação da apólice resultante da omissão inocente ou negligente” estabelece-se “A Seguradora mais convenciona que não procurará anular nem invalidar a presente apólice ou alguma parte cindível da presente apólice quando os direitos da seguradora fundados em anulação ou invalidação decorrerem exclusivamente de uma omissão inocente ou negligente ou de falsas declarações inocentes ou negligentes de uma pessoa segura” [cf. artigos 23.º e 25.º da Resposta]

30. A 21 de dezembro de 2013, a Ré Zurich Insurance Plc Uk (“Ré Zurich”) celebrou, na qualidade de Seguradora, com a Espírito Santo Financial Group, S.A. (abreviadamente “ESFG”) e com o Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”), na qualidade de Tomadores, um contrato de seguro denominado de «Directors, Officers and Company Liability Insurance Policy for Financial Institutions including International Programs from Zurich (IPZ) Claims Made Policy» titulado pela Apólice n.º ...88 (“Apólice nº ...88 Primária”) fazendo-se menção a Renovação da Apólice nº ...088. Cf. Doc. 1 junto à Petição Inicial traduzido a fls. 2262 e ss. [cf. artigos 1.º da PI, 1.º da Contestação da Ré Zurich e 18.º da Contestação da Ré HCC]

31. A Apólice n.º ...88 – Primária tinha como Período de Vigência o período entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2014 e um capital seguro de 10.000.000,00 €. Cf. Doc. 1 junto à Petição Inicial – Part I Risk Details – Period of Insurance / Sum Insured [e tradução junta com o requerimento de 08-06-2017, a fls. 2259-2341, cujo teor se dá por reproduzido – cf. artigos 2.º e 3.º da PI e 2.º da Contestação da Ré Zurich]

32. Nos termos da Apólice n.º ...88 – Primária eram Pessoas Seguras, entre outros, os administradores das empresas Tomadoras incluindo o ora Autor. Cf. Doc. 1 junto à Petição Inicial – Cláusulas 3.35 e 3.36 [cf. artigos 1.º da PI e 3.º da Contestação da Ré Zurich]


33. A referida Apólice n.º ...88 – Primária cobria, genericamente, nos termos, condições, definições e exclusões aí indicados, o pagamento de Perdas Financeiras de Pessoas Seguras emergentes de Reclamações apresentadas contra as mesmas durante o Período de Vigência da apólice e participadas à Seguradora nesse mesmo período, resultantes de Actos Incorrectos praticados pelas mesmas. Cf. Doc. 1 junto à Petição Inicial – Cláusulas 1., 3.7, 3.29 e 3.73 [estipulando-se designadamente o ss.:
Anexo


Responsabilidade dos Administradores, dos Diretores e da Sociedade Apólice de Seguros para Instituições Financeiras (…)

Ponto 1. Tomador do Seguro


1. Espírito Santo Financial Group SA 2. Banco Espírito Santo SA

Ponto 2. Período do Seguro De: 1 de janeiro de 2014
A: 31 de dezembro de 2014


(…) Ponto 6. Datas de Contencioso Pendente e Anterior (CPA)


(i)       Para todos os Segurados, com exclusão de Executivos Exteriores à Entidade: CPA, 1 de janeiro de 2013
(…) Ponto 10. A comunicação de Pedidos de Indemnização e circunstâncias atinentes a Pedidos de Indemnização deve ser efectuada para: Zurich Insurance Plc, Sucursal no Reino Unido e .... Uma cópia das comunicações deve ser enviada por escrito ao Diretor de Pedidos de Indemnização, Divisão de Serviços Financeiros, Aon UK Limited, 8, ..., ..., ..., ....
(…) Em contrapartida do pagamento do prémio e sujeito a todos os termos, condições e limitações da presente Apólice, a Seguradora convenciona com os Segurados e a Sociedade o seguinte.
A cobertura ao abrigo da presente Apólice é conferida exclusivamente para Pedidos de Indemnização apresentados pela primeira vez contra um Segurado durante o período de vigência do Seguro e comunicados à Seguradora.


Secção 1 Cobertura do Seguro
Cobertura da Pessoa Segura

A Seguradora procederá ao pagamento de Perdas Financeiras (incluindo Custos Anteriores ao Pedido de Indemnização) de uma Pessoa Segura que decorram de um Pedido de Indemnização (incluindo investigações de Pessoas Seguras) apresentado contra essa Pessoa Segura, exceto na medida em que esse Segurado seja indemnizado pela Sociedade.

(…) Secção 3 Definições

           
(…) 3.7 Pedido de Indemnização significa:


3.7.1 um pedido escrito de uma indemnização pecuniária, não pecuniária ou reparação injuntiva de um direito efectuado por um Terceiro alegando um Ato ilícito;
3.7.2 processos cíveis, penais, administrativos, em matéria de regulação ou de arbitragem/mediação (incluindo reconvenções) iniciados através de: (i) um Requerimento de Pedido de Indemnização (ou um instrumento semelhante); (ii) um despacho de pronúncia, informações ou documentos semelhantes (no caso de processos penais); ou (iii) recepção ou apresentação de uma acusação, alegando um Acto Ilícito.”;
3.7.3 uma investigação de Pessoas Seguras, exclusivamente a respeito das Coberturas 1.1, 1.2 e 1.4;

(…) 3.8 Custos do Pedido de Indemnização significa Custos de Defesa, Custos Anteriores ao Pedido de Indemnização, Custos de Investigação, Custos de Extradição, Custos de Protecção de Bens e da Liberdade, Comissões de Cauções Cíveis ou Criminais, Custos de Contencioso, Despesas para Recuperar a Reputação Pessoal, Despesas de Comunicação em Caso de Crise, Custos de Investigação de Pedidos Derivados, Custos de Indemnização de Accionistas para Pedidos de Indemnização Derivados e Custos de Resposta a Rapto.”;

(…) 3.14 Custos de Defesa significa honorários, custas, encargos e despesas razoáveis necessários incorridos, com o consentimento prévio por escrito da seguradora (consentimento este que não deve ser indevidamente recusado nem protelado): (1) Por ou em representação de um Segurado na investigação, defesa, ajuste, resolução ou recurso de um Pedido de Indemnização efectuado ou intentado contra o Segurado (...)”;

(…) 3.17 Administrador ou Director significa um antigo, presente ou futuro. (1) administrador, director, membro de uma comissão de gestão, membro do conselho de gestão, membro do conselho fiscal ou membro do conselho de Administração da Sociedade que seja uma pessoa singular e tenha sido devidamente eleito ou nomeado como tal;


(…) 3.29 Perdas Financeiras significa:


3.29.1 a quantia total que o Segurado está legalmente obrigado a pagar em resultado de um Pedido de Indemnização apresentado contra esse Segurado a que a cobertura se aplique, incluindo, nomeadamente, danos, sentenças (e juros pré e pós sentença e honorários dos advogados do autor ou requerente atribuídos a respeito dos danos cobertos) ou pagamentos;

3.29.2 Custos de Defesa;


(…) 3.35 Segurado significa: (1) uma Pessoa Segura; e (2) a Sociedade mas apenas (...) (…)

3.36 Pessoa Segura(s) significa:
3.36.1 Um Administrador ou Director;


(…) 3.39 Investigação significa: (i) Investigação de Pessoas Seguras; e (ii) Investigação dos Negócios da Sociedade. Considera-se que uma investigação é “efectuada pela primeira vez” quando a Pessoa Segura é pela primeira vez assim requerida, assim identificada, assim notificada ou assim detida e presa.

3.40 Custos de Investigação significa honorários, custos, encargos e despesas razoáveis e necessários incorridos, com o consentimento prévio por escrito da Seguradora (consentimento este que não deve ser indevidamente recusado nem protelado), por ou em representação de uma Pessoa Segura e directamente relacionados com a preparação e participação na Investigação por essa Pessoa Segura.

(…) 3.42 Investigação de Pessoas Seguras significa uma investigação, audição, exame ou inquérito formal ou oficial criminal, administrativo ou em matéria de regulação, iniciada ou aberto por:
3.42.1 Um Organismo Oficial (exceto a SEC dos EUA), depois de uma Pessoa Segura ser identificada por escrito por um Organismo Oficial investigante como sendo a Pessoa Segura contra quem um Pedido de Indemnização, tal como definido no parágrafo 3.7.2, pode ser recomendado;

(…) 4.1. Dever de defesa


O(s) Segurado(s) tem(têm) o dever de tomar todas as medidas razoáveis para assegurarem a defesa e contestarem os Pedidos de Indemnização e não praticar nenhum acto que prejudique a posição da Seguradora. A Seguradora não assume nenhum dever de contestar nem investigar nenhum Pedido de Indemnização.

(…) 4.3 Participação e colaboração nos pedidos de indemnização


A respeito de Pedidos de Indemnização que possam potencialmente estar cobertos pela presente apólice: (i) devem ser fornecidas à Seguradora todas as informações relativas aos Pedidos de Indemnização que a Seguradora requeira com razoabilidade; (ii) a Seguradora deve ser mantida totalmente informada sobre as matérias relativas ou respeitantes à investigação, contestação, processo judicial, negociação, resolução ou recurso de Pedidos de Indemnização em causa e tem o direito de receber cópias de toda a documentação relevante relativa aos mesmos; e (iii) a Seguradora tem o direito de se associar de forma efectiva aos Segurados e à Sociedade na investigação, contestação, processo judicial, negociação, resolução ou recurso de Pedidos de Indemnização.

4.4 Consentimento


Os Segurados não devem admitir nem assumir nenhuma responsabilidade, oferecerem-se para resolver, celebrar algum acordo de resolução, consentir com uma sentença ou incorrer em Custos do Pedido de Indemnização sem o consentimento prévio da Seguradora por escrito (consentimento este que não deve ser indevidamente recusado ou protelado)

(…) Secção 9. Exclusões


A Seguradora não é responsável ao abrigo da presente apólice por fazer nenhum pagamento por Perdas Financeiras relacionadas com Pedidos de Indemnização apresentados contra um Segurado:

Conduta


9.1 decorrentes de, baseados em, imputáveis a ou resultantes de:


9.1.1 um Segurado ter adquirido lucros ou vantagens a que não tinha ou não tenha direito ao abrigo da lei; ou
9.1.2. um acto ou omissão intencionalmente desonesto ou intencionalmente fraudulento cometido por um Segurado; (...)

(…) Secção 10 Condições Gerais


10.1 Comunicação de pedidos de Indemnização e Circunstâncias


A Seguradora terá responsabilidade ao abrigo da presente Apólice por Pedidos de Indemnização que sejam comunicados por escrito à Seguradora logo que possível depois do departamento de Gestão de Riscos, o Gabinete do Secretário da Sociedade ou o Gabinete do Director do Departamento Jurídico do Tomador do Seguro tomar conhecimento de tal Pedido de Indemnização pela primeira vez. Em qualquer caso esta comunicação tem de ser efetuada num prazo máximo de 60 dias a contar do termo do período do seguro.
A comunicação por escrito deve incluir, nomeadamente, uma descrição do Pedido de Indemnização, a natureza dos danos alegados ou potenciais, os nomes dos reclamantes efectivos ou potenciais e a maneira como a Sociedade ou Pessoas Seguras, consoante as circunstâncias, tomaram conhecimento do Pedido de Indemnização pela primeira vez.

Não comunicação de eventos anteriores a Pedidos de Indemnização


Para evitar dúvidas, a não comunicação de um Evento Anterior a um Pedido de Indemnização ao abrigo da presente Apólice ou de uma apólice anterior de que a presente apólice constitua renovação contínua não constitui uma contravenção nem violação desta secção 10.1 para efeitos de Pedidos de Indemnização posteriores (com excepção desse Evento Anterior a um Pedido de Indemnização) apresentados contra um Segurado durante o Período do Seguro que aleguem, decorrentes de, baseados em ou imputáveis a tal Evento Anterior a um Pedido de Indemnização.


Comunicação de circunstâncias


Se, durante o Prazo de Validade do Seguro, uma Sociedade ou um Segurado tomar conhecimento de circunstâncias de que se possa esperar com razoabilidade que levem a que um Pedido de Indemnização seja apresentado contra um Segurado, a Sociedade e esse Segurado têm o direito de comunicar essas circunstâncias essas circunstâncias por escrito à Seguradora (comunicação essa que deve incluir as alegações do Ato Ilícito previstas e os motivos para prever tal Pedido de Indemnização, com elementos completos quanto às datas, pessoas e entidades envolvidas).

Pedidos de indemnização ou Circunstâncias Relacionados


Se uma comunicação de um Pedido de Indemnização ou circunstância for efectuada conforme exigido pela presente Apólice e aceite pela Seguradora, os Pedidos de Indemnização posteriores que forem apresentados contra um Segurado e que aleguem, decorrentes de, baseados em ou imputáveis ao Pedido de Indemnização ou comunicação de circunstâncias consideram-se efectuados pela primeira vez no momento em que o primeiro Pedido de Indemnização ou comunicação de circunstâncias foi efectuado pela primeira vez e comunicado à Seguradora na data em que as comunicações exigidas foram efectuadas à Seguradora pela primeira vez. Estes Pedidos de Indemnização relacionados também são abrangidos pelo mesmo Limite de Responsabilidade agregado ou Excedente do Limite de Responsabilidade aplicável a tal primeiro Pedido de Indemnização ou comunicação de circunstâncias.
A comunicação escrita aqui prevista deve ser efectuada por escrito à Seguradora identificada no Anexo na morada indicada e produz efeitos na data em que for recebida pela Seguradora nessa morada.

10.2. Cancelamento da apólice


A presente apólice não pode ser cancelada pela Seguradora, exceto devido a falta de pagamento de prémio.

10.5 Cindibilidade do Formulário da Proposta e Não Anulação da Apólice


Na concessão de cobertura ao abrigo da presente apólice, a Seguradora sustentou-se na Proposta. Relativamente às declarações, afirmações e informações financeiras da Proposta:
10.5.1 nenhuma afirmação contida na Proposta e efectuada por um Segurado ou um conhecimento (incluindo conhecimento de falsas declarações ou omissões relativamente à Proposta) possuído por Segurados será imputado a Pessoas Seguras para efeitos de apurar a disponibilidade de cobertura ao abrigo da presente Apólice”; e
10.5.2 para os efeitos das coberturas 1.2, 1.3 e 1.9, as afirmações contidas na Proposta efetuadas e o conhecimento (incluindo o conhecimento das falsas declarações ou omissões relativamente à Proposta) possuído por um antigo, presente ou futuro Administrador-Delegado, e/ou Director Financeiro (ou cargo executivo ou de gestão equivalente) da Sociedade, será imputado a essa Sociedade e o conhecimento dos mesmos directores do Tomador do Seguro será imputado a todas as Sociedades.


Não Anulação da Apólice para Pessoas Seguras


A Seguradora mais convenciona que não procurará anular nem invalidar a presente Apólice ou alguma parte cindível da presente Apólice quanto à cobertura ao abrigo da Apólice para uma Pessoa Segura que não tenha feito falsas declarações ou não tenha conhecimento de afirmações dolosas ou falsas ou omissões a respeito da Proposta.

Não Anulação da Apólice Resultante da Omissão Inocente ou negligente


A Seguradora mais convenciona que não procurará anular nem invalidar a presente Apólice ou alguma parte cindível da presente Apólice quando os direitos da Seguradora fundados em anulação ou invalidação decorrerem exclusivamente de uma omissão inocente ou negligente ou de falsas declarações inocentes ou negligentes de uma Pessoa Segura”] [cf. artigos 1.º, 5.º a 9.º e 17.º da PI, 4.º da Contestação da Ré Zurich e 18.º da Contestação da Ré HCC]

34. A par do referido contrato, a 27 de dezembro de 2013 foram celebrados outros três contratos de seguro denominados “de excesso”, organizados em diversas “camadas” sucessivas de capital seguro. [cf. artigos 10.º da PI e 5.º da Contestação da Ré Zurich]

35. A 27 de dezembro de 2013, as Rés HCC – International Insurance Company Plc, ANV – Global Services, Ltd. (“Ré ANV”), Berkley Professional Liability UK Limited (“Ré Berkley”) e Berkshire Hathaway International Insurance Limited (“Ré Berkshire”) celebraram, na qualidade de Seguradoras, com a ESFG e com o BES, na qualidade de Tomadores, um Contrato de Seguro titulado pela Apólice n.º ...89 (“Apólice nº ...89 Excesso”), nas percentagens de subscrição aí indicadas. Cf. Doc. 2 junto à Petição Inicial [cf. artigos 11.º da PI, 6.º da Contestação da Ré Zurich, 19.º e 20.º da Contestação da Ré HCC – tradução junta com o requerimento de 06-12-2019 a fls. 3846 e ss., cujo teor se dá por reproduzido]

36. A Apólice n.º ...89 – 1.º Excesso [também identificada no contrato como Renovação da Apólice Nº ...89”] tinha como Período de Vigência o mesmo período entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2014. Cf. Docs. 2A, 2B, 2C e 2D junto à Petição Inicial – Part I Risk Details – Period of Insurance. [cf. artigos 11.º da PI, 7.º da Contestação Ré Zurich e 21.º da Contestação da Ré HCC]

37. Esta Apólice n.º ...89 – 1.º Excesso seguia a forma da apólice primária Apólice n.º ...88 – Primária, garantindo genericamente – nos termos, condições, definições e exclusões aí indicados – as mesmas coberturas desta apólice, à exceção das Indemnifiable Financial Loss. Cf. Docs. 2A, 2B, 2C e 2D juntos à Petição Inicial – Part I Risk Details – Type / Form / Underlying Policies / Conditions; e Part II AON EXCESS WORDING (D&O) Ponto 7. [cf. artigos 11.º da PI, 8.º da Contestação da Ré Zurich e 2.º da Contestação da Ré HCC]

38. Esta Apólice n.º ...89 – 1.º Excesso tem um capital seguro de 10.000.000,00 €, no entanto garante apenas o pagamento de Perdas (até este limite) que excedam os 10.000.000,00 € garantidos pela Apólice n.º ...88 – Primária e após a total excussão do capital seguro desta apólice. Cf. Docs. 2A, 2B, 2C e 2D juntos à Petição Inicial – Part I Risk Details – Sum Insured; e Part II AON EXCESS WORDING (D&O). [cf. artigos 11.º da PI e 9.º e 10.º da Contestação da Ré Zurich]

39. A 27 de dezembro de 2013, as Rés HCC – International Insurance Company Plc e Allianz Global Corporate & Speciality Ag – Sucursal En España celebraram, na qualidade de Seguradoras, com a ESFG e com o BES, na qualidade de Tomadores, um Contrato de Seguro titulado pela Apólice n.º ...90 (“Apólice nº ...90 2.º Excesso”), nas percentagens de subscrição aí indicadas. Cf. Doc. 3 junto à Petição Inicial. [cf. artigos 12.º da PI, 11.º da Contestação da Ré Zurich e 19.º e 20.º da Contestação da Ré HCC – tradução junta com o requerimento de 06-12-2019, a fls. 3846 e ss., cujo teor se dá por reproduzido]

40. A Apólice n.º ...90 – 2.º Excesso [também identificada no contrato como “Renovação da apólice Nº ...90”] tinha como Período de Vigência o mesmo período entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2014. Cf. Docs. 3A e 3B junto à Petição Inicial – Part I Risk Details – Period of Insurance. [cf. artigos 12.º da PI, 12.º da Contestação da Ré Zurich e 21.º da Contestação da Ré HCC]

41. Esta Apólice n.º ...90 – 2.º Excesso seguia a forma da apólice primária Apólice n.º ...88 – Primária, garantindo genericamente – nos termos, condições, definições e exclusões aí indicados – as mesmas coberturas desta apólice, à exceção das Indemnifiable Financial Loss. Cf. Docs. 3A e 3B juntos à Petição Inicial – Part I Risk Details – Type / Form / Underlying Policies / Conditions; e Part II AON EXCESS WORDING (D&O) Ponto 7. [incluindo, quanto às Condições, que se tratava de «Formulário “Excess Follow Form” pela AON. Deverá seguir todos os termos e condições, conforme ...»; tratar-se de “apólice claims-made (reclamação por sinistro feita)”, acordando as Seguradoras «pagar, em representação do Segurado, Perdas, para além de Perdas Financeiras Indemnizáveis resultantes de reclamações por sinistros apresentadas contra o Segurado durante o Período do Seguro, incluindo custos judiciais e despesas incorridos na defesa ou na resolução desses sinistros, até ao limite total de responsabilidade da apólice de excesso (“a presente Apólice”), em excesso dos limites da apólice indicados no Anexo»; e, quanto às Perdas a notificar, a menção de que “A notificação de todas as reclamações por sinistro e/ou circunstâncias devem ser feitas para ...”; mais constando, no ponto 5. das Condições que “Qualquer Reclamação por Sinistro apresentada contra o Segurado ou quaisquer circunstâncias (conforme definido na apólice Subjacente) de que o Segurado tome conhecimento durante o Período do Seguro ou durante um período de reporte alargado (se aplicável) deverá ser comunicada às Seguradoras da presente Apólice, se essa reclamação por sinistro ou circunstância tiver de ser comunicada à Apólice Subjacente principal” – cf. artigos 12.º da PI, 13.º da Contestação da Ré Zurich e 22.º da Contestação da Ré HCC]

42. Esta Apólice n.º ...90 – 2.º Excesso tem um capital seguro de 10.000.000,00 €, no entanto garante apenas o pagamento de Perdas (até este limite) que excedam os 20.000.000,00 € garantidos pela Apólice n.º ...88 – Primária e pela Apólice n.º ...089 – 1.º Excesso e após a total excussão do capital seguro destas apólices. Cf. Docs. 3A e 3B juntos à Petição Inicial – Part I Risk Details – Sum Insured; e Part II AON EXCESS WORDING (D&O). [cf. artigos 12.º PI e 14.º e 15.º da Contestação da Ré Zurich]

43. A 30 de dezembro de 2013, as Rés Lloyd’s Syndicate Navigators 1221 (Navigators Underwriting Agency Ltd.) (“Ré Navigators”), Argo Global Se (“Ré Argo”), e Berkshire celebraram, na qualidade de Seguradoras, com a ESFG e com o BES, na qualidade de Tomadores, um Contrato de Seguro titulado pela Apólice n.º ...91 (“Apólice nº ...91 3.º Excesso”), nas percentagens de subscrição aí indicadas. Cf. Doc. 4 junto à Petição Inicial e Doc. 1 [junto com a Contestação da Ré Zurich] cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos. [cf. art. 13.º da PI e 16.º da Contestação da Ré Zurich – tradução junta com o requerimento de 19-12-2018, a fls. 2937-2994, cujo teor se dá por reproduzido]

44. A Apólice n.º ...91 – 3.º Excesso [também identificada no contrato como Apólice de Renovação Nº ...91] tinha como Período de Vigência o mesmo período entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2014. Cf. Docs. 4A, 4B e 4C junto à Petição Inicial – Part I Risk Details – Period of Insurance, e Doc. 1 [junto com a Contestação da Ré Zurich. – Cf. artigos 13.º da PI e 17.º da Contestação da Ré Zurich]

45. Esta Apólice n.º ...91 – 3.º Excesso seguia a forma da apólice primária Apólice n.º ...88 – Primária, garantindo genericamente – nos termos, condições, definições e exclusões aí indicados – as mesmas coberturas desta apólice, à excepção das Indemnifiable Financial Loss. Cf. Docs. 4A, 4B e 4C juntos à Petição Inicial – Part I Risk Details – Type / Form / Underlying Policies / Conditions; e Part II AON EXCESS WORDING (D&O) Ponto 7, e Doc. 1 [junto com a Contestação da Ré Zurich. - Cf. artigos 13.º da PI e 18.º da Contestação da Ré Zurich]

46. Esta Apólice n.º ...91 – 3.º Excesso tem um capital seguro de 20.000.000,00 €, no entanto garante apenas o pagamento de Perdas (até este limite) que excedam os 30.000.000,00 € garantidos pela Apólice n.º ...88 – Primária, pela Apólice nº ...089 – 1.º Excesso e pela Apólice n.º ....090 – 2.º Excesso, após a total excussão do capital seguro destas apólices. Cf. Docs. 4A, 4B e 4C juntos à Petição Inicial – Part I Risk Details – Sum Insured; e Part II AON EXCESS WORDING (D&O), e Doc. 1 que se junta [isto é, que foi junto com a Contestação da Ré Zurich. – Cf. artigos 13.º da PI e 19.º e 20.º da Contestação da Ré Zurich]

47. Do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...88 [deverá ler-se 1410488, assim se retificando o manifesto lapso de escrita – trata-se da Apólice “Primária”], consta Apólice de Renovação nº ...88, período 1 Jan. 2014 a 31 Dez. 2014” e: (fls. 2263 [tradução do doc. 1 junto com a PI])

“- Referência única do mercado ...
- Tipo: Seguro de responsabilidade dos Administradores e Directores e Indemnização da Sociedade, conforme descrito mais pormenorizadamente no texto da apólice original em apenso;
Forma: De acordo com o texto da apólice original apenso, emitido pela Zurich Insurance Plc, sucursal Reino Unido;
Tomador do Seguro: Espírito Santo Financial Group, SA Banco Espírito Santo, SA
Segurado: A sociedade (3.10) Espírito Santo Financial Group SA. Incluindo todas as subsidiárias actualmente existentes ou que venham a ser constituídas ou adquiridas, conforme descrito mais pormenorizadamente no texto da apólice original incluindo, nomeadamente, o Banco Espírito Santo SA e as suas participadas;
Endereço Principal: Espírito Santo Financial Group, S.A. (...) Luxemburgo Banco Espírito Santo SA (…)
Portugal


Período seguro: Desde 1 de janeiro de 2014 até 31 de Dezembro de 2014 (...)
Interesse: Responsabilidade dos Administradores e Directores e seguro de reembolso da sociedade, conforme definido em mais detalhe na apólice original;
Capital seguro: Eur. 10.000.000 por pedido de indemnização e em agregado; As perdas devem ser comunicadas a .... (..)”
Cf. fls. 2264 ss. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [tradução do doc. 1 junto com a PI. [retificando-se o lapso de escrita da sentença, que refere o endereço “...” constando ainda que “O presente contrato (incluindo, nomeadamente, todas as questões decorrentes ou relacionadas com a sua negociação, validade, eficácia ou outros litígios não contratuais relacionado com o presente contrato) deve ser exclusivamente interpretado e regulado de acordo com a lei portuguesa” - Cf. artigos 1.º, 2.º e 3.º da PI, e artigos 1.º a 3.º da Contestação da Ré Zurich]

48. Do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...91 [leia-se, assim se retificando o manifesto lapso de escrita, 1410491 – 3.ª Excesso], consta “Apólice de Renovação nº ...91 [leia-se ...], período 1 Jan.2014 a 31 Dez.2014” e:
“- Referência única do mercado ...
- Tipo: Excesso parte A, Seguro de Responsabilidade dos Administradores e Directores; Formulário: Formulário de Excesso da Apólice Original emitido pela Zurich Insurance PLC Sucursal do reino Unido em relação à parte A;


Tomador do Seguro: Espírito Santo Financial Group, 6. SA Banco Espírito Santo, SA
Segurado: A sociedade (3.10) Espírito Santo Financial Group SA. Incluindo todas as subsidiárias actualmente existentes ou que venham a ser constituídas ou adquiridas, conforme indicado em mais detalhe na apólice incluindo, sem limitação, o Banco Espírito Santo SA e as suas subsidiárias;
Endereço Principal: Espírito Santo Financial Group, S.A. (...) Luxemburgo Banco Espírito Santo SA (...)
Portugal
Período seguro: Desde 1 de janeiro de 2014 até 31 de Dezembro de 2014
(…) Interesse: Responsabilidade dos Administradores e Directores e Seguro de Reembolso da Sociedade, conforme definido em mais detalhe na Apólice Original;
Montante da Cobertura: Eur. 20.000.000 por sinistro e para a globalidade dos sinistros; Em excesso de (...)
Apólices Subjacentes (...) [... (…) Primeiro Excesso Referência Aon FD1410489 (…) Segundo Excesso Referência Aon FD1410490]
Perdas a notificar a: A notificação de todas as reclamações por sinistro e/ou circunstâncias devem ser feitas para ukclaims€aon.co.uk. As cópias escritas das notificações podem ser enviadas para (...)”; Cf. fls. 2937 e ss. [tradução do doc. 1 junto pela Ré Zurich com a Contestação] cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [cf. artigos 13.º da PI e 16.º a 20.º da Contestação da Ré Zurich]

49. Nos termos da referida [em 30.] “Proposta de Seguro Directors & Officers” a Tomadora ESFG confirmou a seguinte informação:
“(7) a. Foi feita alguma reclamação ou notificação aos Directores e Administradores nos últimos 12 meses? Se sim por favor forneça detalhes:
Resposta: Não.


7. b. alguma pessoa consciente depois de inquérito, de quaisquer circunstâncias ou incidentes que levem a que ele/ela tenha fundamento para supor que possa haver algum fundamento para [uma] futura reclamação abrangida no âmbito do seguro proposto? Se sim por favor forneça detalhes.
Resposta: Não.


Data 28 de Dezembro de 2013”
Cf. fls. 2778 [tradução do doc. 12 junto com a Contestação da Ré Zurich e com a Pen acima referida, a fls. 2747-2750 – cf. artigos 159.º e 160.º da Contestação da Ré Zurich]

50. A celebração destes contratos foi mediada pela Ré AON na qualidade de corretora. [cf. artigos 14.º da PI e 21.º da Contestação da Ré Zurich]

51. Em setembro de 2013, o Banco de Portugal decidiu complementar os trabalhos desenvolvidos no âmbito do ETRICC (Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito dos principais grupos bancários nacionais) com uma avaliação dos planos de negócio dos principais grupos económicos devedores do sistema bancário cuja recuperabilidade dos créditos se encontrava fortemente dependente da geração de fluxos financeiros do negócio. Este exercício – designado ETRICC2 – teve como referência as contas em 30 de setembro de 2013. Cf. fls. 2732 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. [documento cuja junção foi requerida em audiência final, na sessão de 04-12-2018 – cf. artigos 49.º e 50.º da Contestação da Ré Zurich]

52. A amostra de entidades a avaliar incluiu as empresas do ramo financeiro e não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES), na medida em que a origem dos fluxos financeiros da Espírito Santo Internacional (ESI), a utilizar no reembolso da dívida, provinham de ambos os ramos de negócio (financeiro e não financeiro). Cf. fls. 2732 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [cf. artigos 49.º a 52.º da Contestação da Ré Zurich]

53. A decisão de incluir aquelas entidades aconteceu apesar de a ESI não ter sido identificada como um mutuário de risco material no contexto do ETRICC e de uma parte significativa das exposições sobre as empresas não financeiras do GES ter sido objeto de análise no âmbito dos exercícios transversais promovidos pelo Banco de Portugal sem que tenham sido apurados quaisquer desvios de imparidade. Cf. fls. 2732 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. [cf. artigos 49.º a 51.º da Contestação da Ré Zurich e doc. de fls. 2732 e ss.]


54. As empresas de auditoria validaram, com base na informação contabilística disponível relativamente a cada empresa, imparidades quase nulas para estas exposições: a Deloitte e a KPMG, porque eram os auditores externos de vários bancos que concederam os créditos em causa; a PwC [PricewaterhouseCoopers] e a E&Y, porque participaram no Programa Especial de Inspeções (SIP) e no Programa de Inspeções on-site (OIP). Cf. site do BdP e Cf. fls. 2732 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

55. Com vista a constituir uma barreira de proteção (ring-fencing) face aos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES, o Banco de Portugal determinou, a 3 de dezembro de 2013, que o grupo ESFG promovesse as necessárias diligências, através da:
- Eliminação da exposição, resultante quer do financiamento direto ou indireto, quer da concessão de garantias do grupo ESFG à ESI que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas;
- Constituição de uma conta à ordem (conta escrow) alimentada por recursos alheios ao grupo ESFG, com um montante equivalente à dívida emitida pela ESI e detida por clientes do BES na sequência da colocação na respetiva rede de retalho, devendo essa conta ser exclusivamente destinada ao reembolso dessa dívida.
[cf. art. 92.º da Contestação da Ré Zurich e doc. de fls. 2732 e ss., cujo teor foi dado por reproduzido nos pontos 52., 53., 54.]

56. Na reunião de 4 de dezembro de 2013, teve o Autor conhecimento de irregularidades nas contas da ESI (admitido no art. 38.º da Resposta às exceções). [cf. art. 140.º da Contestação da Ré Zurich]

56.-A) O Autor tinha conhecimento da comercialização, pelo BES, de dívida da ESI junto dos clientes do próprio BES, pelo menos desde o início da comercialização de papel comercial da ESI pelo BES, em setembro de 2013.

56.-B) A respeito da situação patrimonial da ESI o Autor foi informado na reunião de 04-12-2013 sobre o que consta de 56. e 57.

56.-C) Os membros do Conselho de Administração do BES e da Comissão Executiva presentes na reunião de 04-12-2013 foram verbalmente informados a respeito da situação financeira da ESI conforme consta de 56. e 57.

57. Nessa reunião, a Comissão Executiva do BES deliberou que fosse suspensa a venda de papel comercial emitido pela ESI e a Comissão Executiva do BES foi informada de que este emitente detinha meios suficientes para assegurar a liquidação de tais instrumentos financeiros procedendo a um programa de venda de ativos e de aumento de capital. [cf. artigos 39.º da Resposta e 93.º da Contestação da Ré Zurich]

58. Tais planos foram validados pela PwC e pelo BdP [Banco de Portugal] em inícios de 2014. [cf. art. 40.º, 1.ª parte, da Resposta]

59. Entre 18 de setembro de 2013 e 12 de dezembro de 2013, foram publicadas notícias na imprensa nacional e internacional que alertavam para a exposição do Fundo ES Liquidez e do BES a empresas do GES; Cf. fls. 2019 a 2035 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. [cf. art. 56.º da Resposta]


60. Do site do BdP consta “Resultados da análise dos planos de negócio de clientes relevantes do sistema bancário (ETRICC 2)
28 mar. 2014


O Banco de Portugal divulga hoje os principais resultados do exercício de análise dos planos de negócio de clientes relevantes do sistema bancário (ETRICC2). Em resultado deste exercício, e com referência a 30 de Setembro de 2013, foi estimada a necessidade de reforço de imparidade e de provisões num valor global de mil milhões de euros. Este valor, reflectido nas contas das instituições, destina-se a assegurar uma adequada cobertura de riscos relativamente aos grupos económicos abrangidos. O exercício confirmou, em relação a 30 de Setembro de 2013, a solidez do sistema bancário nacional.
O ETTRIC 2 conclui um ciclo de acções transversais de inspecção desenvolvidas pelo Banco de Portugal desde 2011 e que contribuíram para tornar o sistema bancário português mais resiliente. As acções transversais de inspecção realizadas pelo Banco de Portugal são descritas no documento de enquadramento apresentado em anexo.

Lisboa, 28 de março de 2014” [cf. art. 79.º da Resposta - referência à conclusão do ETRICC]


61. Em 10 de abril de 2014, o BES publicou as contas relativas ao exercício do ano de 2013 referindo na nota 46 “Passivos Contingentes e Compromissos”, a existência de dívida do GES (e da ESI) colocada em clientes, assim como o plano de reorganização interna e desalavancagem dos ativos desta sociedade vertidos no plano de negócios da mesma sociedade objeto de revisão no âmbito do ETRICC conduzido pelo BdP, bem como a existência de uma garantia da ESFG. Cf. fls. 2039 e ss. [doc. 9 junto com a Resposta - cf. art. 79.º da Reposta]

62. No dia 28 de abril de 2014, a ESFG emitiu um comunicado; Cf. fls. 2044 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. [doc. 10 junto com a Resposta – cf. art. 80.º da Resposta]

63. Com data de 20 de maio de 2014, é divulgado o prospeto de oferta pública de subscrição e de admissão à negociação no Euronext Lisbon gerido pela Euronext Lisbon, de até 1.607.033.312 ações ordinárias nominativas e escriturais, sem valor nominal, representando 28,57% das ações representativas do capital social do BES, após aumento, assumindo a subscrição integral do aumento de capital, reservada a acionistas no exercício do direito de preferência e demais investidores que adquiram direitos de subscrição e admissão à negociação na Euronext Lisbon de até 1.607.033.212 ações ordinárias, nominativas e escriturais, sem valor nominal, representando 28,57% das ações representativas do capital social do BES após aumento, assumindo a subscrição integral do aumento de capital. Cf. fls. 2048 e ss. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [doc. 11 junto com a Resposta - cf. art. 81.º da Resposta]

64. No prospeto designadamente no ponto 21.19 alerta-se sobre a situação financeira grave e irregularidades nas contas que podem afetar a reputação do BES; Cf. fls. 2051 [doc. 11 junto com a Resposta - cf. art. 81.º da Resposta]

65. No dia 3 de julho de 2014, a ESFG informou sobre a exposição à ESI e agora, também, RioForte. Cf. fls. 2057 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [doc. 13 junto com a Resposta - cf. art. 83.º da Resposta]

66. No dia 10 de julho de 2014, o BES informou sobre exposição direta e indireta a empresas do GES; Cf. fls. 2061 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [cf. art. 84.º da Resposta e doc. 14 junto com este articulado]

67. Em 18 de março de 2014, 8 de abril de 2014, 20 de maio de 2014, 9 de junho de 2014 e 9 de julho de 2014, as Rés negociaram com os tomadores do seguro alterações ao clausulado do contrato, conforme endorsments [atas adicionais] 3, 4, 5, 6 e 8, respectivamente. [cf. art. 87.º da Resposta e doc. junto com a PI, tradução a fls. 2259-2341; na ata adicional 3 consta que Com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, o presente Contrato é alterado como segue: Toma-se nota de que a data retroativa é 18 de fevereiro de 1993, o que deve ser inserido nas condições, no Anexo; na ata adicional 4 consta que Com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, a exclusão seguinte é alterada e passa a ter a seguinte redacção: Exclusão por Circunstâncias Conhecidas 9.10 A Seguradora não é responsável ao abrigo da presente Apólice por fazer nenhum pagamento por Perdas Financeiras relacionadas com Pedidos de Indemnização apresentados contra um Segurado que aleguem, decorrentes de, baseados em, imputáveis a ou em consequência de circunstâncias conhecidas existentes antes de 1 de janeiro de 2013; na ata adicional 5 consta, além do mais, que Com efeitos a partir de 1 janeiro de 2014, o presente Contrato é alterado como segue (…) Na Secção 9 Exclusões, 9.1. Conduta, a seguinte clarificação é inserida: Fica desde entendido e convencionado que os termos “intencionalmente desonesto” e “intencionalmente fraudulento” da condição 9.1.2 devem ser interpretados pela seguradora, exclusivamente para pedidos de indemnização em Portugal, no contexto do seguinte texto em português: “Qualquer ato ou omissão cometido por um Segurado com a intenção de, ilicitamente, causar danos a terceiros ou obter uma vantagem à custa de terceiros”]

68. As mesmas Seguradoras apresentaram ao BES através da AON uma proposta de aumento de capital seguro para 150 milhões de euros no dia 15 de abril de 2014. Cf. fls. 2086 e ss. [cf. art. 88.º da Resposta e doc. 20 junto com este articulado, a fls. 2085 a 2090]

69. Com data de 25 de julho de 2014, por “CC (BES-SGCE Direcção)” foi enviado à corretora AON o seguinte mail (tradução a fls. 3175 e ss.):
“O Banco Espírito Santo gostaria de reportar as seguintes circunstâncias, para efeitos do art. 10.1 da apólice de seguro de responsabilidade de administradores e directores e reembolso da empresa com a referência única de mercado ....
Solicitamos que tenham em consideração que a presente notificação de circunstâncias é feita numa data em que o BES ainda não tem conhecimento das concretas alegações de actos dolosos que possam ser, ou não, imputados ao BES ou a algum dos membros do seu Conselho. No entanto, a turbulência inédita do mercado para o BES, a dimensão das perdas, os pedidos de protecção de credores feitos pelo Espírito Santo Financial Group, S.A., e outras empresas do Grupo Espírito Santo, face à incapacidade de cumprimento das suas obrigações financeiras, levou o BES a antecipar razoavelmente reclamações da natureza que se passam a indicar, materializadas nalgum pretexto. (...)
1. Condição Financeira da ESI e do Grupo ESI (...)
2. Transacções de partes relacionadas (...)
3. Alterações recentes na gestão do BES (...)
4. Auditoria forense do Banco de Portugal ao BES”, tudo conforme melhor consta de fls. 3175-3176 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [cf. artigos 18.º da PI e 93.º da Resposta, e a tradução do doc. 6 junto com a PI]

70. Na comunicação referida em 56. [deverá ler-se 69., conforme doc. 6 junto com a PI], faz-se referência à divulgação pública em 20 de maio de 2014, de resultados de uma revisão limitada de contas feita à ESI que concluiu por uma situação financeira grave. [cf. art. 19.º da PI]

71. Com data de 25 de julho de 2014, por “CC (BES-SGCE Direcção)” foi enviado à corretora AON o mail [doc. 7 junto com a PI] (tradução a fls. 3178 e 3179) circunstâncias relativas à atividade do grupo BES em Angola desenvolvida através da sua subsidiária – Banco Espírito Santo Angola. V. doc. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. [cf. artigos 20.º da PI e 93.º da Resposta]

72. O papel comercial da ESI foi liquidado até final de julho de 2014. (Cf. doc. 7 junto pelas Rés [Zurich e outras, com a sua Contestação, em 02-09-2016, a fls. 605-619]) [cf. art. 40.º, 2.ª parte, da Resposta]

73. Em 3 de agosto de 2014, é conhecida a Resolução do BES, e nasce o Novo Banco. [cf. artigos 98.º e 99.º da Contestação Zurich]

74. Em 17 de novembro de 2014, o BdP dá nota em documento denominado “Estratégia de Ring-Fencing Desenvolvida pelo Banco de Portugal” de “Apuramento dos factos que deram origem aos desvios na situação financeira da ESI
40. Em 3 de Dezembro de 2013, o Banco de Portugal solicitou à ESFG a clarificação plena e aprofundada dos factos que terão conduzido à alteração da situação financeira da ESI, ainda que a matéria em causa não pudesse ser objecto de determinação específica por incidir sobre factos associados a uma entidade não sujeita a supervisão.
41. Nas respostas e nos esclarecimentos prestados pela ESFG e pelo GES, foi reconhecida a existência de erros contabilísticos, associados a deficiências nos sistemas internos da ESI. Esta justificação foi sucessivamente reiterada nos diversos esclarecimentos solicitados pelo Banco de Portugal.
42. Apenas no dia 28 de maio de 2014, foi entregue ao Banco de Portugal cópia de um relatório elaborado por uma sociedade de advogados luxemburguesa, que concluiu por uma forte suspeita de falsificação das demonstrações financeiras da ESI e que refere que o contabilista da ESI reconheceu, em reunião presencial, que a ocultação de passivo era conscientemente realizada desde 2008 e que tal prática era do conhecimento de DD, EE, BB e FF.
43. Este relatório foi considerado como um facto superveniente para efeitos da reavaliação de idoneidade dos visados com funções de administração nas instituições sujeitas à supervisão do Banco de Portugal. Todos os visados acabaram por renunciar aos seus cargos no BES em 20 de Junho de 2014.” Cf. site BdP.

75. Por mail de 19 de novembro de 2014, o Autor informa a AON não ter conhecimento de nenhuma reclamação, investigação ou ação judicial contra si, mas considerando a extensa cobertura da imprensa sobre o BES é possível virem a ser apresentadas contra si reclamações, tudo conforme doc. de fls. 3182 e 3183, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. [cf. artigos 21.º a 23.º da PI e doc. 8 junto com a PI]


76. O Autor prestou declarações juntamente com GG, em 24 de fevereiro de 2015, na Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do BES e do GES [CPI], conforme consta de fls. 605 a 619, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo declarado “Os signatários e outros membros da CE desconheciam em absoluto as irregularidades nas contas da ESI que, no âmbito do ETRICC se tinham, identificado, tendo tomado conhecimento genérico das mesmas apenas em reunião da CE de 4 de Dezembro de 2013. Nesta data decidiu a CE suspender a comercialização do papel comercial da ESI” [cf. art. 140.º da Contestação da Ré Zurich]

77. Também no seguimento das audições no âmbito da referida CPI, o Dr. HH, também membro da Comissão Executiva do BES, que prestou declarações no âmbito da mesma Comissão no dia 22 de dezembro de 2014, dizendo: «O que foi feito pelos membros dos órgãos sociais do Banco Espirito Santo, S.A. (BES), designadamente da sua Comissão Executiva, com vista a salvaguardar o BES e suas participadas dos efeitos originados no “expressivo e inusitado agravamento do passivo” da sociedade Espirito Santo Internacional, S.A. (ESI), situação de que fomos informados na reunião da Comissão Executiva do BES, ocorrida no dia 4 de Dezembro de 2013, e que causou a maior apreensão e surpresa a todos os seus membros, especialmente àqueles que não desempenhavam também simultaneamente funções de administração em holdings não financeiras do GES.». - Cf. Doc. 8 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos (intervenção escrita, Pág. 1) [cf. art. 143.º da Contestação da Ré Zurich]

78. Por sua vez, também o Dr. II, igualmente membro da Comissão Executiva do BES, afirmou, em declarações escritas à CPI, que, em relação à identificação das irregularidades nas contas da ESI em finais de Novembro de 2013, “as equipas do BES, com base num conjunto de informação solicitada ao GES, identificaram que o verdadeiro valor da dívida da ESI, a 30.09.14, era de 5,681 mil milhões de euros, ou seja, 2,3 mil milhões de euros (mais 40%) superior ao valor divulgado nas contas da ESI, referente a 31.12.12.” Cf. Doc. 9 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos (intervenção escrita, Pág. 3 e 15) [cf. art. 144.º da Contestação da Ré Zurich]

79. Na mesma declaração escrita, o Administrador supra identificado afirmou ainda que: “no quadro das responsabilidades que possuía ao nível da Comissão Executiva do BES, estive envolvido nos trabalhos do exercício ETRICC2. Nesse contexto, foi informado pelas equipas do banco, em finais de Novembro de 2013, da real dimensão do passivo financeiro da ESI, tendo, imediatamente, ficado para mim clara a gravidade da situação.” [cf. art. 145.º da Contestação da Ré Zurich]

80. A sociedade de advogados, por carta de 11 de março de 2015, informa o Autor do cálculo dos honorários, conforme fls. 485. [retifica-se o lapso de escrita, tratando-se de fls. 458 – cf. documentos juntos com a PI, designadamente o doc. 10, e art. 24.º da PI]


81. Por mail [enviado, entre outros endereços, para ...] de 12 de março de 2015, o Autor informa a AON de que lhe foram movidas duas ações judiciais de natureza civil [processos n.ºs 3422/15.... e 763/15...., da Instância Central do Tribunal da Comarca de Lisboa, anexando cópias das primeiras e últimas folhas das respetivas petições iniciais para identificação das ações, dos autores, da sua qualidade de réu e do pedido] e que mandatou a sociedade de advogados “JJ” para o representar, mais informando que corria também no Banco de Portugal processo de contraordenação com o n.º ...4/CO em que era arguido. Cf. fls. 458 [cf. artigos 24.º e 25.º da PI, 6.º da Contestação da Ré HCC, e 197.º e 272.º da Contestação da Ré Zurich, e doc. 10 junto com a PI]

81.-A) No processo n.º 763/15...., o Autor foi demandado, na qualidade de membro da Comissão Executiva e do Conselho de Administração do BES, ao tempo dos factos narrados na petição inicial dessa ação, sendo-lhe aí designadamente imputada responsabilidade civil decorrente de atos e omissões dolosos relativos a falta de completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude da informação constante do Prospeto da Oferta Pública de Subscrição e de Admissão à negociação no Euronext Lisbon de até 1.607.033,212 ações ordinárias nominativas e escriturais, sem valor nominal, representando 28,57% das ações representativas do capital social do BES, publicado em 20-05-2014; e da informação periódica divulgada ao mercado, nomeadamente as demonstrações financeiras.

82. Com data de 28 de abril de 2015, a Assembleia da República elabora o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito. Cf. fls. 1503 e ss..

83. Do “Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do GES” consta: “(...) de acordo com os depoimentos prestados, a generalidade dos membros da Comissão Executiva e do Conselho da Administração do BES desconhecia por completo esta situação, de manipulação de contas, que se arrastava na ESI desde 2008, dela tendo tomado conhecimento no início do mês de Dezembro de 2013 (...)”. Cf. Doc. 5 que aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos (conclusão 83, linhas 9669 a 9675, Pág. 281) [cf. artigos 38.º e 146.º da Contestação da Ré Zurich]

84. A acusação do BDP no referido processo [de contraordenação n.º ...4/CO] foi deduzida a 19 de maio de 2015. Cf. fls. 1434 e ss. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [referindo-se, além do mais, nos pontos 365, 476 e 494, a factos ocorridos em 2013, atinentes à colocação de dívida da ESI junto de clientes do BES, mencionando-se aí que o Autor esteve presente na reunião do ALCO de 04-09-2013 que aprovou a comercialização do papel comercial da ESI pelo BES - cf. artigos 38.º e 199.º da Contestação da Ré Zurich e 26.º da Resposta]

85. A 30 de maio de 2015, por informação transmitida pelo Autor, as Rés tomaram conhecimento da acusação do processo referido em 37. [trata-se de lapso de escrita, deverá ler-se 84.], deduzida em 19 de maio de 2015; Cf. arts. 197 e ss. pág. 830 [cf. art. 196.º da Contestação da Ré Zurich]

86. Por carta datada de 25 de junho de 2015, enviada ao Autor, a Ré Zurich, por si e em representação dos seguradores do excesso, declara:
“... uma vez que em 30 de Maio do corrente ano tomou conhecimento da acusação deduzida no processo de contra-ordenação do BdP 58/14/CO, em que V. Exa. é arguido, e cujo teor aqui se por integralmente reproduzido.
Conforme decorre da referida acusação, em particular naquilo que releva para efeitos da apólice acima referida (D&O Insurance Policy FD141088 Espírito Santo Financial Group SA), V. Exa na qualidade de administrador executivo do BES e no âmbito das funções desempenhadas no Grupo ES mais detalhadamente descritas na acusação do BdP (art.112º), entre outros factos relevantes:
i.        Tinha conhecimento da comercialização pelo BES, da dívida da ESI junto dos clientes do BES, pelo menos desde o início da comercialização do papel comercial doméstico da ESI pelo BES, em Setembro de 2013;
ii. Sabia que o quadro normativo em vigor impunha ao BES a obrigação de garantir a existência de informação substantiva, actual, compreensiva, consistente, tempestiva e fiável que permitisse ao órgão de administração possuir uma visão global e abrangente sobre a situação financeira, desenvolvimento da actividade e o perfil de risco da instituição;
iii. Não agiu com a diligência e o cuidado que lhe era exigível enquanto administrador com funções executivas do BES, ao não assegurar que esta instituição possuía um sistema de informação e ou procedimental que obrigasse ao reporte periódico ao órgão de administração, de forma integrada, completa e transparente, de informação relativa à sua actividade, nomeadamente no que respeita à actividade de comercialização de dívida emitida por terceiros, designadamente da Esi;
iv. Sabia que o quadro normativo em vigor impunha ao Bes a obrigação de possuir um sistema de gestão de risco sólido, eficaz, consistente e abarcar todos os produtos, actividades, processos, sistemas de informação, que tomasse, designadamente em consideração os riscos reputacionais, bem como todos os outros riscos que, em face da situação concreta da instituição se pudessem revelar materiais;
v. Sabia que, pelo menos no âmbito da colocação do papel comercial doméstico (até 2013), existia um montante muito elevado de dívida da ESI, que podia seriamente afectar o Grupo e o próprio BES, em termos financeiros e em termos reputacionais, e que essa dívida estava a ser colocada através do BES;
vi. Conhecia, pelo menos desde meados de 2013, os elevados montantes de dívida da ESI que estavam a ser comercializados pelo BES junto dos clientes do BES, através dos diversos canais, e pelo GBES, nomeadamente através dos fundos comercializados pela ESAF FIM, bem como o perigo que esta circunstância comportava;
vii. Nada fez para apurar os montantes globais da dívida emitida pela ESI que estava a ser colocada através do BES ou para implementar um procedimento interno que exigisse a realização de qualquer análise à situação financeira do emitente;
viii. Sabia que o BdP com o propósito de reduzir o risco reputacional patente que advinha da associação do BES à comercialização da dívida emitida pela ESI, determinou por carta datada de 3 de Dezembro de 2013, à ESFG e ao BES que promovessem as necessárias diligências com vista a assegurar impreterivelmente até dia 31 de Dezembro de 2013, a eliminação da exposição resultante de financiamento directo ou indirecto, bem como da concessão de garantias, do grupo ESFG à ESI que não estivesse coberta por valorizações prudentes dos activos dados e por garantias juridicamente vinculativas, e ainda a constituição de uma conta à ordem (conta escrow) titulada pela ESI alimentada por recursos alheios ao Grupo ESFG e sem qualquer apoio financeiro ou garantia explícita ou implícita de entidade pertencente ao Grupo ESFG, com um montante equivalente à dívida emitida pela ESI e detida por clientes do BES na sequência da sua colocação na respectiva rede de retalho-estes factos não foram dolosa e fraudulentamente comunicados à Zurich;
ix. Tinha conhecimento ou não podia ignorar, no cumprimento das suas funções que, na sequência do ETRICC2 e da informação remetida pela ESFG, tinha ocorrido um crescimento exponencial do passivo financeiro da ESI em 30 de Setembro de 2013, por comparação com a informação disponibilizada a 30 de Junho de 2013;
x. Não agiu com a diligência e o cuidado devidos e exigíveis enquanto administradores com funções executivas do BES, ao permitir que vigorasse uma desadequada norma interna sobre Concepção de Desenvolvimento de Produtos e Serviços, com fundamento na qual não se procedeu à avaliação do risco da dívida emitida pela ESI, como teria feito qualquer pessoa medianamente diligente;
xi. No caso concreto, a omissão dessa diligência é particularmente grave e revela acentuada incúria, na medida em que essa análise era especialmente exigível atento o elevado montante da dívida global da ESI que estava a ser comercializada, o facto de ser dívida emitida por uma sociedade pertencente ao Grupo que o BES integrava e relativamente à qual não existia qualquer análise consistente e actual à sua situação financeira.
Como V. Exa. tem presente, a apólice nº ...88 cuja cobertura V. exa accionou e no âmbito da qual solicitou o pagamento dos custos da defesa jurídica, rege-se pela lei portuguesa e é passível de anulação com fundamento em falsas e ou dolosas declarações ou omissões do risco, podendo igualmente o segurador recusar a cobertura em caso de agravamento de risco não comunicado dolosamente com o propósito de obter uma vantagem.
Os factos vertidos na acusação do BdP, cujos factos relevantes ilustrativamente se sumariou, bem como os documentos que a suportam e que, para todos os efeitos, apenas em 30 de Maio do presente ano chegaram ao conhecimento da Zurich, permitem concluir que V.Exa. efectivamente sabia da situação patrimonial deficitária da ESI, com reflexos sobre o BES e ESFG, bem como dos manifestos e graves problemas financeiros por que aquela entidade passava, comprometendo toda a operação de venda de produtos financeiros desta a clientes do BES, com graves prejuízos reputacionais e patrimoniais como veio a ocorrer.
Estas circunstâncias que, conhecidas de V. Exa. e não podendo V. Exa. ignorá-las, não foram comunicadas à Zurich nem no momento da celebração do contrato nem em momento posterior e que a serem do conhecimento desta levariam a não celebrar o contrato de seguro, fundamentam a recusa por parte da Zurich da cobertura em face das omissões intencionais e fraudulentas da declaração inicial de risco, bem como das circunstâncias que ditaram um agravamento do risco e que não foram por V. Exas comunicadas, tanto mais que, a Zurich jamais celebraria um contrato de seguro cobrindo riscos com as características resultantes de tal agravamento.
Nestes termos a companhia de seguros Zurich PLC vem expressamente anular o contrato de seguro D&O no âmbito do qual V. Exa. foi segurado e beneficiário, por omissões e inexactidões intencionais e fraudulentas do risco, bem como recusar a cobertura de qualquer sinistro que venha a ser participado, não avaliando nem adiantando o pagamento de quaisquer custos de defesa nos termos que tenham sido por V. Exa. requeridos.
Sem prejuízo do acima exposto, a Zurich/Seguradores reservam o seu direito em invocar quaisquer outros mecanismos de defesa que lhe possam assistir nos termos da apólice e da lei, designadamente quanto a saber se tais notificações encontram ou não enquadramento no âmbito dos riscos cobertos pela apólice D&O e/ou se mais propriamente, caberiam, no âmbito da cobertura de outra apólice ou ainda se se trata de notificações extemporaneamente apresentadas.” Cf. fls. 755 a 757 [cf. artigos 205.º a 207.º da Contestação da Ré Zurich]

87. Por carta datada de 25 de junho de 2015 [cuja cópia consta de fls. 758-761], enviada à administração da ESFG, a Ré Zurich, por si e em representação dos seguradores do excesso, declara:
“Com base nos factos da acusação do BdP acima referida a Zurich pôde apurar e concluir que o Conselho de Administração executivo da ESFG, designadamente nas pessoas dos administradores DD (Presidente), BB (vice-presidente), KK e LL, entre outros – cujo conhecimento e comportamento é imputável à sociedade, para este efeito, designadamente no que se refere à omissão dolosa de factos relativos ao risco seguro tinham no seu todo ou isoladamente, conhecimento dos seguintes factos (cuja enumeração melhor consta de fls.758 e ss.)” – e declara expressamente anulado o seguro. [cf. art. 208.º da Contestação da Ré Zurich]

88. Na mesma data, idêntica carta é enviada dirigida à administração do BES, conforme melhor consta de fls. 762 e ss. [762-765], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. [cf. art. 208.º da Contestação da Ré Zurich]

89. Por carta registada de 5 de novembro de 2015, foi a Ré [deverá ler-se a Ré Zurich, face ao teor do documento e conforme referido na fundamentação de direito da sentença] informada da instauração de outro processo contraordenacional [n.º 87/14/CO] por parte do Banco de Portugal, sendo o Autor arguido. Cf. fls. 486 e ss. [cf. docs. 11 e 12 juntos com a PI - cf. artigo 26.º da PI]

90. No mesmo dia foi apresentada [em anexo à referida carta] a nota de honorários referente ao processo n.º ...4... no montante de 40.000,00 € referente à defesa apresentada e análise da documentação do processo administrativo e [cf. art. 27.º da PI]

91. (...) igualmente apresentada a nota de honorários no valor de 15.000,00 € a título de provisão para acompanhamento do processo n.º ...14..., perfazendo [com IVA] o total de 67.650,00 €. [cf. artigos 28.º e 29.º da PI]

92. Foi ainda requerido o pagamento da quantia de 3.690,00 € referente ao estudo necessário e importante para a defesa no âmbito do processo n.º 763/15...., processo de que foi dado conhecimento à AON em 12-03-2015. Cf. docs. de fls. 486 a 501 [cf. art. 30.º da PI e docs. 11 e 12 juntos com a PI; importa desde já retificar o manifesto lapso de escrita quanto ao n.º do processo, lapso que consta da sentença e dos articulados das partes – no referido art. 30.º da PI, no art. 6.º da Contestação da Ré HCC e no art. 272.º da Contestação da Ré Zurich –, verificando-se pelos documentos juntos aos autos, designadamente pela certidão apresentada em 07-11-2019, no seguimento de despacho da ora Relatora, que se trata do processo n.º 763/15...., pelo que doravante será esse o n.º indicado]

93. O Autor efetuou o pagamento dos honorários referidos de 37. a 39. [onde se lê de 37. a 39. deverá ler-se de 90. a 92., retificando-se assim o lapso de escrita]. Cf. fls. 499, 502 e 503 [cf. cf. art. 32.º da PI e docs. 11 a 13 juntos com a PI]

94. O Autor foi absolvido de todas as acusações contra si deduzidas no processo de contraordenação [n.º 58/14/CO] levantado pelo BdP, conforme melhor consta do documento junto em Pen a estes autos apensa e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. [mais precisamente, o Autor foi, por decisão administrativa do Banco de Portugal (de 31 de maio de 2016), considerado “não responsável” quanto às violações que lhe haviam sido imputadas na acusação, com o arquivamento dos autos nessa parte – cf. artigos 32.º, 76.º e 100.º da Resposta; cfr. o documento constante da Pen, incorporado no processo eletrónico em 24-05-2018, e a certidão de fls. 2017, extraída do processo de recurso de contraordenação do Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão]


95. Para efeitos de análise e cálculo do risco inerente à cobertura que se pretendia ver garantida pelos Contratos de Seguro referidos, a Ré Zurich e as demais Rés Seguradoras tiveram em consideração formulário da proposta sumária de renovação [referida em 49.], inquérito, reunião de renovação, informação pública disponível no website do cliente, tendo ainda a Zurich tido em consideração as demonstrações financeiras do BES e a Berkley as demonstrações financeiras do BES e da ESFG [cf. art. 159.º da Contestação da Ré Zurich]

96. A 1.ª Ré Zurich e as restantes Rés Seguradoras concluíram que se verificava uma redução do risco em geral, como resultado de melhoramentos aos níveis financeiro, operacional e de controlo de risco, e ainda devido a um ambiente macroeconómico que se mostrava ser mais positivo em relação ao ano anterior. [cf. art. 175.º da Contestação da Ré Zurich]

97. A decisão de contratar os Contratos de Seguro por parte das Rés Seguradoras, assentou assim no pressuposto de que cobririam riscos associados a uma instituição bancária histórica, com comprovada solidez económica, patrimonial e financeira, cumpridora das normas legais e regulamentares aplicáveis à sua atividade. [cf. artigos 181.º e 182.º da Contestação da Ré Zurich]

98. A decisão de contratar os Contratos de Seguro por parte das Rés Seguradoras assentou no pressuposto de que cobririam riscos associados a uma instituição bancária detentora de um sistema de informação ao órgão de administração de todos os aspetos relevantes da sua atividade. [cf. art. 183.º da Contestação da Ré Zurich]


99. A decisão de contratar os Contratos de Seguro por parte das Rés Seguradoras assentou no pressuposto de que cobririam riscos associados a uma instituição bancária detentora de um sistema de gestão de riscos sólido e eficaz com relação a todos os seus produtos e atividades, designadamente sobre a colocação de dívida de entidades terceiras. [cf. art. 184.º da Contestação da Ré Zurich]

100. As Rés Seguradoras pensaram que segurariam uma instituição isenta de riscos reputacionais suscetíveis de desencadear riscos sistémicos na banca portuguesa. [cf. art. 185.º da Contestação da Ré Zurich]

101. Os produtos Obrigações, Domestic Commercial Paper e SPVs [Special Purpose Vehicles] da ESI [Espírito Santo Internacional, S.A.] foram comercializados aos balcões do BES entre 2011 e 2013. [cf. artigos 61.º, 70.º e 74.º a 76.º da Contestação Ré Zurich]

101.-A) A partir de dada altura, que não é possível precisar, mas, pelo menos, desde final de julho de 2014, o BES ficou exposto a risco reputacional e de litigância perante os seus clientes, decorrente, entre outros factores, de ter colocado junto dos mesmos dívida de uma sociedade do seu próprio grupo [art. 89.º da Contestação da Ré Zurich]


102. O Autor comunicou às Rés, no dia 5 de novembro de 2015, a existência de uma outra apólice de seguro de responsabilidade civil de administradores, indicando o número da apólice a identificando a companhia seguradora [Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.], informando ainda do pagamento de custos de defesa ao abrigo daquela apólice; Cf. doc. de fls. 495 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. [cf. artigos 102.º da Resposta e 239.º da Contestação da Ré Zurich]

103. O contrato de seguro referido em 102. consta de fls. 2100 e ss. [doc. 23 junto com a Resposta], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido cíveis. [cf. art. 102.º da Resposta]

104. O contrato de seguro referido em 103. não cobre custos de defesa em processos contraordenacionais e tem o limite de 50.000 € para ações cíveis. [cf. artigos 110.º e 111.º da Resposta]

2.2. Na mesma linha, após eliminação dos pontos 2. e 6. e restrição dos pontos 8. e 9., foram considerados não provados em 2.ª instância os seguintes factos:

1. Pelo menos desde entre 2008 e 2013 a ESI, sociedade que reunia as participações relativas às holdings do ramo financeiro (ESFG) e do ramo não financeiro (Espírito Santo Resources Limited e Rioforte Investments S.A.” do GES, não dispôs de contas anuais consolidadas e as suas contas anuais em base individual não eram objeto de consolidação [deverá ler-se certificação] legal. [cf. artigos 43.º e 44.º da Contestação da Ré Zurich]


2. (Eliminado pela Relação.)
 
3. O BES ficou exposto a um risco de liquidez decorrente da possibilidade dos seus clientes titulares de dívida da ESI procederem a um levantamento generalizado de outras importâncias que estivessem depositadas na instituição. [cf. art. 90.º da Contestação da Ré Zurich]

4. O Autor tinha à data da conclusão dos contratos de seguro conhecimento das circunstâncias que razoavelmente sabia serem significativas para a apreciação do risco pelas Rés. [cf. art. 122.º, parte, da Contestação da Ré Zurich]

5. O Autor tinha à data da conclusão dos contratos de seguro pleno conhecimento da debilitada situação económica e financeira do BES e do Grupo Espírito Santo. [cf. artigos 125.º e 126.º da Contestação da Ré Zurich]

6. (Eliminado pela Relação.)

7. O Autor sabia que o BES não cumpria o quadro normativo em vigor que lhe impunha a obrigação de garantir a existência de informação substantiva, atual, compreensível, consistente, tempestiva e fiável que permitisse ao órgão de administração possuir uma visão global e abrangente sobre a situação financeira, desenvolvimento de atividade e o perfil de risco da instituição. [cf. art. 128.º da Contestação da Ré Zurich]

8. O Autor sabia da situação patrimonial deficitária da ESI, com reflexos sobre o BES e ESFG estando consciente do impacto desta situação para avaliação do risco a ser coberto por via dos contratos de seguro aquando da sua renovação. [cf. artigos 136.º, 141.º, 142.º e 151.º da Contestação da Ré Zurich] (Restringido em função do facto provado 56.-B).)


9. Todos os membros do Conselho de Administração do BES e da Comissão Executiva tomaram conhecimento da verdadeira situação financeira da ESI e das expectáveis repercussões, antes do final do ano de 2013. [cf. artigos 147.º e 151.º da Contestação da Ré Zurich] (Restringido em função do facto provado 56.-C).)


10. A verdadeira situação do BES foi consciente e dolosamente ocultada às Rés Seguradoras pelas Tomadoras e pelos administradores Segurados, quer anteriormente à data da celebração dos Contratos de Seguro, quer no momento da sua celebração, quer posteriormente à mesma. [cf. art. 187.º da Contestação da Ré Zurich]

11. Através da ocultação de factos, as Rés foram induzidas em erro e falseadas quanto ao risco assumido. [cf. art. 188.º da Contestação da Ré Zurich]

12. As Rés Seguradoras ignoravam e estavam, efetivamente, em erro quanto aos verdadeiros riscos em causa, e que lhes foram omitidos durante todo o processo negocial. [cf. art. 189.º da Contestação da Ré Zurich]

13. Tais declarações criaram nas Rés Seguradoras uma convicção errónea sobre o risco daquele contrato de seguro, ou seja, sobre as probabilidades de se vir a verificar o sinistro ou sinistros. [cf. art. 190.º da Contestação da Ré Zurich]

14. Só porque a apreciação do risco foi feita com base em dados erróneos, consentiram as Rés Seguradoras em celebrar os Contratos de Seguro dos autos, incluindo como Segurado o Autor. [cf. art. 191.º da Contestação da Ré Zurich]


3. Direito aplicável


1. Da junção de Parecer

Considerando a faculdade oferecida pelo art. 651º, 2, e a apresentação de Parecer (por Professor de Direito na qualidade de jurisconsulto) em tempo não obstaculizado em concreto pelo prazo consignado pelo art. 657º, 2, em conjugação com o art. 652º, 1, aplicáveis por força do art. 679º, sempre do CPC, admite-se a sua junção: fique nos autos, a fls. 4288-4307. 

Quanto à sua bondade, impugnada pelo Recorrido, nada há a apreciar, em especial para julgar a respectiva admissão nos autos.


2. Da interpretação e aplicação dos arts. 24º, 1, e 25º do RJCS

2.1. A questão recursiva foi abordada de modo coincidente pelas instâncias, ainda que com ponderação factual acrescida na Relação, tendo em conta a anulação do contrato de seguro efectuada em 25 de Junho de 2015 pela Ré Zurich ao Autor segurado e beneficiário – cfr. factos provados 86. e 87.

Vejamos a respectiva fundamentação.

2.1.1. Na sentença proferida em 1.º grau foi assim sustentado:

“Uma das características essenciais do contrato de seguro é ser um contrato de boa fé.

Com efeito, se na generalidade dos contratos, a boa fé é um elemento extremamente importante, no contrato de seguro, a boa fé é uma característica basilar ou determinante, uma vez que a empresa de seguros aceita ou rejeita um dado contrato de seguro com um eventual tomador de seguros e determina o valor do prémio de seguro que este deverá pagar com base, para além do mais, nas declarações por ele prestadas.
Esta característica não visa reforçar a necessidade das partes actuarem, tanto nos preliminares, como na formação do contrato, de boa fé (artigo 227º, n.º 1, 1ª parte CC) mas sim realçar a necessidade de o tomador de seguro (e o segurado) actuar com absoluta lealdade, uma vez que a empresa de seguros não controla a veracidade destas no momento da subscrição.
Ao celebrar um contrato é obrigação do segurado não prestar declarações inexactas, assim como não omitir qualquer facto ou circunstância que possam influir na existência ou condições do contrato.
Com efeito, “sobre o segurado recai o ónus de não encobrir qualquer facto que possa contribuir para a apreciação do risco por parte da seguradora e se o fizer, tendo conhecimento de tais factos que de alguma maneira possam influir sobre a formação do contrato e as condições do mesmo, perde o direito à contra – prestação da seguradora”. Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial, II, 540-541, Pinheiro Torres, Ensaio sobre o Contrato de Seguro, 106.
No mesmo sentido, refere Moitinho de Almeida que “sobre o segurado recai o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador”. Cfr. Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, 65.
É efectivamente obrigação do segurado não omitir quaisquer factos ou circunstâncias que se possam considerar decisivos para a apreciação do risco que a seguradora se propõe assumir e que terá por ela de ser aferido e avaliado com rigor, munida, portanto, do        conhecimento de todos os respectivos elementos referenciadores.
As duas referidas expressões “declarações inexactas” e “reticência de factos ou circunstâncias”, têm sentido e alcance diversos. As declarações inexactas consistem na declaração de determinados elementos que não são verdadeiros: é a afirmação errónea, que tanto pode ser dolosa (de má fé) como involuntária (negligente). As reticências de factos ou circunstâncias traduzem-se na omissão ou ocultação deliberada de elementos essenciais para a seguradora poder avaliar de forma correcta o risco, se o pretende assumir e em que condições.
Uma declaração só será inexacta ou reticente, se puder influir sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, se for susceptível de aumentar o risco ou prémio aplicável.


In casu, trata-se de um seguro D&O.

“O Seguro de Responsabilidade Civil para Gestores e Diretores (D&O – Insurance) é apresentado, no contexto jurídico, como idóneo visando mitigar o risco pessoal do património do administrador, eliminando os desincentivos existentes à atracção de gestores talentosos para o desempenho do cargo. Esta cobertura assegura, aos gestores, o exercício exímio de sua actividade ofertando-lhes uma cobertura de seguro que os salvaguarda de eventuais indemnizações e custos de defesa decorrentes da responsabilidade civil.”. Cfr. Seguro de Responsabilidade Civil dos Administradores, Origem, Expansão e Recepção no Regime Jurídico Nacional”, Natália Nascimento da Silva, Universidade Católica, Faculdade de Direito | Escola do Porto, 2016.

Mais, “A empresa pioneira nesse ramo de seguros, a Lloyd, refere-se a este como: “D&O insurance comes in different forms, protecting individual directors and officers for example in cases where they have been accused of committing a wrongful act and their company is either unwilling or unable to indemnify their litigation costs. D&O insurance cover can also provide balance sheet protection to the corporation in jurisdictions where indemnification is permitted”. Ob.Cit.
Desde a década de 30 que os administradores não estavam dispostos a satisfazer, apenas com o seu património, o risco de serem enleados numa class action. A derrota dos administradores, perante uma situação indemnizatória, era tida como uma certeza, porque existia uma incapacidade para custear a defesa relativamente a estas ocorrências. O montante necessário para custear defesa era, por si só, praticamente suficiente para impor ao administrador uma rendição face à acção contra ele instaurada. O D&O Insurance surgiu como a solução para esta adversidade. Cfr. neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, in “O seguro de responsabilidade civil de administradores e outros dirigentes da sociedade anónima”, Almedina 2007.
Analisado o risco, a celebração deste tipo de seguros é alternativa viável, considerando os custos gerados por processos judiciais e outros em que os segurados se vejam envolvidos.


Alegam as RR. que os contratos de seguro accionados foram validamente resolvidos por violação do dever de declaração do risco.
Vejamos.


Dispõe o art. 24º da LCS (Dec.Lei nº72/2008, de 16 de Abril) sob a epígrafe “Declaração Inicial do Risco”: “1 O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador. 2 O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito. 3 O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se: a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário; b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos; c) De incoerência ou contradição evidente nas respostas ao questionário; d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça; e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias. 4 O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.”
Por sua vez dispõe o Artigo 25.º, sob a epígrafe “Omissões ou inexactidões dolosas” que “1 Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro. 2 Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento. 3 O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade. 4 O segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2, salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do segurador ou do seu representante. 5 Em caso de dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato.”
Alegam a propósito as RR. que a decisão de contratar os Contratos de Seguro assentou no pressuposto de que cobririam riscos associados a uma instituição bancária detentora de um sistema de informação ao órgão de administração de todos os aspectos relevantes da sua actividade; que cobririam riscos associados a uma instituição bancária detentora de um sistema de gestão de riscos sólido e eficaz com relação a todos os seus produtos e actividades, designadamente sobre a colocação de dívida de entidades terceiras; que segurariam uma instituição isenta de riscos reputacionais susceptíveis de desencadear riscos sistémicos na banca portuguesa.
Defendem que sabendo o A. da exposição do BES ao GES; da dívida emitida pela ESI, da intervenção do Grupo BES na colocação de dívida da ESI; da ausência de controlo de risco no BES, teria de comunicar tais factos às seguradoras pois que eram fulcrais para a avaliação do risco. Actuou com dolo ao omitir tais factos às RR..
É certo que, na celebração de um contrato de seguro é obrigação do tomador e/ou segurado não prestar declarações inexactas, assim como não omitir qualquer facto ou circunstância que possam influir na existência ou condições do contrato.
Veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Novembro de 2010, ao referir que “a apólice de seguro deve ser datada, assinada pelo segurador e enunciar, além do mais, e em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador, bem como todas as condições estipuladas pelas partes” e que segundo o artigo 429.º do Código Comercial “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir

sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”. (…)
Decorre aliás, da LCS – Dec. Lei nº 72/2008, de 16/04 –, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/2009 e aplicável a todos os contratos de seguros celebrados a partir desta data – arts. 2º, nº 1, e 7º do referido diploma – que com o novo regime pretendeu-se, além do mais e no que respeita à declaração inicial de risco, “… evitar as dúvidas resultantes do disposto no artigo 429º do Código Comercial, reduzindo a incerteza das soluções jurídicas. Mantendo-se a regra que preponderância ao dever de declaração do tomador sobre o ónus de questionação do segurador, (também) são introduzidas exigências ao segurador, nomeadamente impondo-se o dever de informação ao tomador do seguro sobre o regime relativo ao incumprimento da declaração de risco… Neste âmbito, cabe ainda realçar a introdução do parâmetro da causalidade para aferir a invalidade do contrato de seguro e do mencionado dever específico, por parte do segurador de, aquando da celebração do contrato, elucidar devidamente a contraparte do regime de incumprimento da declaração de risco. Quanto à causalidade, importa a sua verificação para ser invocado pelo segurador o regime da inexactidão na declaração inicial de risco e a consequente invalidade do contrato de seguro” – ver os considerandos iniciais (preâmbulo) ao referido regime jurídico, constantes do preâmbulo do Dec. Lei nº 72/2008, de 16/04, seu ponto V, a pgs. 2229 do Diário da República, 1ª série, nº 75, de 16/04/2008.
A este respeito desde já se diga que não resulta provado que em data anterior à da celebração da renovação do contrato de seguro, soubesse o A. dos factos cuja omissão as seguradoras lhe imputam. O A. nunca foi administrador ou exerceu funções na ESFG, na ES Control, na ESI, na RioForte ou qualquer outra empresa do grupo GES.

Com efeito, à data de tal celebração já se sabia por força da reunião de 4 de Dezembro de 2013, porém, na altura o entendimento e a convicção era de que tudo era recuperável. Tal entendimento aliás, era sedimentado no facto do papel comercial da ESI ter sido pago até Julho de 2014 e ainda no facto de ter havido uma oferta pública de subscrição, veja-se a propósito o supra referenciado prospecto.
Na reunião de 4 de Dezembro, a comissão executiva do BES deliberou que fosse suspensa a venda de papel comercial emitido pela ESI e a Comissão Executiva do BES foi informada de que este emitente detinha meios suficientes para assegurar a liquidação de tais instrumentos financeiros procedendo a um programa de venda de activos e de aumento de capital.
Assim sendo, não se vislumbra que factos pudesse o A. (ou outros administradores) ter comunicado antes da celebração da renovação do contrato de seguro que pudesse levar as RR. a não subscrever a dita renovação.
Porém, veja-se até, que já na posse de elementos públicos (notícias de jornais e outras) sobre a duvidosa situação do BES, ainda houve propostas por parte das RR. de segurarem o prospecto divulgado em 20 de Maio de 2014, de oferta pública de subscrição e de admissão à negociação no Euronext Lisbon gerido pela Euronext Lisbon de até 1.607.033.312 acções ordinárias nominativas e escriturais, sem valor nominal, representando 28,57% das acções representativas do capital social do BES.
Do "Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do GES" consta: “(…) de acordo com os depoimentos prestados, a generalidade dos membros da Comissão Executiva e do Conselho da Administração do BES desconhecia por completo esta situação, de manipulação de contas, que se arrastava na ESI desde 2008, dela tendo tomado conhecimento no início do mês de

Dezembro de 2013 (…)”. – Cfr. Doc. 5 que aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos (conclusão 83, linhas 9669 a 9675, Pág. 281)
E a este respeito mais uma vez se diga que o A. tendo tido conhecimento das irregularidades das contas da ESI em 4 de Dezembro de 2013, também nesse momento havia a informação de que a ESI detinha meios suficientes para assegurar a liquidação dos instrumentos financeiros comercializados, procedendo a um programa de venda de activos e de aumento de capital.
Não se vislumbra pois, qual a necessidade de declaração do risco ou de agravamento do risco quando ainda se considerava tudo recuperável.

Atente-se, ainda, no seguinte:
Dos factos dados como provados resulta que no questionário que acompanhou a proposta de seguros Directors & Officers, datado de 28.12.2013, a tomadora ESFG (que não o BES) confirmou a seguinte informação:
“(7) a. Foi feita alguma reclamação ou notificação aos directores e administradores nos últimos 12 meses? Se sim por favor forneça detalhes:
Resposta: Não.


7. b. alguma pessoa consciente depois de inquérito, de quaisquer circunstâncias ou incidentes que levem a que ele/ela tenha fundamento para supor que possa haver algum fundamento para future reclamação abrangida no âmbito do seguro proposto? Se sim por favor forneça detalhes.
Resposta: Não.”
Havendo a convicção de que tudo era recuperável, não se vê qualquer falsidade nesta declaração. Anote-se que não foi o tomador BES quem subscreveu as respostas ao inquérito, não existindo nos autos qualquer inquérito subscrito pelo BES. E a verdade é que não lograram as Rés provar que, naquela data, tais respostas não correspondessem à verdade.
Esta conclusão advém, até, dos seguintes factos:


Em Setembro de 2013, o Banco de Portugal decidiu complementar os trabalhos desenvolvidos no âmbito do ETRICC com uma avaliação dos planos de negócio dos principais grupos económicos devedores do sistema bancário cuja recuperabilidade dos créditos se encontrava fortemente dependente da geração de fluxos financeiros do negócio, entre os quais se integrava o BES teve-se como referência as contas em 30 de Setembro de 2013 (ETRICC2).
No âmbito do ETRICC, a ESI não foi identificada como um mutuário de risco material e uma parte significativa das exposições sobre as empresas não financeiras do GES foi objecto de análise no âmbito dos exercícios transversais promovidos pelo Banco de Portugal sem que tenham sido apurados quaisquer desvios de imparidade.
As empresas de auditoria validaram, com base na informação contabilística disponível relativamente a cada empresa, imparidades quase nulas para estas exposições.
Relevante é, de igual modo e conforme se anotou, que em 20 de Maio de 2014 é divulgado o prospecto de oferta pública de subscrição e de admissão à negociação no euronext Lisbon gerido pela Euronext Lisbon, de até 1.607.033.312 acções ordinárias nominativas e escriturais, sem valor nominal, representando 28,57% das acções representativas do capital social do BES, após aumento, assumindo a subscrição integral do aumento de capital, reservada a accionistas no exercício do direito de preferência e demais investidores que adquiram direitos de subscrição e admissão à negociação na euronext Lisbon de até 1.607.033.212 acções ordinárias, nominativas e escriturais, sem valor nominal, representando 28,57% das acções representativas do capital social do BES após aumento, assumindo a subscrição integral do aumento de capital.
Nesse documento alertava-se para a situação financeira grave e irregularidades nas contas que poderiam afectar a reputação do BES.
É do conhecimento público que a subscrição foi um êxito tendo sido subscritas todas as acções.
Foi o BdP que determinou que o grupo BES, constituísse provisão para cobrir o papel comercial nas mãos de clientes. Tal objectivo visava a protecção do BES de um risco reputacional, por ter vendido papel comercial emitido por empresas que estavam em insolvência.
À data da subscrição da renovação da apólice não se vê risco identificado e concreto.
Com data de 25 de Julho de 2014, por CC (BES-SGCE Direcção) foi enviado à corretora AON mail reportando, para efeitos do art.10.1. da apólice do seguro D&O que apesar de o BES ainda não ter conhecimento das concretas alegações de actos dolosos que possam ser, ou não, imputados ao BES ou a algum dos membros do seu Conselho, dada a turbulência inédita do mercado para o BES, a dimensão das perdas, os pedidos de protecção de credores feitos pelo Espírito Santo Finantial Group, S.A., e outras empresas do Grupo Espírito Santo, face à incapacidade de cumprimento das suas obrigações financeiras, levou o BES a antecipar razoavelmente reclamações da natureza que se passam a indicar, materializadas nalgum pretexto.(…)
1. Condição Financeira da ESI e do Grupo ESI (…)
2. Transacções de partes relacionadas (…)
3. Alterações recentes na gestão do BES (…)

4. Auditoria forense do Banco de Portugal ao BES”

Aí se fazia referência à divulgação pública em 20 de Maio de 2014, de resultados de uma revisão limitada de contas feita à ESI que concluiu por uma situação financeira grave.

De novo em 25 de Julho de 2014, por CC (BES-SGCE Direcção) foi enviado à corretora AON mail dando conta de circunstâncias relativas à actividade do grupo BES em Angola desenvolvida através da sua subsidiária – Banco Espírito Santo Angola.
Em 3 de Agosto de 2014 é conhecida a Resolução do BES, e nasce o Novo Banco.
Ora, até pelo menos à data de 25 de Julho de 2014, não existe prova de que a condição financeira do BES seria tal que importaria a medida extrema de Resolução levada a efeito pelo BdP.
Com efeito, até Julho de 2014, o papel comercial da ESI foi pago.

Por outro lado, há que apreciar, à luz dos arts. 2º, nº 1, e 7º da LCSeguro, a referida “causalidade” (nexo de causalidade entre a omissão – por parte tomador do seguro – da real situação do BES e ESFG e o sinistro) ou seja entre a invocada falta de declaração de risco e o sinistro.
Não se vislumbra, assim, qualquer nexo de causalidade entre a omissão à data da subscrição da renovação e o sinistro.
Quando o risco se tornou concreto, em 25 de Julho de 2014, CC comunicou-o à corretora, tal como previa o contrato de seguro (havendo referência nessa comunicação a comunicação em data anterior – 20.5.2014).
Por mail de 19 de Novembro de 2014 o A. informou a Zurich de que poderiam existir acções propostas contra os responsáveis do BES, ESFG e subsidiárias. Por mail de 12 de Março de 2015, o A. informa a AON de que lhe foram movidas duas acções judiciais de natureza civil e que mandatou sociedade de advogados “JJ” para o representar; Cfr. fls.458. Por carta registada de 5 de Novembro de 2015 foi a Zurich informada da propositura de novo processo contra-ordenacional movido pelo BdP, sendo o A. arguido.
A sociedade de advogados, por carta de 11 de Março de 2015, informa o A. do cálculo dos honorários, conforme fls.485;
A acusação do BDP no primeiro processo contraordenacional foi deduzida a 19 de Maio de 2015; Cfr. fls. 1434 e ss. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Em 5 de Novembro de 2015, foi apresentada a nota de honorários correspondente ao proc....4/CO no montante de €40.000,00 compreendendo a defesa e a análise de toda a documentação do processo administrativo. É no mesmo dia apresentada nota de honorários de €15.000,00 a título de provisão para acompanhamento do proc.8....4/CO. A estes montantes acrescia IVA. Foi ainda requerido o pagamento de €3.690,00 referentes ao estudo necessário e importante para a defesa no âmbito do processo nº 763/15.... Ré Zurich nada pagou.
Aquando da informação por parte do A. da possibilidade de virem a existir contra si processos cíveis ou contra-ordenacionais, a Zurich nada disse.
Anote-se, agora, que por carta de 25 de Junho de 2015, a seguradora Zurich, por si e em representação dos seguradores do excesso declara que tendo tomado conhecimento em 30 de Maio do corrente ano da acusação deduzida no processo de contra-ordenação do BdP nº58/14/CO, e invocando factos constantes da mesma acusação, declara anular o contrato de seguro D&O, do qual o A. era segurado e beneficiário, por omissões e inexactidões intencionais e fraudulentas do risco, declarando recusar a cobertura de qualquer sinistro que venha a ser participado, não avaliando nem adiantando o pagamento de quaisquer custos de defesa.
Ora, cumpre desde já e mais uma vez chamar a atenção que o processo contra-ordenacional movido contra o A. e outros, foi quanto a si arquivado não se tendo provado os factos que lhe eram imputados e nunca lhe tendo sido sequer no âmbito desse processo imputado o conhecimento ou participação na ocultação de dívida da ESI.
Por outro lado, parecem as RR. olvidar a cláusula 10.5 do contrato de seguro com a epígrafe “Não Anulação da Apólice para pessoas Seguras” em que se estabelece: “a seguradora mais convenciona que não procurará anular nem invalidar a presente apólice ou alguma parte cindível da presente apólice quanto à cobertura ao abrigo da apólice para uma Pessoa Segura que não tenha feito falsas declarações ou não tenha conhecimento de informações dolosas ou omissões a respeito da proposta” ou aquela que, também sob a epígrafe “Não anulação da apólice resultante de omissão inocente ou negligente” estabelece que “a seguradora mais convenciona que não procurará anular nem invalidar a presente apólice ou alguma parte cindível da presente apólice quando os direitos da segurador fundados em anulação ou invalidação decorrerem exclusivamente de uma omissão inocente ou negligente ou de falsas declarações inocentes ou negligentes da pessoa segura”.

De tudo decorre não poder ser imputada ao A. qualquer omissão dolosa, sequer negligente de informação às RR.. Sublinhe-se, uma vez mais, que tendo em consideração os factos dados como provados, não pode concluir-se que à data da renovação do contrato de seguro houvesse qualquer risco, ou risco acrescido para o BES.”

2.1.2. O acórdão proferido em 2.º grau afinou pelo mesmo diapasão e conclusão final:


“Não tem nenhuma razão a Ré HCC quando exprime o seu “total espanto e discordância, pois, face à anulação dos contratos de seguro cuja invalidade da anulação não foi submetida ou peticionada pelo A. nos autos não era possível pedir o seu cumprimento mediante o pagamento dos custos de defesa”.
Na verdade, seria impensável que a uma seguradora bastasse, para se eximir do cumprimento do contrato de seguro, comunicar a sua anulação, sem que o Tribunal pudesse, perante o acionamento do mesmo pelo segurado ou beneficiário, sindicar se àquela assistia o direito a essa anulação e, portanto, se a mesma operara válida e eficazmente perante estes.
A anulação do contrato do contrato – através da carta de 25 de junho de 2015 –, com fundamento em “omissões intencionais e fraudulentas da declaração inicial de risco”, foi invocada pelas Rés e constitui matéria de exceção cuja prova lhes incumbe, incluindo a da verificação dos factos de que emerge o direito de anulação (cf. artigos 24.º e 25.º da LCS e 342.º do CC).
E não há dúvida nenhuma que o Tribunal, conhecendo desta exceção, a julgou improcedente.
Resta saber se bem, o que convoca o regime consagrado nos artigos 24.º a 26.º da LCS, atinentes aos deveres de informação do tomador do seguro ou do segurado, que têm o seguinte teor:

“Artigo 24.º

Declaração inicial do risco


1 O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2 O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
3 O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:
a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário;
b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;
c) De incoerência ou contradição evidentes nas respostas ao questionário;
d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça;
e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.
4 O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.

Artigo 25.º
Omissões ou inexactidões dolosas


1 Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.
2 Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.
3 O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.
4 O segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2, salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do segurador ou do seu representante.
5 Em caso de dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato.

Artigo 26.º
Omissões ou inexactidões negligentes


1 Em caso de incumprimento com negligência do dever referido no n.º 1 do artigo 24.º, o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento:
a) Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta;
b) Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexactamente.
2 O contrato cessa os seus efeitos 30 dias após o envio da declaração de cessação ou 20 dias após a recepção pelo tomador do seguro da proposta de alteração, caso este nada responda ou a rejeite.
3 No caso referido no número anterior, o prémio é devolvido pro rata temporis atendendo à cobertura havida.
4 Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes:
a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente;
b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.”
Como explica Arnaldo Costa Oliveira, na obra citada, em anotação ao art. 24.º da LCS (cf. págs. 129 e ss.), resulta do n.º 1 que «o RJCS acompanhou o previsto no art. 429.º CCom, seja na exigência de que a declaração se reporte apenas a factos que os obrigados conheçam [198 Portanto continuando a não atribuir efeitos ao desconhecimento culposo] e devam ter como relevantes para a apreciação do risco pelo segurador, seja, acima de tudo, na manutenção o sistema de declaração espontânea do tomador (ou “base-resposta”, “base-tomador”), neste caso em detrimento do sistema de resposta a questionário apresentado pelo segurador (“base-pergunta”, “base-segurador”, que na sua formulação mais exigente é de “questionário-fechado”), acompanhando a maioria do direito comparado. (…)
No conjunto dos n.ºs 1 a 3 do art. 24.º houve claramente um propósito de especial facilitação da preclusão da relevância in casu da declaração inexacta ou omissão sem dolo especialmente grave (não bastando para o efeito o mero dolo).
O mero dolo é o dolus malus previsto no n.º 1 do art. 253.º CC. O dolo é especialmente grave se, atendendo ao caso concreto, deva considerar-se especialmente elaborado ou especialmente censurável. Dir-se-á que sem prejuízo de posterior elaboração desta matéria, nesta ou noutra sede que um tal conceito se confunde basicamente com o conceito de “fraude”.
E, questão diversa (da do ponto anterior), se o tomador do seguro estiver de e o segurado de boa fé, ou vice-versa? No comentário ao art. 132.º (ponto 6), para onde se remete, relevamos o apelo a uma interpretação teleológica e casuística que cabe dar à fórmula “o tomador do seguro ou o segurado”, recorrente no RJCS.
Pelo que, como se conclui, relevará a de uma dessas partes se fôr suficiente para a incorrecta tarifação do risco - por aplicação precisamente da ideia de essencialidade inscrita de forma basilar no n.º 1 do art. 24.º, disposição matricial do tratamento do risco no RJCS.
Donde, nesta questão da interpretação desta fórmula transversal ao RJCS também a “má moeda afasta a boa”.
À questão de saber qual o sentido da restrição “circunstâncias que conheça”, se abrange tal dever a declaração de circunstâncias desconhecidas do tomador do seguro ou segurado mas que razoavelmente devesse conhecer, responde este autor com um critério de diligência mínima: admitindo que a seguradora possa invocar as circunstâncias desconhecidas, mas cujo desconhecimento se deve a negligência grosseira, para lançar mão do procedimento previsto no art. 26.º da LCT.
Acrescenta que nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 24.º, “já ao declarante é exigível uma diligência média no sentido de figurar a essencialidade para o segurador do facto a declarar quanto a este aspecto a letra da lei emprega um “razoavelmente”, o qual não pode deixar de ser tomado como importando uma tal diligência. Mas, claro, ao declarante é exigível tão-só a diligência medida de um homem médio, não de um profissional dos seguros médio”.
Quanto ao n.º 3, refere o autor que a ideia central é a da “não essencialidade dos factos para o segurador, por ter aceite o risco com tais contornos ou circunstâncias”, prevendo-se, pois, na al. a), a omissão de resposta a pergunta do questionário; na al. b), a resposta imprecisa a questão formulado demasiado genérica; na al. c), a incoerência ou contradição evidentes nas respostas ao questionário; na al. d), o facto que o representante do segurador sabia ser inexato ou conheça; na al. e), circunstâncias conhecidas do segurador, especialmente se públicas e notórias, acrescentando que “deve igualmente ter-se por abrangida pela previsão desta al. e), o caso, recorrente na jurisprudência nacional, de o segurador saber ou dever saber que o facto declarado (sem dolo especialmente grave) é falso e ainda assim ter aceite o contrato tendo guardado a sua alegação para melhor ocasião, p. ex. para depois do sinistro, entretanto recebendo os prémios”.

Na mesma referida obra, Pedro Romano Martinez (cf. págs. 143 e ss.) faz também importantes observações, salientando que o art. 24.º se estrutura em duas partes (sublinhado nosso): “Na primeira, correspondentes aos n.ºs 1 e 2, estatui-se um dever geral de informação pelo tomador quanto a circunstâncias relevantes para a apreciação do risco. Tal dever é também do segurado quando este, não coincidindo com tomador, tenha intervenção relevante na própria celebração ou pratique um ato autónomo de adesão ao contrato, como acontece, em especial, nalguns seguros de grupo. Os arts. 25.º e 26.º determinam o significado jurídico do dever de informação, ou sejam, determinam os efeitos jurídicos do seu incumprimento. Na segunda parte do art. 24.º, correspondente aos n.ºs 3 e 4, limitam-se os casos de relevância favorável ao segurador do incumprimento do dever de informação pelo tomador, ou seja, afasta-se a aplicação dos arts. 25.º e 26.º em certos casos em que tal incumprimento ocorre. (…)
Quanto a cada facto relevante, o dever de informação pelo tomador depende de (1) este ter conhecimento do facto e de (2) o tomador «razoavelmente dever [tê-lo] por significativo para a apreciação do risco pelo segurador». Sobre o primeiro requisito do dever de informação, pode discutir-se se, quanto a alguns factos, não bastará que o tomador deva conhecer da sua existência. A letra da lei aponta no sentido contrário, mas os princípios gerais normalmente expressos pela ideia de boa (cf.., p. ex., o art. 227.º do CC) podem apontar para a solução afirmativa. Em especial, parecem caber aqui os casos de ignorância intencional, ou seja, casos em que o tomador se recusou a ter certa informação que teria se tivesse agido com normalidade. (…)
O segundo requisito do dever de informação pressupõe que o tomador compreende o sentido do contrato de seguro a celebrar e, nessa medida, que percebe que o segurador se vincula e exige certo prémio como contrapartida de uma avaliação do risco em face de toda a informação disponível. (…) Quer neste uso do advérbio «razoavelmente», quer na referência ao que é «significativo» para a apreciação do risco, a lei estabelece um critério «abstrato», ou seja, um critério de normalidade, e não um critério dependente das concretas capacidades do tomador”.
(…) O dever de informação do tomador do seguro ou do segurado destina-se, passe a repetição, a que o segurador fique informado sobre os factos relevantes para a sua avaliação do risco. Nessa medida, os arts. 25.º e 26.º dispõem quanto a um caso de erro negocial.
(…) O proémio do art. 24.º, n.º 3, estabelece uma exceção à impossibilidade de invocação pelo segurador das circunstâncias referidas nas alíneas, a saber, o caso de «dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem». Esta formulação pouco comum, que o legislador terá suposto mais exacta do que uma simples referência a fraude do tomador (ou do segurado) visa as hipóteses em que o tomador pretendeu, com falsidade ou omissão, obter uma vantagem sem causa à custa do segurador. São essas, principalmente, as hipóteses em que o tomador quis obter um prémio mais baixo ou obter a celebração do contrato que, de outro modo, não obteria. Sublinhe-se que os tribunais podem dar por provada a fraude quando estiver provado que o tomador teve consciência do efeito da sua omissão ou falsidade, não basta que se prove a falsidade e o efeito. Trata-se, pois, de um caso de dolo qualificado: o resultado pretendido pelo tomador, ou que ele sabe que ocorreria (no caso de «dolo necessário»), não foi apenas o de enganar o segurador, mas o de enganá-lo e, com isso, favorecer-se injustificadamente a si ou ao segurado à custa do segurador.”
Refere ainda Arnaldo Costa Oliveira (obra citada, págs. 149) que «o dolo de que fala o art. 25.º é (ao contrário do n.º 3 do art. 24.º) o simples dolo, que o n.º 1 do art. 253.º do CC regime geral relativamente ao regime dos arts. 24.º-26.º (cf. art. 4.º do RJCS) define como “(…) qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração [que neste caso é o autor da declaração de aceitação do negócio jurídico-contrato de seguro, o segurador], bem como dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”».
Mais explica Pedro Romano Martinez, em comentários complementares (págs. 150 e ss.), que “Não sendo provado o dolo, seja do tomador do seguro, seja do segurado (no dos seguros de grupo restritamente à respectiva cobertura, não afectando em princípio a eficácia do contrato nem a cobertura dos restantes segurados, art. 292.º CC), mas provando-se a essencialidade do facto declarado inexactamente ou omitido e a exigibilidade da sua declaração exacta (por ser conhecido do tomador do seguro ou do segurado e em termos de lhes ser exigível reputar esse conhecimento como sendo significativo para o segurador), deve, naturalmente, seguir-se o regime previsto no art. 26.º.
(…) O art. 24.º estatui um dever, os arts. 25.º e 26.º distinguem entre a violação dolosa e a violação negligente desse dever. Contudo o art. 25.º dispõe sobre um caso de dolo-artimanha, de dolo negocial. Ou seja, dispõe sobre um caso de erro negocial qualificado pela existência de dolo. O art. 24.º consagra um dever de informação na formação do contrato ou, nalguns casos, na adesão ao contrato, que é equivalente para estes efeitos.
(…) O efeito da anulação, como se disse, é o da nulidade, com as competentes obrigações de restituir se for caso disso (art. 289.º do CC). A cobertura é destruída retroativamente ipso facto, pois é ela própria um mero efeito do contrato.
(…) Um último elemento relevante do regime da invalidade (nulidade e anulação) é a possibilidade de conversão ou redução dos negócios inválidos (arts. 293.º e 292.º do CC). (…) O art. 292.º prevê casos de «invalidade parcial». Uma hipótese simples, no âmbito do art. 25.º, é o de dolo de um segurado, num seguro de grupo: a invalidade da sua adesão ao contrato não afecta, por princípio, o conjunto do contrato. (…) Outra hipótese simples é a de um contrato de seguro que cubra riscos de natureza variada distinguindo parcelas do prémio correspondentes a cada um desses riscos (…) O dolo do tomador quanto a informações respeitantes a apenas uma dessas partes não produz a invalidade de todo o contrato, sem prejuízo da ressalva do art. 292.º do CC, que impõe um significativo ónus da prova ao sujeito interessado na invalidade total. A hipótese mais difícil é a de um contrato de seguro que cumpra riscos autonomizáveis de natureza semelhante ou até riscos de natureza variada, mas sem que o contrato (em especial, a apólice) distinga parcelas do prémio correspondentes a cada um deles. (…) Parece que, mesmo se indicação específica na apólice, o dolo quanto a um risco autonomizável gerará mera invalidade parcial, pelo menos, quando a prática comercial do segurador admita seguros diferentes, com prémios próprios, para cada um desses riscos. A consequência é a manutenção em vigor do contrato na parte válida (cf. art. 292.º do CC).”

Volvendo ao caso dos autos, reiteramos não ser correto afirmar que a sentença recorrida não conheceu da anulação dos contratos perante as Tomadoras. Na verdade, foi apreciada a anulação dos contratos de seguro, resultando das passagens acima citadas que o Tribunal recorrido considerou que, nem as Tomadoras, nem o Autor, segurado, violaram dolosamente o dever de declaração inicial do risco.
Discordam as Apelantes Zurich e outras, defendendo que as Tomadoras e o Autor (segurado) incumpriram dolosamente o dever de declaração inicial do risco, razão pela qual os contratos de seguro foram anulados (procurando prevalecer-se, assim, da eficácia retroativa dessa anulação), o que afasta a aplicação ao caso do disposto no art. 26.º da LCT, atinente às omissões ou inexatidões negligentes (não foi esse o procedimento seguido, com o estorno do prémio em função da cobertura havida).
Em particular, as Rés invocam a inexatidão das declarações atinente à falsidade da resposta à pergunta 7.b. do questionário. A este propósito, o Tribunal recorrido sublinhou, e bem, ter sido apenas a Tomadora ESFG a responder ao questionário. Trata-se do ponto 49. dos factos provados, que nem sequer foi posto em causa pelas Apelantes na sua (ampla) impugnação da decisão da matéria de facto provada.

De salientar que o Autor era, tão-só, Administrador da Tomadora BES (e não da ESFG); não existindo um questionário respondido por aquela (nem nenhum facto que permita afirmar que a ESFG representava aquela na celebração do contrato de seguro – cf. art. 17.º da LCS), parecendo-nos, pois, arredada a anulação com este fundamento relativamente à Tomadora BES, única que, para o caso, verdadeiramente importa. É que, mesmo que o contrato de seguro fosse anulado relativamente à Tomadora ESFG, com fundamento em dolosas declarações inexatas ou omissões aquando do preenchimento/subscrição do questionário, não vemos que isso pudesse afetar a validade do contrato relativamente à outra Tomadora e ao Autor, segurado, na qualidade de Administrador desta.
Ainda que assim não se entenda, importa ter presente que a pergunta feita era a seguinte: “7. b. Há alguma pessoa consciente depois de inquérito, de quaisquer circunstâncias ou incidentes que levem a que ele/ela tenha fundamento para supor que possa haver algum fundamento para [uma] futura reclamação abrangida no âmbito do seguro proposto? A pergunta não era, como as Apelantes Zurich e outras dizem, se existia: “fundamento para supor que possa haver algum fundamento para futura reclamação abrangida no âmbito do seguro proposto”.
Perante a resposta negativa à pergunta formulada (e não a outra qualquer), a demostração da falsidade ou inexatidão desta resposta pressupunha a prova de que existia efetivamente alguma pessoa consciente, depois de inquérito interno, na ESFG, da verificação de circunstâncias que pudessem levar essa mesma pessoa a supor que existia fundamento para uma futura reclamação abrangida pela cobertura do seguro. Mas não resultou provado um tal facto.
Ademais, não podemos deixar de salientar que, face à matéria de facto provada, não impendia sobre o Autor um dever geral de informação, como segurado, pois não teve intervenção nenhuma na celebração dos contratos de seguro em apreço, nem consta que tenha praticado um qualquer ato autónomo de adesão ao contrato.
Vejamos então se dos factos provados resulta terem existido omissões dolosas, por parte da Tomadora BES (muito embora a apreciação não seja diferente se feita relativamente à ESFG, sendo ainda mais escassa a factualidade provada a esse propósito) ou do Autor, de circunstâncias conhecidas e que razoavelmente devessem ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.

Note-se que as Apelantes tecem diversas considerações invocando factos que nem sequer resultaram provados: veja-se, por exemplo, a conclusão CCCXXI. da alegação de recurso das 2.ªs Apelantes. Porém, no confronto daquilo que foi pelas Rés invocado na carta enviada para anulação dos contratos com o que efetivamente se provou ser do conhecimento do BES (e até do Autor), à data da negociação/celebração dos contratos de seguro em apreço apenas se perfilam as circunstâncias atinentes à colocação por esta instituição bancária, na qualidade de intermediária financeira, junto dos seus clientes, de dívida (papel comercial) da ESI, a partir de setembro de 2013, suspensa em 04-12-2013; à determinação pelo Banco de Portugal, em 03-12-2013, de medidas a implementar pelo grupo ESFG como barreira de proteção (ring-fencing) face aos riscos emergentes do ramo não financeiro do GES; e à existência de irregularidades nas contas da ESI, conhecida em 04-12-2013.
Ora, não nos parece que a determinação do Banco de Portugal pudesse constituir uma circunstância que razoavelmente devesse ser tida por significativa para a apreciação do risco, tendo em conta o contexto fáctico em que foi adotada, em que avultam os seguintes factos:
51. Em setembro de 2013, o Banco de Portugal decidiu complementar os trabalhos desenvolvidos no âmbito do ETRICC (Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito dos principais grupos bancários nacionais) com uma avaliação dos planos de negócio dos principais grupos económicos devedores do sistema bancário cuja recuperabilidade dos créditos se encontrava fortemente dependente da geração de fluxos financeiros do negócio. Este exercício – designado ETRICC2 – teve como referência as contas em 30 de setembro de 2013. Cf. fls. 2732 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
52. A amostra de entidades a avaliar incluiu as empresas do ramo financeiro e não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES), na medida em que a origem dos fluxos financeiros da Espírito Santo Internacional (ESI), a utilizar no reembolso da dívida, provinham de ambos os ramos de negócio (financeiro e não financeiro). Cf. fls. 2732 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
53. A decisão de incluir aquelas entidades aconteceu apesar de a ESI não ter sido identificada como um mutuário de risco material no contexto do ETRICC e de uma parte significativa das exposições sobre as empresas não financeiras do GES ter sido objeto de análise no âmbito dos exercícios transversais promovidos pelo Banco de Portugal sem que tenham sido apurados quaisquer desvios de imparidade. Cf. fls. 2732 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
54. As empresas de auditoria validaram, com base na informação contabilística disponível relativamente a cada empresa, imparidades quase nulas para estas exposições: a Deloitte e a KPMG, porque eram os auditores externos de vários bancos que concederam os créditos em causa; a PwC [PricewaterhouseCoopers] e a E&Y, porque participaram no Programa Especial de Inspeções (SIP) e no Programa de Inspeções on-site (OIP).
Como resulta dos factos descritos, estava-se perante um exercício promovido pelo Banco de Portugal para os principais grupos bancários nacionais, a ESI não estava identificada como mutuária de risco, as empresas de auditoria validaram, com base na informação contabilística disponível, imparidades quase nulas. Tudo com base em informação contabilística a que as Seguradoras também tiveram (ou podiam ter tido) acesso.
A colocação de dívida da ESI pelo BES – sendo de sublinhar que não se provou o montante colocado, não bastando a mera reprodução de documentos que a possam referir -, não obstante as irregularidades nas contas desta sociedade (salientando-se que não se provou o valor desse desvio, nem nos podemos bastar com a mera remissão para documentos que o refiram), não constituía uma circunstância que, na altura, razoavelmente se devesse ter por significativa para a apreciação do risco pelas Seguradoras, tanto mais que o BES era um mero intermediário financeiro e, apesar de, em abstrato, poder vir a existir um risco reputacional para o BES, um tal risco apenas se concretizaria – e razoavelmente deveria ser tido por significativo para a apreciação pelas Seguradoras – se a situação financeira da ESI prenunciasse que poderia não vir a pagar a dívida comercializada, o que, em face dos factos provados, não se perspetivava então (nos finais de 2013) – para a Tomadora BES (muito menos para o Autor) – como possível, tanto mais que tinham sido adotadas medidas para solucionar o “desvio” nas contas dessa sociedade.
Portanto, também não podemos afirmar que estas circunstâncias, aquando da negociação/celebração dos contratos de seguro em apreço, deviam ter sido consideradas pela Tomadora BES como significativas para a apreciação do risco pelas seguradoras.
Mas se dúvidas existissem quanto a este juízo (que não é fácil, mas não pode ser toldado pelo conhecimento que hoje possamos ter dos factos), a irrelevância desta(s) circunstância(s) torna-se patente quando, no decurso do ano 2014, apesar de toda a informação publicamente disponibilizada sobre a situação financeira e irregularidades nas contas da ESI e exposição da ESFG a essa situação financeira, nos deparamos com as Rés a negociarem com as Tomadoras dos seguros alterações ao clausulado (em 18 de março de 2014, 8 de abril de 2014, 20 de maio de 2014, 9 de junho de 2014 e 9 de julho de 2014) e a apresentarem ao BES, através da AON, uma proposta de aumento de capital seguro para 150 milhões de euros (no dia 15 de abril de 2014).
Lembramos, por fim, o clausulado no contrato a respeito da “Não Anulação da Apólice para pessoas Seguras: A Seguradora mais convenciona que não procurará anular nem invalidar a presente Apólice ou alguma parte cindível da presente Apólice quanto à cobertura ao abrigo da Apólice para uma Pessoa Segura que não tenha feito falsas declarações ou não tenha conhecimento de afirmações dolosas ou falsas ou omissões a respeito da Proposta.
Num esforço interpretativo desta cláusula, e tendo presente que na interpretação dos contratos de seguro deve, em caso de dúvida, prevalecer o sentido mais favorável a quem deles beneficia, parece-nos tratar-se de uma cláusula que limita o âmbito ou a oponibilidade da anulação (ou dos seus efeitos) relativamente às pessoas seguras: se estas não tiverem feito falsas declarações ou não tiverem conhecimento de afirmações dolosas ou falsas ou omissões a respeito da proposta, a Seguradora não procurará anular ou invalidar a apólice.
Portanto, se, aquando da celebração do contrato, o próprio Segurado tiver feito falsas declarações ou tiver conhecimento de que outrem (o Tomador ou seu representante) incumpriu dolosamente o seu dever de declaração inicial do risco, a anulação/invalidade dos contratos de seguro, com a sua eficácia retroativa, é-lhe oponível. Caso contrário, não se provando aquela atuação ou conhecimento por parte do Segurado, deve poder continuar a beneficiar da cobertura dos seguros, não podendo as Seguradoras opor-lhe a anulação, deparando-se, no fundo, com uma “invalidade parcial”, na linha do disposto no art. 292.º do CC, pois estamos perante seguros de grupo que cobrem riscos de natureza variada, deixando-se, assim, a salvo, por força da referida cláusula, a cobertura daquele segurado, com a consequente manutenção em vigor do contrato na parte válida.
Procurando as Seguradoras prevalecer-se dessa anulação ou invalidade, através da carta de 25 de junho de 2015, perante o Autor, deveriam alegar (e provar – cf. art. 342.º do CC), que este se encontrava na situação ali descrita, na carta enviada. E tentaram fazê-lo.

Não se provando esses factos, mesmo que as Tomadoras tivessem incumprido dolosamente o dever de declaração inicial do risco, nos termos previstos no art. 24.º, n.º 1, da LCS, improcederia a exceção. Parece-nos ter sido este o raciocínio do Tribunal recorrido quando se refere à cláusula 10.5 do contrato, com o qual concordamos, apenas nos parecendo que será mais precisamente, no caso da apólice principal, a cláusula 10.5.1 referida no ponto 33. dos factos provados que está em causa (e não a citada no ponto 28.), replicada nas apólices de excesso.
Com efeito, é pacífico que o Autor não fez quaisquer (falsas) declarações (não respondeu ao Questionário). O que as Rés defendem, numa tentativa de contrariar aquele clausulado, é que o Autor tinha conhecimento de “omissões e inexatidões intencionais e fraudulentas do risco” ou “falsas e ou dolosas declarações ou omissões do risco”. Mas, na verdade, conforme decorre do que acima fomos assinalando, as Rés não lograram provar que o Autor tinha conhecimento “de afirmações dolosas ou falsas ou omissões a respeito da Proposta”.
Assim, improcedem, neste particular, as conclusões das alegações de recurso, concluindo-se pelo acerto da decisão recorrida no tocante à improcedência da exceção de anulação dos contratos de seguro.”

2.2. A compreensão do regime jurídico aplicável ao thema decidendum encontra-se bem descrito na jurisprudência recente do STJ, nomeadamente:

Ac. de 29/6/2017[1]:
“(…) tendo o contrato de seguro como função a transferência do risco de um determinado sinistro para a seguradora, mediante uma contrapartida, é óbvia a relevância que assume a declaração inicial do risco, nomeadamente no que à correspondente validade ou invalidade respeita (cfr. artigo 24º e seguintes do Regime Jurídico do Contrato de Seguro).
Diz-se frequentemente que essa especial relevância resulta, desde logo, de ser o tomador do seguro ou o segurado quem melhor conhece o risco de que se quer proteger; deste ponto de vista, compreendem-se, quer o significativo ónus de revelar completamente e com verdade o risco a segurar, quer as severas consequências de declarações falsas ou omissivas, determinantes para a celebração do contrato.
Do lado da seguradora, protege-se por esta via a segurança na decisão de contratar e de aceitação do âmbito e condições de cobertura, ou dos termos da contrapartida, para apenas referir alguns pontos ostensivamente dependentes da possibilidade de real avaliação do risco em jogo – ou seja, da probabilidade de o sinistro ocorrer durante a vida do contrato.
No entanto, em caso algum poderemos esquecer, por exemplo, que a boa fé é por vezes chamada a temperar regimes que têm de ser avaliados nas perspectivas de todos os contraentes (pense-se, por exemplo, nos casos em que se exclui que a seguradora se possa prevalecer de declarações falsas ou reticentes do segurado ou do tomador do seguro), que frequentemente o clausulado dos contratos é predisposto pela seguradora (o que pode por exemplo ter consequências quanto ao dever de informação ao aderente, ou à interpretação do texto contratual), ou que as exigências de protecção do consumidor podem justificar soluções de reequilíbrio contratual (por exemplo, na definição do regime de retenção ou devolução dos prémios pagos, em caso de invalidade do contrato).
Em termos necessariamente sucintos, recorda-se que o conteúdo da declaração inicial do risco do tomador do seguro ou do segurado se encontra definido no artigo 24º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro: cabe-lhes declarar (1) com exactidão (2) todas as circunstâncias que conheçam e (3) que razoavelmente devam ter por significativas para a avaliação do risco pelo regurador, não havendo que distinguir entre declarações inexactas ou omissões (…).
(…)
É certo que uma omissão dolosa determinante da celebração do contrato confere à seguradora o direito de opor a anulabilidade do contrato: nº 1 do artigo 25º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro. Trata-se, no fundo, de uma particularização do regime da anulabilidade do erro causado por dolo, previsto em geral no artigo 254º do Código Civil.
É igualmente certo que (…) é à seguradora que cabe o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência de dolo (nº 2 do artigo 342º do Código Civil)”;

— Ac. de 8/11/2018[2]:
“(…) o conteúdo da declaração inicial do risco do tomador do seguro ou do segurado encontra-se plasmado no art. 24º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (…), donde, como é sufragado pela Jurisprudência, impõe-se-lhes anunciar, com rigor, todas as circunstâncias que conheçam e que razoavelmente devam ter por significativas para a avaliação do risco pelo segurador (…).
A declaração do risco é uma questão realmente problemática para o segurador, na medida em que em escassas circunstâncias conhece o objecto a segurar, ou está em condições de controlar as informações do proponente, importando que outra saída não lhe resta, querendo celebrar o contrato de seguro, aceitar como boas as declarações prestadas pelo proponente.
Todavia, temos de convir que, uma vez apuradas omissões ou inexactidões dolosas, importam tais circunstâncias perder o equilíbrio das prestações do contrato, sabendo nós que o legislador, no que tange ao contrato de seguro, teve a preocupação de estabelecer uma simetria de obrigações entre o dever do tomador do seguro e/ou segurado de prestar informações verdadeiras e o dever da seguradora de escrutinar as declarações prestadas, pelo menos, as relevantes para apreciação do risco.
Na impossibilidade de perscrutar as declarações prestadas, pelo menos, as relevantes para apreciação do risco, a vontade da seguradora pode ficar inquinada e a sua responsabilidade desproporcionada ao prémio, donde, com base na pretendida simetria de obrigações entre o dever do tomador e/ou segurado do seguro de prestar informações verdadeiras e o dever da seguradora de estabelecer prémio proporcional, decorre do nosso ordenamento jurídico, a anulabilidade do contrato de seguro, quando, acentuamos, esteja o mesmo eivado de omissões ou inexactidões dolosas.
Colhemos, pois, (…) que, verificadas quaisquer circunstâncias que possam influir na aceitação ou nas condições do contrato, em razão de omissões ou uso de reticências, a anulabilidade do contrato de seguro deve ser considerada.
Na celebração do contrato, recai sobre o tomador do seguro, ou o segurado, por serem estes quem estão em melhores condições para conhecer o risco, cuja cobertura se pretende, a obrigação de declaração exacta do risco, abstendo-se de omitir ou usar de tibiezas quanto a quaisquer factos ou circunstâncias que possam influir na aceitação ou nas condições do contrato, impondo-se considerar, na sua demonstração, a anulabilidade do contrato, sendo assim, facilmente inteligível a importância que assume a declaração inicial do risco.
Exige-se, pois, no contrato de seguro, (…) conforme decorre do n.º 1 do art. 24.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguros que o tomador ou o segurado revele as circunstâncias que conhecem no momento da declaração inicial do risco, (…) com vista a que, para um segurador medianamente cuidadoso na avaliação dos riscos que assume, lhe seja permitido atribuir a objectiva e concreta relevância para a decisão de contratar, ou para a definição concreta do conteúdo do contrato (…).
(…)
(…) a omissão dolosa determinante da celebração do contrato concede à seguradora o direito de opor a anulabilidade do contrato, nos termos do art. 25.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguros, remetendo-nos para uma situação em tudo idêntica ao regime da anulabilidade do erro causada por dolo, concretamente estatuído no direito substantivo civil – art. 254.º do Código Civil –  no contexto do erro sobre o objecto do negócio – art. 251º do Código Civil – que estabelece “O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º”, estatuindo, por seu turno, o art.º 247º, do Código Civil “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Mostra-se pertinente, pois, saber se o erro foi factor determinante da declaração negocial emitida – essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o destinatário da declaração conhecia ou devia conhecer essa essencialidade, sendo estes os requisitos comuns de anulabilidade exigidos para o erro-vício e para o erro na declaração, por remissão do art. 251º para o art. 247º, ambos do Código Civil.
Constituem requisitos essenciais do erro sobre o objecto, não só a essencialidade para o declarante do elemento sobre que recaiu o erro, mas também, o conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade por parte do declaratário, sendo que a essencialidade do erro é um conceito de direito que deve ser deduzido dos factos provados e das circunstâncias que os rodeiam.
Verifica-se a essencialidade do erro num contrato de seguro, (…) quando o declaratário teve intenção em omitir ou prestar declarações inexactas aquando da declaração inicial do risco prestada, bem sabendo que a omissão ou declaração inexacta é relevante para apreciação do risco, a par de que a seguradora, caso tivesse conhecimento da omissão ou declarações inexactas, por parte do tomador do seguro ou segurado, não teria outorgado o negócio jurídico, de tal sorte que, a anulabilidade somente deve ter lugar quando se possa ajuizar, com segurança, ou, pelo menos, com acentuada probabilidade, que a seguradora o não teria acolhido.
O erro-vício ou erro-motivo, que se traduz num erro na formação da vontade e do processo de decisão, existe quando ocorre uma falsa representação da realidade ou a ignorância de circunstâncias, de facto ou de direito, que interveio nos motivos da declaração negocial, de modo que, se o declarante tivesse perfeito conhecimento das circunstâncias falsas ou inexactamente representadas, não teria realizado o negócio.”

2.3. O caso dos autos refere-se à celebração de um contrato Directors & Officers Insurance / Directors’ and Officers’ Liability Insurance (seguro de responsabilidade civil dos administradores de sociedades, embora casuisticamente com múltiplas e heterogénas coberturas, abrangido pela noção geral do art. 137º do RJCS)[3], projectado como seguro substituto nos termos admitidos pelo art. 396º, 2, do CSC. Assim, “configurado tipicamente como instrumento de limitação da responsabilidade dos admi­nistradores que tenham causado danos produzidos pelas suas acções e omissões no exer­cício do cargo, quer perante a sociedade (Innenhaftung, na literatura alemã), quer perante sócios (actuando em seu próprio nome ou da sociedade) e terceiros (Außenhaftung, como, em contraponto, é designado pela mesma doutrina alemã) (…)”[4], sendo que “a celebração dos seguros D&O [visam] responder, em geral, a uma ‘combinação de três objectivos’: suprir a ameaça decorrente da demanda patrimonial feita à sociedade no âmbito da exigência feita por terceiros de indemnização por danos causados pelos comportamentos dos administradores (especialmente quando a sociedade protege os administradores e su­porta essa exigência para reclamações injustificadas ou para actuações não prevaricadoras e feitas no interesse da sociedade); garantir um substrato de responsabilidade que não torne impraticável a pretensão da sociedade em ressarcir-se em face dos prejuízos causados pelos administradores; preservar o administrador de suportar efectivamente os danos em casos de responsabilidade (os dois primeiros estão ao serviço da promoção do “interesse empresarial”, mas também o terceiro pode estar coordenado por um Eigeninteresse da sociedade desde que a oferta de seguro jogue um papel relevante na capacidade de as sociedades concorrerem no mercado por membros de órgãos sociais e colaboradores executivos, mas também se ligarmos a melhoria (pela diminuição) do “risco do cargo” de administrador ao incentivo para o desempenho exigido para este ofício”[5].

Estamos tipicamente perante um seguro de danos, abrangido pelo art. 123º do RJCS, enquanto respeitante a «coisas, bens imateriais, créditos e quaisquer outros direitos patrimoniais», na submodalidade de “responsabilidade civil” («o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros»: art. 137º RJCS), por conta de outrem (o administrador segurado: art. 48º RJCS). Depois reforçado através da celebração de seguros “de excesso” (ou seguros “guarda-chuva”), contratado para a cobertura de reivindicações que excedem os limites estabelecidos na apólice de seguro primário.

Quanto ao risco de responsabilidade civil dos administradores – enquanto probabilidade de ocorrência de sinistro, tendo em conta as circunstâncias que o influenciam e o condicionam –, avultam diversos factores para a captação do risco e a análise tendente à valoração o risco a segurar: “a) são complexas não só as hipóteses legais de responsabilidade como os limites a tal responsabilidade; b) a discricionariedade de que beneficiam os administradores torna, por vezes, fluidas as fronteiras entre risco de empresa e risco de responsabilidade, entre «honest mistakes» e erros censuráveis; c) os danos provocados à sociedade ou a outros sujeitos resultam, não raro, da participação de várias pessoas que para eles contribuem de modo diferenciado; d) a efectivação da acção social de responsabilidade está dependente da distribuição interna de poderes; e) as conjunturas económicas desfavoráveis podem induzir a apresentação de reclamações contra os administradores; f) subsiste o risco de «reclamações amigáveis», especialmente na responsabilidade dos administradores perante a sociedade; g) o carácter imprevisível das futuras decisões dos tribunais sobre os litígios de responsabilidade civil ou em torno do contrato de seguro”[6].

*

Neste âmbito, em geral, a lei arquitecta um sistema vinculado de declaração pré-contratual (como regra, espontânea) de circunstâncias[7], geralmente (mas não obrigatoriamente) a inscrever em questionário “aberto” submetido para preenchimento (v. art. 24º, 2, do RJCS), a fim da correspondente apreciação do risco pelo segurador, a cargo do tomador do seguro (tipicamente, no caso, a sociedade administrada) e/ou segurado (neste caso, os administradores ou gerentes das sociedades)[8]. São estes que assumem as consequências de omissões ou inexactidões dolosas ou negligentes no cumprimento do dever de declaração inicial de risco, pois está em causa a base da decisão de contratar por parte do segurador – e, consequencialmente, o cálculo do prémio correspondente àquela apólice (o “preço” fixado para a cobertura prevista) e dos termos contratuais, especialmente as cláusulas especiais a convencionar com o tomador do seguro (por ex., exclusões de cobertura, franquias, etc.). Daqui decorre que as circunstâncias (pelo menos) desconhecidas (e, por isso, omitidas ou “reticentes”) sem dolo ou negligência e as omissões e inexactidões irrelevantes ou indiferentes (na visão do segurador) para a determinação do risco (assistidos pelos nexos causais respectivos)[9] não atingem a validade (art. 25º) nem o conteúdo e vigência do contrato de seguro (art. 26º).

Em particular, atendendo aos factores de risco a sindicar pelo segurador nesta modalidade de seguro e suas características, deve entender-se que (na segmentação do art. 24º, 1, quanto ao dever genérico de informação na fase negocial[10]) relevam:

— não só as circunstâncias efectivamente conhecidas[11], mas ainda, atentos o risco a cobrir neste seguro e a qualidade do segurado (administrador ao qual se exige que venha a actuar como «criterioso e ordenado») (art. 64º, 1, a), CSC)[12], e/ou cognoscíveis, isto é, aquelas que, podendo ou devendo conhecê-las de acordo com um dever de cuidado, foram ignoradas por actuação grosseiramente negligente (desconhecidas mas que razoavelmente se deveria conhecer: desconhecimento culposo)[13] ou demonstrando “ignorância intencional” (“casos que o tomador se recusou a ter certa informação que teria se tivesse agido com normalidade”)[14], desde que não sejam de considerar como «circunstâncias conhecidas pelo segurador, em especial quando são públicas e notórias» (art. 24º, 3, e), RJCS);

— as circunstâncias significativas ou relevantes na perspectiva da apreciação do risco pelo segurador e subsequente tomada de decisão do segurador, seja quanto à sociedade, seja quanto ao risco pessoal dos administradores segurados[15], assente num padrão objectivo e abstracto de normalidade[16], aferido de acordo com a capacidade de discernimento e indagação de um declarante dotado da diligência média (homem correspondente ao bonus pater familias)[17], que se adequa a figurar a essencialidade para o segurador da situação de facto a declarar no caso daquela relação jurídica de seguro em concreto[18], em face da maior ou menor probabilidade de produção do sinistro (e da amplitude das suas consequências) e da relevância do próprio contrato[19].

*

Acresce que os factos objecto deste dever de esclarecimento inerente à “declaração inicial de risco” devem ser anteriores ou contemporâneos da data da conclusão do contrato, pois só relativamente a esse arco temporal relativo à formação do contrato – findo com a perfeição, com aceitação, expressa ou tácita, da proposta contratual do tomador pelo segurador: arts. 224º, CCiv.; 27º, RJCS) – se exige a referida diligência informativa de um tomador de seguro/segurado candidato(s) à subscrição do seguro[20].

E acentue-se que, assim sendo, não subsiste de todo uma equivalência – ou uma busca de equivalência – entre o risco real e o risco percepcionado e assumido pelo segurador em função do que lhe é dado a conhecer, nomeadamente por força da declaração do tomador do seguro/segurado, justamente vinculados por a eles pertencer um conhecimento mais directo e exacto desse risco[21] – o que, naturalmente, coloca sobre o segurador um risco sobre o risco: o de inexactidão ou não correspondência da informação recebida para a sua avaliação[22].

Para além do mais, isso ainda significa que o regime de avaliação inicial do risco no iter formativo do contrato não está submetido a uma garantia do segurador em obter toda a informação factual e toda a informação que pudesse ser relevante para a avaliação do risco – se há informação significativa que não foi fornecida por não ter sido considerada como tal no contexto da contratação pelo tomador do seguro/seguro, caberia ao segurador suprir tal falta, pois é ele que está em condições de controlar o processo de obtenção de informação para avaliação do risco seguro e a ele cabe determinar quais as categorias de informação que toma em consideração e, se for o caso – nomeadamente por não ser acessível por força da espontaneidade da “declaração inicial de risco” –, activar os mecanismos de inspecção do risco e obtenção de informação. Não esqueçamos que estamos na fase pré-contratual de negociação do seguro, em que o segurador recebe uma proposta de subscrição contratual e a ele cabe, também, desencadear toda a diligência informativa que lhe permite suprir assimetrias, dúvidas e equívocos, a fim de garantir uma aceitação esclarecida da proposta. Se não o fez, sibi imputet: a garantia de cobertura mantém-se e mantém-se o contrato, nas condições em que foi celebrado, em nome da certeza quanto à transferência do risco coberto.[23]

A esta luz, será que assiste razão aos Recorrentes?

2.4. Não cremos, adiantamos desde já – o confronto das instâncias com a matéria de facto provada afigura-se adequado (art. 682º, 1, CPC).

2.4.1. De acordo com os factos provados 30. a 32., o contrato de seguro primário (subsequente ao contrato de seguro descrito no facto provado 8. para o ano de 2013 tendo como Tomadora a «ESFG»), foi celebrado a 21 de Dezembro de 2013 entre a Ré «Zurich Insurance Plc Uk» (Seguradora) e a «ESFG» e a«BES» (Tomadoras), na modalidade de seguro «Directors, Officers and Company Liability Insurance Policy for Financial Institutions including International Programs from Zurich (IPZ) Claims Made Policy», titulado pela Apólice n.º ...88 – Primária, fazendo-se menção a “Renovação da apólice n.º ...88”. Esta apólice tinha como período de vigência o período entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de Dezembro de 2014 e um capital seguro de € 10.000.000,00.

O Autor era um dos administradores-pessoas seguras (cfr. factos provados 32. E 34.-49.), enquanto administrador da Tomadora «BES» e membro da sua Comissão Executiva (com pelouros determinados), entre outros cargos como membro do ... e de Crédito do BES, da “...” (comité do BES) e do ... – cfr. factos provados 1. a 6. Nunca foi administrador ou exerceu qualquer cargo ou função na Tomadora «ESFG» ou outras sociedades do grupo de sociedades-instituições financeiras dominadas ou controladas no chamado “grupo BES”/”ESFG”.

De acordo com os factos provados 34. a 46., a 27 e a 30 de Dezembro de 2013 foram celebrados outros três contratos de seguro, denominados “de excesso” (apólices adicionais), organizados em diversas “camadas” sucessivas de capital seguro, titulado pelas:


(i) Apólice n.º ...89 (“Apólice n.º ...89 Excesso”, também identificada no contrato como “Renovação da Apólice Nº ...89”), com período de vigência entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2014, seguindo a forma da apólice primária n.º ...88 – Primária e garantindo genericamente – nos termos, condições, definições e exclusões aí indicados – as mesmas coberturas desta apólice, à excepção das “Indemnifiable Financial Loss”, com um capital seguro de 10.000.000,00 € (mas apenas o pagamento de Perdas (até este limite) que excedam os 10.000.000,00 € garantidos pela Apólice n.º ...88 – Primária e após a total excussão do capital seguro desta apólice; com as Rés Seguradoras «HCC – International Insurance Company Plc», «ANV – Global Services, Ltd.», «Berkley Professional Liability UK Limited» e «Berkshire Hathaway International Insurance Limited», sendo a «ESFG» e a «BES» Tomadoras;
(ii) Apólice n.º ...90 (“Apólice n.º ...90 2.º Excesso”, também identificada no contrato como “Renovação da apólice Nº ...90”), com período de vigência entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de Dezembro de 2014, seguindo a forma da apólice primária n.º ...88 – Primária e garantindo genericamente – nos termos, condições, definições e exclusões aí indicados – as mesmas coberturas desta apólice, à excepção das “Indemnifiable Financial Loss”, com um capital seguro de 10.000.000,00 €, no entanto garantindo apenas o pagamento de Perdas (até este limite) que excedam os € 20.000.000,00 garantidos pela Apólice n.º ...88 – Primária e pela Apólice n.º ...089 – 1.º Excesso e após a total excussão do capital seguro destas apólices; com as Rés Seguradoras «HCC – International Insurance Company Plc» e «Allianz Global Corporate & Speciality Ag – Sucursal En España», sendo a  «ESFG» e a «BES» Tomadoras;
(iii) Apólice n.º ...91 (“Apólice n.º ...91 3.º Excesso”, também identificada no contrato como “Apólice de Renovação N.º ...91”), com período de vigência entre do entre 1 de Janeiro de 2014 e 31 de Dezembro de 2014, seguindo a forma da apólice primária Apólice n.º ...88 – Primária, garantindo genericamente – nos termos, condições, definições e exclusões aí indicados – as mesmas coberturas desta apólice, à excepção das “Indemnifiable Financial Loss”, com um capital seguro de € 20.000.000,00, no entanto garantindo apenas o pagamento de Perdas (até este limite) que excedam os € 30.000.000,00 garantidos pela Apólice n.º ...88 – Primária, pela Apólice nº ...089 – 1.º Excesso e pela Apólice n.º ....090 – 2.º Excesso, após a total excussão do capital seguro destas apólices; com as Rés Seguradoras «Lloyd’s Syndicate Navigators 1221 (Navigators Underwriting Agency Ltd.)», «Argo Global Se» e «Berkshire Hathaway International Insurance Limited» sendo a «ESFG» e a «BES» Tomadoras.

De acordo com o facto provado 50., a celebração destes contratos foi mediada pela «AON UK Limited» na qualidade de corretora.

De acordo com o facto provado 86., a Ré Zurich, por si e em representação das Seguradoras do excesso coberto, veio comunicar, em 25 de Junho de 2015, junto do Autor, a anulação dos seguros subscritos:

“(…) uma vez que em 30 de Maio do corrente ano tomou conhecimento da acusação deduzida no processo de contra-ordenação do BdP 58/14/CO, em que V. Exa. é arguido, e cujo teor aqui se por integralmente reproduzido.
Conforme decorre da referida acusação, em particular naquilo que releva para efeitos da apólice acima referida (D&O Insurance Policy FD141088 Espírito Santo Financial Group SA), V. Exa na qualidade de administrador executivo do BES e no âmbito das funções desempenhadas no Grupo ES mais detalhadamente descritas na acusação do BdP (art.112º), entre outros factos relevantes:
i.        Tinha conhecimento da comercialização pelo BES, da dívida da ESI junto dos clientes do BES, pelo menos desde o início da comercialização do papel comercial doméstico da ESI pelo BES, em Setembro de 2013;
ii. Sabia que o quadro normativo em vigor impunha ao BES a obrigação de garantir a existência de informação substantiva, actual, compreensiva, consistente, tempestiva e fiável que permitisse ao órgão de administração possuir uma visão global e abrangente sobre a situação financeira, desenvolvimento da actividade e o perfil de risco da instituição;
iii. Não agiu com a diligência e o cuidado que lhe era exigível enquanto administrador com funções executivas do BES, ao não assegurar que esta instituição possuía um sistema de informação e ou procedimental que obrigasse ao reporte periódico ao órgão de administração, de forma integrada, completa e transparente, de informação relativa à sua actividade, nomeadamente no que respeita à actividade de comercialização de dívida emitida por terceiros, designadamente da Esi;
iv. Sabia que o quadro normativo em vigor impunha ao Bes a obrigação de possuir um sistema de gestão de risco sólido, eficaz, consistente e abarcar todos os produtos, actividades, processos, sistemas de informação, que tomasse, designadamente em consideração os riscos reputacionais, bem como todos os outros riscos que, em face da situação concreta da instituição se pudessem revelar materiais;
v. Sabia que, pelo menos no âmbito da colocação do papel comercial doméstico (até 2013), existia um montante muito elevado de dívida da ESI, que podia seriamente afectar o Grupo e o próprio BES, em termos financeiros e em termos reputacionais, e que essa dívida estava a ser colocada através do BES;
vi. Conhecia, pelo menos desde meados de 2013, os elevados montantes de dívida da ESI que estavam a ser comercializados pelo BES junto dos clientes do BES, através dos diversos canais, e pelo GBES, nomeadamente através dos fundos comercializados pela ESAF FIM, bem como o perigo que esta circunstância comportava;
vii. Nada fez para apurar os montantes globais da dívida emitida pela ESI que estava a ser colocada através do BES ou para implementar um procedimento interno que exigisse a realização de qualquer análise à situação financeira do emitente;
viii. Sabia que o BdP com o propósito de reduzir o risco reputacional patente que advinha da associação do BES à comercialização da dívida emitida pela ESI, determinou por carta datada de 3 de Dezembro de 2013, à ESFG e ao BES que promovessem as necessárias diligências com vista a assegurar impreterivelmente até dia 31 de Dezembro de 2013, a eliminação da exposição resultante de financiamento directo ou indirecto, bem como da concessão de garantias, do grupo ESFG à ESI que não estivesse coberta por valorizações prudentes dos activos dados e por garantias juridicamente vinculativas, e ainda a constituição de uma conta à ordem (conta escrow) titulada pela ESI alimentada por recursos alheios ao Grupo ESFG e sem qualquer apoio financeiro ou garantia explícita ou implícita de entidade pertencente ao Grupo ESFG, com um montante equivalente à dívida emitida pela ESI e detida por clientes do BES na sequência da sua colocação na respectiva rede de retalho-estes factos não foram dolosa e fraudulentamente comunicados à Zurich;
ix. Tinha conhecimento ou não podia ignorar, no cumprimento das suas funções que, na sequência do ETRICC2 e da informação remetida pela ESFG, tinha ocorrido um crescimento exponencial do passivo financeiro da ESI em 30 de Setembro de 2013, por comparação com a informação disponibilizada a 30 de Junho de 2013;
x. Não agiu com a diligência e o cuidado devidos e exigíveis enquanto administradores com funções executivas do BES, ao permitir que vigorasse uma desadequada norma interna sobre Concepção de Desenvolvimento de Produtos e Serviços, com fundamento na qual não se procedeu à avaliação do risco da dívida emitida pela ESI, como teria feito qualquer pessoa medianamente diligente;
xi. No caso concreto, a omissão dessa diligência é particularmente grave e revela acentuada incúria, na medida em que essa análise era especialmente exigível atento o elevado montante da dívida global da ESI que estava a ser comercializada, o facto de ser dívida emitida por uma sociedade pertencente ao Grupo que o BES integrava e relativamente à qual não existia qualquer análise consistente e actual à sua situação financeira.
Como V. Exa. tem presente, a apólice nº ...88 cuja cobertura V. exa accionou e no âmbito da qual solicitou o pagamento dos custos da defesa jurídica, rege-se pela lei portuguesa e é passível de anulação com fundamento em falsas e ou dolosas declarações ou omissões do risco, podendo igualmente o segurador recusar a cobertura em caso de agravamento de risco não comunicado dolosamente com o propósito de obter uma vantagem.
Os factos vertidos na acusação do BdP, cujos factos relevantes ilustrativamente se sumariou, bem como os documentos que a suportam e que, para todos os efeitos, apenas em 30 de Maio do presente ano chegaram ao conhecimento da Zurich, permitem concluir que V.Exa. efectivamente sabia da situação patrimonial deficitária da ESI, com reflexos sobre o BES e ESFG, bem como dos manifestos e graves problemas financeiros por que aquela entidade passava, comprometendo toda a operação de venda de produtos financeiros desta a clientes do BES, com graves prejuízos reputacionais e patrimoniais como veio a ocorrer.
Estas circunstâncias que, conhecidas de V. Exa. e não podendo V. Exa. ignorá-las, não foram comunicadas à Zurich nem no momento da celebração do contrato nem em momento posterior e que a serem do conhecimento desta levariam a não celebrar o contrato de seguro, fundamentam a recusa por parte da Zurich da cobertura em face das omissões intencionais e fraudulentas da declaração inicial de risco, bem como das circunstâncias que ditaram um agravamento do risco e que não foram por V. Exas comunicadas, tanto mais que, a Zurich jamais celebraria um contrato de seguro cobrindo riscos com as características resultantes de tal agravamento.
Nestes termos a companhia de seguros Zurich PLC vem expressamente anular o contrato de seguro D&O no âmbito do qual V. Exa. foi segurado e beneficiário, por omissões e inexactidões intencionais e fraudulentas do risco, bem como recusar a cobertura de qualquer sinistro que venha a ser participado, não avaliando nem adiantando o pagamento de quaisquer custos de defesa nos termos que tenham sido por V. Exa. requeridos.” (sublinhado a bold nosso).

Por comunicações com igual data de 25 de Junho de 2015, a mesma Seguradora, por si e em representação das Seguradoras do excesso coberto, comunicou a anulação dos contratos de seguro junto da administração da «ESFG» (facto provado 87.) e da «BES» (facto provado 88.)


Neste contexto, teremos que averiguar se houve omissões ou inexactidões que pudessem ter ferido a validade dos contratos de seguro (vistos em coligação atento o nexo funcional entre eles) por vício imputável à declaração inicial de risco, tendo em conta as circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis e desconhecidas culposamente, anteriores ou contemporâneas da celebração do contrato em Dezembro de 2013, que deveriam ter sido fornecidas pelas Tomadoras dos seguros subscritos e pelo Autor Segurado para adequada apreciação do risco coberto – responsabilidade civil por danos resultantes dos actos de gestão como administrador da «BES».

2.4.2. Os Recorrentes baseiam a sua impugnação na análise de seis circunstâncias pelo acórdão recorrido:


(i) Conhecimento pela Tomadora «BES», como intermediária financeira, e pelo Autor Segurado da colocação de dívida (“papel comercial”) da «ESI» junto dos seus clientes, a partir de Setembro de 2013, com suspensão a partir de 4/12/2013 – factos provados 56.-A e 57.;
(ii) Conhecimento da existência de irregularidades nas contas da «ESI» em 4/12/2013 – factos provados 56., 56.-B) e 56.-C);
(iii)   Conhecimento pela Tomadora «BES» e pelo Autor Segurado da determinação do Banco de Portugal, de 3/12/2013, de medidas a implementar pelo grupo «ESFG» como barreira de protecção contra os riscos emergentes do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo – facto provado 55., em conjugação com os factos provados 51. a 53.;
(iv) Conhecimento da possibilidade de um risco reputacional para a Tomadora «BES» – em esp., cfr. factos provados 64. a 66., em conjugação com os factos provados 61. a 63.;
(v) Negociações de alterações ao clausulado dos seguros durante o ano de 2014 e apresentação de uma proposta de aumento de capital seguro – cfr. factos provados 67. e 68.;
(vi) A cláusula dos contratos relativa à “não anulação da apólice para pessoas seguras” – cfr. facto provado 28..

2.4.3. A circunstância sob iv) diz respeito a factos ocorridos no ano de 2014 (Abril, Maio e Julho), em pleno período de vigência dos contratos de seguros.

Ora, como acentua a doutrina, “qualquer informação relevante que venha ao conhecimento do tomador do seguro [ou do segurado, acrescentamos] após a conclusão do contrato, ou qualquer agravamento posterior das condições do risco, não estão, por definição, abrangidos pelo dever pré-contratual de descrição do risco, sem prejuízo de serem objecto de um dever contratual de comunicação em sede de execução do contrato”[24].

Logo, tais factos respeitam a circunstâncias abrangidas pelo dever de informação contratual do agravamento do risco, contempladas, em nome do reequilíbrio contratual entre o prémio pago pelo segurado e a probabilidade de prestação pelo segurador, pelo regime dos arts. 91º e 93º do RJCS. Circunstâncias essas, aliás, que tiveram tradução nas negociações e consequentes modificações nos contratos concluídos, que justamente foram analisadas na circunstância sob v), além das comunicações feitas (à corretora/mediadora «AON» e às Rés) sobre a situação do “Grupo BES” e sociedade «ESI» e, ademais, a pretexto das acções judiciais e processos contra-ordenacionais (Banco de Portugal) em que o segurado, aqui Autor, se afigurou como Réu e Arguido – cfr. factos provados 67. (respeitante às “actas adicionais”, os documentos que titulam uma alteração da apólice), ...9[25]., 70. 71., 75., 81., 81.-A), 85. e 89.

Em nenhum dos casos, estamos, em suma, perante circunstâncias pré-contratuais sindicáveis à luz do art. 24º, 1, do RJCS; antes perante alteração superveniente das circunstâncias anteriores e/ou contemporâneas do contrato de seguro e do risco coberto.


2.4.4. A circunstância sob (vi) respeita à concretização contratual do regime jurídico do art. 25º do RJCS, como salientou o acórdão recorrido:
“cláusula que limita o âmbito ou a oponibilidade da anulação (ou dos seus efeitos) relativamente às pessoas seguras: se estas não tiverem feito falsas declarações ou não tiverem conhecimento de afirmações dolosas ou falsas ou omissões a respeito da proposta, a Seguradora não procurará anular ou invalidar a apólice. Portanto, se, aquando da celebração do contrato, o próprio Segurado tiver feito falsas declarações ou tiver conhecimento de que outrem (o Tomador ou seu representante) incumpriu dolosamente o seu dever de declaração inicial do risco, a anulação/invalidade dos contratos de seguro, com a sua eficácia retroativa, é-lhe oponível. Caso contrário, não se provando aquela atuação ou conhecimento por parte do Segurado, deve poder continuar a beneficiar da cobertura dos seguros, não podendo as Seguradoras opor-lhe a anulação, deparando-se, no fundo, com uma “invalidade parcial”, na linha do disposto no art. 292.º do CC, pois estamos perante seguros de grupo que cobrem riscos de natureza variada, deixando-se, assim, a salvo, por força da referida cláusula, a cobertura daquele segurado, com a consequente manutenção em vigor do contrato na parte válida”.

Em suma: não é facto ou circunstância que suscite análise da sua vinculação informativa à luz do art. 24º, 1, do RJCS.

2.4.5. O conhecimento das circunstâncias sob i), ii) e iii) respeita a momento temporal anterior à conclusão dos contratos de seguro (primário e “de excesso”), o que justifica uma sindicação de uma eventual omissão informativa por parte das Tomadoras e do Segurado.

           

O acórdão recorrido, em síntese, abordou de forma certeira a questão (com itálico nosso):

Quanto à circunstância iii)

“(…) não nos parece que a determinação do Banco de Portugal pudesse constituir uma circunstância que razoavelmente devesse ser tida por significativa para a apreciação do risco, tendo em conta o contexto fáctico em que foi adotada, em que avultam os seguintes factos: 51. Em setembro de 2013, o Banco de Portugal decidiu complementar os trabalhos desenvolvidos no âmbito do ETRICC (Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito dos principais grupos bancários nacionais) com uma avaliação dos planos de negócio dos principais grupos económicos devedores do sistema bancário cuja recuperabilidade dos créditos se encontrava fortemente dependente da geração de fluxos financeiros do negócio. Este exercício – designado ETRICC2 – teve como referência as contas em 30 de setembro de 2013. (…) A amostra de entidades a avaliar incluiu as empresas do ramo financeiro e não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES), na medida em que a origem dos fluxos financeiros da Espírito Santo Internacional (ESI), a utilizar no reembolso da dívida, provinham de ambos os ramos de negócio (financeiro e não financeiro). (…) 53. A decisão de incluir aquelas entidades aconteceu apesar de a ESI não ter sido identificada como um mutuário de risco material no contexto do ETRICC e de uma parte significativa das exposições sobre as empresas não financeiras do GES ter sido objeto de análise no âmbito dos exercícios transversais promovidos pelo Banco de Portugal sem que tenham sido apurados quaisquer desvios de imparidade. (…) 54. As empresas de auditoria validaram, com base na informação contabilística disponível relativamente a cada empresa, imparidades quase nulas para estas exposições: a Deloitte e a KPMG, porque eram os auditores externos de vários bancos que concederam os créditos em causa; a PwC [PricewaterhouseCoopers] e a E&Y, porque participaram no Programa Especial de Inspeções (SIP) e no Programa de Inspeções on-site (OIP).

Como resulta dos factos descritos, estava-se perante um exercício promovido pelo Banco de Portugal para os principais grupos bancários nacionais, a ESI não estava identificada como mutuária de risco, as empresas de auditoria validaram, com base na informação contabilística disponível, imparidades quase nulas. Tudo com base em informação contabilística a que as Seguradoras também tiveram (ou podiam ter tido) acesso.”

Quanto às circunstâncias i) e ii)

“A colocação de dívida da ESI pelo BES – sendo de sublinhar que não se provou o montante colocado, não bastando a mera reprodução de documentos que a possam referir –, não obstante as irregularidades nas contas desta sociedade (salientando-se que não se provou o valor desse desvio, nem nos podemos bastar com a mera remissão para documentos que o refiram), não constituía uma circunstância que, na altura, razoavelmente se devesse ter por significativa para a apreciação do risco pelas Seguradoras, tanto mais que o BES era um mero intermediário financeiro e, apesar de, em abstrato, poder vir a existir um risco reputacional para o BES, um tal risco apenas se concretizaria – e razoavelmente deveria ser tido por significativo para a apreciação pelas Seguradoras – se a situação financeira da ESI prenunciasse que poderia não vir a pagar a dívida comercializada, o que, em face dos factos provados, não se perspetivava então (nos finais de 2013) – para a Tomadora BES (muito menos para o Autor) – como possível, tanto mais que tinham sido adotadas medidas para solucionar o “desvio” nas contas dessa sociedade. Portanto, também não podemos afirmar que estas circunstâncias, aquando da negociação/celebração dos contratos de seguro em apreço, deviam ter sido consideradas pela Tomadora BES como significativas para a apreciação do risco pelas seguradoras.”


Acentue-se, para este raciocínio, a apreensão global do facto provado 57 (com itálico nosso):

“Nessa reunião, a Comissão Executiva do BES deliberou que fosse suspensa a venda de papel comercial emitido pela ESI e a Comissão Executiva do BES foi informada de que este emitente detinha meios suficientes para assegurar a liquidação de tais instrumentos financeiros procedendo a um programa de venda de ativos e de aumento de capital”. Com efeito, esta 2ª factualidade, por si só, desobrigava a Tomadora BES e o Segurado aqui Autor de um juízo objectivo de relevância positiva sobre as circunstâncias relativas à venda desse papel comercial emitido pela ESI, que justificasse a comunicação aos seguradores dos factos relativos à colocação-intermediação da «BES» em relação a esse produto financeiro – por que seria relevante a circunstância da 1.ª factualidade conjugada com a informação obtida nessa 2.ª factualidade para a avaliação do risco pelos seguradores?

Assim como o relevo excludente de vários dos factos não provados, em esp.:
“5. O Autor tinha à data da conclusão dos contratos de seguro pleno conhecimento da debilitada situação económica e financeira do BES e do Grupo Espírito Santo.”;
 “7. O Autor sabia que o BES não cumpria o quadro normativo em vigor que lhe impunha a obrigação de garantir a existência de informação substantiva, atual, compreensível, consistente, tempestiva e fiável que permitisse ao órgão de administração possuir uma visão global e abrangente sobre a situação financeira, desenvolvimento de atividade e o perfil de risco da instituição.”

“8. O Autor sabia da situação patrimonial deficitária da ESI, com reflexos sobre o BES e ESFG estando consciente do impacto desta situação para avaliação do risco a ser coberto por via dos contratos de seguro aquando da sua renovação.” (Restringido em função do facto provado 56.-B).);

“9. Todos os membros do Conselho de Administração do BES e da Comissão Executiva tomaram conhecimento da verdadeira situação financeira da ESI e das expectáveis repercussões, antes do final do ano de 2013.” (Restringido em função do facto provado 56.-C).);
“14. Só porque a apreciação do risco foi feita com base em dados erróneos, consentiram as Rés Seguradoras em celebrar os Contratos de Seguro dos autos, incluindo como Segurado o Autor.”

Acresce, a esses raciocínios, o facto de o Autor Segurado só ser administrador da «BES» no contexto de todo o grupo BES e só se activar o seguro, em seu benefício, para os actos de gestão praticados no exercício e por ocasião do exercício das funções de administrador – em rigor, membro de comissão executiva – daquela sociedade. E é relativamente a eles e para a sociedade «BES» que, para além do informado, em 28/12/2013, pela Tomadora «ESFG» no questionário a que se referem os factos provados 30., 49. e 50., se deverá ajuizar o critério do que era exigível informar (espontaneamente) pela Tomadora «BES» e pelo Segurado Administrador, aqui Autor – de acordo, como vimos, com o que entenderiam ser de comunicar, no seu critério, para avaliação do risco a cobrir, naquele momento e a propósito da gestão da sociedade «BES» e sua relação com a exposição às vicissitudes da «ESI». Dito por outras palavras: o objecto da informação exigível encontra(va)-se, em primeira e fundamental linha de exigência, no perímetro informativo da administração gestionária[26] distintiva da «BES».

Neste contexto, não julgamos ser de censurar, como enfatizou o acórdão recorrido, a actuação das Tomadoras e deste concreto Segurado, à luz da diligência média exigível, tal como descrita anteriormente: na verdade, “se o proponente [e/ou o segurado] conhecer determinados factos, mas não os tiver razoavelmente por significativos para a apreciação do risco pelo segurador – e, logo, não os informar a este” –, particularmente por não considerar que o conhecimento atempado dos mesmos levaria a que o segurador não contratasse, ou haveria de contratar em condições diversas, “falta um dos requisitos da ilicitude, pelo que nem sequer há incumprimento do dever de declaração. Por outras palavras, nem sequer há uma acção anti-jurídica do proponente, dispensando-se a aferição da (ausência de) culpa”[27].

Assinale-se que, na bitola de tal diligência imputável a um proponente abstracto colocado na posição do proponente e do segurado concretos, o juízo sobre o conteúdo e a dimensão do dever de informação e esclarecimento pré-contratual não poderá ser feito de acordo com o cosmos factual que venha a ocorrer após a conclusão do contrato. Aí, como é o caso do descrito no facto provado 101.-A)[28], já estamos perante um arco temporal relativo à diminuição e ao agravamento do risco originariamente ponderado para a conclusão do contrato – e nunca o poderemos definir a posteriori e em razão de circunstâncias ulteriores e/ou da ocorrência de sinistros hipotéticos a que se refere a cobertura do seguro, nomeadamente se não há fundamento para um juízo de prognose ou inferência ou se não se prove que havia na fase pré-conclusão do contrato um grau elevado de probabilidade de verificação de tais circunstâncias e sinistros[29]. Foi o caso, porque as circunstâncias que agora se discutem, embora conhecidas, não podem ser vistas, uma vez não comunicadas nesse quadro, como fonte de uma conduta de má fé das Tomadoras proponentes do seguro e do Segurado aqui Autor.

*

Por fim, de todo o modo e independentemente, é fundamental perceber que, tal como consta do facto provado 59., “[e]ntre 18 de setembro de 2013 e 12 de dezembro de 2013, foram publicadas notícias na imprensa nacional e internacional que alertavam para a exposição do Fundo ES Liquidez e do BES a empresas do GES”. Ora, no processo de avaliação do risco, “a fidúcia é uma estrada de dois sentidos. Não há neste processo uma parte em absoluto mais informada do que a outra: o segurado conhece de perto a sua esfera, mas não sabe o que releva para avaliar o risco; e o segurador sabe de que informações precisa para avaliar o risco, mas não conhece de perto a esfera do segurado”[30].

Logo, nesta estrada de dois sentidos, não é despiciendo relacionar com esse facto, público e notório, ainda que relativamente incipiente à data em termos de conhecimento público (como resulta da factualidade não provada), que as Rés Seguradoras tenham observado o seu próprio procedimento de averiguação e cálculo do risco quanto à cobertura que se pretendia ver garantida. E, nesse âmbito:


(i) “tiveram em consideração formulário da proposta sumária de renovação [referida em 49.], inquérito, reunião de renovação, informação pública disponível no website do cliente, tendo ainda a Zurich tido em consideração as demonstrações financeiras do BES e a Berkley as demonstrações financeiras do BES e da ESFG” (facto provado 95.);
(ii) “concluíram que se verificava uma redução do risco em geral, como resultado de melhoramentos aos níveis financeiro, operacional e de controlo de risco, e ainda devido a um ambiente macroeconómico que se mostrava ser mais positivo em relação ao ano anterior” (facto provado 96.);
(iii) “A decisão de contratar os Contratos de Seguro por parte das Rés Seguradoras, assentou assim no pressuposto de que cobririam riscos associados a uma instituição bancária histórica, com comprovada solidez económica, patrimonial e financeira, cumpridora das normas legais e regulamentares aplicáveis à sua atividade”, “riscos associados a uma instituição bancária detentora de um sistema de informação ao órgão de administração de todos os aspetos relevantes da sua atividade” e “riscos associados a uma instituição bancária detentora de um sistema de gestão de riscos sólido e eficaz com relação a todos os seus produtos e atividades, designadamente sobre a colocação de dívida de entidades terceiras” (cfr. factos provados 97. a 99.);
(iv) Entenderam que “segurariam uma instituição isenta de riscos reputacionais suscetíveis de desencadear riscos sistémicos na banca portuguesa” (cfr. facto provado 100.).

E, por último, ainda cabia aos seguradores a válvula de segurança que o art. 24º, 4, do RJCS oferece («O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.»). Ora, não consta da factualidade assente que tenha sido actuado em benefício do cálculo adequado das probabilidades de concretização do risco coberto pelos seguros subscritos.

Na realidade, teremos que ver este dever de informação a cargo do segurador como um mecanismo (ainda por cima sob cominação de responsabilidade civil por incumprimento) que se instrumentaliza, num contexto de boa fé colaborativa das partes, em favor do esclarecimento completo e exacto previsto no n.º 1 do art. 24º. Se quisermos, como um expediente ao serviço da superação de situações em que o risco percepcionado pelo segurador pode ser mesmo distinto do risco real. Não sendo cumprido, faz surgir um perigo de omissão e inexactidão na declaração inicial de risco (em particular perante um tomador de seguro ou segurado negligentes[31]) que corre por conta do segurador.

Tudo visto e analisado, improcedem, pois, as Conclusões XXXIV. a LXXXI. da revista quanto à excepção de anulação do contrato por incumprimento da declaração inicial de risco.

2.4.6. Neste contexto, não é de averiguar dolo na omissão informativa (e sindicação do art. 25º do RJCS), porque de omissões censuráveis não se trataram no caso dos autos – o que preclude a análise do exposto nas Conclusões LXXXII. a XCVII. (art. 608º, 2, 1ª parte, 663º, 2, 679º, CPC).


3. Da nulidade por omissão de pronúncia

Vieram por fim os Recorrentes impugnar o acórdão recorrido por ter omitido a rectificação solicitada de um trecho da sentença de 1.ª instância: “Com efeito, à data de tal celebração já se sabia por força da reunião de 4 de Dezembro de 2013, porém, na altura o entendimento e a convicção era de que tudo era recuperável”. A rectificação dirigia-se ao objecto do que “já se sabia” na esfera de conhecimento do Autor, tendo em vista suprir a omissão do que se tornaria obscuro nesse trecho.

A impugnação resulta do peticionado em sede de apelação (atravessada nos autos em 24/5/2019) para “rectificação de erros de escrita” (Conclusão I.) – no caso, o alegado relativamente à pág. 76 da sentença recorrida, como se descreve – e poderá ser abrangido à luz do art. 614º, 2, 2ª parte, do CPC («Em caso de recurso, (…) podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.»).

Sendo certo que a rectificação é dirigida em primeira linha ao juiz da sentença, este não se pronunciou, nos termos da 1ª parte do art. 614º, 2, 1ª parte, do CPC («a retificação só pode ter lugar antes de ele subir»), quando proferiu despacho (9/7/2019) no exercício do poder atribuído pelo art. 617º, 1, do CPC (ref.ª Citius 388570497).
Visto o acórdão recorrido, não se verifica nos autos qualquer pronúncia específica sobre a rectificação solicitada quanto à alegada inexactidão e obscuridade desse trecho a págs. 76 da sentença recorrida. Previamente, no entanto, foi afirmado (em face das questões decidendas): “não obstante o primeiro ponto desta alegação de recurso se refira a erros de escrita da sentença, consideramos que a sua apreciação não integra o objeto do recurso, posto que não foram concretamente identificados nas conclusões (mormente na 1.ª conclusão); todavia, serão oficiosamente apreciados (esses e outros lapsos de escrita) sempre que se justifique, isto é, sempre que neste acórdão nos depararmos com os mesmos.”

Todavia, confrontado com esta nulidade de “omissão de pronúncia” na revista agora em apreciação, o TRL, no acórdão proferido em conferência (24/9/2020) para apreciação das nulidades arguidas, para além da rectificação do nome do Autor que consta do Relatório do acórdão recorrido, sustentou:
“Assim, por exemplo, se as partes, no corpo da alegação de recurso, invocarem (supostos) lapsos de escrita na fundamentação de direito da sentença, numa linha de argumentação que mais não visa do que demonstrar os invocados erros de julgamento da sentença, referindo-se depois, nas conclusões, genericamente, por remissão, àqueles “lapsos”, a verificação destes últimos não constitui nenhuma questão a decidir. (…) No acórdão recorrido, considerou-se que, como é evidente, esta conclusão não encerra nenhuma questão de que se devesse conhecer (…). No acórdão recorrido foram oficiosamente supridos todos os lapsos de escrita que foram identificados como tais, nos termos previstos na lei.”

E, a final, invocou:

“No acórdão recorrido foram oficiosamente supridos todos os lapsos de escrita que foram identificados como tais, nos termos previstos na lei.”;

 “(…) não tinha este Tribunal da Relação que se pronunciar sobre qualquer outro hipotético lapso de escrita [para além do rectificado ex professo] invocado apenas no corpo da alegação recursória, ainda para mais tratando-se de uma suposta omissão que (alegadamente) determinaria a obscuridade de uma afirmação feita na fundamentação de direito da sentença, a propósito da questão da “Anulação do Contrato de Seguro por Violação do Dever de Declaração do Risco; Da Omissão Dolosa de Informação às Seguradoras”, matéria essa que foi abundantemente apreciada no acórdão, incluindo com prévia citação da referida passagem da sentença.”

Ora.

Mesmo sendo de discutir preliminarmente se o invocado pelas Recorrentes constituiria “erro” ou “lapso de escrita” no âmbito do art. 249º do CCiv. ou, em rigor, uma “inexactidão/omissão” devidas a lapso manifesto, sempre para o efeito do art. 614º, 1, do CPC, o certo é que tal invocação não deixou de ter enquadramento e resposta no acórdão recorrido.

Por outro lado, o objecto do trecho que supostamente mereceria “rectificação” resulta claro a propósito da reapreciação da matéria de facto e, nela, do aditamento feito em 2.ª instância dos factos provados 56.-B) e 56.-C), em referência ao facto provado 56., e, obviamente, da respectiva fundamentação.

Assim, tal rectificação encontra-se considerada, uma vez invocada, e tratada pelo acórdão recorrido, por um lado, e, por outro lado, suprida manifestamente pela modificação feita da matéria de facto pertinente.

Portanto, não se verifica omissão de pronúncia no que se refere ao que os Recorrentes alegaram no que entenderam ser de alegar quanto à rectificação, que mereça censura à luz do art. 615º, 1, d), 1ª parte, e 666º, 1, do CPC, em conjugação com o art. 608º, 2, do CPC – falecem sem mais as Conclusões CVI. a CIX. da revista.   

           

III) DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em julgar totalmente improcedente a revista, admitida como excepcional e no objecto delimitado para a sua apreciação, confirmando-se o acórdão recorrido no que respeita ao seu dispositivo decisório sob a).

*

Custas da revista a cargo dos Recorrentes.

Custas do incidente da junção de Parecer a cargo do Recorrido, por oposição e vencimento no deferido, que se fixa em 1 UC.  

STJ/Lisboa, 24 de Maio de 2022

Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)

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[1] Processo n.º 25/14.1TBTND.C1.S1, Rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA, in www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º 399/14.1TVLSB.L1.S1, Rel. OLIVEIRA ABREU, in www.dgsi.pt.
[3] MARIA ELISABETE RAMOS, O seguro de responsabilidade civil dos administradores. Entre a exposição ao risco e a delimitação da cobertura, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 306 e ss.
[4] Cfr. arts. 72º a 79º do CSC.
[5] RICARDO COSTA, Os administradores de facto das sociedades comerciais, Almedina, Coimbra, 2014 (reimp.: 2016), nt. 859 – págs. 423-424.
[6] MARIA ELISABETE RAMOS, O seguro de responsabilidade civil… cit., págs. 437-438.
[7] LUÍS POÇAS, O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 373-374.
[8] A extensão do dever de informação pré-contratual só se entende quando o segurado conhece da existência do contrato de seguro e das suas negociações, importando atender ao seu grau de conhecimento das circunstâncias relevantes para a apreciação do risco (JÚLIO GOMES, “O dever de informação do (candidato a) tomador do seguro na fase pré-contratual, à luz do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril”, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2011, págs. 403-404) – como é o caso do segurado administrador de sociedades, beneficiário da transferência do risco em caso de actuação danosa no exercício funcional do seu cargo social, nos termos da aplicação do art. 396º, 1 e 2, do CSC.
[9] JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “O contrato de seguro na LCS de 2008”, ROA, 2009, pág. 832.
[10] Contrabalançado pelo n.º 3 do art. 24º do RJCS, relativo à não essencialidade de factos para o segurador e do incumprimento ou cumprimento parcial ou defeituoso da obrigação de informar pelos vinculados: com desenvolvimento, v. JÚLIO POÇAS, O dever de declaração inicial… cit., págs. 391 e ss.
[11] JÚLIO GOMES, “O dever de informação…”, loc. cit., págs. 405 e ss, MARIA INÊS DE OLIVEIRA MARTINS, “Entre a avaliação inicial do risco e o regime do seu agravamento: a distribuição de riscos de desconhecimento no contrato de seguro”, Julgar, 2021, n.º 43, págs. 83-84.
[12] RICARDO COSTA, “Artigo 64º”, Código das Sociedades Comerciais em comentário, Volume I (Artigos 1º a 84º), coord.: J. M. Coutinho de Abreu, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, págs. 776 e ss.
[13] ARNALDO DA COSTA OLIVEIRA, “Artigo 24º”, Lei do contrato de seguro anotada, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, págs. 137-138, apelando aqui a um critério de “diligência mínima”; LUÍS POÇAS, O dever de declaração inicial… cit., págs. 338 e ss, ID., “O dever de descrição exata e completa do risco a segurar”, Problemas e soluções de direito dos seguros, Almedina, Coimbra, 2021 (reimp.), pág. 22.
[14] PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Artigo 24º – Comentários complementares”, Lei do contrato de seguro anotada cit., pág. 143, apelando à boa fé positivada no art. 227º do CCiv.
[15] Sobre estes dois objectos da informação, v. MARIA ELISABETE RAMOS, O seguro de responsabilidade civil… cit., págs. 442-443.
[16] Seguimos o critério de PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Artigo 24º – Comentários complementares”, loc. cit., págs. 143-144 (“não um critério dependente das concretas capacidades do tomador”), para o conteúdo do dever de informação (distinto do estabelecimento da “medida da diligência exigível no cumprimento desse dever (relevante para o art. 26º)”).
[17] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito dos seguros, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 632 (“(…) o tomador não é um guardião do segurador, nem este espera que assim seja. Deve comportar-se com a honestidade própria do cidadão comum, que não tem de acentuar quanto lhe seja desfavorável.”).
[18] JÚLIO GOMES, “O dever de informação…”, loc. cit., pág. 408, ARNALDO DA COSTA OLIVEIRA, “Artigo 24º”, loc. cit., pág. 139, SÉRGIO COIMBRA HENRIQUES, “Invalidade do contrato de seguro por violação de deveres de informação”, Themis, 2015, n.os 28-29, págs. 272, 274; menos próximo, uma vez arquitectado um critério híbrido para este juízo de relevância, v. LUÍS POÇAS, “O dever de descrição…”, loc. cit., pág. 22 (o critério de relevância “assenta nas representações subjectivas do proponente concreto, ainda que mitigadas por um elemento de objetividade (razoabilidade)”; mais desenvolvidamente, O dever de declaração inicial do risco… cit., págs. 345 e ss, e, em esp., 349-350, para “as circunstâncias pessoais inerentes ao proponente concreto”), ainda que não deixe de considerar que só são relevantes nessa operação “os factos que o sejam efectivamente para o segurador concreto”.
[19] PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Artigo 24º – Comentários complementares”, loc. cit., pág. 143: “A lei refere-se a uma leitura «razoável», não só dos riscos existentes e da sua relevância, mas, por identidade de razão, do próprio contrato.”
[20] Sobre o tema, v., entre outros, JÚLIO GOMES, “O dever de informação…”, loc. cit., págs. 404-405 nt. 38 – pág. 406; LUÍS POÇAS, O dever de declaração inicial do risco… cit., págs. 331-332; MARIA INÊS DE OLIVEIRA MARTINS, “Entre a avaliação inicial do risco…”, loc. cit., págs. 68, 69, 92.
[21] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, “Uma outra abordagem em torno das declarações inexactas e reticentes no âmbito do contrato de seguro. Os arts. 24.º a 16.º do Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril”, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume IV, Studia Iuridica 101, Ad Honorem – 5, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 617.
[22] MARIA INÊS DE OLIVEIRA MARTINS, “Entre a avaliação inicial do risco…”, loc. cit., pág. 80.
[23] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, “Uma outra abordagem…”, loc. cit., págs. 619-620, MARIA INÊS DE OLIVEIRA MARTINS, “Entre a avaliação inicial do risco…”, loc. cit., págs. 85-86.
[24] LUÍS POÇAS, O dever de declaração inicial do risco… cit., pág. 332.
[25] JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “O contrato de seguro na LCS de 2008”, loc. cit., pág. 839.
[26] Sobre o conceito de “administração gestionária”, v. RICARDO COSTA, Os administradores de facto… cit., págs. 737-738
[27] LUÍS POÇAS, O dever de declaração inicial do risco… cit., pág. 351, com ênfase nosso.
[28] A saber: “A partir de dada altura, que não é possível precisar, mas, pelo menos, desde final de julho de 2014, o BES ficou exposto a risco reputacional e de litigância perante os seus clientes, decorrente, entre outros factores, de ter colocado junto dos mesmos dívida de uma sociedade do seu próprio grupo.”
[29] V. LUÍS POÇAS, O dever de declaração inicial do risco… cit., págs. 334, 335-336.
[30] MARIA INÊS DE OLIVEIRA MARTINS, “Entre a avaliação inicial do risco…”, loc. cit., págs. 79 (e ainda 82, acentuando as características que o segurador valoriza para a construção das “suas classes de risco”). Neste particular dos “blocos informativos” a cargo de segurador e segurador, v. o Ac. do STJ de 7/12/2016, processo n.º 1923/14.5TBVIS.C1.S1., Rel. ABRANTES GERALDES, in www.dgsi.pt.
[31] V. JÚLIO GOMES, “O dever de informação…”, loc. cit., pág. 422, JÚLIO POÇAS, O dever de declaração inicial… cit., págs. 450-451, PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Artigo 24º – Comentários complementares”, loc. cit., pág. 147 (“a parte mais relevante do preceito toca o dever de informar para lá do que resulte de um questionário e as consequências da violação desse dever ou da falsidade nas respostas a um eventual questionário”).