Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6917/16.3T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO
APLICAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE
ILICITUDE
CULPA
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO MOBILIÁRIO – INTERMEDIAÇÃO / EXERCÍCIO / PRINCÍPIOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / DEPÓSITO / NOÇÃO / DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO DEPOSITÁRIO / OBRIGAÇÕES DE DEPOSITÁRIO.
Doutrina:
- Calvão da Silva, Direito Bancário, 2001, p. 347/351;
- Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, p. 487/494;
- Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, p. 483 e 484 ; Deveres e Responsabilidade Do Intermediário Financeiro, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 56, Abril 2017;
- Fátima Gomes, Contratos de intermediação financeira: sumário alargado, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, 2002, p. 565/599;
- Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil Do Intermediário Financeiro Perante O Cliente, p. 74;
- José Engrácia Antunes, Os Contratos de Intermediação Financeira, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume LXXXV, p. 280/282;
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 6.ª Edição, p. 325/417;
- Menezes Leitão, Actividades De Intermediação E Responsabilidade Dos Intermediários Financeiros, in Direito Dos Valores Mobiliários, Volume II, p. 129/156;
- Paulo Câmara, Manual dos Valores Imobiliários, 3.ª Edição, p. 438 e 711;
- Rui Pinto Duarte, Contratos De Intermediação No Código De Valores Mobiliários, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 7, p. 2000.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGO 304.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1185.º E 1187.º.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA 2004/39/CE DE 21 DE ABRIL,
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22-02-2011, RELATOR SEBASTIÃO PÓVOAS;
- DE 18-12-2013, RELATORA ANA PAULA BOULAROT;
- DE 26-09-2017, RELATORA ANA PAULA BOULAROT;
- DE 10-04-2018, RELATOR FONSECA RAMOS;
- DE 18-09-2018, RELATOR SALRETA PEREIRA;
- DE 18-10-2018, RELATORA MARIA OLINDA GARCIA, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I Os intermediários financeiros encontram-se sujeitos a um conjunto de princípios gerais atinentes ao exercício e à organização da sua actividade, os quais decorrem directamente do preceituado no artigo artigo 304º do CVM.

II O princípio dos princípios orientadores da actividade de intermediação, reside, indubitavelmente no nº1 daquele normativo ao impor aos intermediários financeiros que orientem a sua actuação no sentido da protecção dos interesses legítimos dos seus clientes.

III Tal princípio mais não é do que a imposição da expressão da Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril, da qual decorre uma vinculação dos intermediários financeiros a orientar a sua actividade no sentido de assistir os seus clientes ao nível do seu plano de investimentos, informando-os e alertando-os para os possíveis riscos e chamando-lhes a atenção para eventuais prejuízos que deles possam advir; mais do que meros executantes formais dos serviços disponibilizados e/ou contratados, os intermediários financeiros devem funcionar em relação aos seus clientes/investidores, como verdadeiros garantes e guardiões dos réditos investidos zelando pela sua valorização.

IV Viola tal princípio a entidade bancária que no exercício da intermediação financeira não apresenta ao seu cliente de forma clara, esclarecida e fiel, o produto proposto, não obstante soubesse que este não tinha conhecimentos que lhe permitissem aferir do alcance da aplicação na aquisição das obrigações da PT, em causa, bem sabendo que o Autor não tinha qualquer intenção em investir o seu dinheiro em produtos que implicassem qualquer risco para o capital, sendo certo que lhe foi até assegurado que «o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse».

V O Réu/Recorrente, com a sua conduta, desafiou todos os deveres de protecção da integridade pessoal e patrimonial do Autor, tendo-lhe apresentado como realidade, uma situação que à partida sabia que não era aquela (não se tratava de um depósito a prazo, mas sim da aquisição de um produto de risco), o que conduziu, não a uma frustração das expectativas daquele, mas antes, à frustração da sua confiança, porquanto as representações e as disposições efectuadas em função das mesmas, lhe foram indevidamente transmitidas, o que conduz, inexoravelmente à obrigação de reparação, colocando o sujeito na situação em que se encontraria se não tivesse acalentado aquelas expectativas.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I J intentou acção declarativa comum contra BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, SA, pedindo a condenação do réu a restituir ao autor a quantia de € 59.277,81, bem como os juros à taxa de 6,25% contados desde 12.07.20112 até integral pagamento.

Mais pediu a condenação do réu no pagamento da quantia de € 10.000,00 a título de dano não patrimonial.

Alegou, para o efeito e em síntese, que em Julho de 2012, por lhe ter sido dito pelo funcionário do Réu que, para clientes com montantes superiores a 50.000 €, tinha um depósito a prazo, pelo período de 4 anos, vencendo juros à taxa de 6,25%, sem qualquer risco de capital ou de juros, e que ele o poderia movimentar quando quisesse, entregou o montante de 59.277,81 € para a constituição de um depósito naquelas condições, não lhe tendo sido lido nem explicado o teor de qualquer documento, nem nenhum documento lhe tendo sido entregue.

Contudo, na data de vencimento (27 de Julho de 2016), quando pretendeu aceder aos valores que tinha, segundo cria, colocado num depósito a prazo, percebeu que afinal estava em causa um produto bem distinto, ações da “Portugal Telecom Internacional Finance B.V.”, e que as ditas ações estavam bloqueadas, não lhe tendo sido disponibilizado o valor que entregara e/ou os respectivos juros.

Mais alegou que foi iludido e enganado pelo Réu, já que o produto em questão não correspondia, de todo, ao que pretendia, apenas tendo efectuado o negócio por estar convicto de que se tratava de um depósito a prazo e que, por força da não disponibilização das verbas na data de vencimento, tem andado num estado de grande ansiedade e preocupação, devendo receber uma compensação de € 10.000,00 a título de dano não patrimonial.

Na contestação, o Réu confirmou que o Autor é titular de uma conta bancária aberta no Banco Comercial Português, com o nº …., e que em Julho de 2012 aquela conta foi debitada pelo montante de € 59.000,00, movimento este que correspondeu ao débito do custo da subscrição de 59 unidades, do valor de 1.000,00 € cada, de “Obrigações PT taxa fixa 2012/2016 6,25 %”, dizendo, porém, ter sido o Autor quem, em Julho de 2012, deu ao Banco instruções para assim proceder; e, segundo as suas condições de emissão, a Portugal Telecom Internacional Finance B.V. obrigou-se a reembolsar as obrigações aos subscritores, pelo seu valor nominal, de uma só vez, em 26 de Julho de 2016, tendo assim este investimento uma maturidade de quatro anos (26.07.2012 a 26.07.2016).

Esta obrigação de reembolso assumida pela PT está dependente da sua solidez, pelo que, por definição, nenhum produto financeiro tem capital garantido, por muito que as entidades emitentes se constituam na obrigação de reembolsar o capital investido.

Quando este produto financeiro foi colocado no mercado, com a devida autorização da CMVM e do Banco de Portugal, o Autor mostrou-se interessado na sua subscrição, dispondo-se a fazê-lo com parte do montante que se encontrava a crédito da conta de que era titular, mais propriamente € 59.000,00.

Na circunstância, o funcionário do Banco que atendeu o Autor explicou-lhe as características do investimento acima enunciadas, o Autor ficou agradado com as características do produto e decidiu realizar o investimento.

Aliás, não foi a única vez que o Autor investiu em aplicações financeiras, tendo investido no passado em acções da EDP e do BPA.

De todo o modo, alegou o Réu, na medida em que, na sequência de um questionário, o Autor foi classificado como “investidor não profissional”, o mesmo assinou um documento onde atestava sob compromisso de honra que pretendia adquirir o referido produto; que o réu lhe solicitou e este prestou toda a informação sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento e /ou sobre o seu património e que o Millenium bcp o advertiu expressamente para o facto de não considerar a operação adequada ao seu perfil de cliente.

Contudo, o autor ainda assim quis investir e atestou que “(i) possui a experiência e conhecimentos necessários para compreender os riscos envolvidos, os quais constam, em síntese, de suporte duradouro já fornecido pelo Millenium bcp, e que o seu património lhe permite suportar financeiramente quaisquer riscos conexos de investimento e que a operação/produto/serviço está em coerência com os seus objectivos de investimento;(…) que conhece, compreende e aceita as Condições Gerais de contas de registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediação financeira em vigor no Millennium bcp para a prestação deste serviço e todos os anexos às mesmas, designadamente a política de execução de ordens, constante do Anexo I, com a qual concorda.

Por conta deste produto o Autor já recebeu a quantia de € 9.006,34, relativa a juros.

Sucedeu contudo que na data de vencimento da obrigação de reembolso aos titulares das obrigações do valor nominal que haviam investido, ou seja, no dia 26 de Julho de 2016, a Portugal Telecom International Finance B.V não cumpriu essa obrigação, porquanto no dia 21 de Junho de 2016 a CMVM deliberou a suspensão da negociação das obrigações “Obrigações PT Taxa Fixa 2012/2016” até à divulgação de informação relevante relativa ao processo de recuperação judicial das Empresas Oi, apresentado no dia 20 de Junho.

Esta suspensão veio a ser prorrogada pela CMVM no dia 18 de Julho de 2016 com o mesmo fundamento e mantém-se em vigor no presente.

Assim, as obrigações de que o Autor é titular mantêm-se em carteira, embora suspensas, não sendo possível neste momento aferir-se se e quando e por que montante serão elas reembolsadas – donde, não há ainda dano.

Por excepção alegou que mesmo que alguma responsabilidade do Banco pudesse existir, ela estaria necessariamente prescrita à luz do disposto no art. 324º do CVM

Isto porque o Autor desde a data da subscrição das obrigações em causa nos autos que tem conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.

De resto, ao longo dos mais de quatro anos que mediaram a subscrição do produto em questão e a propositura da presente acção, o Autor recebeu mensalmente o extracto combinado da conta nº XXX, que o Banco lhe enviou, onde vem descrita e bem identificada, num capítulo reservado a “carteira de títulos” a aplicação em causa.

Nessa medida, seria abusivo o exercício de qualquer direito relativo a este negócio, se direito se considerasse existir.

Na audiência prévia, o Autor defendeu a integração da operação em causa no exercício da atividade de intermediação financeira, mais defendendo que, não obstante haver que ponderar se se deve efetuar o enquadramento da responsabilidade do intermediário financeiro no âmbito da responsabilidade delitual ou obrigacional, o por ele alegado sobre a atuação do Banco Réu não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual, por parte daquele para com o Autor, no sentido de garantir o reembolso do capital e juros na data de vencimento; quanto à invocada prescrição, defendeu que, estando em causa uma culpa grave do Réu, não é aplicável o prazo previsto no art. 324º, nº 2, do CVM, mas sim o previsto no art. 309º do Cód. Civil; por último, relativamente ao abuso de direito, argumentou que não pode imputar-se-lhe qualquer comportamento que legitimamente pudesse criar no Banco Réu a ideia de que não exerceria o direito a ser indemnizado.

Efetuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu no pagamento da quantia de € 60.564,43 (sessenta mil, quinhentos e sessenta e quatro euros e quarenta e três cêntimos), correspondente a € 59.277,81 (cinquenta e nove mil, duzentos e setenta e sete euros e oitenta e um cêntimos) a título de capital e € 1.286,62 (mil, duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos) a título de juros vencidos em Julho de 2016 e no pagamento da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de dano não patrimonial.

Inconformado, o Réu interpôs recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado improcedente com a confirmação da sentença recorrida.

Irresignado com tal desfecho, recorreu o Réu, agora de Revista excepcional, uma vez que a questão decidenda assume relevância jurídica e a sua apreciação é claramente necessária para a melhor aplicação do direito, artigo 672º, nº1, alínea a) do CPCivil, impugnação essa que veio a ser admitida pela Formação, através do seu Acórdão que faz fls 296 a 298.

Apresentou o Réu, aqui Recorrente, o seguinte acervo conclusivo:

- Da conjugação dos factos provados nos autos, entre eles, nos pontos 5, 13, 14 e 15, não se vislumbra a prática de qualquer ato ilícito por parte do Banco Recorrente, sendo certo que, nos dizeres do recentíssimo aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2017, “III- A garantia do intermediário financeiro do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro, designadamente face ao bom rating das entidades estrangeiras emitentes das obrigações, para além de que o maior rendimento da aplicação financeira anda, igualmente, associado a mais elevado risco. IV - Desde que o risco da aplicação financeira não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, corre por conta do titular do direito. V -Por outro lado, a afirmação da garantia do reembolso do capital investido pelo intermediário financeiro não significa que a decisão da subscrição das obrigações se tivesse ficado a dever a tal circunstância “

- Também no aresto do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.12.2016, se entendeu que “Não está demonstrada a ilicitude, por violação do seu dever de informação (e adequação), da conduta da intermediária financeira que apresenta a um investidor não qualificado de perfil conservador, sem conhecimento nem experiência no funcionamento do mercado de valores mobiliários, como produto sem risco, as obrigações emitidas por bancos islandeses que à data  apresentavam  notações das agências de rating Moody's e Fitch correspondentes a investimento seguro, tendo a Islândia uma idêntica notação “.De facto,

- Apreciado o investimento dos autos no contexto de um investimento que se afigurava seguro, face, designadamente, ao bom rating da PT, a garantia da sua segurança nos acanhados limites que se mostram (erradamente) provados, torna impossível tomar o comportamento do Banco como ilícito.

- E nada mais havendo que conduza à ilicitude, temos, como disse este Supremo no Acórdão fundamento: “Não sendo possível surpreender qualquer violação do dever específico de informação por parte do intermediário financeiro, não se encontra verificada a ilicitude, inexistindo responsabilidade civil.” (Ponto VI do sumário do Acórdão de 12.1.2017)

- Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 483°doCC, 7°e 321doCVM.

Nas contra alegações o Recorrido pugna pela manutenção do julgado.

II A problemática solvenda, no âmbito da presente Revista, consiste em saber, como decorre do Acórdão da Formação, «em saber em que termos existe “o dever de informação prestadas pelas instituições financeiras que operam no mercado em relação às caraterísticas dos produtos que intermedeiam nos seus balcões e da ilicitude ou não do seu comportamento à luz dos factos dados como provados em ações de responsabilidade intentadas pelos clientes, pedindo o ressarcimento dos danos que, com razão ou não, invocam”».

As instâncias declararam como assente a seguinte materialidade factual:

1) O autor é titular da conta bancária aberta no Banco Comercial Português com o nº ….

2) Em Julho de 2012 aquela conta foi debitada pelo montante de € 59.277,81.

3) Este lançamento correspondeu ao débito do custo da subscrição de 59 unidades, do valor de € 1.000,00 cada, de "Obrigações PT taxa fixa 2012/2016 6,25 %".

4) Aquela subscrição foi efectuada pelo convencimento do autor de que se tratava de um produto financeiro com as características de um depósito a prazo, pelo período de 4 anos, à taxa de 6,25%/ano, sem qualquer risco de capital e sem qualquer risco de juros caso a movimentação do valor não ocorresse antes de decorrido aquele prazo de 4 anos.

5) O funcionário do réu assegurou que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse.

6) O funcionário do réu sabia que o autor não possuía conhecimentos que lhe permitissem perceber o tipo de aplicação em causa.

7) No momento da subscrição o réu não entregou ao autor documento relativo às obrigações, ficha técnica ou nota informativa das mesmas.

8) Nesse momento não lhe foi lido nem explicado o teor de qualquer documento.

9) Nunca foi intenção do autor investir em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento do réu.

10) No dia 27.07.2016 vencia-se o produto que o autor pensava corresponder a um depósito a prazo, tendo o mesmo ido à Agência de … com o intuito de resgatar a quantia empregue.

11) Nessa data o autor foi informado de que não havia constituído um depósito a prazo mas sim subscrito as obrigações da PT, as quais nessa data se encontravam bloqueadas.

12) Com o sucedido, o autor passou a encontrar-se num permanente estado de preocupação, ansiedade e tristeza, com constrangimentos financeiros, receio de não reaver o seu dinheiro ou de não saber quando poderia reavê-lo, o que lhe tem provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.

13) As “Obrigações PT Taxa Fixa 2012/2016” correspondiam a um título de dívida não subordinado caracterizado por uma rentabilidade superior à das aplicações tradicionais, com pagamento semestral de juros a uma taxa fixa bruta pré-definida de 6,25 por cento ao ano.

14) Segundo as suas condições de emissão, a Portugal Telecom Internacional Finance B.V. obrigou-se a reembolsar as obrigações aos subscritores, pelo seu valor nominal, de uma só vez, em 26 de Julho de 2016, tendo assim este investimento uma maturidade de quatro anos (26.07.2012 a 26.07.2016).

15) À data, a maioria dos cidadãos e instituições bancárias acreditava que a Portugal Telecom Internacional Finance B.V. tinha uma situação económica e financeira sólida.

16) O autor investiu em acções da EDP e do BPA no período compreendido entre 1998 e 2001.

17) O funcionário bancário que atendeu o autor solicitou-lhe a prestação de informações com vista a apurar o seu perfil de investidor e, face às respostas dadas, aquele foi classificado como Investidor Não Profissional, tendo assinado o documento que corporiza aquele questionário, do qual consta, entre o demais, o seguinte teor: «[l]i e compreendi a informação prestada neste documento e concordo que é adequada e fiável. Compreendo, de igual modo, que investimentos especulativos em instrumentos financeiros podem eventualmente permitir eventuais ganhos mas podem originar perdas substanciais que, em alguns casos, poderão ser superiores ao valor do capital investido. Caso opte por esse tipo de investimento assumo que o faço por minha conta e risco e (…) as decisões de investimento que concretizar serão da minha inteira responsabilidade».

18) O autor subscreveu uma declaração elaborada pelo réu com o seguinte teor: Pretende adquirir o instrumento financeiro PT Taxa Fixa 2012/2016 6,25 % X Que o Millenium bcp solicitou ao cliente e este prestou ao Banco, nos termos legalmente aplicáveis, toda a informação sobre os seus conhecimentos e experiência e matéria de investimento e /ou sobre o seu património. Que com base na informação prestada o Millenniumbcp o advertiu expressamente que não considera a presente operação adequada ao seu perfil de cliente”.

19) No documento referido no artigo anterior consta que o autor: (i) possui a experiência e conhecimentos necessários para compreender os riscos envolvidos, os quais constam, em síntese, de suporte duradouro já fornecido pelo Millenniumbcp, e que o seu património lhe permite suportar financeiramente quaisquer riscos conexos de investimento e que a operação/produto/serviço está em coerência com os seus objectivos de investimento; (ii) sabe poder assumir, em resultado de operações sobre este concreto instrumento financeiro, compromissos e obrigações adicionais, nomeadamente patrimoniais, além do custo da presente aquisição, pelo que a sua decisão de investimento é esclarecida e tomada sob a sua única e total responsabilidade; (iii) que conhece, compreende e aceita as Condições Gerais de contas de registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediação financeira em vigor no Millennium bcp para a prestação deste serviço e todos os anexos às mesmas, designadamente a política de execução de ordens, constante do Anexo I, com a qual concorda”.

20) O Banco réu emitiu uma nota de lançamento da subscrição e enviou para a morada do autor, que a recebeu, e onde vem enunciada a compra de títulos na OPV, PT TAXA FIXA 2012/2016 6,25% (SUBSCRIÇ).

21) Nos meses de Julho e Janeiro dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, foram creditados os rendimentos desta operação na conta de depósitos à ordem do autor, que os embolsou, no montante total de € 9.006,34.

22) Tendo-lhe sido remetidas as respectivas notas de lançamento.

23) A Portugal Telecom International Finance B.V, na data de vencimento da obrigação de reembolso aos titulares das obrigações do valor nominal que haviam investido, ou seja, no dia 26 de Julho de 2016, não efectuou qualquer reembolso.

24) No dia 21 de Junho de 2016 a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) deliberou a suspensão da negociação das obrigações “Obrigações PT Taxa Fixa 2012/2016” até à divulgação de informação relevante relativa ao processo de recuperação judicial das Empresas Oi, apresentado no dia 20 de Junho.

25) Esta suspensão veio a ser prorrogada pela CMVM no dia 18 de Julho de 2016 com o mesmo fundamento e mantém-se em vigor no presente.

26) Ao longo dos (mais) de quatro anos que mediaram a subscrição do produto em questão e a propositura da presente acção, o autor recebeu mensalmente o extracto combinado da conta nº XXX, que o Banco lhe enviou, onde vem descrita e bem identificada, num capítulo reservado a “carteira de títulos” a aplicação em causa.

 

 E foram considerados não provados os seguintes factos:

a) Que quando este produto financeiro foi colocado no mercado o autor se tenha mostrado interessado na sua subscrição, dispondo-se a fazê-la com montante que se encontrava crédito da conta de que era titular.

b) Que nessa circunstância o funcionário do Banco que atendeu o autor lhe tenha explicado as características do investimento e que o autor tenha decidido investir por aquelas lhe agradarem.

c) Que o autor houvesse sido esclarecido de que o reembolso do capital apenas ocorreria se a empresa emitente continuasse solvente e com boa saúde financeira.

d) Que no momento da subscrição o réu haja entregado ao autor documento relativo às obrigações, ficha técnica ou nota informativa das mesmas.

e) Que o réu haja transmitido e esclarecido o autor quanto a todas as características e condições do produto, estivessem estas vertidas ou não em documento escrito.

1.O contrato havido entre o Autor e o Réu.

Como deflui da materialidade assente, o Autor tinha uma conta bancária no Réu, BCP, aqui Recorrente, tendo nessa qualidade de cliente/depositante, em Julho de 2012 procedido à subscrição de 59 unidades, do valor de € 1.000,00 cada, de “Obrigações PT taxa fixa 2012/2016 6,25 %”, tendo a sua conta sido debitada pelo montante de € 59.277,81, correspondente ao débito do custo da subscrição.

Designa-se por contrato de conta bancária (ou abertura de conta) o acordo havido entre uma instituição bancária e um cliente «através do qual se constitui, disciplina e baliza a respectiva relação jurídica bancária», cfr Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 483.

Associado a essa abertura de conta, aparece-nos o depósito bancário (regulado pelo DL 430/91, de 2 de Novembro com as alterações introduzidas pelo DL 88/2008, de 29 de Maio), operação que se encontra indissociavelmente ligada à abertura de conta e que constitui um pressuposto sine qua non desta, já que nenhuma conta poderá ser aberta sem quaisquer fundos.

De qualquer modo, aquela abertura de conta constitui o ponto de partida para a vasta panóplia negocial que constitui a relação bancária, cfr Engrácia Antunes, ibidem, 484; Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 6ª edição, 325/417.

Esta complexa figura contratual, tem sido subsumida a nível jurisprudencial e pela maior parte da doutrina na espécie negocial de depósito, tal como a mesma nos é definida pelos artigos 1185º e 1187º do CCivil, através do qual o Autor colocou à disposição do Réu BCP o seu dinheiro para que este o guardasse e restituísse quando fosse exigido, constituindo esta figura um depósito irregular ao qual se aplicam as regras do mútuo, com as necessárias adaptações, cfr Calvão da Silva, Direito Bancário, 2001, 347/351; Ac STJ de 22 de Fevereiro de 2011 (Relator Sebastião Póvoas); de 18 de Dezembro de 2013 e de 26 de Setembro de 2017, da aqui Relatora, in www.dgsi.pt.

As aludidas obrigações da PT, são valores mobiliários de natureza monetária, regulados pelo CVM, maxime no seu artigo 1º, nº1, alínea b) e abrangidos no seu âmbito de aplicação material, como deflui do seu artigo 2º, nº1, alínea a).

O Réu BCP, no exercício das suas variegadas operações comerciais potencialmente integrantes do contrato de depósito havido com o Autor, apresentou-lhe, como intermediário financeiro, as preditas obrigações que o mesmo adquiriu nos termos negociados, mediados pelo depositário, de harmonia com o disposto nos artigos 289º e 293º, nº1, alínea a) do CVM, já que, por um lado, a Lei nos define como atividades de intermediação financeira, além do mais, os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, por outra banda, a mesma Lei impõe que apenas os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira, actividade esta desempenhada pelo Réu, cfr José Engrácia Antunes, Os Contratos de Intermediação Financeira, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXXXV, 280/282; Rui Pinto Duarte, Contratos De Intermediação No Código De Valores Mobiliários, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 7, 2000.

Os intermediários financeiros encontram-se sujeitos a um conjunto de princípios gerais atinentes ao exercício e à organização da sua actividade, os quais decorrem directamente do preceituado no artigo artigo 304º do CVM, no qual se preceitua:

«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das exceções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efetivamente a atividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de atividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.».

 

Embora no que tange à disciplina dos aludidos contratos de intermediação financeira, os mesmos se encontrem, prima facie, balizados por aqueles princípios gerais, existem outros deveres, nomeadamente «[o]s deveres de organização empresarial, incluindo a obrigatoriedade de sistemas de “compliance”, gestão de risco e auditoria interna (arts 305º e segs do CVM) (…), os deveres de prevenção de conflitos de interesse (arts 309º e segs do CVM), os deveres de defesa do mercado (arts 310º e segs do CVM), e os deveres de informação e publicidade (ats 312º a 316º do CVM)», cfr Engrácia Antunes, ibidem.

Todavia, o princípio dos princípios orientadores da actividade de intermediação, reside, indubitavelmente no nº1 do artigo 304º quando impõe aos intermediários financeiros que orientem a sua actuação no sentido da protecção dos interesses legítimos dos seus clientes, o qual se encontra complementado nas várias declinações previstas nos restantes segmentos normativos que enformam o preceito legal, nomeadamente os princípios da actuação de boa fé e o do conhecimento do cliente («know your costumer»), os quais pressupõem e impõem uma actuação por banda da instituição bancária que obedeça aos mais altos padrões de diligência e lealdade, bem como de exigência ética, conducente a uma negociação clara e transparente, tendo como objectivo principal a satisfação dos desígnios apresentados e, por isso, queridos, pelo cliente, cfr Engrácia Antunes, Deveres E Responsabilidade Do Intermediário Financeiro, in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 56, Abril 2017.

Tal princípio mais não é do que a imposição da expressão da Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril, da qual decorre uma vinculação dos intermediários financeiros a orientar a sua actividade no sentido de assistir os seus clientes ao nível do seu plano de investimentos, informando-os e alertando-os para os possíveis riscos e chamando-lhes a atenção para eventuais prejuízos que deles possam advir; mais do que meros executantes formais dos serviços disponibilizados e/ou contratados, os intermediários financeiros devem funcionar em relação aos seus clientes/investidores, como verdadeiros garantes e guardiões dos réditos investidos zelando pela sua valorização.

Este comportamento negocial, traduzido na recepção, execução e transmissão de ordens, configura a pretação de um serviço por conta alheia, no caso, o Banco embora agindo por conta alheia no que se refere ao emitente das obrigações, actua por conta própria face ao seu cliente, na medida em existe uma internalização da ordem dada, salvaguardando a Lei a resolução de eventuais conflitos de interesses através da aplicação do disposto no artigo 347º, nº1, alínea a)do CVM(« 1 - O intermediário financeiro deve abster-se de: a) Adquirir para si mesmo quaisquer instrumentos financeiros quando haja clientes que os tenham solicitado ao mesmo preço ou a preço mais alto;»), que não se coloca no caso concreto, cfr Fátima Gomes, Contratos de intermediação financeira: sumário alargado, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, 2002, 565/599; Paulo Câmara, Manual dos Valores Imobiliários, 3ª edição, 438;  

A questão solvenda nos presentes autos, carecida de maior explanação, incide na averiguação do cumprimento por parte do Réu/Recorrente do dever de informação que sobre si recaía aquando da feitura do contrato de intermediação.

Conclui o Recorrente em abono da sua tese: da conjugação dos factos provados nos autos, entre eles, nos pontos 5, 13, 14 e 15, não se vislumbra a prática de qualquer acto ilícito; apreciado o investimento dos autos no contexto de um investimento que se afigurava seguro, face, designadamente, ao bom rating da PT, a garantia da sua segurança nos acanhados limites que se mostram (erradamente) provados, torna impossível tomar o comportamento do Banco como ilícito; e nada mais havendo que conduza à ilicitude, temos, como disse este Supremo no Acórdão fundamento: “Não sendo possível surpreender qualquer violação do dever específico de informação por parte do intermediário financeiro, não se encontra verificada a ilicitude, inexistindo responsabilidade civil.” (Ponto VI do sumário do Acórdão de 12.1.2017).

Vejamos, então.

Sob a epígrafe Qualidade da informação dispõe o Artigo 7º, nºs 1 e 2 do CVM, na versão do DL 63-A/2013, de 10 de maio, aqui aplicável:

«1 - A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.».

O dever de informação constitui, assim, a espinha dorsal do Código de Valores Mobiliários, que fazem impor sobre os intermediários financeiros particulares deveres de diligência e de boas práticas negociais, por forma a defenderem os direitos dos respectivos clientes, normalmente a parte mais fraca da equação negocial, conduzindo a situações de responsabilidade civil e consequente obrigação de indemnizar, a sua eventual prevaricação.

Desta sorte, exige-se por parte da entidade financeira que actue com intermediária, um extremo rigor na completude da informação, traduzido em três vectores: dever de informação pré-contratual; dever de informação contratual e dever de informação pós-contratual.

Estes deveres mostram-se contemplados nos artigos 312º e seguintes do CVM, resultando desde logo do nº1 deste normativo, no que tange à economia da questão em tela, que:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;

g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.

5 - Sempre que, na presente subsecção, se estabelece que a informação deve ser prestada por escrito, a informação deve ser prestada em papel salvo se:

a) A prestação da informação noutro suporte seja adequada no contexto da relação, actual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor; e

b) O investidor tenha expressamente escolhido a prestação da informação em suporte diferente do papel.

6 - Presume-se que a prestação de informação através de comunicação electrónica é adequada ao contexto da relação entre o intermediário financeiro e o investidor quando este tenha indicado um endereço de correio electrónico para a realização de contactos no âmbito daquela.

7 - A informação prevista nos artigos 312.º-C a 312.º-G pode ser prestada através de um sítio da Internet, se o investidor o tiver expressamente consentido e desde que:

a) A sua prestação nesse suporte seja adequada no contexto da relação, actual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor;

b) O investidor tenha sido notificado, por via electrónica, do endereço do sítio da Internet e do local no mesmo de acesso à informação;

c) Esteja continuamente acessível, por um período razoável para que o investidor a possa consultar.».

Acrescenta o artigo 312º-E, nº1e 2, alíneas a) e b), no que se refere à imposição do dever de informação sobre os riscos dos instrumentos financeiros, por parte do intermediário, que «1 - O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa. 2 - A descrição dos riscos deve incluir: a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento; b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;».

Este dever pré-contratual de esclarecimento por parte do Réu/Recorrente, na sua qualidade de parceiro contratual – intermediário financeiro - em relação ao Autor/Recorrido, adquirente do produto, apresenta-se como um dever pé-contratual qualificado de apresentação de informação relevante, pois tendo-se tratado, como se tratou, de uma operação de risco, impor-se-ía a clarificação de todas as condicionantes envolventes, nomeadamente as relativas à conjuntura económica e sua influência na flutuação dos mercados, máxime, numa eventual perda do capital investido, cfr Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, 487/494, «[Quer os deveres de esclarecimento, quer os de proceder com a diligência adequada por forma a evitar que mediante afirmações produzidas se induza outros em erro, derivam da necessidade de um procedimento correcto e honesto na fase vestibular do Contrato. Não constituem em si, ao arrepio embora de uma opinião muito difundida, manifestações de protecção da confiança qua tale. Prevenindo ou evitando expectativas erróneas, eles garantem no fundo um esclarecido processo de formação de decisão de contratar. Pode dizer-se que representam um instrumento dogmático-operacional de realização de uma responsabilidade do sujeito por actos da autonomia privada de outrem, entendida em sentido material. Este fulcro da culpa in contrahendo releva de uma ponderação do direito objectivo expressa entre nós pela regra da conduta de boa fé.».

Mas, para além da violação daquele dever prévio, verificou-se ainda por banda do Recorrente, a prevaricação dos deveres contratuais emergentes dos artigos 312-A a 312º-D do CVM, relativos igualmente à obrigação de informar cabalmente o Autor, sobre todos os contornos negociais, de molde a salvaguardar o investimento de confiança realizado.

A análise da eventual violação por banda do Recorrente das sobreditas obrigações que a Lei faz impender sobre o mesmo enquanto intermediário, tal como se concluiu nas instâncias, impõe que se convoque a seguinte materialidade assente:

«2) Em Julho de 2012 aquela conta foi debitada pelo montante de € 59.277,81.

3) Este lançamento correspondeu ao débito do custo da subscrição de 59 unidades, do valor de € 1.000,00 cada, de "Obrigações PT taxa fixa 2012/2016 6,25 %".

4) Aquela subscrição foi efectuada pelo convencimento do autor de que se tratava de um produto financeiro com as características de um depósito a prazo, pelo período de 4 anos, à taxa de 6,25%/ano, sem qualquer risco de capital e sem qualquer risco de juros caso a movimentação do valor não ocorresse antes de decorrido aquele prazo de 4 anos.

5) O funcionário do réu assegurou que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse.

6) O funcionário do réu sabia que o autor não possuía conhecimentos que lhe permitissem perceber o tipo de aplicação em causa.

7) No momento da subscrição o réu não entregou ao autor documento relativo às obrigações, ficha técnica ou nota informativa das mesmas.

8) Nesse momento não lhe foi lido nem explicado o teor de qualquer documento.

9) Nunca foi intenção do autor investir em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento do réu.

10) No dia 27.07.2016 vencia-se o produto que o autor pensava corresponder a um depósito a prazo, tendo o mesmo ido à Agência de Fafe com o intuito de resgatar a quantia empregue.

11) Nessa data o autor foi informado de que não havia constituído um depósito a prazo mas sim subscrito as obrigações da PT, as quais nessa data se encontravam bloqueadas.».

Daqui deflui que o Recorrente, enquanto interlocutor privilegiado do Recorrido, seu cliente, não lhe apresentou de forma clara, esclarecida e fiel, o produto proposto, não obstante soubesse que este não tinha conhecimentos que lhe permitissem aferir do alcance da aplicação na aquisição das obrigações da PT, em causa, bem sabendo que o Réu não tinha qualquer intenção em investir o seu dinheiro em produtos que implicassem qualquer risco para o capital, sendo certo que lhe foi até assegurado que «o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse».

Quer dizer, o Recorrente, com a sua conduta, desafiou todos os deveres de protecção da integridade pessoal e patrimonial do Autor, tendo-lhe apresentado como realidade, uma situação que à partida sabia que não era aquela (não se tratava de um depósito a prazo, mas sim da aquisição de um produto de risco), o que conduziu, não a uma frustração das expectativas daquele, mas antes, à frustração da sua confiança, porquanto as representações e as disposições efectuadas em função das mesmas, lhe foram indevidamente transmitidas, o que conduz, inexoravelmente à obrigação de reparação, colocando o sujeito na situação em que se encontraria se não tivesse acalentado aquelas expectativas, cfr Carneiro da Frada, ibidem, 494.

Mostram-se violados os princípios básicos constantes nos nºs 1 a 3 do artigo 304º do CVM, onde se postula: «1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado. 2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente.», daí decorrendo, por força do nº5 do mesmo preceito, a responsabilização do Recorrente, nos termos do artigo 304º-A, nºs 1 e 2, do mesmo diploma, onde se consigna «1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. 2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.», aquele «[p]receito assume especial relevância na delimitação dos deveres que impendem sobre o exercício da actividade de intermediação financeira pelos intermediários financeiros e, dessa forma, da clarificação dos termos em que deve assentar o juízo de responsabilidade desses profissionais perante os respectivos clientes.», apud Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil Do Intermediário Financeiro Perante O Cliente, 74; Menezes Leitão, Actividades De Intermediação E Responsabilidade Dos Intermediários Financeiros, in Direito Dos Valores Mobiliários, Volume II, 129/156.

Ex adverso do que o Recorrente porfia no seu acervo conclusivo, não obstante constituísse uma ideia generalizada que a Portugal Telecom Internacional Finance B.V. tinha uma situação económica e financeira sólida, não podemos ignorar que a base negocial desenvolvida pelas partes assentou em pressupostos violadores da estrutura de confiança que o Autor havia depositado naquele, nomeadamente, a subscrição de um produto de risco não querido, no convencimento incutido de que se trataria do equivalente a um depósito a prazo, sem qualquer risco de capital e sem qualquer risco de juros caso a movimentação do valor não ocorresse antes de decorrida a respectiva maturidade (pontos 4. a 9. Da factualidade assente), sendo certo que «um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham em relação aos seus clientes», o que foi completamente defraudado e posto em causa no caso sujeito, cfr Paulo Câmara, Manual Dos Valores Mobiliários, 3ª edição, 711.

 

Mostram-se, portanto, verificados todos os requisitos conducentes à responsabilização do Recorrente, no âmbito do contrato havido com o Recorrido, por violação grave do dever de informação que sobre si impendia, na negociação do produto financeiro – obrigações da PT – adquirido por este, inexistindo qualquer violação dos normativos insertos nos artigos 483º do CCivil, 7º e 321º do CVM, por parte do Aresto impugnado, cuja tese se sufraga na íntegra, aliás na esteira do já decidido em casos idênticos por este Supremo Tribunal de Justiça, inter alia, nos Ac de 10 de Abril de 2018 (Relator Fonseca Ramos, em que a aqui Relatora interveio como primeira Adjunta e o aqui primeiro Adjunto como segundo), 18 de Setembro de 2018 (Relator Salreta Pereira, em que a aqui Relatora interveio como segunda Adjunta) e 18 de Outubro de 2018 (Relatora Maria Olinda Garcia), in www.dgsi.pt.

Sempre se acrescenta, ex abundanti, que a jurisprudência citada pelo Recorrente, na qual arrimou a construção da tese que defende, tem como pressupostos factuais diferente materialidade da apurada nestes autos, não podendo fazer-se aplicar a mesma ratio essendi a proposições diversas, isto é, quando se apura, como aqui se apurou, que a informação transmitida pelo Recorrente ao Recorrido, passou pela garantia de devolução do capital investido e juros como se se tratasse de um simples depósito a prazo, bem sabendo aquele que este não queria de modo algum investir num produto de risco (materialidade assente supra enunciada).

Soçobram, pois, as conclusões.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão impugnado.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2018

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho