Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
506/18.5JACBR-D.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: M. CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO
TESTEMUNHA
RETRATAÇÃO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- Havendo uma diferente versão narrativa dos mesmos factos que já haviam sido contados no julgamento, isso não integra qualquer novidade de meios de prova ou qualquer novidade de factos (art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP).

II- Pretendendo o recorrente a revisão do acórdão condenatório baseado na falsidade de um depoimento prestado em audiência de julgamento, deve juntar (como determina o art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP) sentença transitada em julgado a declarar a falsidade desse depoimento, não bastando para o efeito juntar declaração escrita de retratação da testemunha e prova de ter apresentada queixa crime no Ministério Público.

Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 506/18.5JACBR-D.S1

Recurso de Revisão

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

I. O arguido/condenado AA, vem nos termos (entre outros) do artigo 449.º, n.º 1, al. a) e al. d), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão da sentença/acórdão de 17.03.2021, proferida no processo comum (tribunal coletivo) n.º 506/18.5JACBR, pendente no Juízo Central Criminal ..., juiz ..., comarca de Coimbra, transitado em julgado em 26.04.2021, na parte em que o condenou pela prática de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças agravados, p e p. nos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º1, alínea b) do Código Penal, em 2 (duas) penas parcelares de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão cada e ainda pela prática de 1 (um) crimes de abuso sexual de crianças agravados, p e p. nos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, sendo em cúmulo jurídico, condenado na pena única de 6 anos de prisão.

II. Para o efeito, o recorrente apresentou as seguintes conclusões na sua petição deste recurso de revisão:

1.  O presente Recurso tem como objecto a revisão do Acórdão condenatório proferido pelo Tribunal a quo, e transitada a 26 de Abril de 2021.

2.  O arguido foi condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças agravados, pp. no n.º 1 do artigo 171.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º do Código Penal (CP), em duas penas parcelares de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão cada, e, ainda, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, pp. no n.º 1 e 2 do artigo 171.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º do CP, em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, o que resultou numa pena única de 6 (seis) anos de prisão.

3.  O arguido encontra-se privado da sua liberdade desde 22 de Setembro de 2021, encontrando-se a cumprir pena no Estabelecimento Prisional ....

4.  Tendo sempre clamado pela sua inocência e o trânsito em julgado da decisão proferida nos presentes autos nunca foi impedimento de tal clamação, já que ainda hoje o arguido continua a lutar pelo esclarecimento dos factos que, a seu ver, e salvo o devido respeito foram incorrectamente confirmados.

5.  Do Acórdão proferido – cfr. doc. n.º 1 - resulta que o Tribunal alicerçou a sua decisão, fundamentalmente, nas declarações prestadas pela Ofendida, tendo considerado que a mesma “confirmou estes factos de forma espontânea, escorreita e merecedora de credibilidade”.

6.  No dia 10 de Novembro de 2021 foi dirigido aos autos um requerimento elaborado e assinado pela Ofendida que referia ter havido “um mal entendido”, bem como que a mesma não tinha noção das consequências que o processo traria ao arguido, terminando por pedir desculpas pelo sucedido – cfr. doc. n.º 2.

7.  A 8 de Fevereiro de 2022, a Ofendida elaborou e enviou novo requerimento aos autos, referindo “ter mentido em todo o julgamento”, onde acusou arguido “de várias coisas muito graves”, pretendendo que “a verdade seja esclarecida” – cfr. doc. n.º 2 junto.

8.  Se do primeiro requerimento poderiam resultar dúvidas relativamente ao que a Ofendida pretendia concretamente alegar, com a junção do segundo requerimento as eventuais dúvidas existentes foram dissipadas, concluindo-se forçosamente que de tal mentira resultou a prisão do arguido.

9.  O arguido apresentou queixa-crime contra a aqui Ofendida, junto do DIAP ..., a 13 de Abril de 2022 – cfr. doc. n.º 3 -, desconhecendo o NUIPC que lhe foi atribuído e as diligências que já possam ter sido levadas a efeito.

10. Não pode o Tribunal ad quem ignorar as graves dúvidas na condenação do arguido, resultantes dos requerimentos juntos aos autos, tampouco que, resultado da mentira, o arguido encontra-se privado da sua liberdade.

11. Parece-nos claro que, no caso concreto, um inocente não só foi declarado culpado de um crime que não cometeu, como ainda, consequência disso mesmo, foi privado de um dos bens mais preciosos do ser humano - a liberdade.

12. Estabelece o artigo 449.º do CPP que “1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 -Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”.

13. A revisão de sentença transitada em julgado é um direito consagrado expressamente na nossa Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 29.º, relevando para o caso concreto o previsto no n.º 6 deste normativo constitucional que prevê “Os Cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.

14. Como alude MANUEL SIMAS SANTOS e MANUEL LEAL-HENRIQUES[1], “Na verdade a Justiça «prima e sobressai acima de todas as demais considerações; o direito não pode querer e não quer a manutenção duma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, a garantia dum mal invocado prestígio ou infalibilidade do juízo humano, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos, transformados cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada (…)»”.

15. A alínea a) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP abre a possibilidade de a revisão da sentença ser efectuada com o trânsito em julgado de uma outra sentença que, entretanto, tenha considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão, inexistindo dúvidas quanto à determinação do depoimento da Ofendida na condenação do arguido.

16. Pese embora inexista, ainda, uma outra decisão transitada em julgado, in casu, que condene a aqui Ofendida e declare a falsidade do testemunho prestado, a verdade é que não podemos ignorar que as declarações exaradas nos documentos juntos aos autos, por esta, são gritantes, no sentido de a mesma ter declarado expressamente ter mentido durante todo o processo.

17. Levantando, pois, graves, sérias e fundadas dúvidas quanto à condenação do arguido.

18. A alínea d) do n.º 1 daquele artigo 449.º do CPP refere que a revisão é possível se Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

19. Sendo certo que não estamos perante um novo meio de prova, o que já foi anteriormente discutido, não podemos deixar de concluir, por demais óbvio, que estamos perante novos factos, factos que inexistiam à altura do julgamento.

20. Com a apresentação da sua queixa crime o arguido requereu celeridade no tratamento da mesma e na realização das diligências necessárias, considerando a pena de prisão a que se encontra sujeito.

21. Impõe-se, assim, solicitar ao Tribunal ad quem uma apreciação de tudo quanto se vem de expor, considerando-se os requerimentos apresentados e seu conteúdo como novos factos, procedendo-se à revisão do Acórdão transitado em julgado.

22. Sem entender bem, cremos, o alcance da gravidade dos seus actos, a 10 de Novembro de 2021, a Ofendida declarou “Eu BB

Quero retirar a queixa que pôs contra AA.

Houve um mal entendido naquela altura, eu era uma menina e não sabia os problemas que isto iria trazer, como as consequências, também nunca pensei no que iria dar e no que isto nos ia trazer a todas.

E peço imensa desculpa por este mal entendido”.

23. De igual modo, a 8 de Fevereiro de 2022 vem confirmar tudo o que havia referido, esclarecendo que

Eu, BB, venho pedir desculpas por ter mentido em todo o julgamento em que acusei o Sr. CC (AA) de várias coisas muito graves, por isso estou muito arrependida e não queria que isso fosse mais para a frente e que a verdade seja esclarecida, fiz tudo isto porque não queria o ver com a minha mãe, mas agora vejo que tudo passou de um grande erro.

Mais uma vez peço desculpas e que tudo fique esclarecido

24. Anos de tortura e de luta contra uma injustiça tamanha a serem reduzidos a umas linhas escritas num papel branco. Com a leveza de quem está a pedir desculpa por uma mentira inocente. Não podemos, assim, continuar a sujeitar este cidadão à monstruosidade de uma condenação e de uma prisão injustas.

25. Julgue-se, pois, o presente recurso procedente e, por via disso, dando cumprimento ao disposto no artigo 453.º do CPP, produza-se a necessária prova (in casu, as declarações da Ofendida enquanto testemunha – permitidas por via do n.º 2 da mesma norma), restituindo-se, a final, o arguido à situação jurídica anterior à condenação.

III. Na 1ª instância respondeu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões:

A. Percorrendo de perto a argumentação recursiva, entendemos, sempre salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, Colendos Senhores Juízes Conselheiros, que não se verificam, in casu, os pressupostos de que depende a admissibilidade de um recurso extraordinário desta natureza;

B. O recorrente estriba o seu pedido de revisão no art.º 449.º, n.º1, alí. d), do Código de Processo Penal (doravante, apenas C.P.P.) mas não invoca “factos novos” nem “novos elementos de prova” que infirmem a factualidade dada como provada no Acórdão condenatório, ou que invalidem a sustentação probatória subjacente à decisão sobre a matéria de facto;

C. Para o recorrente, as cartas juntas aos autos pela (então) menor BB – alegadamente de sua autoria -, após o trânsito em julgado, constituem novos meios de prova, que, por si só ou conjugados com as demais provas coligidas e produzidas em audiência de discussão e julgamento, permitem, segundo ele, dúvidas graves e inultrapassáveis sobre a justiça da sua condenação;

D. Não podemos estar mais em desacordo;

A. O recorrente não apelou à falsidade dos meios de prova (apesar de invocar a existência do falso depoimento da (então) menor BB, a qual tinha sido testemunha fundamental para a produção da prova no processo vertente, maxime na audiência de discussão e julgamento, por via das declarações para memória futura prestadas em fase processual anterior), pois sabe que, por essa via, só haveria lugar a revisão do Acórdão se a falsidade resultasse de uma outra sentença transitada em julgado (para efeitos do preenchimento da previsão normativa da alí. a) do n.º 1 do art.º 449.º do C.P.P.);

B. O que o recorrente está a fazer, na verdade, é a invocar a falsidade dos meios de prova produzidos, mas fá-lo por via ínvia, sem juntar certidão da sentença onde tal falsidade tenha sido declarada, porque tal sentença inexiste;

C. O seu pedido, “embora mascarado pelo manto da invocação de«novos factos», resume-se, mais uma vez, à alegação de que a (então) menor terá mentido e que, agora, «arrependida», vem pedir desculpas e retratar-se pelo erro que cometeu” (neste sentido, Acórdão desse Colendo Supremo Tribunal de Justiça datado de 14-02-2013, processo n.º 859/10.3JDLSB-A.SL, disponível para consulta in www.dgsi.pt);

D. A novidade da prova a que alude aquele normativo (art.º 449.º, n.º1, alí. d) do C.P.P.), refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova - neste sentido, in allium, Acórdão desse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 08-05-2011, Relator: Exmo. Sr. Juiz Conselheiro, Dr. Henriques Gaspar, processo n.º 140/05.0JELSB-N.S1, disponível em para consulta in www.dgsi.pt);

E. Salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, não constituem “novos“ meios de prova as cartas subscritas por uma testemunha, posteriormente à sua inquirição em audiência de julgamento (o mesmo se aplicando, in casu, às declarações para memória futura), cartas estas de onde nada se extrai de conclusivo relativamente a uma eventual ausência de responsabilidade criminal por parte do recorrente;

F. Por outro lado, no recurso de revisão que tenha como fundamento a referida alí. d) do n.º 1 do artigo 449.º, podem ser indicadas como testemunhas:

- as já anteriormente ouvidas no processo, mas, nesse caso, como não constituem «novos meios de prova», terão de depor sobre «novos factos» de que se tenha tomado conhecimento posteriormente (o que não é, manifestamente, o caso dos autos);

- as que antes não foram ouvidas no processo, mesmo sobre os factos já apreciados no julgamento, mas, nesse caso, só se o recorrente justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram então impossibilitadas de depor;

G. Com efeito, a credibilidade das declarações da menor prestadas para memória futura foi densificada e sustentada no exame pericial cujo relatório se encontra junto a fls.178 e seguintes: [designadamente] “(…) do ponto de vista psicológico, foi possível constatar que tem capacidade para prestar testemunho. Procedendo a uma análise do relato da BB à luz dos indicadores de credibilidade salientados pela literatura (validade e veracidade das alegações) verificamos que aquela apresenta características encontradas em relatos verdadeiros. (…) Coligindo tudo o que foi possível avaliar e analisando o relato da BB à luz dos indicadores de validade e veracidade e não havendo indicadores significativos de fantasia, mentira ou sugestão (não nos parece que existam, neste caso específico, processos que possam contaminar a veracidade do testemunho, nomeadamente a presença de distorções significativas de memória), resulta um parecer positivo quanto à credibilidade e veracidade do relato da menor, uma vez que o seu testemunho apresenta um conjunto significativo de indicadores compatíveis com experiências efetivamente vividas. (…) ”

H. Para além disso, e conforme ressuma também do segmento do Acórdão condenatório na parte atinente à fundamentação da matéria de facto provada: «(…) a testemunha DD, mãe da ofendida, prestou um depoimento que corroborou a versão dos factos trazidos pela menor. Este depoimento mostrou-se muito credível, sendo que a mesma demonstrou o quanto é difícil estar “no meio” da filha e do seu companheiro. Por um lado, queria acreditar neste, para que os abusos nunca tivessem ocorrido, mas, por outro lado, tem consciência que a filha falou a verdade, pois viu indícios dessa realidade. Com efeito, a mãe da menor explicou que no momento em que a sua filha lhe contou que era abusada sexualmente pelo arguido (companheiro da testemunha) nos moldes descritos nos factos dados como provados logo acreditou nela, pois já achava que o arguido se “agarrava” muito à BB, que já o tinha visto a passar as mãos pelos seios da menor (embora não tenha gostado, pensou que tinha sido uma brincadeira) e, já no verão, viu “pingos” no chão do quarto da menor que coincidem com o relato da menor relativamente ao dia em que o arguido terá ejaculado, ficando com a convicção que efetivamente se tratava de vestígios de ejaculação. (…)»

I. Forçoso se torna concluir que a prova dos abusos não resultou apenas das declarações prestadas pela menor, havendo também outros elementos probatórios de relevo fundamental e diferenciador que corroboraram a sua versão dos factos;

J. Por outro lado, o Acórdão condenatório proferido transitou em julgado sem que o arguido, agora recorrente, dele tivesse interposto recurso, pelo que, a nosso ver, não pode agora este recurso de revisão ser como que um ‘sucedâneo’ do recurso ordinário;

K. Os fundamentos invocados pelo recorrente não se nos afiguram como suficientemente ponderosos para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, não se justificando, tão pouco, uma nova audição da testemunha (como vem solicitado), tanto mais que a mesma sempre deporia sobre factos já escrutinados, o que constituiria violação do disposto no art.º 453.º, n.º1, do CP.P..

Termina com a conclusão de que é manifestamente infundado o pedido de revisão em análise.

IV. A Srª. Juiz pronunciou-se sobre o mérito do pedido (art. 454.º, CPP), nos seguintes termos:

No âmbito do processo Comum Coletivo n.º 506/18.5JACBR, foi proferido acórdão datado de 17.03.2021 e transitado em julgado em 26.04.2021, tendo o arguido (agora recorrente) sido condenado pela prática de:

 dois crimes de abuso sexual de crianças agravados, pp. nos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, em duas penas parcelares de um ano e oito meses de prisão cada;

 um crime de abuso sexual de crianças agravados, pp. nos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, em cinco anos e quatro meses de prisão;

 E, em cúmulo jurídico, foi o mesmo condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão e na pena acessória de inibição das responsabilidades parentais pelo prazo de 6 (seis) anos, nos termos do artigo 69.º-C, n.º 3 do Código Penal.

Veio agora interpor o segundo recurso extraordinário de revisão alegando, em síntese, que a carta junta aos autos a fls. 10 verso, enviada pela menor BB, em 08.02.2022, constitui um novo meio de prova que, por si só ou conjugado com a prova já produzida, suscita graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, fundamentando, assim, o seu pedido de revisão no artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal.

*

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo que deve ser negado o pedido de revisão formulado, por manifestamente infundado.

*

Importa, agora, prestar a informação a que alude o artigo 454.º do Código de Processo Penal.

O arguido sustenta o seu pedido de revisão no disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, que determina que:

“1- A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

(…) d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Por sua vez, o artigo 453.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, preceitua que:

“Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 449º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas”.

Como vimos, o arguido sustenta o seu pedido de revisão na carta de fls. 11 verso enviada pela menor, vítima nos presentes autos.

Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 140/05.0JELSB-N.S1, disponível em www.dgsi.pt., não constituem “novos“ meios de prova as cartas subscritas por uma testemunha, posteriormente à sua inquirição em audiência de julgamento. Na verdade, do ponto de vista processual, estamos perante o mesmo meio probatório, com uma diferença meramente formal: antes, em audiência de julgamento, a testemunha prestou declarações oralmente e agora produziu- as por escrito.

A ser assim, e para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, a carta enviada aos autos pela vítima e a requerida inquirição da mesma não se revestem de novidade para constituírem fundamento de revisão.

Por tal motivo, afigura-se-nos que não se justifica a pretendida reinquirição da menor.

Cremos, ainda, que não ocorre o requisito exigido na segunda parte da alínea d), do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, ou seja, que o alegado “novo” facto invocado ou meio de prova oferecido, suscite “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Importa recordar que a credibilidade das declarações da menor prestadas para memória futura foi corroborada no exame pericial de fls.178 e segs., onde se concluiu por um “um parecer positivo quanto à credibilidade e veracidade do relato da menor, uma vez que o seu testemunho apresenta 6 de 11 um conjunto significativo de indicadores compatíveis com experiências efetivamente vividas.” Para além disso, resulta do acórdão proferido que a testemunha DD, mãe da ofendida, prestou um depoimento que corroborou a versão dos factos trazidos pela menor, tendo o tribunal concluído que se tratava de um depoimento credível.

Face ao exposto, importa concluir que a prova dos abusos não resultou apenas das declarações prestadas pela menor, havendo também outros elementos probatórios que corroboraram a sua versão dos factos.

Tudo para se concluir que, quanto a nós, inexiste qualquer fundamento para que se proceda à pretendida revisão do acórdão proferido nestes autos e já transitado em julgado.”

V. Já neste Tribunal o Sr. PGA pronunciou-se no sentido da negação da revisão, por não se verificar a existência de qualquer dos pressupostos invocados previstos no art. 449.º do CPP, tanto mais que os fundamentos do requerimento de revisão não tinham a virtualidade para suscitar quaisquer dúvidas, muito menos graves, sobre a justiça da condenação (uma vez que, em resumo, o desmentido não configura novo facto, não havendo novo meio de prova e a declaração de retratação da testemunha ouvida anteriormente em julgamento não substitui a falta da sentença sobre a falsidade do meio de prova exigida pelo art. 449.º, n.º 1, al. a) do CPP, concordando com os argumentos apresentados no ac. do STJ de 17.02.2022, que conheceu do primeiro recurso de revisão, com a resposta do MP e com a informação da Srª. Juiz do EE).

VI. Notificado do Parecer da Srª. PGA, o recorrente nada disse.

VII. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

Em sede da decisão sobre a matéria de facto, com relevância para esta decisão, fez-se constar da sentença condenatória, confirmada por acórdão do TRG, o seguinte:

Factos Provados

1. A ofendida BB nasceu a .../.../2004, pelo que tem atualmente 16 (dezasseis) anos de idade.

2. É filha de FF e de DD.

3. Do relacionamento dos pais da ofendida, nasceu igualmente o irmão desta, GG, nascido a .../.../2008, o qual tem atualmente 12 (doze) anos de idade.

4. Os pais da ofendida já se encontram separados há mais de 9 (nove) anos.

5. Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de março de 2017, a mãe da ofendida iniciou um relacionamento amoroso com o arguido AA e passou a viver em casa deste, sita na Rua ..., no lugar..., ..., na área do concelho ....

6. Além da ofendida, da mãe desta e do arguido, também ali passou a viver o irmão daquela, GG.

7. Sucede que a ofendida frequentava a Escola Básica e Secundária ... e, por isso, ela e o irmão apenas residiam em casa do arguido, aos fins de semana e nos períodos em que estavam de férias.

8. Durante a semana e no período escolar, para estarem mais perto das escolas que frequentavam, a ofendida e o seu irmão viviam em casa dos seus avós paternos, sita na localidade de ..., na área da freguesia ... e do concelho ....

9. Assim, por regra, durante aquele período, à sexta-feira à noite, o arguido e a mãe da ofendida iam buscar esta e o seu irmão a casa dos seus avós paternos e iam lá levá-los, ao domingo à noite.

10. Todavia, não sendo esta a regra, havia fins-de-semana em que a ofendida e o seu irmão ficavam em casa dos avós paternos.

11. Nos dias em que estavam em casa do arguido, este e a mãe da ofendida partilhavam um dos quartos e a ofendida e o seu irmão partilhavam outro, apesar de aquela casa ter três quartos.

12. Era o arguido o grande suporte económico daquele agregado familiar, uma vez que a mãe da ofendida trabalhava em casa como doméstica.

13. Assim, era habitual ser o arguido a comprar roupa e calçado à ofendida.

14. Sucede que a partir do mês de março de 2018, o arguido formulou o propósito de se aproveitar da fragilidade da ofendida BB e de abusar sexualmente dela.

15. Por via disso, no período compreendido entre o dia 1 de março de 2018 e o dia 8 de março de 2018, passou a ser frequente o arguido abeirar-se da ofendida e tocar-lhe e apalpar-lhe as nádegas.

16. Em data não concretamente apurada, mas ainda durante o período compreendido entre o dia 1 de março de 2018 e o dia 8 de março de 2018, numa ocasião em que a ofendida já estava a dormir na companhia do seu irmão, o arguido entrou no quarto daqueles e começou a colocar para trás as mantas que cobriam aquela.

17. Nessa ocasião, a ofendida BB acabou por acordar, mas apesar disso, o arguido colocou uma mão por baixo das calças de pijama e das cuecas que aquela tinha vestidas e fez-lhe diversos movimentos de fricção na vagina.

18. Em ato contínuo, o arguido introduziu-lhe um dedo no interior da vagina e fez diversos movimentos de vaivém.

19. A partir dessa data, o arguido, com uma frequência quase diária e sempre que a ofendida se encontrava em sua casa, deslocava-se à noite ao quarto daquela.

20. Essas deslocações sucediam quer quando a mesma já se encontrava a dormir na companhia do seu irmão ou quando este ocasionalmente estava a dormir noutro quarto.

21. Algumas dessas deslocações aconteciam também quando, além do irmão da ofendida, também ali se encontrava o neto do arguido a dormir.

22. Nessas ocasiões, o arguido colocava uma mão por baixo das calças de pijama e das cuecas que aquela tinha vestidas e fazia-lhe diversos movimentos de fricção na vagina.

23. Em ato contínuo, o arguido introduzia-lhe um dedo no interior da vagina e fazia diversos movimentos de vaivém.

24. Por vezes, o arguido também lhe apalpava as mamas.

25. Em todas essas ocasiões, a ofendida acordava sempre que sentia o arguido a mexer no seu corpo, mas o seu irmão e o neto do arguido quando ali se encontravam, nunca acordavam.

26. Além disso, noutras ocasiões, o arguido baixou as calças e cuecas da ofendida BB até à zona dos joelhos e introduziu-lhe um dedo no interior da vagina ao mesmo tempo que lhe fez diversos movimentos de vaivém.

27. Por vezes, a ofendida tirava a mão do arguido e dizia-lhe para ir embora, mas aquele voltava a colocar-lhe a mão na vagina e só ia embora quando queria.

28. Noutra ocasião, o arguido após ter colocado um dos seus dedos no interior da vagina da ofendida e ao mesmo tempo que se estava a masturbar, agarrou na mão daquela e encostou-a ao seu pénis que se encontrava ereto.

29. Sucede que ao sentir a sua mão tocar no pénis do arguido e ao verificar que o mesmo estava ereto, a ofendida tirou logo dali a sua mão.

30. Apesar disso, o arguido continuou a masturbar-se e acabou por ejacular para cima do braço da ofendida.

31. Certa vez, o arguido deslocou-se ao quarto da ofendida numa altura em que esta já estava a dormir na companhia do seu irmão.

32. Logo de seguida, o arguido tentou colocar-se em cima da ofendida, mas esta acordou.

33. Em ato contínuo, o arguido disse-lhe: “se tu fizeres o que eu quero, dou-te um telemóvel”.

34. Sucede que, nessa ocasião, a ofendida percebeu que o arguido queria ter relações sexuais consigo e disse-lhe que não ia fazer nada do que ele queria.

35. No dia 2 de agosto de 2018, o arguido voltou a deslocar-se à noite ao quarto da ofendida, colocou uma mão por baixo das calças de pijama e das cuecas que aquela tinha vestidas e introduziu-lhe um dedo na vagina ao mesmo tempo que fez diversos movimentos de vaivém.

36. Sucede que a ofendida acordou e afastou a mão do arguido ao mesmo tempo que lhe disse “pára…eu vou contar tudo à minha mãe…”, ao passo que aquele retorquiu “não digas nada, depois a gente fala” e abandonou aquele quarto.

37. Assim, entre o dia 10 de março de 2018 e o dia 3 de agosto de 2018, o arguido AA praticou os factos supra descritos, pelo menos, uma vez em cada um dos fins de semana existentes nesse período em que a ofendida ia passar os fins de semana a sua casa.

38. No período compreendido entre o dia 23 de março de 2018 e o dia 9 de abril de 2018, a ofendida gozou as férias escolares da Páscoa e, nesse período, o arguido praticou os factos supra descritos, pelo menos, duas vezes.

39. A partir do dia 23 de junho de 2018, a ofendida gozou as férias escolares do Verão em casa do arguido.

40. Sucede que, no dia 3 de agosto de 2018, a ofendida contou à sua mãe os atos que o arguido andava a praticar com ela.

41. Por via disso, a partir desse dia, a ofendida, a sua mãe e o seu irmão deixaram de residir em casa do arguido.

42. Assim, no período compreendido entre o dia 23 de junho de 2018 e o dia 2 de agosto de 2018, o arguido praticou os factos supra descritos, pelo menos, duas vezes.

43. O arguido AA bem sabia que atentava contra o livre desenvolvimento da personalidade e sexualidade da ofendida, não se demovendo, contudo, de agir dessa forma para satisfazer os seus desejos libidinosos.

44. O arguido aproveitou-se da situação de proximidade familiar que a ofendida BB tinha consigo, bem sabendo que os atos acima descritos eram adequados a prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade daquela, na sua esfera sexual, aproveitando-se da sua imaturidade, ingenuidade e inexperiência e da menor resistência que a mesma, por isso, oferecia para melhor concretizar os atos sexuais que manteve com ela.

45. O arguido sabia bem a idade da ofendida BB e que esta vivia consigo e dependia de si economicamente, era sua enteada, que lhe devia particulares obrigações de respeito em virtude de tais circunstâncias, que ignorou e de que se aproveitou.

46. O arguido AA atuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal.

47. No CRC do arguido nada consta.

Mais se provou:

48. AA tem mais quatro irmãos.

49. O pai, atualmente reformado, trabalhava como resineiro e a mãe era doméstica, trabalhando também na agricultura e fazendo criação de animais.

50. O agregado vivia na zona do ..., onde o arguido estudou até concluir o 6º ano de escolaridade, ajudando paralelamente a mãe nas tarefas agrícolas.

51. Mais tarde começou a trabalhar, preferencialmente na área das madeiras.

52. Viveu com os pais até aos 20 anos, altura em que inicia uma relação marital, da qual resultaram duas filhas, atualmente com 23 e 28 anos.

53. Teve um segundo relacionamento que durou cerca de 8 anos e, em 2016, conheceu DD, mãe da ofendida, com quem viveu até agosto de 2018.

54. AA reside sozinho em casa arrendada, de tipologia 3, e pela qual paga € 275,00 mensais.

55. A nível profissional trabalha por conta da empresa “H..., Lda.”, ligada à comercialização de madeiras e produtos derivados, auferindo um vencimento de € 600,00.

56. Utiliza veículo automóvel da empresa e as refeições são igualmente pagas, pelo que a sua situação económica é suficiente para responder às suas necessidades.

57. A nível do meio de residência é considerado uma pessoa reservada, sem grandes hábitos de convívio social.

Não provados

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que a menor estava ao cuidado do arguido.

Motivação

A convicção do Tribunal quanto à factualidade considerada provada radicou na análise crítica, concatenada e ponderada da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal).

Analisemos, em pormenor.

No que se refere aos factos constantes dos pontos 1. a 13. dos factos provados, considerámos a confissão do arguido. Atendemos, ainda, ao assento de nascimento da menor BB de fls. 23 e ao depoimento da mãe desta – DD – que também confirmou estes factos.

Relativamente aos factos descritos nos pontos 14. a 46., importa dizer, desde logo, que o arguido negou a prática dos factos.

Todavia, a menor BB, nas declarações para memória futura que prestou, confirmou estes factos de forma espontânea, escorreita e merecedora de credibilidade.

O exame pericial constante de fls. 178 e seguintes veio confirmar a veracidade das declarações prestadas pelo menor quando concluiu que: “(…) do ponto de vista psicológico, foi possível constatar que tem capacidade para prestar testemunho.

Procedendo a uma análise do relato da BB à luz dos indicadores de credibilidade salientados pela literatura (validade e veracidade das alegações) verificamos que aquela apresenta características encontradas em relatos verdadeiros.

(…)

Coligindo tudo o que foi possível avaliar e analisando o relato da BB à luz dos indicadores de validade e veracidade e não havendo indicadores significativos de fantasia, mentira ou sugestão (não nos parece que existam, neste caso específico, processos que possam contaminar a veracidade do testemunho, nomeadamente a presença de distorções significativas de memória), resulta um parecer positivo quanto à credibilidade e veracidade do relato da menor, uma vez que o seu testemunho apresenta um conjunto significativo de indicadores compatíveis com experiências efetivamente vividas.”.

Por sua vez, a testemunha DD, mãe da ofendida, prestou um depoimento que corroborou a versão dos factos trazidos pela menor. Este depoimento mostrou-se muito credível, sendo que a mesma demonstrou o quanto é difícil estar “no meio” da filha e do seu companheiro. Por um lado, queria acreditar neste, para que os abusos nunca tivessem ocorrido, mas, por outro lado, tem consciência que a filha falou a verdade, pois viu indícios dessa realidade. Com efeito, a mãe da menor explicou que no momento em que a sua filha lhe contou que era abusada sexualmente pelo arguido (companheiro da testemunha) nos moldes descritos nos factos dados como provados logo acreditou nela, pois já achava que o arguido se “agarrava” muito à BB, que já o tinha visto a passar as mãos pelos seis da menor (embora não tenha gostado, pensou que tinha sido uma brincadeira) e, já no verão, viu “pingos” no chão do quarto da menor que coincidem com o relato da menor relativamente ao dia em que o arguido terá ejaculado, ficando com a convicção que efetivamente se tratava de vestígios de ejaculação.

Em suma, a prova pericial confirma a veracidade das declarações do menor e a prova testemunhal indicada também acaba por corroborar o relato da menor, não existindo qualquer dúvida quanto à ocorrência dos factos.

Importa referir que tanto o arguido como mãe da menor referiram que, durante o período em que viveram juntos, a regra era os menores passarem o fim-de-semana em casa do arguido mas que, por vezes, ficavam em casa dos avós paternos, pelo que este facto foi dado como provado.

Esta mesma prova permitiu-nos, também, dar como assente os factos descritos no ponto 37. Com efeito, a menor BB confirmou que, no período temporal indicado, o arguido ia ter consigo para praticar os atos descritos nos factos provados todos os fins de semana e quase todos os dias do fim de semana em que ficava em sua casa. A ser assim, não se conseguindo concretizar melhor o número de vezes que no fim de semana os factos ocorreriam, demos como assente a versão que favorece o arguido, fazendo apelo ao princípio constitucional “in dubio pro reu”. Não podíamos, evidentemente, dar como assente que os factos ocorriam todos os dias, quando a própria menor relatou que aconteciam “quase todos os dias”, esclarecendo que pode ter havido dias no fim de semana em que o arguido não a procurou, embora não fosse esta a regra. Em consequência do que fica dito tivemos de dar como assente que, durante os fins de semana que a menor passava em casa do arguido, este a abordava pelo menos uma vez.

Já explicámos o motivo por que considerámos que as declarações da menor eram credíveis e consistentes, pois foram corroboradas pelos demais meios de prova, o que voltamos aqui a reproduzir para fundamentar este ponto 37.

Em suma, a prova já indicada e explicada – declarações da arguida que mereceram credibilidade e que foram corroboradas pela prova pericial e testemunhal – permitiu-nos concluir com segurança que o arguido praticava os factos descritos pelo menos uma vez em cada um dos fins de semana em que a menor estava em sua casa.

Importa, a este passo, dizer que as declarações do arguido não nos mereceram credibilidade, pois tentou, sem êxito, como veremos, dar justificações para ofendida o acusar dos factos descritos na acusação, mas que foram totalmente descredibilizadas com a demais prova produzida.

Com efeito, o arguido alegou que a menor terá inventado os factos por não a ter autorizado a ir à festa da aldeia e por temer mudar de escola e ir viver para casa do arguido a tempo inteiro. Todavia, não só a menor desmentiu estes factos como a testemunha DD também o fez, explicando que nunca proibiu a filha de ir à festa, como já tinham decidido que a menor não ia mudar de escola, pelo que estes nunca seriam motivos válidos para a menor imputar ao arguido os factos em análise.

O arguido também defendeu que a menor terá inventado esta acusação por não a deixarem ter um namorado, mas também aqui a versão do arguido foi desmentida pela testemunha DD, mãe da menor, que relatou que apenas lhe diziam que era muito nova e que primeiro estavam os estudos.

Quanto ao facto de a menor dormir com o seu irmão e, por vezes, com o neto do arguido e estes nunca se terem apercebido de nada, importa apenas relembrar que os menores, por regra, têm um sono muito profundo, pelo que seria normal que não se apercebessem da presença do arguido no local.

O arguido ainda tentou demonstrar que tinha uma relação muito próxima com a menor e que trocaram as mensagens de fls. 239 e 239 verso. Todavia, em julgamento o próprio arguido admitiu que as mensagens em causa foram enviados do telemóvel da mãe da menor – sua companheira – e que as duas primeiras mensagens de fls. 239 e a primeira de fls. 239 verso são da autoria da mãe da menor.

A defesa também quis demonstrar que a ausência sequelas psicológicas podia significar que a menor faltava à verdade, mas também aqui o relatório pericial foi determinante ao explicar que tal facto não condiciona a credibilidade/veracidade do parecer emitido, ou seja, que o seu relato merece credibilidade.

Com efeito, pode ler-se no relatório pericial elaborado pelo INML de fls. 178 e seguintes: “relativamente à condição psicológica da BB, embora fosse apurado um quadro de ajustamento psicológico geral (tal não condiciona a credibilidade/veracidade do parecer positivo emitido, até porque, sabemos através da investigação, que um número significativo de vítimas deste tipo de crime se apresenta assintomática ou manifesta dificuldades clinicamente significativas algum tempo após a experiência traumática), foram detetados alguns indicadores de perturbação emocional na descrição dos alegados episódios abusivos (sentimentos de vergonha/ humilhação/medo e falta de controlo durante e perante os mesmos) que embora possam ser encarados como definitivos e inquestionáveis, podem funcionar com um “sinal de alerta”, pois são compatíveis com o conhecimento teórico de como as crianças/adolescentes atormentadas abordam a temática abusiva”.

Os factos descritos nos pontos 14 e 43 a 46 foram dados como provados, tendo em conta as regras da experiência comum e os demais factos assentes. Como vem sendo dito na jurisprudência, dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infração. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência – neste sentido vide Ac. da R.P. 0140379, de 03.10.2001, Ac. R.G. 1559/05.1, de 14.12.2005, ambos em www.jurisprudencia.vlex.pt.

No que se refere aos antecedentes criminais do arguido, valorámos o CRC junto aos autos a fls. 249.

Os factos descritos nos pontos 48 a 57 resultam provados tendo em consideração o relatório social de fls. 253. Também atendemos ao depoimento das testemunhas de defesa HH, irmã do arguido, II, amigo, JJ, avó da menor, que confirmaram a reinserção social do arguido e o quanto a família parecia harmoniosa.

Não se fez qualquer prova relativamente ao facto dado como não provado.

Direito

O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º CPP, é um meio processual (que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo – art. 449.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP – também transitados) que visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações (art. 449.º, n.º 1, do CPP) que o legislador considerou deverem ser atendíveis e, por isso, nesses casos deu prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva[2], que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.”).

A sua importância (por poder estar em causa essencialmente uma “condenação ou uma a absolvição injusta”) é de tal ordem que é admissível o recurso de revisão ainda que o procedimento se encontre extinto, a pena prescrita ou mesmo cumprida (art. 449.º, n.º 4, do CPP).

O que, quanto às condenações, se conforma com o artigo 29.º, n.º 6, da CRP, quando estabelece que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

Tem legitimidade para requerer a revisão os sujeitos indicados no art. 450.º do CPP, entre eles, o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias (ver art. 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Comportando o recurso de revisão duas fases (a fase do juízo rescindente decidida pelo STJ e a do juízo rescisório, começando esta última apenas quando é autorizado o pedido de revisão e, por isso, acontecendo quando o processo baixa à 1ª instância para novo julgamento) e, sendo esta, a primeira fase (a do juízo rescindente), importa analisar se ocorrem os pressupostos para conceder a revisão pedida aqui em apreço.

Invoca o arguido/condenado, no requerimento/petição desta providência de revisão da sentença condenatória, como seu fundamento o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. a) e al. d), do CPP, alegando, em resumo, que baseando-se a sua condenação, fundamentalmente, nas declarações prestadas pela ofendida, o certo é que em 10.11.2021 foi dirigido aos autos um requerimento presumivelmente elaborado e assinado pela mesma Ofendida, em que aquela referia ter havido “um mal entendido”, admitindo que pudesse suscitar dúvidas, mas em 8.02.2022 a ofendida elaborou e enviou aos autos novo requerimento a referir claramente “ter mentido em todo o julgamento”, onde acusou o arguido “de várias coisas muito graves”, pretendendo que a verdade seja esclarecida”, sendo que dessa mentira resultou a sua condenação e prisão desde 22.09.2021, tendo apresentado queixa-crime contra aquela no DIAP ... em 13.04.2022, desconhecendo o estado do NUIPC, mas tendo-se gerado graves dúvidas sobre a sua condenação, o que justifica a revisão da sentença condenatória, por se estar perante factos novos que inexistiam à data do julgamento, não sendo justo impor a um cidadão que se conforme com a morosidade do inquérito e de todo um julgamento para ser restituído à liberdade.

Vejamos.

Dispõe o artigo 449.º, n.º 1, do CPP, que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

(…)

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Portanto, para haver a revisão é necessário desde logo que o acórdão condenatório tenha transitado em julgado, o que neste caso sucede (como se verifica pela certidão junta aos autos, sendo certo que o arguido nem recorreu da decisão proferida pela 1ª instância).

Para além disso, o fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP, admite a revisão da sentença transitada em julgado quando houver outra sentença igualmente transitada em julgado que considere falso meios de prova que tiver sido determinante para a decisão a rever.

Por sua vez, é pressuposto do fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, que “sejam descobertos novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Defende Germano Marques da Silva[3], “A novidade dos factos ou dos elementos de prova deve sê-lo para o julgador; novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido não os ignorasse no momento do julgamento.”

Sendo certo que a jurisprudência durante vários anos concordava com essa tese sem limites, a verdade é que, entretanto, passou a fazer uma interpretação mais restritiva e mais exigente dessa norma (até para evitar transformar o recurso extraordinário em recurso ordinário que não era), começando a entender que “novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal. Mais recentemente, o STJ tem vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.”[4]

No entanto, é importante (como tem defendido igualmente a jurisprudência do STJ) que se trate da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior (claro que se fossem factos ou provas que podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior e só, por exemplo, por incúria ou estratégia da defesa não foram, então não se trata de caso de revisão, mas antes de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário que não é[5]).

E, assim, melhor se percebe, a exigência complementar do terceiro requisito (que evita a transformação do recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário), quando ainda estabelece que não pode ter como fim único a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do artigo 449.º) e tem antes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação (isto é, dúvidas que atinjam gravidade tal que coloquem em causa a justiça da condenação e não que se suscitem simples dúvidas sobre a justiça da condenação).

Ora, o que sucede neste caso é que o recorrente, para fundamentar este seu pedido de revisão, vem juntar não só a referida declaração que se diz ser de 10.11.2021[6] (que instruiu o primeiro pedido de revisão, que foi negado), como também a que refere ser de 8.02.2022[7], bem como cópia da queixa-crime enviada por correio registado para o DIAP ... em 13.04.2022 contra a mesma ofendida BB (na qual denunciava a prática por aquela de um crime de falsidade de testemunho previsto no art. 360.º, n.º 1, do CP), concluindo que se trata de um novo facto que coloca em grave dúvida a justiça da sua condenação.

Mas, ao contrário do que alega o recorrente, quando uma testemunha, que havia sido ouvida em julgamento, apresenta diferente versão, isso não significa que se está perante um novo facto e, muito menos, perante um novo meio de prova.

O que o recorrente pretende é procurar demonstrar que há um depoimento falso de testemunha ouvida em julgamento.

Neste pedido de revisão apenas se pode avaliar a materialidade subjacente ao documento junto datado de 8.02.2022, complementada com a queixa-crime apresentada no DIAP ... de 13.04.2022, admitindo que essa articulação pode ser considerada como um diverso fundamento daquele que foi apresentado na revisão anterior, visto o disposto no art. 465.º do CPP.

Ora, o que sucede é que estamos perante uma diferente versão narrativa dos mesmos factos que já haviam sido contados no julgamento[8], o que não se pode confundir com qualquer novidade de meios de prova[9] ou com qualquer novidade de factos.

E, assim, do que se trata é que o recorrente pretende a revisão do acórdão condenatório baseado na falsidade de um depoimento prestado em audiência de julgamento, pelo que deveria ter antes junto (como determina o art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP), sentença transitada em julgado a declarar a falsidade desse depoimento, o que não fez, por inexistir.

De resto, nem o meio por si utilizado é o adequado, nem serve para substituir a sentença transitada em julgado a declarar a falsidade desse depoimento, que falta (nem mesmo quando o apresenta juntamente com a queixa crime que apresentou no DIAP ...).

Aliás, como esclarecidamente se refere no ac. do STJ de 18.02.2021[10], “só há lugar à revisão da sentença com base em falsidade de depoimento, se a falsidade resultar de uma outra sentença transitada em julgado.” (art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP).

 Portanto, para além de não terem sido apresentados novos factos ou novos meios de prova (o que invalida o preenchimento do pressuposto previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP), também não foi junta certidão de sentença transitada em julgado a declarar a falsidade do depoimento da testemunha invocada no recurso (BB), o que igualmente impede a invocação do fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP[11].

De esclarecer, ainda, que as declarações apresentadas constituem apenas mera prova documental (art. 164.º do CPP), particular, não servindo para demonstrar a veracidade da declaração neles contida.

Além disso, como assinala o Sr. PGA neste STJ (e foi salientado na informação da Srª. Juiz), “no processo da condenação, no qual, conforme previamente referido, confirmou os factos «de forma espontânea, escorreita e merecedora de credibilidade», a vítima foi submetida a exame pericial e não foram detectados «indicadores significativos de fantasia, mentira ou sugestão» mas antes «um conjunto significativo de indicadores compatíveis com experiências efectivamente vividas». Por outro lado, a sua mãe, em depoimento que o tribunal, com a mais-valia da oralidade e da imediação, considerou credível, afirmou ter «consciência que a filha falou a verdade, pois viu indícios dessa realidade», «achava que o arguido se “agarrava” muito à BB», «já o tinha visto a passar as mãos pelos seios da menor (embora não tenha gostado, pensou que tinha sido uma brincadeira)» e «viu “pingos” no chão do quarto da menor que coincidem com o relato da menor relativamente ao dia em que o arguido terá ejaculado, ficando com a convicção que efectivamente se tratava de vestígios de ejaculação». Neste contexto probatório, a declaração de retractação, na nossa perspectiva, sempre seria insuficiente para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou seja, para suscitar dúvidas que apontam «seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável».

Ou seja, nem com a versão fáctica alegada na petição da revisão, nem com base nos documentos com ela juntos, se podia concluir que o recorrente tivesse trazido factos novos ou provas novas que fossem suscetíveis de fundamentar a revisão, nomeadamente (o fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP), que fossem de molde a criar graves e fundadas dúvidas sobre a justiça da condenação.

Tão pouco o demais alegado em sede de motivação da sua petição da revisão da decisão condenatória suscita quaisquer dúvidas sobre a justiça da condenação, estando, por isso, afastada a autorização da revisão da sentença.

Em conclusão: não se verificam os pressupostos da revisão da sentença requerida pelo recorrente nesta providência, sendo manifestamente infundado o presente recurso extraordinário.

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão pedida pelo condenado AA.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC`s.

Nos termos do art. 456.º do CPP, o recorrente vai condenado a pagar a quantia de 6 (seis) UC`s, por ser manifestamente infundado o pedido de revisão formulado aqui em apreciação.

*

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pelo Senhor Juiz Conselheiro Adjunto e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente desta Secção Criminal.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 14.07.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Cid Geraldo

Eduardo Almeida Loureiro

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[1] Recursos Penais, Rei dos Livros, Sintra, 2020, 9ª Edição, p. 234.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo: Lisboa, 1994, p. 359, acrescentando o seguinte: “Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”
[3] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Lisboa: Verbo, 1994, p. 363.
[4] Assim, Ac. do STJ de 19.11.2020, processo n.º 29/17.0GIBJA-C.S1 (Francisco Caetano), consultado no site do ITIJ - Bases Jurídico-Documentais. E, a propósito, da evolução da jurisprudência sobre o dito conceito de “novidade”, recorda-se, mais à frente, quando se analisam documentos que foram apresentados em sede do recurso de revisão ali em apreciação, o que foi dito por Pereira Madeira (CPPC, 2.ª ed., p. 1509) «o arguido “se os conhecia e não invocou aquando do julgamento faltou, certamente por estratégia de defesa, ao dever de lealdade e colaboração e com o tribunal, pelo que, seria iníquo permitir-lhe agora invocar factos que só não foram oportunamente apreciados por mero calculismo, circunstância que está longe de se equiparar à gravidade do facto que é a justiça da condenação. É seguramente esta a jurisprudência maioritária do Supremo”.» . Com interesse, também, na matéria, entre outros, Ac. do STJ de 24.06.2021, processo n.º 1922/18.8PULSB-A.S1 (Helena Moniz) e ac. do STJ de 11.11.2021, processo n.º 769/17.3PBAMD-B.S1 (Eduardo Loureiro), consultados no mesmo site.

[5] Ver, entre outros, Ac. do STJ de 19.11.2020, Processo n.º 198/16.6PGAMD-A.S1 (Margarida Blasco), consultado no mesmo site.
[6] A declaração que se diz ser de 10.11.2021, presumivelmente elaborada e assinada pela ofendida é do seguinte teor:

Eu BB

Quero retirar a queixa que pôs contra AA.

Houve um mal entendido naquela altura, eu era uma menina e não sabia os problemas que isto iria trazer, como as consequências, também nunca pensei no que iria dar e no que isto nos ia trazer a todas.

E peço imensa desculpa por este mal entendido”.
[7] A declaração que se diz ser de 8.02.2021, supostamente elaborada pela ofendida é do seguinte teor: “Eu, BB, venho pedir desculpas por ter mentido em todo o julgamento em que acusei o Sr. AA (AA) de várias coisas muito graves, por isso estou muito arrependida e não queria que isso fosse mais para a frente e que a verdade seja esclarecida, fiz tudo isto porque não queria o ver com a minha mãe, mas agora vejo que tudo passou de um grande erro.

Mais uma vez peço desculpas e que tudo fique esclarecido”.
[8] Assim, entre outros, Ac. do STJ de 23.06.2021, processo n.º 12/19.0PEBGC-A.S1 (Relator Sénio Alves); Ac. do STJ de 7.04.2011, processo n.º 60/02.0TAMBR-B.S1 (Relator Maia Costa), consultados no mesmo site.
[9] Igualmente neste sentido, Ac. do STJ de 9.01.2013, processo n.º 709/00.9JASTB-J.S1 (Relator Raul Borges), consultado no mesmo site.
[10] Ac. do STJ de 18.02.2021, processo nº 274/16.5GAMCN-D.S1 (Relator António Gama). No mesmo sentido, entre outros, Acs. do STJ de 25.02.2021, processo n.º 319/00.0GFLLE-F.S1 (Relatora Helena Moniz) e de 2.12.2021, processo n.º 156/14.5TACLD-A.S1 (Eduardo Almeida Loureiro) consultados no mesmo site.
[11] No mesmo sentido, ac. do STJ de 18.11.2021, proferido no processo n.º5668/11.0TDLSB-F.S1 (M. Carmo Silva Dias).