Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
31/14.3TTCBR.C3.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
APOIO JUDICIÁRIO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO DO TRABALHO – ONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PRESCRIÇÃO E PROVA.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, Almedina, p. 232.
-Ana Filipa Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2014, p. 24, 25, 29 e 30;
-Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, 2018, p. 605;
Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 136;
-Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, 1961, p. 390, nota 850;
Legislação Nacional:

CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 323.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 662.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 337.º, N.º 1
ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS, APROVADO PELA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N.º 47/2007, DE 29 DE JULHO: - ARTIGO 33.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 17-04-2013, PROCESSO N.º 36/12.9TTPRT.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


-DE 17-02-2011, PROCESSO N.º 2196/09.7TJLSB.L1-6;
-DE 04-10-2011, PROCESSO N.º 320-C/2001.L1-1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


-DE 30-11-2010, PROCESSO N.º 637/09.2T2AVR.C1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I – No uso dos poderes que lhe são atribuídos pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa da alcançada pelo tribunal de 1.ª instância.

II – Requerida a concessão de apoio judiciário no decurso do prazo previsto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, considera-se a ação instaurada na data em que esse requerimento seja apresentado, nos termos do n.º 4 do artigo 33º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 29 de julho.

III – Instaurada a ação nessa data, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 323.º do Código Civil, «se a citação não se fizer dentro de cinco dias, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».

IV – Referido na petição inicial o requerimento de atribuição de apoio judiciário e junto documento comprovativo da concessão do mesmo e da data em que tal requerimento foi apresentado, o tribunal, no julgamento da exceção de prescrição invocada pelo Réu, deve tomar em consideração aquele requerimento e os efeitos do mesmo decorrentes em termos de interrupção da prescrição, mesmo que o autor não tenha respondido àquela exceção.

Decisão Texto Integral:

4.ª Secção

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Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA instaurou contra BB a presente acção declarativa emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, formulando os seguintes pedidos:

«Nestes termos e melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente e provada e assim requer a Autora que:

I - Seja declarada a ilicitude do contrato de trabalho por preterição de formalismo legal, com fundamento na violação das disposições legais invocadas e consequentemente

II - Deve o réu ser condenado no pagamento da indemnização legal a que o autor tem direito, em virtude da resolução contratual ser declarada ilícita, no valor de € 3213,13, acrescidos de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

III - Deve o réu ser condenado no pagamento da indemnização pelos danos materiais causados ao trabalhador, no valor € 152,37, acrescidos de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

IV - Deve o réu ser condenado ao pagamento das diferenças salariais verificadas no período compreendido entre 15 de Agosto de 2008 a 18 de Janeiro de 2013, no valor de € 6349,50, acrescido de juros legais vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

V - Deve o réu ser condenado ao pagamento dos subsídios de férias, subsídio de Natal e férias não gozadas no período compreendido entre 15 de Agosto de 2008 a 18 de Janeiro de 2013, no valor de € 6 224,85, acrescido de juros legais vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

VI - Deve o réu ser condenado ao pagamento dos vencimentos não pagos e relativos ao período compreendido entre 1 de Outubro de 2012 a 18 de Janeiro de 2013, no valor de € 1 697,50, acrescido de juros legais vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

VII - Deve o réu ser condenado ao pagamento do trabalho extraordinário prestado pelo trabalhador no período compreendido entre 15 de Agosto de 2008 a 18 de Janeiro de 2013, no valor de € 14 344,82, acrescido de juros legais vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

VIII – Deve ser condenado nas custas de parte e demais custas.»

Invocou como fundamento das suas pretensões, em síntese, que, tendo sido trabalhador subordinado do réu desde Agosto de 2008, este pôs termo a essa relação contratual, de forma ilícita, em 18/1/2013, sendo que do contrato de trabalho e da sua cessação resultaram para si os créditos que melhor enuncia na petição e cuja satisfação coerciva pressupõe a prévia condenação do Réu a reconhecê-los e a satisfazê-los; por outro lado, sofreu prejuízos, de que pretende ser ressarcido, com um processo-crime que instaurou contra o réu e do qual veio a desistir da queixa.

O réu contestou a acção, pugnando pela improcedência da acção sustentando em, que caducou o direito do autor a propor a acção, que estão prescritos os créditos a que o autor se arroga e que o mesmo não é efectivamente titular de tais créditos.

A ação instaurada prosseguiu seus termos e veio a ser decidida, finalmente, em primeira instância, por sentença de 20 de março de 2017, que integrou o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência, condeno o R. a pagar ao A. a quantia de € 19.221,93 (dezanove mil duzentos e vinte e um euros e noventa e três cêntimos) a título de créditos salariais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

- No mais, absolvo o R. do peticionado.

Custas a cargo do Autor e do R. na proporção do respetivo decaimento e sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o A.»

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o Réu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 27 de outubro de 2017, com um voto de vencido, e que integrou o seguinte dispositivo:

«Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se o réu de todas as pretensões contra si deduzidas pelo autor e que lograram acolhimento naquela decisão.

Custas pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário.»

Irresignado com este acórdão, dele vem o Autor recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«I - O recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra que altera a redacção da matéria de facto nos pontos 1, 7, 8 e 10 da matéria dada como provada e que considerou a relação laboral cessada a 31 de Dezembro de 2012 e em consequência dessa alteração determinou o decurso do prazo prescricional dos créditos laborais.

II - A alteração destes pontos contraria a matéria de facto assente nas duas sentenças proferidas em primeira instância, que concluem inequívoca e sucessivamente que a data da cessação da relação laboral ocorreu a 18 de Janeiro de 2013 e não a 31 de dezembro de 2012, assim como viola o princípio processual da imediação da prova testemunhal. Considerando assim que os quesitos, 1, 7, 8 e 10 da matéria de facto assente, anteriormente determinados deveriam manter essa mesma redacção:

1 - Entre o autor e o réu foi celebrado um contrato de trabalho verbal com inicio em meados de agosto de 2008 que perdurou pelo menos até ao dia 18 de Janeiro de 2013.

7 - Pelo menos a partir desta data, o A não prestou mais funções para o R.

8 - O A não gozou férias, nem recebeu subsídio de férias, nem de Natal entre o ano de 2008 e janeiro de 2013

10 - Ficou por liquidar ao A o vencimento correspondente aos 18 primeiros dias de janeiro de 2013

III - A apreciação da prova testemunhal feita no Acórdão recorrido inverte totalmente o sentido da decisão, lesa o trabalhador no seu direito a receber os créditos laborais (vencimentos, subsídio de ferias, férias, trabalho em dia de descanso semanal e descanso obrigatório) a que tem direito.

IV - Considerando a redacção e o sentido do voto vencido proferido pela Sra Dra Juiz Desembargadora Paula Maria Roberto, parece-nos que a decisão não poderia ser outra que não a de considerar as excepções invocadas pelo réu, totalmente improcedentes.

V - Devendo atender-se à redação e sentido do voto de vencido proferido nos seguintes termos:

Conforme resulta dos autos o A solicitou o benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono no dia 30/05/2013.

Por outro lado, a petição inicial foi apresentada a 09/01/2014.

Acontece que, por força do disposto no n.º 4 do art.º 33.º da Lei do Apoio Judiciário, a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.

Assim sendo, entendo que não ocorreu a prescrição de créditos do A. Uma vez que, pese embora o prazo de um ano a que alude o art.º 337.º do CT se tenha esgotado no dia 01/01/2014, a presente acção não foi proposta no dia 09/01/2014 mas sim em data presuntivamente anterior, ou seja, naquela em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono.

Pelo exposto, julgaria improcedente a excepção da prescrição e conhecia das questões objecto do presente recurso.”

VI - Considerando que o benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono foi requerido a 30 de Maio de 2013, pelo autor, que por não possuir meios económicos, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 33.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, considera-se que a acção judicial é interposta naquela mesma data, porquanto, com a disposição legal quis o legislador assegurar que o acesso ao direito, o era em igualdade de circunstâncias a todos os cidadãos, assegurando com isso que os cidadãos economicamente desfavorecidos teriam exactamente as mesmas condições dos demais, ao estarem nas mesmas condições para reivindicarem devidamente os seus direitos acompanhados por Advogado/ Patrono.

VII - O legislador quis com esta disposição legal impedir que ninguém fosse impedido de aceder ao direito, devido à sua condição económico-social, criando assim um sistema de acesso ao direito que contempla o acompanhamento e aconselhamento Jurídico prestado adequadamente e em respeito pelos prazos legais processuais nas mesmas circunstâncias.

VIII - A aplicação desta disposição legal determina que no caso concreto a acção tem-se por interposta a 30 de Maio de 2013, data em que foi pedido o apoio judiciário, ditando a improcedência das excepções da caducidade do direito de acção e da prescrição de créditos laborais invocados pelo réu.

IX - O que sucede com o regime da prescrição dos créditos laborais, uma vez que o prazo da prescrição interrompe-se com a citação ou com a verificação de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito, (interposição da acção), sendo que a citação ocorre nos 5 dias posteriores à interposição da acção, uma vez que a acção se considera interposta aquando da apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, então a prescrição ter-se-ia por interrompida nos 5 dias posteriores ao dia de apresentação do pedido (30 de Maio), ou seja, sensivelmente a 5 de Junho de 2013.

X - Assim, no mesmo sentido e à semelhança do voto vencido constante do acórdão recorrido consideramos que a acção tem-se por interposta a 30 de Maio de 2013 e a prescrição interrompida nos 5 dias posteriores a esta data, pelo que, independentemente da data de termo da relação laboral, pelo que a acção estaria sempre interposta em tempo, declarando-se assim improcedentes as excepções da caducidade do direito de acção bem como a excepção da prescrição dos créditos laborais, determinando a condenação do pagamento dos créditos laborais a que o reu foi condenado.

XI - O Acórdão proferido viola o disposto no n.º 4 do art.º 33.º da Lei de Acesso ao Direito, e viola o principio inserto no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa que consagra o acesso aos tribunais em igualdade de circunstâncias de todos os cidadãos, devendo a decisão ser alterada no sentido de se considerarem as excepções da caducidade do direito de acção e da prescrição dos créditos laborais improcedentes e consequentemente ser o reu condenados nos termos das decisões proferidas em 2016 e em Março de 2017 pelo Tribunal de Trabalho de Coimbra.»

Termina referindo que devem ser consideradas improcedentes as «excepções da caducidade do direito de acção e da prescrição dos créditos laborais (…) e consequentemente» se deve condenar «o réu no pagamento dos créditos laborais a que foi condenado pelo Tribunal de Trabalho de Coimbra».

O réu respondeu ao recurso integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1 - Nas conclusões de recurso, o Autor/Recorrente refere que não se conforma com a alteração da matéria de facto dada como provada no acórdão ora em crise, nomeadamente quanto à alteração da redacção dos factos provados com os n°s 1,7, 8 e 10, dos quais se extrai que o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e o Réu cessou em 31/12/2012, bem como não se conforma com o facto do Venerando Tribunal da Relação ter julgado provada e procedente a excepção de prescrição invocada pelo Réu na sua contestação, em virtude do Autor ter requerido o beneficio do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 30/05/2014 e de, como tal, a acção se considerar instaurada no dia 30/05/2013 e não no dia 09/01/2014.

2 - Antes de mais importa referir que não é admissível recurso sobre a matéria de facto no presente recurso de Revista, pelo que improcederá totalmente a primeira questão levantada pelo Autor/Recorrente.

3 - Quanto à segunda questão em análise, olvida totalmente o Autor o já referido no douto Acórdão ora posto em crise quanto à improcedência da prescrição que agora vem pela primeira vez, nos presentes autos, suscitar.

4 - O Réu/Recorrido subscreve inteiramente a argumentação e fundamentação referida no Acórdão ora em crise, da qual se conclui, sem qualquer margem para dúvidas, de que o presente recurso não poderá ser julgado procedente.

5 - Sem prescindir, refira-se ainda que, ao contrário do alegado pelo Autor, a apresentação do pedido de nomeação de patrono, só por si, não interrompe nem suspende o prazo para efeitos de prescrição.

6 - Assim, o prazo de prescrição nunca se poderia ter interrompido no dia 5 de Junho de 2013, como alegado pelo Autor no presente recurso!

7 - Contudo, mesmo que tal fosse admissível, o que não se concede, o Autor não respondeu à excepção de prescrição expressamente invocada pelo Réu na sua contestação, pelo que não pode vir agora fazê-lo em sede de recurso.

8 - Face ao exposto, o douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura, pelo que deve ser mantido na íntegra.»

 

Neste Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer pronunciando-se no sentido da concessão da revista, integrando nesse parecer a seguinte síntese conclusiva:

«No caso sub judice o pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e nomeação de patrono, a fim de propor acção laboral, foi apresentado nos serviços da segurança social em 30 de Maio de 2013, pelo que, por força do disposto no nº 3 do artigo 34º da Lei nº 34/2004, conjugado com o disposto no nº 2 do artigo 323º do Código Civil, e à luz da jurisprudência citada, o prazo de prescrição dos créditos do trabalhador/recorrente interrompeu-se cinco dias após a referida data, muito antes da efectiva propositura da acção em 9.2.2014.»

Notificado este parecer às partes não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber:

a) - Das alterações à matéria de facto decorrentes da decisão recorrida;

b) - Se o Tribunal da Relação podia conhecer oficiosamente da requerimento de atribuição do benefício do apoio judiciário, como fundamento da interrupção do prazo de prescrição dos créditos reclamados pelo Autor;

c) - Se procede a exceção de prescrição dos créditos reclamados pelo Autor.


III


As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1 - Entre o autor e o réu foi celebrado um contrato de trabalho verbal com início em meados de Agosto de 2008 que perdurou até 31/12/2012.[1]

2 - O A. foi contratado pelo R. para desempenhar, na Quinta …, em …, funções de tratador / pastor de ovelhas e cabras, procedendo à sua guarda, alimentação e ordenha e armazenamento do leite, bem como à limpeza dos currais.

3 - O A. iniciava o seu dia de trabalho, de manhã, a hora não concretamente apurada, e procedia à ordenha de ovelhas que levava depois para o pasto.

4 - O R. deixava o A. e à sua esposa habitarem uma casa existente na sobredita Quinta.

5 - Em 28-06-2012 o A. apresentou queixa crime contra o R. tendo no decurso do inquérito apresentado desistência de queixa, constando do despacho de arquivamento datado de 12-10-2012 a imputação de factos que “(….) a confirmarem-se e em abstracto seriam susceptíveis de consubstanciar a prática de um crime de ofensa à integridade física (…)” (cfr cópia de fls 42).

6 - No dia 18 de janeiro o A. e a sua esposa foram auxiliados por CC que procedeu ao transporte dos seus haveres, levando-os até à casa da mãe do A. na localidade de …, por se terem deparado com os ditos haveres, nomeadamente, alguns móveis e eletrodomésticos, roupas de cama e de vestir, fora de casa, à chuva.

7 - A partir de 1/1/2013, inclusive, o autor não mais trabalhou para o réu.[2]

8 - O autor não gozou férias, nem recebeu subsídio de férias, nem de Natal entre o ano 2008 e até 31 de Dezembro de 2012.[3]

9 - São devidas ao A. diferenças salariais relativas ao período de 2011 até 18 de janeiro de 2013.[4]

10 - O réu não pagou ao autor qualquer remuneração respeitante a qualquer período posterior a 31/12/2012. [5]

11 - O R. nunca pagou ao autor qualquer verba por descanso compensatório não concedido, aos domingos e feriados.

12 - O A. trabalhava 40 horas distribuídas de segunda a sábado.

13 - Auferia como contrapartida do seu trabalho o salário mínimo nacional.

14 - O correio do A. era depositado (à data) na caixa postal do R. que era a única existente (na Quinta).

15 - O A. recusava-se a assinar / receber correspondência que lhe era habitualmente dirigida.

16 - O A. viveu na habitação sita na Quinta do R. pelo menos até ao dia 14 de janeiro de 2013.

17 - O R. comunicou em 09-01-2013, à Segurança Social, através da operação “Registo Fim Vínculo de trabalhador pela EE” que a produção dos efeitos da cessação do trabalhador no R. eram reportados a 31/12/2012 (cfr Doc de fls 225).

18 - O pagamento ao A. das quantias referentes a vencimento era efetuado em dinheiro por o A. não ter conta bancária.

19 - O A. invocando dificuldade em escrever nunca assinou os recibos de vencimento emitidos pelo R.

20 - Os pastos onde eram depositadas as ovelhas eram vedados.

21 - O A. apenas tinha que encaminhar as ovelhas para o pasto de manhã e recolhê-‑las à noite no curral (sem precisar de permanecer no pasto).

22 - O A. chegou a ser auxiliado pelo pai do R. ou por terceiros, na ordenha.

23 - O novo pastor admitido pelo R. no início de janeiro de 2013 foi viver, nesse período, para uma casa arrendada em ..., ….

24 - Em 31/12/2012, o réu comunicou verbalmente ao autor que estava despedido a partir desse mesmo dia e que a partir de 1/1/2013, inclusive, não mais trabalharia para si.[6]

25 - Nessa mesma data, o réu tentou entregar ao autor alguns documentos escritos de conteúdo concreto que não foi possível determinar, tendo o autor recusado receber tais documentos.[7]

26 - Ainda nessa reunião, o réu comunicou ao autor que deveria restituir-lhe a casa referida no ponto 4º) dos factos descritos como provados, tendo-lhe fixado para o efeito um prazo de duração concreta que não foi possível determinar.[8]


IV


Nas conclusões I a III insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida na parte em que alterou a redacção dos pontos n.º s 1, 7, 8 e 10 da matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância.

Refere, em síntese, que a «A alteração destes pontos contraria a matéria de facto assente nas duas sentenças proferidas em primeira instância, que concluem inequívoca e sucessivamente que a data da cessação da relação laboral ocorreu a 18 de Janeiro de 2013 e não a 31 de dezembro de 2012, assim como viola o princípio processual da imediação da prova testemunhal» e que «A apreciação da prova testemunhal feita no Acórdão recorrido inverte totalmente o sentido da decisão, lesa o trabalhador no seu direito a receber os créditos laborais (vencimentos, subsídio de ferias, férias, trabalho em dia de descanso semanal e descanso obrigatório) a que tem direito».

Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil em vigor, que «a relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

A diferença de redação deste dispositivo face à da norma do n.º 1 do artigo 712.º do anterior Código de Processo Civil evidencia uma intencionalidade clara quanto ao sentido daquilo que deve ser a intervenção do Tribunal da Relação relativamente à reapreciação da matéria de facto, impondo-lhe o dever de proceder a nova e autónoma valoração dos meios de prova, bem entendido, no âmbito do recurso interposto.

Referia-se, com efeito neste dispositivo que «a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação».

Conforme refere ABRANTES GERALDES, com a nova redação pretendeu-se que ficasse claro que «quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da ponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência»[9] e prossegue o mesmo autor, referindo que «igualmente se mantém, agora com mais vigor e clareza, a possibilidade de sindicar a decisão quando assente em prova que foi oralmente produzida e tenha ficado gravada, afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para os casos de “erro manifesto” ou de que não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1.ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação»[10].

Analisada a decisão recorrida na parte em que a mesma se debruçou sobre o recurso em matéria de facto que era objeto da apelação interposto pelo Réu, não se constata que tenha ocorrido qualquer violação das disposições de natureza processual que enquadram a intervenção do Tribunal da Relação no conhecimento dessa parte do recurso.

Nem o recorrente afirma sequer que tenha ocorrido qualquer violação do disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil.

Na verdade, o Tribunal da Relação movendo-se no âmbito do recurso interposto reapreciou os meios de prova que estavam em causa e na base dos mesmos formulou a sua convicção da qual resultou a alteração da matéria de facto em causa.

Neste contexto carece de qualquer sentido a pretensão da recorrente de que o Tribunal da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto e no âmbito do recurso interposto, não podia apreciar livremente os meios de prova produzidos e formular uma convicção autónoma daquela que havia sido alcançada pelo tribunal de 1.ª instância.

A intervenção do Tribunal da Relação manteve-se deste modo dentro dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida nesse aspeto.

Por outro lado, importa ter presente que a valoração que o Tribunal da Relação fez dos meios de prova sobre que se debruçou, no âmbito da livre apreciação da prova escapa à intervenção deste Tribunal enquanto Tribunal de revista, não sendo sequer objeto de recurso, conforme decorre do n.º 4 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

Improcedem, deste modo, as conclusões I a III das alegações apresentadas pelo recorrente.

2 – Nas conclusões IV a XI insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida na parte em que julgou procedentes a exceção de prescrição invocada pelo Réu e com esse fundamento o absolveu dos pedidos por si formulados.

A decisão recorrida fundamentou-se, no primeiro momento, na afirmação de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente dos factos interruptivos do prazo da prescrição invocada pelo Réu, porque o Autor não teria respondido à exceção deduzida, e depois, nesse quadro, debruçou-se sobre a mencionada exceção julgando- ‑a procedente.

O decidido fundamentou-se no seguinte:

«A este respeito cumpre esclarecer, liminarmente, que na sua contestação de folhas 79 e seguintes, invocou o réu, para além do mais, a excepção peremptória da prescrição dos créditos que o autor pretende fazer valer na presente acção, com o fundamento de que a presente acção foi proposta para lá do prazo de um ano a que se alude no art. 337º/1 do CT/2009.

Notificado da contestação, o autor não respondeu à excepção, não tendo, assim, invocado a verificação de qualquer causa suspensiva ou interruptiva da prescrição arguida pelo réu, em especial relacionada com o facto de o autor beneficiar de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono oficioso e com o disposto no art. 33º/4, da Lei 34/2004, de 29/07.

A matéria da suspensão ou da interrupção da prescrição não está excluída da disponibilidade das partes, não sendo de conhecimento oficioso.

Assim sendo, face à disponibilidade da relação material controvertida no concreto segmento em apreço, aos princípios da liberdade e da autonomia da vontade das partes, da auto-responsabilidade destas inerente ao princípio dispositivo, segundo o qual as partes sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, e tendo em conta que os recursos não se destinam à apreciação e decisão de questões novas, no sentido de questões que jamais se suscitaram anteriormente no decurso do processo, este tribunal está impedido de apreciar a questão da verificação de qualquer causa suspensiva ou interruptiva da prescrição arguida pelo réu, em especial relacionada com o facto de o autor beneficiar de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono oficioso e com o disposto no art. 33º/4, da Lei 34/2004, de 29/07.»

Conheceu-se depois da matéria da exceção nos seguintes termos:

«Segunda questão: se devem proceder as excepções de prescrição e de caducidade invocadas pelo réu na contestação.

Nos termos do art. 337º/1 do CT/2009, “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Decorre dos pontos 1º), 7º) e 24º) dos factos provados, com a redacção que lhe foi conferida na presente decisão, que o contrato de trabalho entre o autor e o réu cessou em 31/12/2012, por despedimento decidido e comunicado verbalmente pelo réu.

Como assim, o prazo de prescrição consagrado naquela norma legal esgotou-se no dia 1/1/2014.

A presente acção foi proposta em 9/1/2014, sem que, como supra referido, o réu tenha arguido qualquer causa suspensiva ou interruptiva do prazo de prescrição de um ano que se iniciou em 1/1/2013 e terminou em 1/1/2014, razão pela qual tal temática não pode ser objecto de apreciação por este tribunal, com a consequente impossibilidade de ser declarada a verificação de qualquer causa daquele tipo.

Consequentemente, deve ser declarada a prescrição de todos os créditos que tivessem emergido para o autor do contrato de trabalho, do modo como foi sendo tramitado e da sua cessação, incluindo aqueles que na sentença recorrida foram reconhecidos ao autor, razão pela qual não poderiam deixar de ter sido julgadas improcedentes a acção e as pretensões nela deduzidas pelo autor, em especial as que foram acolhidas na sentença recorrida.»

É contra o assim decidido que se insurge o recorrente e, movendo-se na linha do voto de vencido exarado no acórdão, afirma que «considerando que o beneficio de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono foi requerido a 30 de Maio de 2013, pelo autor, que por não possuir meios económicos, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 33.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, considera-se que a acção judicial é interposta naquela mesma data» e que «a aplicação desta disposição legal determina que no caso concreto a acção tem-se por interposta a 30 de Maio de 2013, data em que foi pedido o apoio judiciário, ditando a improcedência das excepções da caducidade do direito de acção e da prescrição de créditos laborais invocados pelo réu».

Realça que «o prazo da prescrição interrompe-se com a citação ou com a verificação de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito, (interposição da acção), sendo que a citação ocorre nos 5 dias posteriores à interposição da acção, uma vez que a acção se considera interposta aquando da apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, então a prescrição ter-se-ia por interrompida nos 5 dias posteriores ao dia de apresentação do pedido (30 de Maio), ou seja, sensivelmente a 5 de Junho de 2013».

Destaca ainda que «Assim, no mesmo sentido e à semelhança do voto vencido constante do acórdão recorrido consideramos que a acção tem-se por interposta a 30 de Maio de 2013 e a prescrição interrompida nos 5 dias posteriores a esta data, pelo que, independentemente da data de termo da relação laboral, pelo que a acção estaria sempre interposta em tempo, declarando-se assim improcedentes as excepções da caducidade do direito de acção bem como a excepção da prescrição dos créditos laborais, determinando a condenação do pagamento dos créditos laborais a que o reu foi condenado.»

 

3 – Resulta da matéria de facto dada como provada que o Autor foi despedido em 31 de dezembro de 2012.

Por outro lado, resulta dos autos que a presente ação foi instaurada em 13 de janeiro de 2014, e que o Réu foi citado para contestar em 10 de março de 2014.

Decorre igualmente do documento junto aos autos pelo autor, a fls. 55 a 58, que não foi impugnado, que este requereu o apoio judiciário, para além do mais, na modalidade de nomeação de patrono, para a instauração da presente ação em 30 de maio de 2013.

Na contestação o Réu invocou a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor na presente ação, referindo que foi citado para contestar para além do prazo de um ano previsto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, pelo que se devem considerar prescritos os créditos reclamados pelo Autor.

Na decisão recorrida, considerou-se que o tribunal não podia oficiosamente tomar conhecimento do requerimento de concessão de apoio judiciário como facto interruptivo da prescrição dos créditos reclamados pelo autor na presente acção, uma vez que este não tinha respondido à contestação, na parte em que era invocada a mencionada exceção peremptória, e, sem tomar em consideração esse facto, declararam-se prescritos os mencionados créditos, absolvendo-se o Réu dos pedidos respectivos.

4 - A prescrição é um instituto jurídico que materializa uma das formas de projeção do tempo sobre o exercício dos direitos.

Conforme refere ANA FILIPA M. ANTUNES, «invocada com êxito, a prescrição determina a paralisação dos direitos, sempre que os mesmos não sejam exercidos, sem uma justificação legítima, durante um certo lapso de tempo fixado por lei. Confere-se, assim, ao beneficiário da prescrição, o poder ou a faculdade de recusar de modo lícito, a realização da prestação devida (cfr. n.º 1 do artigo 304.º - “tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito»[11].

Ainda de acordo com a mesma autora, «a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados. Não existe, assim uma única causa justificativa. Os principais fundamentos são: i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) a exigência de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a promoção do exercício oportuno dos direitos»[12].

Nos termos do artigo 303.º do Código Civil «o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; este necessita, para ser eficaz, de ser invocada, por aquele a quem aproveita», pelo que quem pretenda dela beneficiar tem de a alegar e provar em juízo.

Tratando de um facto extintivo de direitos, o ónus de alegar e provar os respetivos fundamentos incide sobre o devedor, atento o regime decorrente do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, uma vez que é ao devedor que tal facto aproveita.

Atenta a sua natureza e os efeitos que dela decorrem, a prescrição assume-se como uma exceção peremptória, nos termos do n.º 3 do artigo 576.º do Código de Processo Civil.

Resulta do disposto no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho que «o crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».

Este dispositivo estabelece um prazo específico de prescrição dos créditos emergentes da relação de trabalho, com a duração de um ano, contado do dia seguinte àquele em cessou o contrato de trabalho.

Como prazo de prescrição que é, este prazo está sujeito às vicissitudes estabelecidas nos artigos 318.º e ss.º do Código Civil, e concretamente, ao regime de interrupção estabelecido nos artigos 323.º e seguintes daquele diploma.

De acordo com o disposto no n.º 1 deste artigo, «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente».

Por força do disposto no n.º 2 deste artigo, «se a citação ou a notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».

Decorre, por sua vez do n.º1 do artigo 326.º do código Civil que a «interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (…)».

5 - Tendo a prescrição natureza de exepção e tendo sido invocada pelo Réu no caso dos autos, discute-se se o tribunal, na ausência de resposta do autor à contestação, podia conhecer de facto interruptivo da prescrição, constante de documentação junta ao processo, não impugnada.

A falta de resposta às excepções tem efeito preclusivo sobre os factos invocados pelo Réu como fundamento da excepção, mas não permite que se possam considerar como provados «por falta de impugnação, os factos constitutivos das excepções, já negados na petição inicial»[13].

Pronunciando-se sobre o regime da resposta às exceções na réplica, no anterior Código de Processo Civil, refere LEBRE DE FREITAS que «o autor estava pois sujeito na réplica ao ónus de impugnação dos factos constitutivos das exceções deduzidas pelo réu. Na réplica tinha ainda o autor, com sujeição ao mesmo regime de preclusão a que está sujeito o réu, [n]a contestação, o ónus deduzir  contra-exceções (…) que tivesse a opor à contestação, alegando os factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos alegados pelo réu em sede de exceção» e prossegue referindo que «cabia ao autor invocar os fundamentos jurídicos que tivesse a opor às exceções deduzidas pelo réu, bem como aqueles em que fundasse as contra exceções que deduzisse»[14].

O novo Código de Processo Civil não alterou substancialmente este regime.

Assim, face à invocação de exceções pelo Réu, o autor, para além de responder, hoje, em regra, nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, deve também invocar os fundamentos jurídicos que tivesse a opor às exceções deduzidas pelo réu, mas a falta de resposta não tem efeito preclusivo sobre as considerações de natureza jurídica que os factos invocados como fundamento da exceção possam motivar, quando o tribunal conhece da exceção no plano do concreto processo em que a mesma seja arguida.

A esta luz, invocada a prescrição pelo Réu na contestação deduzida, o tribunal no julgamento da mesma não podia deixar de tomar em consideração quaisquer factos interruptivos que decorressem dos autos e que estejam para além daqueles que foram invocados pelo réu como fundamento da exceção, sobre os quais opere o efeito preclusivo derivado da falta de resposta.

Movendo-se no âmbito do regime decorrente do n.º 2 do artigo 552.º do Código Civil de 1867, referia VAZ SERRA, divergindo de autores italianos que se pronunciavam no sentido de que as causas interruptivas da prescrição não podiam ser conhecidas oficiosamente, afirmando que: «Não parece que deva ser assim. Se o processo fornece ao juiz conhecimento de uma causa interruptiva da prescrição, deve atendê-la, cumprindo-lhe decidir se há prescrição, cumpre-lhe apreciar se esta foi interrompida. A não ser que a falta de invocação, pelo titular do direito, da causa interruptiva, signifique uma renúncia ao seu direito»[15].

Deste modo, fora do circunstancialismo em que a falta de invocação de facto interruptivo da prescrição pelo credor possa ser entendida como uma renúncia à prescrição, nos termos do artigo 302.º do Código Civil, o juiz, quando conhece da prescrição deve tomar em consideração quaisquer factos interruptivos da mesma de que possa conhecer.

Situam-se dentro desta linha de orientação os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de novembro de 2010, proferido no processo n.º 637/09.2T2AVR.C1[16] e os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de fevereiro de 2011, proferido no processo n.º 2196/09.7TJLSB.L1-6[17], e de 4 de outubro de 2011, proferido no processo n.º 320-C/2001.L1-1[18], de que foi extraído sumário, que, entre outros, integra os seguintes pontos:

 «1) De harmonia com o disposto no art.º 303º do CC, o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição, carecendo esta, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.

2) Mas, uma vez chamado a pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência da excepção peremptória da prescrição, por o respectivo beneficiário a ter invocado expressamente (como exige o cit. art. 303º do CC), não pode o tribunal deixar de decidir se ocorre alguma causa de suspensão ou interrupção da mesma, desde que o seu conhecimento não imponha a apreciação de factos carecidos de alegação, por os respectivos elementos constarem do próprio processo.

3) Ou seja, se o próprio processo - constando dele os elementos necessários - fornece ao juiz o conhecimento de uma determinada causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, o tribunal tem de a apreciar oficiosamente.

4) De resto, tal conhecimento oficioso impõe-se, por maioria de razão, quando o credor, confrontado com a invocação da prescrição por parte do devedor, invoca uma causa de suspensão da prescrição mas o tribunal entende que o que ocorreu foi antes foi antes uma causa de interrupção da prescrição.

5) É que, no referido cenário, a mera circunstância de o tribunal qualificar diversamente os factos que tem diante de si não pode ser impedimento ao conhecimento dessa causa interruptiva da prescrição, já que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º do CPC).»

Apresentado pelo Réu em 30 de maio de 2013, o pedido de concessão do apoio judiciário, esse facto terá necessariamente que se ser tomado em consideração na ponderação do prazo de prescrição dos créditos reclamados pelo autor.

Conforme resulta do n.º 4 do artigo 33º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 29 de Julho, (Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais) e sob a epígrafe «Prazo de propositura da acção», «a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono».

Assente que a acção se tem de considerar proposta na data em que é apresentado o requerimento de concessão de apoio judiciário, passa a funcionar a presunção decorrente do artigo n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, nos termos do qual «se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias», ou seja no dia 5 de junho de 2013.

Neste sentido considerou-se no acórdão desta Secção de 17 de abril de 2013, proferido na revista n.º 36/12.9TTPRT.S1[19], que «por outro lado, quando o regime aplicável for o da prescrição, não basta a instauração da acção dentro do prazo, pois o prazo de prescrição só se interrompe com a citação, ou com a notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, conforme estabelece o artigo 323º, nº 1 do Código Civil.

De qualquer forma, o legislador, partindo do pressuposto que, em condições de normalidade, a citação se fará em regra cinco dias depois de ter sido requerida, ficcionou que a prescrição se tem por interrompida decorridos esses cinco dias, conforme resulta do nº 2 do referido artigo 323°do Código Civil».


V

Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar o acórdão recorrido relativamente ao decidido sobre a exceção de prescrição, determinando-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que no julgamento dessa exceção conheça do facto interruptivo do prazo prescricional decorrente da apresentação do pedido de apoio judiciário e, no caso de considerar improcedente aquela exceção, conheça das questões que foram consideradas prejudicadas no acórdão recorrido.

Custas em conformidade com o que vier a ser decidido a final.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 9 de maio de 2018

António Leones Dantas (Relator)

Vieira Gomes

Ribeiro Cardoso

_______________
[1] Redacção resultante da decisão recorrida. A versão inicial era do seguinte teor: «1- Entre Autor e Réu foi celebrado um contrato de trabalho verbal com inicio em meados de agosto de 2008 que perdurou pelo menos até 18 de janeiro de 2013.»
[2] Redacção resultante da decisão recorrida. A versão incial era do seguinte teor: «7- Pelo menos a partir desta data, o A. não prestou mais funções para o R.»
[3] Redacção resultante da decisão recorrida. A versão inicial era do seguinte teor: «8- O A. não gozou férias, nem recebeu subsídio de férias, nem de Natal entre o ano 2008 e até 18 de janeiro de 2013.»
[4] Eliminado pela decisão recorrida.
[5] Redacção resultante da decisão recorrida. A versão inicial era do seguinte teor: «10-Ficou por liquidar ao A. o vencimento correspondente aos 18 primeiros dias de janeiro de 2013.»
[6] Aditado pela decisão recorrida.
[7] Aditado pela decisão recorrida.
[8] Aditado pela decisão recorrida.
[9] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, Almedina, p. 232.
[10] Ibidem.
[11] Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2014, p.p. 24 e 25.
[12] Obra citada, p.p. 29 e 30.
[13] LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, 2018, p. 605.
[14] A Ação Declarativa Comum, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 136.
[15] Prescrição Extintiva e Caducidade, 1961, p. 390, nota 850.
[16] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[17] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[18] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[19] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.