Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1833/17.4T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: VALOR DA CAUSA
COLIGAÇÃO ATIVA
Data do Acordão: 01/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

I- As retribuições vincendas pedidas numa ação de impugnação de despedimento não tem qualquer influência na fixação do valor da causa que deve ser determinado atendendo aos interesses já vencidos no momento em que a ação é proposta;

II- Numa situação de coligação ativa de Autores, ainda que a mesma possa decorrer de decisão de apensação de ações individualmente interpostas, as mesmas conservam a sua individualidade face aos pedidos suportados em causas de pedir que, por cada um daqueles, tenham sido formulados nas respetivas ações, pelo que o valor da causa a atender para efeitos de alçada é o de cada uma das ações coligadas e não o correspondente à soma do valor de todas elas;

III- A norma  constante do art.º 629.º n.º 1 do CPC, que limita o direito ao recurso em função do valor da causa não enferma de inconstitucionalidade.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1833/17.4T8LRA.C1.S1

Relator: José Feteira

1º Adjunto: Cons. Leonor Rodrigues

2º Adjunto: Cons. Júlio Gomes

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I
1. Os Recorrentes AA e BB, por um lado, e CC, DD, EE e FF, por outro, notificados que foram da decisão singular proferida pelo relator em 03 de novembro de 2020 que não admitiu os recursos de revista que haviam interposto sobre o acórdão proferido em 26 de junho de 2020 pelo Tribunal da Relação …., com ela não se conformando vieram deduzir reclamação para a conferência nos termos dos artigos 652.º n.º 3 do CPC e que é aqui aplicável por força do art. 1º n.º 2 al. a) do CPT.

2. Alegam os primeiros Recorrentes que:

1. Está em causa a decisão singular nos termos da qual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 652.º, n.º 1 al. b) e 629.º n.º 1, ambas do Código de Processo Civil, decidiu-se não admitir os recursos de revista interpostos pelos Recorrentes.

2. Não está aqui em causa a inadmissibilidade do recurso em razão da aplicação do princípio da “dupla conforme” (artigo 671.º, n.º 3 do CPC), nos termos do artigo 629.º, n.º 1, do CPC, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade dessa alçada, atendendo-se em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

3. Nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da LOFTJ, o valor da alçada da Relação é de 30.000,00€ pelo que, atento o acima exposto, cabe recurso das decisões desta, quando a causa tenha valor superior a 30.000,00€ e seja desfavorável ao recorrente em valor superior a 15.000,00€. Ora,

4. A sentença de primeira instância, fixou em 97.454,09€ o valor da causa. Acresce que,

5. O Recorrente BB, havia visto a Recorrida condenada a: a) reintegrá-lo no seu posto de trabalho; b) no pagamento das retribuições intercalares, no montante mensal de 1373,14€ desde 14 de Março de 2017 até trânsito em julgado, acrescido de juros.

6. Sem prejuízo de o pedido referido na alínea a) – de reintegração no posto de trabalho - ter um valor próprio, só o valor da quantia referida na alínea b) é, nesta data, de 67.298,78€ sem juros.

7. A Recorrente         AA, havia visto a Recorrida condenada a: a) reintegrá-la no seu posto de trabalho; b) no pagamento das retribuições intercalares, no montante mensal de 683,13€ desde 14 de Março de 2017 até trânsito em julgado, acrescido de juros.

8. Sem prejuízo de o pedido referido na alínea a) – de reintegração no posto de trabalho - ter um valor próprio, só o valor da quantia referida na alínea b) é, nesta data, de 33.473,37€ sem juros.

9. Em qualquer das situações referidas nos artigos 5.º a 8.º deste requerimento, só o valor das retribuições intercalares é largamente superior ao valor da alçada do Tribunal da Relação. Assim,

10. Salvo o devido respeito, julgam os requerentes que não existe fundamento legal, para, em razão do valor, não ser admitido o recurso.

11. Assim não entendeu o Exmo. Relator, que aplicou ao caso o disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC, “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal».

12. E, assim, considerou que o valor dos pedidos formulados por cada um dos agora Requerentes era de € 2.459,15 (AA) e € 19.044,09 (BB). Todavia,

13. O n.º 4 do mesmo artigo 299.º dispõe que “nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários”. Ora,

14. A utilidade económica do pedido é expressa em dinheiro.

     “Quando o pedido tenha por objecto uma quantia pecuniária líquida (“quantia certa em dinheiro”), a determinação está in re ipsa, constituindo essa quantia a utilidade tida em vista pelo autor ou reconvinte, independentemente de ser pedida a condenação no seu pagamento, a simples apreciação da existência do direito a essa quantia ou a sua realização em acção executiva; nos outros casos, há que encontrar o equivalente pecuniário correspondente à utilidade (“benefício”) visada (art.º 306-1). As disposições sobre o valor da causa que consagram critérios especiais (arts. 307, 308-31, 309 a 313) representam a concretização e a adaptação deste critério geral, em função da modalidade do pedido formulado” (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, 1999, pag. 543).

15. Daqui resulta que a regra que limita o recurso em função do valor, vertida no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, tem de ser conjugada com a regra do artigo 299.º, n.º 4 do mesmo diploma legal.

16. Tal conjugação postula que, para efeitos de recurso, deve atender-se ao valor que a causa tenha, tendo em atenção a utilidade económica que revela no momento em que o recurso é interposto.

17. O que, in casu, determina que o Tribunal deva julgar o mérito do recurso.

3. Concluem, por sua vez, os demais Recorrentes que:

1.  O tribunal de 1.ª instância ordenou a apensação de todas as ações ao abrigo do disposto no art.º 31.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.

2.  Pelo que a apensação das ações, a consequente coligação de Autores e os eventuais efeitos que tal acarreta em termos de valor da causa, não foi uma opção daqueles, muito pelo contrário.

3.  Não obstante a apensação das ações, certo é que o Tribunal entendeu fixar um único valor para todas elas e não um valor para cada um dos Autores, que na douta sentença foi fixado em € 97.454,09.

4.  O valor de € 97.454,09 é o valor da causa a atender, quer para efeitos da alçada do tribunal, quer para efeitos de custas judiciais, até porque, as taxas de justiça destes autos, nomeadamente as inerentes aos recursos interpostos, foram apuradas e pagas tendo como base o valor da ação de € 97.454,09.

5.  Nestes autos, os pedidos principais dos Autores são a reintegração e, consequentemente, o pagamento das 11 retribuições vincendas. Pelo que tem plena aplicabilidade o disposto no n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Civil.

6.  O pedido de cada um dos Autores individualmente considerado - “esquecendo”, assim, que à causa foi fixado o valor de € 97.454,09 - excede manifestamente a alçada do tribunal da Relação (€ 30.000,00).

7.  A Autora CC, auferia um salário de €1.150,00,pelo que desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, à quantia de € 101.200,00.

8.  A Autora DD auferia um salário de €1.150,00, pelo que desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, a € 101.200,00;

9.  A Autora EE auferia um salário de € 995,00, pelo que desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, a € 87.560,00;

10. O Autor FF auferia um salário de € 600,75, pelo que desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, a € 52.866,00.

11. Em caso de dúvidas quanto ao valor da sucumbência, porque é determinado de forma distinta consoante o recurso incida sobre um interesse subjetivamente divisível e a coligação seja simples ou recaia sobre um interesse comum.

12. De todo o modo, sempre se dirá que a decisão impugnada é desfavorável aos recorrentes em valor muito superior a metade da alçada desse tribunal (€ 15.000,00), como se passa a demonstrar;

13. Como resulta dos valores acima apresentados, a decisão impugnada é desfavorável aos Recorrentes nos seguintes valores: CC: € 101.200,00; DD: € 101.200,00; EE: € 87.560,00; FF: € 52.866,00.

14. Pelo que é mais que manifesta a admissão do recurso ao abrigo do disposto no artigo 629.º do Código de Processo Civil.

15. Caso o recurso não seja admitido - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite – sempre se dirá que a decisão da sua rejeição é inconstitucional.

16. O que se torna particularmente mais grave quando a apensação das ações e, por conseguinte, a coligação, foi imposta aos Autores, já que estes tinham optado por instaurar ações individualizadas.

17. A manter-se a decisão de rejeição do recurso, a mesma viola os artigos 20.º, n.º 2 e 18.º, ambos da Constituição, bem como o princípio da igualdade.

18. Ao estipular que o valor da utilidade económica do pedido condiciona a competência do tribunal, a forma do processo e a relação da causa com a alçada do Tribunal o legislador está a estabelecer um critério objetivo e proporcionalmente justo de limitação do direito de recorrer, em atenção ao benefício económico esperado pelo autor e ao sacrifício financeiro que é imposto ao réu.

19. No foro laboral é útil notar que o legislador alarga, no artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho, a possibilidade de recurso a outros casos, para além dos anunciados no artigo 629.º do Código de Processo Civil, em que é sempre possível o recurso "independentemente do valor da causa e da sucumbência". Designadamente, o recurso é sempre admissível nas causas em que se discute o despedimento do trabalhador por iniciativa do empregador.

20. Isto acontece certamente em consideração da repercussão que estas decisões geralmente comportam no âmbito das relações laborais. E, nesse foro, justamente em virtude da particular configuração das relações jurídicas que se estabelecem, e nomeadamente em resultado do número de pessoas jurídicas que figuram em cada lado dessa relação jurídica, é bem mais efetiva a possibilidade de ocorrência de uma situação que propicie a coligação de autores, em número variável, mas que pode atingir, não obstante o baixo montante de cada um, um valor global perante o qual é impensável - por força do artigo 2.º da Constituição - negar o direito de recurso.

21. A norma do n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de que no foro laboral, em caso de coligação, o valor da ação deve ser considerado autonomamente para cada um dos pedidos cumulados, é inconstitucional por violação dos princípios do Estado de direito democrático e da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da Constituição.

4. Respondeu a Recorrida para concluir que as reclamações apresentadas devem improceder, mantendo-se a decisão reclamada, e, por isso, a decisão de não admitir os recursos de revista interpostos.

5. O despacho reclamado tem o seguinte teor:

« I

1. CC, AA, FF, DD, BB e EE – entre outros que, na pendência do processo, ou desistiram dos respetivos pedidos (o que se  verificou com GG e HH) ou transigiram (o que se verificou com II, JJ, KK, LL e MM) –, todos eles melhor identificados nos autos, intentaram a presente ação de impugnação de despedimento coletivo contra Nazaré Qualifica, Empresa Municipal - Unipessoal, Lda., também ela melhor identificada nos autos, pedindo que: i) se declare o despedimento dos Autores nulo e improcedentes os fundamentos invocados para o mesmo e, em consequência, seja declarado ilícito o despedimento coletivo dos Autores operado pela Ré; ii) a Ré seja condenada a reintegrar os Autores sem prejuízo da categoria e antiguidade, a pagar as remunerações e subsídios que os Autores deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão a proferir, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data do seu vencimento até efetivo e integral pagamento, a pagar o montante de € 5.000 a cada um dos Autores por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, a pagar as retribuições e subsídios vencidos e vincendos, bem como a suportar as custas e procuradoria condigna.

Subsidiariamente, e para a eventualidade de a ação improceder e de o despedimento ser considerado lícito, pedem a condenação da Ré a pagar a cada um dos Autores a indemnização que cada um se recusou a receber, a saber:

- à autora CC, a quantia de € 3.819,61.

- ao autor BB, a quantia de € 4.943,07.

- à autora AA, a quantia de € 2.459,15.

- ao autor FF, a quantia de € 2.156,67.

- à autora DD, a quantia de € 3.819,61.

- à autora EE, a quantia de € 3.304,85.

2. A Ré apresentou contestação, pugnando, a final, pela improcedência da ação e pela sua absolvição de todos os pedidos.

3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que integrou o seguinte dispositivo:

«Pelos fundamentos expostos e de acordo com as normas legais citadas decide-se:

I. Declarar verificada a exceção dilatória da cumulação ilegal dos pedidos formulados pelos Autores consistentes:

a) na pretensão da Autora CC de condenação da Ré Nazaré Qualifica, Empresa Municipal - Unipessoal, Lda. «no pagamento à Autora da quantia de € 2.997,52 correspondente a subsídios de almoço devidos desde 30.06.2014 a 20.10.2016 e a quantia de € 431,25 correspondente a 6/10 de subsídio de férias de 2016, a tudo devendo acrescer juros de mora desde os respetivos vencimentos até integral pagamento»;

b) na pretensão da Autora AA de condenação da Ré Nazaré Qualifica, Empresa Municipal - Unipessoal, Lda. «no pagamento à Autora da quantia de € 5.804,30 correspondente a subsídios de almoço devidos desde 24.02.2014 a 20.10.2016, as quantias de € 582,54, € 674,52 e € 582,54 devidas por férias não gozadas nos anos de 2014, 2015 e 2016 e ainda os proporcionais do subsídio de férias referente ao ano de 2016, no valor de 512,35 e de férias não gozadas em 2014 no valor de € 91,98, a tudo acrescendo juros de mora desde os respetivos vencimentos até integral pagamento»;

c) na pretensão do Autor FF de condenação da Ré Nazaré Qualifica, Empresa Municipal - Unipessoal, Lda.. «no pagamento da quantia de € 13.324,67 correspondente aos subsídios de almoço devidos desde 01.03.2014 a 20.10.2016 no valor de € 909,51 (ano de 2014), € 1071,77 (ano de 2015) e € 849,73 (ano de 2016) e as quantias de € 491,52, € 600,75 e € 600,75 devidas por férias não gozadas nos anos de 2014, 2015 e 2016 e ainda as quantias de 6.150,40 referente ao prémio de produtividade e a quantia de € 2.650,24 a título de abo para falhas, a tudo acrescendo juros de mora desde os respetivos vencimentos até integral pagamento»;

d) na pretensão do Autor BB de condenação da Ré Nazaré Qualifica, Empresa Municipal - Unipessoal, Lda. «no pagamento da quantia de € 6.734,38 correspondente a subsídios de almoço devidos desde 25.02.2014 a 20.10.2016 e a quantia de € 1373,14, € 1373,14 e € 1144,28 por férias não gozadas nos anos 2014, 2015 e 2016, respetivamente, a tudo devendo acrescer juros de mora desde os respetivos vencimentos até integral pagamento»;

e) na pretensão da Autora DD de condenação da Ré Nazaré Qualifica, Empresa Municipal - Unipessoal, Lda. «no pagamento à Autora dos subsídios de almoço devidos desde 07.07.2014 a 20.10.2016 no valor de € 533,75 (ano de 2014), € 1071,77 (ano de 2015) e € 849,73 (ano de 2016), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde os respetivos vencimentos até integral pagamento, bem como dos créditos pela cessação ilícita do contrato em 2014, sendo credora da diferença entre as quantias auferidas a título de subsídio de desemprego e as da sua retribuição mensal, totalizando o montante de € 3.957,94, a que acrescem juros de mora desde os respetivos vencimentos até integral pagamento»;

f) na pretensão da Autora EE de condenação da Ré Nazaré Qualifica, Empresa Municipal - Unipessoal, Lda. «no pagamento à Autora dos subsídios de almoço devidos desde 01.07.2014 a 20.10.2016 no valor de € 550,83 (ano de 2014), € 1071,77 (ano de 2015) e € 849,73 (ano de 2016) e as quantias de € 710,71, € 995,00 e € 995,00 devidas por férias não gozadas nos anos de 2014, 2015 e 2016 e ainda metade do subsídio de férias de 2013no valor de € 497,50 e o subsídio de férias de 2014 no valor de € 995,00, a tudo acrescendo juros de mora desde os respetivos vencimentos até integral pagamento».

II. Julgar parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:

a) Declarar ilícito o despedimento dos Autores CC, AA, FF, BB, DD e EE, efetuado pela Ré Nazaré Qualifica, Empresa Municipal - Unipessoal, Lda.

b) Condenar a Ré a reintegrar, no seu posto de trabalho, os Autores, sem prejuízo da respetiva categoria e antiguidade;

c) Condenar a Ré a pagar à Autora CC, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 1.150,00 (mil cento e cinquenta euros), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da acção), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respetivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pela Autora e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego atribuído à Autora, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

d) Condenar a Ré a pagar à Autora AA, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 683,13 (seiscentos e oitenta e três euros e treze cêntimos), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da ação), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respetivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pela Autora e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído à Autora, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

e) Condenar a Ré a pagar ao Autor FF, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 600,75 (seiscentos euros e setenta e cinco cêntimos), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da ação), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respetivo vencimento desta sentença, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pelo Autor e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego atribuído ao Autor, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

f) Condenar a Ré a pagar ao Autor BB, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 1373,14 (mil trezentos e setenta e três euros e catorze cêntimos), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da ação), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respetivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pelo Autor e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego atribuído ao Autor, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

g) Condenar a Ré a pagar à Autora DD, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 1150,00 (mil cento e cinquenta euros), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da ação), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respetivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pela Autora e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído à Autora, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

h) Condenar a Ré a pagar à Autora EE, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 995,00 (novecentos e noventa e cinco euros), desde 14-03-2017 (30.º dia antes da propositura da ação), até ao trânsito em julgado desta sentença, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, a contar do respetivo vencimento, deduzida dos montantes eventualmente auferidos pela Autora e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído à Autora, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social;

i) Absolver a Ré do demais peticionado pelos Autores.»

4. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação …… julgou procedente mediante acórdão proferido em 26 de junho de 2020, que integrou o seguinte dispositivo:

«Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação ….. no sentido julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que a mesma foi impugnada e absolvendo-se a ré das condenações que aí lhe foram impostas; tudo sem prejuízo da ré estar obrigada a pagar aos autores as indemnizações que lhes ofereceu e que estes recusaram pelo despedimento coletivo.».

5. Inconformados com este acórdão, são agora os Autores que recorrem de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as correspondentes alegações e conclusões.

6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, por despacho do relator datado de 18 de setembro de 2020, foi determinada a audição das partes, nos termos do artigo 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, para se pronunciarem, querendo, relativamente à questão prévia da admissibilidade do recurso em razão do valor da causa.

7. Pronunciaram-se os Recorrentes BB e AA  afirmando aquele, em síntese, que, tendo a Recorrida sido condenada a: a) reintegrá-lo no seu posto de trabalho; b) no pagamento das retribuições intercalares, no montante mensal de 1.373,14€ desde 14 de Março de 2017 até trânsito em julgado, acrescido de juros, sem prejuízo de o pedido referido na alínea a) de reintegração no posto de trabalho ter um valor próprio, só o valor da quantia referida na alínea b) é, nesta data, de 67.298,78€ sem juros, afirmando, por seu turno e em síntese, a AA que, tendo a Recorrida sido condenada a: a) reintegrá-la no seu posto de trabalho; b) no pagamento das retribuições intercalares, no montante mensal de 683,13€ desde 14 de Março de 2017 até trânsito em julgado, acrescido de juros, sem prejuízo de o pedido referido na alínea a) de reintegração no posto de trabalho ter um valor próprio, só o valor da quantia referida na alínea b) é, nesta data, de 33.473,37€ sem juros, valores, aquele e este, superiores aos da alçada do Tribunal da Relação não existindo, em seu entender, fundamento legal, para, em razão do valor, não ser admitido o recurso.

8. Também se pronunciaram os Recorrentes CC, DD, EE e FF, afirmando, em síntese que, não obstante a apensação das ações, certo é que o Tribunal entendeu fixar um único valor para todas elas e não um valor para cada um dos Autores, tendo a sentença proferida em primeira instância fixado como valor da causa € 97.454,09, valor a atender para efeitos da alçada do tribunal.

Referem ainda que, nestes autos, os pedidos principais dos Autores são a reintegração e, consequentemente, o pagamento das retribuições vincendas, pelo que tem plena aplicabilidade o disposto no n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Civil, sendo que:

- A Recorrente CC, auferindo um salário de € 1.150,00, desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, à quantia de € 101.200,00;

- A Recorrente DD, auferindo um salário de € 1.150,00, desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, a € 101.200,00;

- A Recorrente EE, auferindo um salário de € 995,00, desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, a € 87.560,00;

- O Recorrente FF, auferindo um salário de € 600,75, desde o despedimento (30 de junho de 2014) até à data, tem direito, a € 52.866,00.

É, portanto, manifesto que o pedido de cada um individualmente considerado e “esquecendo” que à causa foi fixado o valor de € 97.454,09, excede manifestamente a alçada do Tribunal da Relação.

Referem ainda que, no caso em apreço, considerando que se está perante retribuições intercalares e que está em causa a reintegração dos trabalhadores, ou seja, o seu posto de trabalho, consideram que apenas se deve atender ao valor da causa fixado em sentença em € 97.454,09, sendo que a decisão impugnada é desfavorável aos Recorrentes em valor muito superior a metade da alçada daquele Tribunal (€ 15.000,00), razão pela qual se verifica também o requisito da sucumbência previsto no n.º 1 do art. 629º do CPC.

Em seu entender, é manifesta a admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto neste preceito legal.

Alegam ainda que, caso o recurso não seja admitido, a decisão da sua rejeição será inconstitucional, porquanto a norma do n.º 1 do artigo 629.º do CPC quando interpretada no sentido de que no foro laboral, em caso de coligação, o valor da ação deve ser considerado autonomamente para cada um dos pedidos cumulados, é inconstitucional por violação dos princípios do Estado de direito democrático e da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da Constituição.

9. Por sua vez, também se pronunciou a Recorrida, afirmando, em síntese, que a apensação das diversas ações não afeta a autonomia de qualquer uma delas, entendendo, por isso, que, por manterem autonomia, o valor a considerar para efeitos de recurso é o de cada uma das ações, sendo esse também o entendimento que tem sido seguido pelo STJ.

No momento da propositura das ações cada um dos Recorrentes atribuiu os seguintes valores à respetiva ação:

a) CC…………….14.607,35€

b) AA……………..8.636,78€

c) FF……………..21.528,67€

d) BB.....................19.044,09€

e) DD ………..….17.163,19€

f) EE …….….......16.962,05€

Considerando que o valor atribuído a cada uma das ações é inferior ao da alçada da Relação, tem de se aplicar a regra estabelecida no art. 629º do CPC, não sendo admissíveis os recursos apresentados por cada um dos Recorrentes.

II

Estamos, nestes autos, perante uma situação de coligação voluntária ativa de 6 (seis) Autores [inicialmente eram 13 (treze)], pelo que o valor da causa a atender para efeitos de alçada é o de cada uma das ações coligadas e não a soma do valor de todas elas.

Este Supremo Tribunal tem, aliás, vindo a afirmar, de uma forma uniforme, que, traduzindo-se a coligação voluntária ativa na cumulação de várias ações conexas que não perdem a respetiva individualidade, para aferição dos requisitos de recorribilidade há que atender ao valor de cada um dos pedidos e não à sua soma. Veja-se, por todos, o acórdão proferido em 01 de setembro de 2016 no processo n.º 2653/13.0TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.

Outrossim, tal como é referido pela doutrina, «a coligação traduz-se praticamente na cumulação de várias ações conexas» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1.º vol., p. 99), «visto que os autores se juntam, não para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada» (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º vol., p. 146) e, assim, «na coligação à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações materiais litigadas» (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1985, p. 161).

Deste modo, há de ser em função do valor de cada uma das ações cumuladas que deverá ser decidida a admissibilidade do recurso interposto relativamente à correspondente matéria, sendo de referir ainda que, como também já decidiu este Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 22 de junho de 2017, proferido no processo n.º 602/12.2TTLMG.C1.S1 e igualmente acessível em www.dgsi.pt, «as retribuições vincendas pedidas numa ação de impugnação de despedimento não tem qualquer influência na fixação do valor da causa que deve ser determinado atendendo aos interesses já vencidos no momento em que a ação é proposta».

Ora, tendo presentes estas considerações e reportando-nos à situação dos autos, verifica-se que a sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância, fixou, efetivamente, à causa o valor de € 97.454,09.

No entanto, correspondendo o valor da ação (para efeitos de determinação da alçada do tribunal) “à utilidade económica imediata do pedido” (art.º 296º, nºs 1 e 2 do CPC) e sabendo-se que, de acordo com o disposto no art. 299º do mesmo diploma, «na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal», verifica-se que o valor dos pedidos formulados por cada um dos Autores, individualmente considerados, é inferior a € 30.000,00.

Na verdade, verifica-se que:

- Na ação em que é Autora CC foi indicado na petição inicial o valor de € 14.119,31;

- Na ação em que é Autora AA foi indicado na petição inicial o valor de € 2.459,15;

- Na ação em que é Autor FF foi indicado na petição inicial o valor de € 21.528,67;

- Na ação, em que é Autora DD foi indicado na petição inicial o valor de € 17.163,19;

- Na ação em que é Autor BB foi indicado na petição inicial o valor de € 19.044,09;

- Na ação em que é Autora EE foi indicado na petição inicial o valor de € 16.962,05.

Ora, como se afirma no acórdão desta Secção de 02 de fevereiro de 2005, proferido no processo 04S4563 e, também ele, acessível em www.dgsi.pt, no caso de coligação ativa voluntária, a cumulação «(…) não determina a perda da individualidade de cada uma das respetivas ações, não obstante se encontrarem inseridas no mesmo processo», pelo que, «os recursos das decisões (ou da decisão final) só serão admissíveis se e na medida em que os mesmos fossem admissíveis se processados em separado». É que, tal como também se afirma no já citado acórdão proferido em 01 de setembro de 2016 no processo n.º 2653/13.0TTLSB.L1.S1, «se se devesse atender à soma dos pedidos para efeitos de admissibilidade do recurso, estaria encontrada a forma de aceder sempre ao Supremo Tribunal de Justiça, mesmo quando o valor dos pedidos, se formulados em ações separadas, o não permitisse. Bastaria os autores coligarem-se e intentarem apenas uma ação».

O valor da alçada do Tribunal da Relação está fixado em € 30.000,00 de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 44.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.

Nos termos do n.º 1 do art.º 629.º do Código de Processo Civil: «o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa».

De acordo com o estipulado neste último preceito, basta que se não verifique qualquer um dos pressupostos de natureza cumulativa aí previstos para que o recurso não seja admissível.

Já o n.º 2 do mesmo normativo legal prevê as situações em que é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, situações que, todavia, no caso em apreço, se não verificam.

Deste modo e pelas razões expostas, os recursos de revista interpostos pelos Recorrentes são legalmente inadmissíveis, uma vez que o valor de cada uma das ações coligadas não é superior ao valor da alçada do Tribunal de que se recorre, e porque, por outro lado, não têm por fundamento qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

Em face desta conclusão, importa referir que, contrariamente ao defendido por uma parte dos Recorrentes, não se mostra inconstitucional a decisão de rejeição do recurso de revista com fundamento na não verificação de um dos pressupostos de admissibilidade de recurso previstos no n.º 1 do art. 629º do CPC, mais concretamente o que decorre da circunstância de o valor de cada uma das ações coligadas não ser superior ao da alçada do Tribunal de que se recorre.

Na verdade, como se referiu, entre diversos outros, no já mencionado acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01 de setembro de 2016, proferido no processo n.º 2653/13.0TTLSB.L1.S1, «[a]o abrigo do contraditório invoca a recorrente que o entendimento em causa fere os princípios do Estado de direito democrático e da igualdade consagrados nos artigos 2º e 13º da CRP.

(…)

Sobre a questão do direito constitucional ao recurso (que se nos afigura ser o que estará em causa na tese da recorrente), pode ler-se no acórdão nº 106/2006, de 7.02.2006 do Tribunal Constitucional, processo 213/05:

«Como se referiu, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 638/98, 202/99 e 415/2001 (cf., por último, para uma completa e actualizada exposição da doutrina e jurisprudência constitucionais sobre o direito de acesso aos tribunais e, em especial, o direito de recurso, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, notas VII e XII ao artigo 20.º, pp. 186‑189 e 200‑203), o direito, que o artigo 20.º, n.º 1, da CRP, a todos assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Mas a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a revisão constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º.

Para além disso, algumas opiniões têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (cf. declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente, nos Acórdãos n.ºs 65/88 e 202/90).

Em relação aos restantes casos, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com Armindo Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, 1994, pp. 100‑104), que, prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais, admite implicitamente um sistema de recursos judiciais, pelo que se impõe, como conclusão, que “o legislador ordinário não pode suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos”, mas goza, neste domínio, de ampla liberdade de conformação, desde que não vá até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos. “Respeitados estes limites – conclui o autor citado (obra citada, p. 102) –, o legislador ordinário poderá ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização do valor das alçadas”».

Deste modo e na linha de jurisprudência já firmada, conclui-se que o direito ao recurso, nomeadamente o de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pode ser limitado pelo legislador ordinário e que a norma  constante do art.º 629.º n.º 1 do CPC, que limita o direito ao recurso em função do valor da causa não enferma de inconstitucionalidade. Vejam-se neste mesmo sentido os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2016 e de 15 de janeiro de 2020, proferidos, respetivamente, nos processos números 122702/13.5YIPRT.P1.S1 e 1369/15.8T8BCL.G1.A.S1

III

Em face do exposto e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 652.º, n.º1 al. b) e 629.º n.º 1, ambas do Código de Processo Civil, decide-se não admitir os recursos de revista interpostos pelos Recorrentes.

Custas a cargo dos Recorrentes.».

II

Cumpre decidir.

Insurgem-se os ora Reclamantes contra o despacho acabado de reproduzir, alegando e concluindo, no essencial, que o mesmo não pode prevalecer, porquanto:

- Foi o Tribunal da 1ª instância que determinou a apensação de todas as ações, pelo que a coligação dos Autores não foi uma opção destes.

- Acresce que no despacho reclamado desconsiderou-se a circunstância de ter sido fixado à presente causa, na sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância, o valor de € 97.454,09, valor a que se deve atender para efeitos de alçada, e, por outro lado, não se considerou que a Ré/Recorrida foi condenada na reintegração de cada um dos Recorrentes e ora Reclamantes no seu posto de trabalho, o que, em si, tem um valor próprio, bem como no pagamento das retribuições intercalares vencidas desde a data do despedimento e que comportam valores bem superiores ao da alçada do Tribunal da Relação, sendo que em termos de sucumbência e face ao acórdão recorrido o valor da mesma, também ultrapassa o de metade dessa alçada.

Alguns Reclamantes alegam e concluem ainda que a regra do n.º 1 do art. 629º do CPC, que limita o recurso em função do valor da causa, tem de ser conjugada com a do n.º 4 do art. 299º do mesmo diploma legal, sendo que tal conjugação postula que, para efeitos de recurso, deve atender-se ao valor que a causa tenha, em atenção a utilidade económica que releva no momento em que o recurso é interposto.

Os demais Reclamantes alegam e concluem, por outro lado, que o art. 79º do CPT alarga a possibilidade de recurso a casos como aqueles em que se discute o despedimento do trabalhador por iniciativa do empregador e, por outro lado, que, caso o recurso não seja admitido, essa decisão padece de inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 2º, 13º e 20º, todos da CRP.  

Concluem, por isso, que devem ser admitidos os recursos de revista interpostos sobre o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação …….

Vejamos!

Nos presentes autos, encontramo-nos  perante uma situação de coligação ativa de 6 (seis) Autores [inicialmente eram 13 (treze)], sendo que, muito embora essa situação possa decorrer de decisão de apensação de ações individualmente interpostas por cada um daqueles, ainda assim as mesmas conservam a sua individualidade face aos pedidos suportados em causas de pedir que, por cada um daqueles, foram formulados nas respetivas ações, pelo que o valor da causa a atender para efeitos de alçada é o de cada uma das ações coligadas e não o correspondente à soma do valor de todas elas.

Na verdade, como se refere no despacho reclamado, este Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a afirmar, de uma forma uniforme, que, traduzindo-se a coligação ativa na cumulação de várias ações conexas que não perdem a respetiva individualidade, para a aferição dos requisitos de recorribilidade há que atender ao valor de cada um dos pedidos e não à sua soma. Veja-se, por todos, o acórdão proferido em 01 de setembro de 2016 no processo n.º 2653/13.0TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.

Deste modo, há de ser efetivamente em função do valor de cada uma das ações cumuladas que deverá ser decidida a admissibilidade do recurso interposto relativamente à correspondente matéria, sendo de referir ainda que, como também já decidiu este Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 22 de junho de 2017, proferido no processo n.º 602/12.2TTLMG.C1.S1 e igualmente acessível em www.dgsi.pt, «as retribuições vincendas pedidas numa ação de impugnação de despedimento não tem qualquer influência na fixação do valor da causa que deve ser determinado atendendo aos interesses já vencidos no momento em que a ação é proposta» (realce nosso), razão pela qual não faz sentido a invocação pelos Recorrentes e ora Reclamantes, quer do disposto no n.º 4 do art. 299º, até por que, no presente caso, se não está no âmbito de qualquer processo de liquidação ou análogo, quer do disposto no n.º 1 do art. 300º, ambos do CPC.

Acresce referir que, embora no corpo do art. 79º do CPT se preveja a admissibilidade de recurso em determinado tido de ações – mormente aquelas em que esteja em causa o despedimento de trabalhador promovido pelo seu empregador – independentemente do valor da causa ou da sucumbência, essa admissibilidade de recurso é apenas para o Tribunal da Relação, como claramente se refere na parte final do corpo desse preceito, sendo que, como flui do disposto no n.º 6 do art. 81º do mesmo diploma, à interposição do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil, desde logo o disposto no seu art. 629º.

Ora, muito embora o Tribunal da 1ª instância, na sentença que proferiu, tenha fixado o valor da causa em € 97.454,09, a verdade é que, correspondendo o valor da ação (para efeitos de determinação da alçada do tribunal) “à utilidade económica imediata do pedido” (art.º 296º, nºs 1 e 2 do CPC) e sabendo-se que, de acordo com o disposto no art. 299º deste diploma, «[n]a determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal», verifica-se que, tal como se referiu no despacho reclamado, o valor dos pedidos formulados por cada um dos Autores/Recorrentes, individualmente considerados, é inferior ao da alçada do Tribunal da Relação e que, de acordo com o n.º 1 do art. 44º da Lei da Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto, é de  € 30.000,00.

Na verdade, na ação interposta pela Autora CC esta indicou na petição inicial e como valor da causa o de € 14.119,31; na ação interposta pela Autora AA esta indicou na petição inicial e como valor da causa o de € 2.459,15; na ação interposta pelo Autor FF este indicou na petição inicial e como valor da causa o de € 21.528,67; na ação interposta pela Autora DD esta indicou na petição inicial e como valor da causa o de € 17.163,19; na ação interposta pelo Autor BB este indicou na petição inicial e como valor da causa o de € 19.044,09 e na ação interposta pela Autora EE esta indicou na petição inicial e como valor da causa o de € 16.962,05.

Não se verifica, portanto e desde logo, um dos pressupostos cumulativos para a admissibilidade dos recursos ordinários, mormente o recurso de revista, previstos no n.º 1 do art. 629º do CPC, sendo certo que não está em causa qualquer das situações previstas no n.º 2 deste mesmo preceito legal.

Relativamente à invocada inconstitucionalidade a mesma também não ocorre no caso vertente. Com efeito, acolhe-se aqui o que, a dado passo, se escreveu no despacho reclamado, ao afirmar-se que, «… como se referiu, entre diversos outros, no já mencionado acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01 de setembro de 2016, proferido no processo n.º 2653/13.0TTLSB.L1.S1, «ao abrigo do contraditório invoca a recorrente que o entendimento em causa fere os princípios do Estado de direito democrático e da igualdade consagrados nos artigos 2º e 13º da CRP.

(…)

Sobre a questão do direito constitucional ao recurso (que se nos afigura ser o que estará em causa na tese da recorrente), pode ler-se no acórdão nº 106/2006, de 7.02.2006 do Tribunal Constitucional, processo 213/05:

«Como se referiu, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 638/98, 202/99 e 415/2001 (cf., por último, para uma completa e actualizada exposição da doutrina e jurisprudência constitucionais sobre o direito de acesso aos tribunais e, em especial, o direito de recurso, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, notas VII e XII ao artigo 20.º, pp. 186‑189 e 200‑203), o direito, que o artigo 20.º, n.º 1, da CRP, a todos assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Mas a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a revisão constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º.

Para além disso, algumas opiniões têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (cf. declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente, nos Acórdãos n.ºs 65/88 e 202/90).

Em relação aos restantes casos, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com Armindo Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, 1994, pp. 100‑104), que, prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais, admite implicitamente um sistema de recursos judiciais, pelo que se impõe, como conclusão, que “o legislador ordinário não pode suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos”, mas goza, neste domínio, de ampla liberdade de conformação, desde que não vá até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos. “Respeitados estes limites – conclui o autor citado (obra citada, p. 102) –, o legislador ordinário poderá ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização do valor das alçadas”».

Deste modo e na linha de jurisprudência já firmada, conclui-se que o direito ao recurso, nomeadamente o de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pode ser limitado pelo legislador ordinário e que a norma  constante do art.º 629.º n.º 1 do CPC, que limita o direito ao recurso em função do valor da causa não enferma de inconstitucionalidade. Vejam-se neste mesmo sentido os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2016 e de 15 de janeiro de 2020, proferidos, respetivamente, nos processos números 122702/13.5YIPRT.P1.S1 e 1369/15.8T8BCL.G1.A.S1».

Face ao que se afirma neste excerto, também se não pode, de forma alguma, concluir que a limitação do direito de recurso decorrente da não verificação de qualquer dos pressupostos previstos no art. 629º n.º 1 do CPC constitua violação do acesso ao direito e à tutela jurisdicional previstos no art. 20º da CRP.

Não merece, pois, censura o despacho reclamado que aqui se mantém nos seus precisos termos.

III

Decisão

Nestes termos, acorda-se em indeferir as deduzidas reclamações, mantendo-se o despacho reclamado nos seus precisos termos.

Custas a cargo dos Reclamantes.

Taxa de justiça: 3 UC’s.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020 de 01 de maio), consigna-se que o presente acórdão obteve voto de conformidade dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues e Júlio Manuel Vieira Gomes, sendo assinado apenas pelo relator.

Lisboa, 13/01/2021

José António Santos Feteira (relator)

Sumário (663º n.º 7 CPC)