Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4076
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NEVES RIBEIRO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO ATRIBUTIVO DE COMPETÊNCIA
UNIÃO EUROPEIA
TRIBUNAL
COMPETÊNCIA
DECISÃO JUDICIAL
EXECUÇÃO
Nº do Documento: SJ200412160040767
Data do Acordão: 12/16/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 268/04
Data: 06/09/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. A competência judiciária internacional dos tribunais portugueses pode resultar da vontade das partes, no domínio de relações jurídicas por elas disponíveis;
2. É exclusiva, a competência resultante de pactos atributivos de jurisdição, previstos pelo artigo 23º, n.º1, com as limitações do n.º 3 e do n.º 5, do Regulamento comunitário n.º 44/01 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, a que corresponde o artigo 17º, 1º §, com as limitações do § 2º e do § 4º, da Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões, em matéria civil e comercial;
3. O sistema de competência judiciária, de reconhecimento e de execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial do Regulamento Comunitário n.º 44/01 e da Convenção de Bruxelas, sobre a mesma matéria, incluindo a que resulta de pactos atributivos de competência judiciária, visa o reconhecimento automático dessas decisões, o favorecimento da sua exequibilidade e da sua livre circulação no espaço territorial da União Europeia.
4. O n.º1 do artigo 23º do Regulamento, a que corresponde o § 1º do artigo 17º da Convenção, prevê que os pactos atributivos conferem competência exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário.
5. Convencionada a competência pelas partes, é irrelevante que uma delas, contra a vontade da outra, venha, posteriormente, denunciar unilateralmente o estipulado.
6. Porém, a denúncia será possível, se a clausula atributiva de competência tiver sido estabelecida apenas a favor da parte denunciadora, podendo esta recorrer a qualquer tribunal competente.
7. «As medidas provisórias ou cautelares previstas pela lei do Estado Contratante podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força da Convenção, o órgão jurisdicional de outro Estado Contratante seja competente para conhecer da questão de fundo», conforme dispõe o artigo 31º do Regulamento, a que corresponde, com texto idêntico, o artigo 24º da Convenção.
8. A competência do tribunal para decretar a medida cautelar, não é factor de conexão judiciária comunitária suficiente, como critério para determinar a competência do tribunal, que seja competente para conhecer da causa principal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
Razão do agravo

1. "A", SA", sociedade comercial de nacionalidade espanhola, com sede em Madrid, Espanha, intentou a presente acção com processo comum e forma ordinária, contra "B - Comércio de Vestuário, L.d", pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de euros 83.106,55 de capital e juros vencidos e ainda os juros de mora vincendos à taxa legal.
Como fundamento da demanda, alega a Autora que, no exercício da sua actividade (distribuição e comercialização de produtos do sector têxtil através de estabelecimentos próprios ou de terceiros, neste último caso através de contratos de franquia), celebrou com a Ré, na qualidade de franquiada, dois contratos de franquia, que consistiam no direito da franquiada comercializar e fazer uso, com licença limitada, dos produtos da marca da Autora, em dois estabelecimentos da Ré, designadamente um contrato outorgado em 20/12/99, em que a Ré se comprometeu a desenvolver a actividade comercial derivada dos direitos adquiridos pelo contrato de franquia no estabelecimento comercial sito no Porto (Via Catarina Shopping); e um contrato de franquia outorgado em 02/02/2000, em que a Ré se comprometeu a desenvolver a actividade comercial derivada dos direitos do contrato no estabelecimento comercial sito em Braga (Braga/Shopping).
2. A Ré contestou e deduziu reconvenção.
E, na parte que aqui releva, a Ré arguiu a violação de pacto privativo de jurisdição, alegando que em ambos os alegados contratos de franquia, subscritos pelas partes, foi expressamente clausulado que "as partes, com renúncia a qualquer outro foro que lhes possa corresponder, submetem-se expressamente à jurisdição dos julgados e tribunais do domicílio do franqueador em relação a qualquer diferendo que possa decorrer ou resultar da interpretação ou cumprimento das obrigações e direitos contidos no presente contrato" pelo que, tendo a autora (o franqueador) a sua sede em Madrid e pretendendo-se na presente acção que a Ré pague quantia decorrente de fornecimentos efectuados no âmbito dos referidos contratos de franquia, é manifesta a violação de pacto privativo de jurisdição, sendo competentes para a apreciação do pleito os julgados e tribunais de Madrid, o que tudo implica a incompetência relativa desta Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, e determina a absolvição da Ré da instância.

3. Na réplica, a Autora respondeu à invocada excepção, pugnando pela sua improcedência, alegando que os contratos de franquia foram denunciados em 24/01/2001, sendo que, a presente acção, foi proposta em Março de 2002, e funda-se não na divergência que possa decorrer ou resultar da interpretação ou cumprimento das obrigações e direitos contidos no contrato de franquia, mas antes na verificação de que, denunciado o contrato e, portanto, extinto, subsiste uma dívida comercial da Ré à Autora por fornecimento de bens que não foram pagos, razão pela qual a presente acção não está sujeita ao pacto atributivo de jurisdição, sendo assim este tribunal competente para a causa.
Mais alega que a Ré intentou e pretendeu fazer seguir contra a Autora providência cautelar não especificada que se destinava a impedir a Autora a accionar a garantia bancária que havia sido contratado com o Finibanco, providência essa intentada já depois de denunciado o contrato, elegendo o foro de Braga para dirimir tal pleito, sendo que a eleição do foro para a referida providência terá que fundamentar-se nos mesmos preceitos que conduziram à competência deste tribunal para o mesmo pleito, o que implica se considere que de moto próprio a Ré derrogou, por moto próprio, o contrato no que ao pacto de atribuição de jurisdição diz respeito (o que foi aceite pela aqui Autora ao não deduzir defesa invocando a excepção da violação do pacto atributivo de jurisdição que sabia não ser de conhecimento oficioso), o que revela que a Ré actua de má fé, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
4. O Tribunal de Braga absolveu a Ré da instância quanto ao pedido formulado na acção .
5. A Autora agravou. E a Relação de Guimarães confirmou remetendo para os fundamentos do despacho recorrido. ( Fls. 518),
Daí o presente agravo.
II
Objecto do agravo
Nas suas conclusões, a autora, em síntese que releva, vem dizer que:
1ª. A causa de pedir da presente acção consiste, não na divergência que possa decorrer ou resultar da interpretação ou cumprimento das obrigações e direitos contidos no contrato de franquia, mas antes na verificação de que denunciado o contrato e, portanto, extinto este, subsista uma dívida comercial da Ré perante a Autora, por fornecimento de bens que não foram pagos.
2ª. Assim, a presente acção não foi proposta no âmbito da interpretação do clausulado do contrato e, consequentemente, sujeita ao pacto atributivo de jurisdição do contrato de franquia, entretanto extinto.
3ª. A eleição do foro da comarca de Braga ao intentar a providência cautelar terá que ser fundamentada nos mesmos critérios que conduziram à competência das Varas Mistas de Braga para o presente pleito.
4ª. Foi assim, por conveniência sua, com a instauração da providência cautelar, que a B derrogou o contrato elegendo como foro competente o de Braga, passando-se por cima do pacto atributivo de jurisdição, havendo abuso pela frustração da confiança criada pela contraparte em relação á situação jurídica futura.
5ª. Mostram-se, assim, violados os artigos 2°, 5°, 17° e 52° da Convenção de Bruxelas, artigo 334° do Código Civil, e artigos 65°, n° 1, alínea a), 74°, n.º 1 e 85°, estes do C.P.C.
6ª. E conclui que, deve ser dado provimento ao agravo e revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que se limitou a remeter para os fundamentos consignados no despacho impugnado que deverá ser substituído por outro que considere o tribunal português internacionalmente competente e que os autos prossigam os seus termos normais até final.
III
Matéria de Facto
São os seguintes os factos que têm interesse para o conhecimento do objecto do agravo, tal como acaba de ser enunciado na Parte II, que precede:
a- A autora é uma sociedade comercial com sede em Madrid, Espanha;
b- A ré é uma sociedade comercial com sede em Braga;
c- Autora e ré, por escrito particular outorgado em 20/12/1999, e assinado por ambas as partes, acordaram em que, a primeira, concedesse à segunda, que declarou aceitar, uma franquia TRUCCO como franqueada da autora, consistente no direito de comercializar os produtos e fazer uso (em estabelecimento comercial da ré, sito no Porto, Via Catarina Shopping), com licença limitada, da marca ou marcas da autora, sendo que no referido escrito foi acordada cláusula segundo a qual às partes, com renúncia a qualquer outro foro que pudesse corresponder-lhes, submetem-se expressamente à jurisdição dos Julgados e Tribunais do domicílio do franqueador em relação a qualquer diferendo que possa decorrer ou resultar da interpretação ou cumprimento das obrigações e direitos contidos nesse contrato, além de terem também incluído cláusula segundo a qual "este contrato e as relações das partes relativamente à matéria dele objecto, reger-se-ão e serão determinadas em conformidade com as leis espanholas";
d- Autora e ré, por escrito particular outorgado em 2/02/2000, e assinado por ambas as partes, acordaram em que a primeira concedesse à segunda, que declarou aceitar, uma franquia TRUCCO como franqueada da autora, consistente no direito de comercializar os produtos e fazer uso (em estabelecimento comercial da ré sito em Braga, no Braga Shopping), com licença limitada, da marca ou marcas da autora, sendo que, no referido escrito, foi acordada uma cláusula segundo a qual, as partes, com renúncia a qualquer outro foro que pudesse corresponder-lhes, submetem-se expressamente à jurisdição dos Julgados e Tribunais do domicílio do franqueador em relação a qualquer diferendo que possa decorrer ou resultar da interpretação ou cumprimento das obrigações e direitos contidos nesse contrato, além de terem também incluído cláusula segundo a qual "este contrato e as relações das partes relativamente à matéria dele objecto, reger-se-ão e serão determinadas, em conformidade com as leis espanholas".
e - A autora enviou carta registada à ré, em 24/01/2001, a denunciar os contratos;
f - A aqui ré interpôs, nesta Vara, contra a aqui autora, providência cautelar não especificada, destinada a impedir a autora de accionar garantia bancária que havia sido contratada em beneficio desta com o Finibanco, providência tramitada sob o número 153/2002-S, invocando que, apesar de diversos incumprimentos contratuais, a aqui autora, tinha ameaçado accionar a garantia bancária junto do Finibanco, o que lhe causaria prejuízos graves e potencialmente irreparáveis;
g- Na oposição à referida providência não foi suscitada a violação de pacto privativo de jurisdição.
IV
A questão a resolver e o direito que se lhe aplica

1. A questão a resolver consiste em saber se o tribunal judicial da comarca de Braga tem competência internacional (comunitária), para a acção declarativa de condenação que, perante ele, foi instaurada pela agravante e da qual emerge o presente agravo.
A resposta é negativa, tal como responderam as Instâncias.
Vamos explicar porquê.

2. A acção deu entrada naquele tribunal, em 18 de Março de 2002 ( fls.2, 1º volume).
Nessa data, já vigorava, há 18 dias, o Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (artigo 76º) - na gíria chamado "Bruxelas -".
O processo foi, por isso, e inequivocamente, instaurado na vigência do Regulamento Comunitário indicado.
O que significa que se lhe aplica este Acto Normativo do Conselho da União Europeia, que vincula as jurisdições dos dois Estados, envolvidas no conflito, Estados que, entre os demais ( ora 23) Estados - Membros da União, são abrangidos obrigatoriamente pelo Regulamento. (Artigo 249º do T.C.E - versão de Nice).
Com efeito, as disposições deste são aplicáveis às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor, em 1 de Março de 2002. ( Artigos 66º-1 e 76º).
Este Regulamento, como é sabido, substituiu a Convenção de Bruxelas sobre a mesma matéria (artigo 68º - 1 e 2). (1)
Mas a solvência da questão em nada sai prejudicada pela aplicação do Regulamento, em vez de se lhe aplicar a Convenção de Bruxelas, como refere o recorrente, não obstante a substituição pelo Regulamento - conclusão 5ª.
É que, na parte que está em causa, nesta acção e neste(s) agravo(s), a disposição pertinente - quer o artigo 23º, n.º1, do Regulamento, quer o artigo 17º, § 1º, da Convenção - dizem praticamente a mesma coisa, ao atribuírem competência exclusiva ao tribunal convencionado pelas partes, quando, pelo menos uma delas tenha domicilio num Estado-Membro. (2)
O artigo 17º, dispõe, na parte que interessa: « Se as partes... tiverem convencionado que um tribunal ou tribunais de um Estado Contratante (3) têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva». (Sublinhámos).

3. Veja-se agora o que dispõe o artigo 23º, n.º 1, do Regulamento, transcrito por inteiro, no segmento que releva de utilidade para a decisão da questão do agravo que vem colocada.
«Se as partes, das quais pelo menos uma, se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário...».( Sublinhámos).
Expostas as coordenadas normativas que regulam o conflito, voltemo-nos agora para a fundamentação do objecto do agravo.

4. A recorrente defende essencialmente dois pontos de vista.
O primeiro, argumentando que os contratos foram denunciados por carta enviada pela autora á ré, por, alegadamente esta, os ter incumprido.
O segundo, parte da ideia de que o tribunal de Braga foi competente para a providência cautelar requerida pela ré, destinada a impedir a autora de accionar a garantia bancária que havia sido contratada em beneficio dela, autora, com o Finibanco, invocando que, apesar de diversos incumprimentos contratuais, a aqui autora, tinha ameaçado accionar a dita garantia. [Facto f), Parte III]. Por isso, na sua lógica, "e por tabela", a escolha, ora feita, determina, como factor de internacionalização judiciária, a competência daquele mesmo tribunal para conhecer da acção, donde emerge o(s) agravo(s).
Analisemos cada um destes pontos de vista:

5. Quanto à denúncia contratual feita pela autora:
A denúncia unilateral não invalidou a escolha, sob pena de frustrar o fim comum visado pelas partes, quanto à eleição do foro ( e da lei aplicável).

Foro que, nos termos, quer da Convenção, quer do Regulamento, é exclusivo, assim se evitando qualquer ambiguidade no domínio da competência judiciária, fixada pelas leis judiciárias internas das jurisdições envolvidas - ambiguidade que as partes quiseram afastar, dizendo, expressamente, qual é o tribunal que julgará os eventuais conflitos emergentes desses dois contratos de franquia.
Sendo assim, numa altura em que mais se reclamaria a convergência do foro escolhido, ou seja, o escolhido pelas duas partes, como foro competente para conhecer de tais litígios, através da estipulada clausula escrita de eleição, a recorrente descartava-se da escolha consensual, que aceitou, abrigando-se às normas do direito judiciário interno português, a que havia renunciado, exactamente para a precavida eventualidade de conflito - que acabou por ocorrer.
A denúncia, ou qualquer outra forma de fazer extinguir unilateralmente obrigações contratuais, levada a cabo por qualquer das partes, seria uma forma tortuosa de subtracção ao negociado, maxime, à clausula de eleição do foro (ou da lei aplicável), depois de se haver acordado na escolha do tribunal.
Consequentemente, uma parte, sem consentimento da outra, mudaria as regras do jogo, quando este estava a ser jogado.
Fugia-se da razão da escolha comum, numa ocasião em ela mais se faria sentir; ora, exactamente para tanto - para evitar a fuga - é que houve escolha!
Fazer este exercício, é concluir pela intolerabilidade negocial deste caminho, e que a recorrente defende. E intolerável, a partir de boa fé com que as partes estipulam e aceitam, para delas reciprocamente se poderem aproveitar, clausulas de foro (e de lei aplicável - ou outras), que irão reger os eventuais conflitos, exactamente provindos da relação obrigacional em que, ambas, estão comprometidas.
Repare-se que as partes não só escolheram o foro para julgar os seus conflitos provenientes dos dois contratos, como a lei aplicável aos mesmos conflitos contratuais (4).
É prática corrente nas relações de comércio internacional e que, na tese defendida pela recorrente, seria fácil de frustar, com uma desvinculação unilateral do compromisso, quer em relação à competência escolhida, quer em relação à lei por que se decidiram aplicar ao compromisso pelos dois lados.
Não pode ser! E seria insustentável para efeitos do dito comércio!
Poderia ser - isso sim - como defende a recorrente, se houvesse clausula de foro estipulada em favor exclusivo de uma das partes contratantes; no caso, a seu favor.
Se assim fosse, a autora/recorrente conservaria o direito de recorrer a qualquer outro tribunal competente (no caso, o de Braga), desistindo do foro estipulado.

Mas não foi o caso deste processo em que a estipulação ou "extensão contratual da competência judiciária" (usando linguagem do próprio Regulamento e da Convenção) do tribunal espanhol, é acordada, e aceite, por ambas as partes, para facilitar a definição, a priori, da competência judiciária, e, depois, o reconhecimento e a execução da decisão correspondente, evitando recusas, favorecendo a sua livre circulação comunitária (5), aqui, em especial, entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, ou vice versa, se ocorrer tal circunstância.

6. Quanto á invocação do Tribunal Português (de Braga) como competente para a providência cautelar:
Já ficou dito que a providência foi requerida pela ré para impedir a autora de accionar a garantia bancária que havia sido contratada em beneficio dela, autora, com o Finibanco, invocando que, apesar de diversos incumprimentos contratuais, a aqui autora, tinha ameaçado accionar a dita garantia. [ Facto f), Parte III].
As providências cautelares são requeridas ao tribunal do lugar onde melhor se garanta a tutela efectiva do direito ameaçado ou carecido de tutela efectiva imediata. (6) (7)
«As medidas provisórias ou cautelares previstas pela lei do Estado contratante podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força da presente Convenção, o órgão jurisdicional de outro Estado contratante seja competente para conhecer da questão de fundo» - artigo 24º da Convenção de Bruxelas, preceito que corresponde literalmente, ao artigo 31º do Regulamento.
A razão desta conexão judiciária vale igualmente para o direito interno (artigo 381º-1, 2 e 3, do C.P.C.), que, não só, para o direito comunitário ou para o direito internacional, ou seja, como providência de tutela prévia do direito ameaçado, a requer ao tribunal melhor situado para a efectivação da cautela ou providência que se lhe solicite. (7)

Por forma que, a competência para decretar a medida cautelar, e urgente, relativamente ao direito sob ameaça, não releva, só por si, para atribuição de competência para conhecimento da questão fundamental sobre o direito ameaçado.
Enfim, dizendo o mesmo por palavras outras, a competência para proceder à efectivação da medida cautelar não é, só por si, critério de conexão judiciária relevante, quer ao nível interno, quer ao nível comunitário, quer ao nível do direito internacional judiciário, atributivo de competência para a acção (principal), em matéria cível e comercial, aos tribunais dos Estados.
(Não faz qualquer sentido - nem se percebe! concluindo - falar, a este propósito, de abuso de direito, como alegou a recorrente, nas suas conclusões - Conclusão 4ª).
V
Decisão
Termos em que se em nega provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida; e, por isso, declarando-se a incompetência internacional do tribunal da Comarca de Braga para conhecer da acção aí proposta pela recorrente da qual emergiu o presente agravo.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2004
Neves Ribeiro
Araújo Barros
Oliveira Barros
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(1) A Convenção de Bruxelas continua a reger para o passado, e continua em vigor nas relações da Dinamarca com os demais 24 Estados -Membros, designando-se, rigorosamente: «Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e execução de decisões, em matéria civil e comercial».
A República Portuguesa e o Reino de Espanha celebraram a Convenção de Adesão à Convenção de Bruxelas, bem como ao Protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça, em 26 de Maio de 1989, (Convenção de S. Sebastião), publicada no D.R. I série, n.º 250 de 30 de Outubro de 1991, ratificada por Decreto do Presidente da República, n.º 52/91, de 30 de Outubro, que entrou em vigor, em Espanha, em 1 de Dezembro de 1991, e em Portugal, em 1 de Julho de 1992. Para mais larga informação sobre estas matérias, pode ver-se a Revista Colecção Divulgação do Direito Comunitário -as Convenções de Bruxelas e de Lugano, textos actualizados e jurisprudência mais significativa - ano de 1996, Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça. Para a Convenção de Adesão, e modificações que, por causa dela, foram introduzidas na Convenção de Bruxelas, pode ver-se a mesma Revista, n.º 2, Ano I - 1989.
(2) O texto do artigo 17º da Convenção, salvo a supressão do n.º5, tem apenas pequenas alterações de redacção, por causa da inclusão da forma negocial relativamente aos negócios realizados á distância, particularmente por via electrónica. (Para maiores desenvolvimentos, sobre a matéria desta nota e da anterior, veja-se « Processo Civil na União Europeia» - Coimbra Editora, em especial, a Introdução, notas ao artigo 15º e ao artigo 23º, respectivamente, páginas, 26, 27, 82 e seguintes, e 92 e seguintes).
(3) O artigo 23º, n.º1, do Regulamento refere Estado-Membro e a Convenção refere Estado-Contratante, por razões evidentes, de diferença, (que o artigo 8º da Constituição repercute), entre um instrumento normativo de integração da União, e um instrumento normativo de cooperação internacional, entre Estados.
(4) Escolha feita ao abrigo do artigo 3º da Convenção de Roma relativa á lei aplicável às obrigações contratuais, em vigor, em Portugal, desde 1 de Setembro de 1994; e em Espanha, desde 1 de Setembro de 1993, e em que são Partes Contratantes, além de outros Estados da União Europeia, Portugal e Espanha, como é natural. (Sobre a matéria: a indicada Revista Colecção Divulgação do Direito Comunitário, Ano 1992, Convenção de Roma sobre a Lei aplicável às obrigações contratuais - Adesão de Portugal e de Espanha).
(5) Estes aspectos são particularmente explicados no Relatório sobre a Convenção ( Relatório Paul Jenard, conhecido pelo "pai" da Convenção, publicado, em versão portuguesa, no JOC - C-189, de 28 de Julho de 1990, páginas 122 a 179).
(6) Não é possível, segundo o direito internacional comum, o pedido de cumprimento de carta rogatória para penhora de bens no estrangeiro, em especial, imóveis, ou em todos os casos que para a coerção, ou desapossamento dos bens, seja necessário um acto de execução material, naturalmente, por razões ligadas à soberania territorial dos Estados. Neste sentido, Dr. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, ano de 1996, páginas 369; e Professor Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, ano de 1998, páginas 127, citando o relatório Jenard, que ficou mencionado na nota anterior. Em sentido diferente, admitindo a possibilidade de expedição de carta rogatória para apreensão de bens no estrangeiro, Professor Lebre de Freitas, A Acção Executiva, ano de 2004, páginas 116, nota 25. O Professor Teixeira de Sousa procedeu recentemente, ao desfazamento de equívocos legais e doutrinais que se têm levantado, nesta matéria da competência executiva e exclusiva internacional dos tribunais portugueses, em oportuno e interessante estudo, publicado nos Cadernos de Direito Privado, n.º 5, Janeiro - Março de 2004, páginas 52/57, parecendo concluir, à semelhança do que havia defendido Alberto dos Reis, pela impossibilidade da carta, quando envolva um acto de coerção no estrangeiro.
Registe-se, a propósito, que « os tribunais portugueses passam a ter competência internacional exclusiva para execuções sobre bens existentes em território nacional, em consonância com o regime do Regulamento CE, n.º 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000» - relatório do Decreto-Lei n.º 38/03, de 8 de Março, fundamentando a redacção que introduziu no artigo 95º do C.P.C.
(7) - Havendo dependência de uma acção (acção principal) que já foi ou haja de ser intentada em tribunal estrangeiro, o requerente deverá fazer prova nos autos da pendência da causa principal, através de certidão passada pelo respectivo tribunal "- artigo 385º, n.º5, do C.P.C. Mas esta circunstância não releva sobre a competência judiciária que estiver em causa.
Também, como é sabido, a pendência de processo perante jurisdição estrangeira, passou a ser causa relevante de litispendência, por força do Direito da União Europeia (artigo 497º-3, do C.P.C. , após a reforma de 1995).