Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
622/081TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONTRATO DE CONCESSÃO
LUGAR DO CUMPRIMENTO
REENVIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. A incompetência internacional, como pressuposto processual, deve aferir-se em face da forma como a acção é configurada na PI.
2. O regulamento (CE) 44/2001 do Conselho de 20 de Dezembro de 2000 tem por objectivo uniformizar o regime da competência judiciária e do reconhecimento das sentenças estrangeiras.
3. O regime regra que adopta é o do foro do R. mas com outras conexões, regendo em matéria contratual a regra de que o tribunal internacionalmente competente para acção é o do lugar onde a obrigação foi ou deva ser cumprida, art. 5.º, 1, a), a menos que se verifique qualquer dos específicos casos de contratos especificados na al. b).
4. No contrato de concessão comercial a sua obrigação característica é a da promoção e distribuição.
5. Para saber qual o lugar do cumprimento do contrato, não estando ainda em vigor a Convenção de Roma, aplica-se a lei do foro.
6. Quer pela obrigação característica do contrato – promoção e distribuição – quer pelo domicílio do credor – onde deve ser pago o preço – é competente o tribunal português.
7. O reenvio previsto no art. 234.º do Tratado da UE tem como pressuposto o facto de o juiz nacional, ao aplicar a norma comunitária convocada, ter dúvidas sobre a interpretação ou sobre a validade da concreta norma ou acto comunitário; o reenvio não se justifica quando a questão colocada seja materialmente idêntica a uma questão que já tenha sido objecto de decisão a título prejudicial num caso análogo, o que acontece no caso dos autos, como se decidiu já no Ac. do TJCE de 4.3.1982 – caso EFFER: compete ao juiz nacional decidir as questões relativas ao contrato e seus elementos constitutivos, mesmo que haja litígio entre as partes sobre os termos do contrato ou mesmo sobre a sua existência;
Decisão Texto Integral: Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça
Relatório

AA, S.A. Intentou contra BB e CC Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária

Pedindo

A condenação das RR., respectivamente, na indemnização de €825.023,98 e €587.038,47 e juros de mora, desde a citação, até integral liquidação,

Alegando que celebrou, em 1977, na cidade do Porto, com a 1.ª R., acordo verbal pelo qual se comprometeu a promover e distribuir no País, em regime de exclusividade, em seu nome e por sua conta e risco, os equipamentos e acessórios de marca “Durst” produzidos pela mesma Ré;

. O contrato decorreu normalmente e nos termos convencionados entre as partes, com fornecimentos daqueles produtos produzidos pela 1.ª Ré e desenvolvendo a Autora actividade que passou pela promoção e venda em exclusivo dos mesmos no país, o que assim também sucedeu com a 2.ª Ré, sociedade associada da 1.ª Ré, por força de “separação” ou “cisão” do negócio desenvolvido pela última, ocorrido em 2005, passando a Autora, com a anuência de ambas, a desenvolver idêntica actividade no que tocava aos equipamentos produzidos pela 2.ª Ré;

. Essas relações contratuais sofreram uma quebra inesperada em meados de 2007, altura a partir da qual ambas as Rés deram início a procedimentos violadores das obrigações por si assumidas no âmbito do mencionado contrato, consistentes nomeadamente

- em deixar de facultar à Autora os preços actualizados dos seus equipamentos (delas rés),

- no não envio de informações técnicas sobre esses produtos,

- na não permissão de demonstrações técnicas de equipamentos “Durst” que a Autora ia vender a clientes por si angariados

- na alteração dos prazos de pagamento desses bens,

- em Agosto de 2007, manifestaram à Autora não estarem interessados em continuar a fornecer-lhe os produtos por si produzidos, sendo que, desde Setembro de 2007, passaram a comercializar os aludidos bens e a prestar a respectiva assistência no país através da sociedade “Durst ....”

. Em face desse procedimento, imputável às RR., a A., em 25.1.2008, viu-se obrigada a pôr termo ao referido contrato, cabendo-lhe indemnizações

- quer a título de compensação por angariação de clientela

- quer por danos que lhe advieram por via dos apontados comportamentos, nos montantes globais acima referidos.

Contestaram as RR. invocando, além do mais, a excepção de incompetência internacional do tribunal que a 1.ª instância julgou procedente.

Na apelação que a A. interpôs, a Relação revogou a decisão da 1.ª instância e considerou competente o tribunal em razão da nacionalidade.

São agora as RR. que pedem revista, terminando as suas alegações com as seguintes

Conclusões

1.ª A competência internacional dos tribunais portugueses, que se fixa no momento da propositura da acção e se afere pelos termos e fundamentos da pretensão formulada pelo Autor, corresponde à fracção do poder jurisdicional que lhes é atribuída na resolução dos litígios que mostrem ter elementos de conexão com diferentes ordens jurídicas;

2.ª O Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.00, que respeita à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil ou comercial no âmbito da Comunidade Europeia, tratando-se de uma questão transnacional e desde que o réu tenha domicílio no território de um outro Estado membro, mostra-se aplicável na aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, prevalecendo as normas dele constantes sobre as normas de Direito Processual consagradas no Código de Processo Civil - cfr., art. 1°, n.º 1 do Regulamento e arts. 65° e 65°-A do Cód. Proc. Civil;

3.ª Estabelecendo-se como critério regra no referido Regulamento, o foro do Réu ("actor sequitur forum rei") como o elemento de conexão essencial para a determinação da competência internacional do Tribunal - cfr., art. 2° do Regulamento;

4.ª Como critério especial de competência - que deve ser interpretado restritivamente (art. 3° n.º 1 do Regulamento) - a al. a), do n.º 1, do art. 5° do Regulamento, estabelece que em matéria contratual é competente o tribunal onde foi ou deva ser cumprida a obrigação trazida a juízo, sendo que na compra e venda se prescreve que o lugar de cumprimento corresponde ao lugar onde os bens foram ou devam ser entregues - art. 5°, n.º 1, al. b), primeiro travessão;

5.ª Sendo que a obrigação relevante para o estabelecimento da competência - "a obrigação em questão" - deverá ser entendida como aquela que serve de base à acção judicial ou seja, o elemento de conexão a ter aqui em conta é a obrigação incumprida individualmente considerada e com base na qual a demanda foi instaurada e não o contrato no seu conjunto - Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, pg.82; Ac. TJ de 6.10.76, De Bloos, Ac. TJ de Hi.1.87, Hassan Shenavai vs Kreischer, (266/85), Colect. I, 1987-1, pág. 251; Ac. T J de 29.6.94, Proc. n.º C-288/92, Custom Made Commercial, Ltd.;

6.ª A 1.ª Recorrente é uma sociedade de direito italiano sediada em Brixen, Itália e a 2a Recorrente é uma sociedade de direito austríaco sediada em Julius, Lienz, na Áustria, locais que correspondem aos respectivos domicílios - art. 60°, n.º 1, do Regulamento;

7.ª Nos presentes autos, não estando em discussão a execução dos contratos de distribuição que a Recorrida diz ter celebrado com cada uma das Recorrentes mas apenas o pagamento de indemnizações pelas violações contratuais que concretamente identifica, temos que à luz do disposto no art. 2°, n.º 1, do Regulamento, os tribunais portugueses, mormente o Tribunal Judicial do Porto, são internacionalmente incompetentes para conhecer o presente litígio;

8.ª Idêntica conclusão se alcança - incompetência internacional dos Tribunais portugueses - mesmo quando se entenda que, in casu, há lugar à aplicação da regra especial constante da al. a), do n.º 1, do art. 5° do Regulamento;

9.ª Pois, à luz do que vem alegado em sede de petição inicial, as pretensões formuladas pela Recorrida decorrem da violação pelas Recorrentes das concretas obrigações que identifica, como o sejam a recusa de lhe vender os equipamentos que comercializava, de não lhe disponibilizar tabelas de preços, de não executar demonstrações dos produtos, de não lhe creditar na respectiva conta corrente os montantes a que se julgava com direito, de terem sido alteradas as condições de venda;

10.ª O lugar de cumprimento de cada uma das obrigações, supostamente violadas, situa-se nos países das sedes das Recorrentes sendo aí que as mesmas deveriam ser cumpridas: os equipamentos eram vendidos nas condições ex-works, as demonstrações dos equipamentos ocorriam nas sedes das Recorrentes, e também aí eram geridas e emitidas as contas correntes e as notas de crédito a que a Recorrida tinha supostamente direito;

11.ª Correspondendo as relações comerciais havidas entre as Recorrentes e a Recorrida à compra e venda de produtos daquelas, e sabendo-se que os mesmos eram vendidos nas condições Ex Works e, assim, entregues à porta dos armazéns de cada uma delas, sitos em Itália e na Áustria respectivamente, como era aí que era pago o preço devido, daí segue-se, mais uma vez, a incompetência internacional do Tribunal Judicial do Porto - cfr., art. 5°, n.º 1, al. b), primeiro parágrafo do Regulamento; vd., tb., art. 772°, 773° e 774° do Cód. Ci,vil;

12.ª Admitindo, sem prescindir, que a referência constante do art. 5°, n.º 1, al. a), não respeita às específicas e concretas obrigações contratuais que servem de fundamento à acção mas, ao invés, à obrigação característica da relação contratual submetida a juízo - o que não tem qualquer tradução na letra da lei -, ainda assim é forçoso concluir que, in casu, o foro competente é o foro do domicílio das Recorrentes;

13.ª Pois as obrigações principais - e primeiras - que emergem e que caracterizam um contrato de concessão comercial são a obrigação do concedente vender ao concessionário os produtos objecto do contrato e deste último se obrigar, correspectivamente, a comprar aqueles mesmos produtos - cfr., Januário Gomes, Tribuna de Justiça, n.º 3, pág. 20, Maria Helena Brito, O contrato de concessão comercial, pág. 55;

14.ª Sabendo-se que o lugar de cumprimento para a entrega dos produtos vendidos pelas Recorrentes à Recorrida eram as respectivas sedes, também neste ângulo complementar de observação se impõe concluir pela incompetência internacional dos tribunais portugueses - cfr., art. 5°, n.º 1, al. a) e b) do Regulamento;

15.ª As relações comerciais com a 2.ª Recorrente só se iniciaram em 2005 como, de resto, é expressamente referido em sede de petição inicial (vd., 239), nada dizendo a Recorrida sobre os termos da relação constituída e, designadamente, como e quando foi a mesma estabelecida;

16.ª Como tal, afigura-se que o Acórdão recorrido ao afirmar que o contrato de distribuição foi outorgado na cidade do Porto em 1977, assenta - pelo menos no que se refere à 2.ª Recorrente - num lapso material manifesto que inquina o raciocínio adoptado, afasta a aplicação do regime previsto no art. 42°, n.º 2, do Cód. Civil e compromete a decisão proferida, impondo-se a sua rectificação e consequente revogação do Acórdão recorrido - cfr., art. 666°, n.º 2, 667°, n.º 1 do CPC;

17.ª A violação das regras da competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual implica a absolvição das Recorrentes da instância - art. art. 101°, n.º 1 e 105°, n.º 1, do CPC;

Questão prejudicial

18.ª Admitindo a possibilidade de surgirem fundadas dúvidas na aplicação à hipótese dos autos, dos arts. 2° e 5°, n.º 1, al. a) e b), primeiro travessão, do Regulamento, tratando-se da aplicação directa de direito comunitário, requer-se a Vossas Excelências o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia com vista à interpretação do artigo 5°, n.º 1, do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, designadamente das expressões nele contidas quanto a "matéria contratual" e "obrigação em questão" de modo a apurar-se, entre o mais, se

- a expressão "matéria contratual", constante do artigo 5.°, n.º 1 do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000 abrange situações ocorrentes após o termo da relação contratual, mormente os pedidos indemnizatórios formulados pelo autor;

- a expressão "obrigação em questão" respeita às obrigações concretamente identificadas pelo autor como suporte da sua pretensão ou se corresponde à obrigação caracterizadora do contrato em causa;

- qual a obrigação que para esse fim deve se entendida como obrigação caracterizadora de um contrato de concessão comercial;

- qual o lugar que deve ser tido como lugar de cumprimento das obrigações emergentes de um contrato de concessão comercial quando os concedentes têm sede em Itália e na Áustria e os produtos a distribuir são vendidos nas condições ex Works e entregues ao concessionário no país das sedes das concedentes;

19.ª No Acórdão recorrido, violaram-se as disposições legais supra citadas.

Termina pedindo se julgue procedente o recurso, se revogue o acórdão recorrido e se absolvam as RR. da instância.

A A. contrata alegou, defendendo que o recurso não é admissível e, sendo-o, deve manter-se a decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Os factos, com interesse para a questão a decidir, são os que acima se deixaram sumariados no breve relatório.

O direito

A questão a dirimir consiste em saber se o tribunal é ou não competente em razão da nacionalidade, defendendo as RR. que não(1). , por aplicação do art. 2.º, 1 do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, Regulamento cuja aplicabilidade as partes não contestam.

A (in)competência em razão da nacionalidade é um pressuposto processual positivo(2) devendo aferir-se pela P.I., de acordo com a forma como a acção é configurada pela A., sendo, pois, em função do que ela alegou na P.I. que se vai verificar se o tribunal português é ou não competente.

Ou, como ensina Lima Pinheiro(3)., em citação do do Ac. do TJCE de 6.10.1976, no caso Bloos, “a obrigação relevante para o estabelecimento da competência é a que “serve de base à acção judicial””.

Isso mesmo se reafirma no Ac. do TJCE de 4.3.1982, no caso Effer(4). , onde se refere que a competência se determina à “vista de elementos conclusivos e pertinentes fornecidos pela parte interessada, estabelecendo a existência ou inexistência do contrato, não se admitindo que baste a uma das partes alegar que o contrato não existe para frustrar (….) a regra contida nestas disposições(5).

Ora, de acordo com o que alegou na P.I., a A. celebrou o contrato aí referido e no circunstancialismo que expressa, sendo indiferente para a solução do caso os ingredientes com que as recorrentes o condimentam.

A A. alega que o contrato foi firmado em Portugal em 1977 e o seu objecto era o de ela promover e distribuir em Portugal, em regime de exclusividade, em seu nome e por sua conta e risco, os equipamentos e acessórios da marca Durst, produzidos pelas RR., contrato que, assim delineado, se pode considerar como de concessão comercial – “contrato quadro(6) – em cujos “contratos de execução”, as RR. se obrigaram a vender os referidos produtos e a A. a comprá-los, havendo ainda para esta um leque de muitas outras obrigações, como a de promover esses produtos e distribuí-los em Portugal por sua conta e risco, segundo as cláusulas previstas no contrato quadro.

E a obrigação característica num contrato deste género é, seguramente, a da promoção e distribuição, mediante a compensação acordada entre as partes, actos que decorrem, sem sombra de dúvida, no nosso País.

Caracterizado assim o contrato firmado entre as partes, vejamos o que dispõe a lei sobre a competência internacional.

O Regulamento(7). visa a “consecução dos objectivos gerais da Comunidade” a qual “supõe em grande medida a uniformização do regime da competência judiciária e do reconhecimento de sentenças estrangeiras”(8).

O Tribunal segue uma “interpretação autónoma dos conceitos empregados na Convenção” para uniformização da sua interpretação e maior certeza do direito(9) (10).

O Regulamento adopta como regra(11) (12), em matéria de competência internacional, o foro do R. (“actor sequitur forum rei).

No entanto, logo aí se prevêem excepções“(13), sendo uma delas a do art. 5.º, onde, no n.º 1, a), se alude aos casos respeitantes à “competência em matéria contratual”, em que o tribunal competente é o do lugar onde a obrigação em questão (….) foi ou deva ser cumprida”.

E a al. b) “inova”, ao especificar concretamente(14) que “no caso de venda de bens” é o do lugar (Estado) onde os bens foram ou devam ser entregues” e no caso de prestação de serviços, “o lugar num Estado membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser entregues”, regras que repousam “num critério puramente factual”; e a obrigação relevante para a fixação da competência jurisdicional “é, pois, no tocante aos tipos de contrato referidos, unicamente a obrigação característica do contrato(15).

E essa alínea apenas abarca esses especificados casos(16).”.

Portanto, no caso em apreço, a primeira questão a decidir é a de saber se a matéria de facto alegada na P.I. integra qualquer destes específicos contratos previstos na al. b) porque se a resposta for negativa, por força da al. c) do n.º 1 do art. 5.º, aplica-se a al. a)(17)..

A específica previsão normativa de “venda de bens” e “prestação de serviços” referida na al. b) deve corresponder a realidades “susceptíveis de ser entregues ou prestadas”(18)”..

No caso dos autos, a acção visa obter uma indemnização por resolução do contrato por justa causa, derivado do facto de as RR. deixarem:

. de facultar à Autora os preços actualizados dos seus equipamentos (delas rés)

. não enviarem informações técnicas sobre esses produtos

. não permitirem demonstrações técnicas de equipamentos “Durst” que a Autora ia vender a clientes por si angariados . alteração dos prazos de pagamento desses bens

. e, finalmente, terem manifestado à A. não estarem interessados em continuar a fornecer-lhe os produtos por si produzidos, sendo que, desde Setembro de 2007, passaram a comercializar os aludidos bens e a prestar a respectiva assistência no país através da sociedade “Durst Ibérica”.

Portanto, não está aqui em causa nem a entrega de mercadorias nem a prestação de serviços, mas, antes, a violação contratual por parte das RR. que acarretou a necessária resolução do contrato por parte da A. , por justa causa.

Logo, a sua previsão não cai na alçada das especificidades a que alude a al. b) do n.º 1 do art. 5.º, mas, antes, na do n.º 1, a) do mesmo artigo.

Na verdade, muito embora se peça indemnização por angariação de clientela, a A. também pede indemnização por violação do contrato, havendo, pois, necessidade de se tomar aqui em consideração a relação contratual que existia entre as partes, aquando da resolução do contrato por justa causa.

Ora, conforme dispõe o art. 5.º do Regulamento “uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro: 1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão”.

O lugar do cumprimento deve ser determinado segundo a lei designada pelo Direito de Conflitos do foro”, “direito de conflitos geral mas também normas de conexão especiais, por exemplo, as que desencadeiam a aplicação de Direito material especial(19).

Actualmente, atender-se-ia à Convenção de Roma de 1980, mas dada a data em que o contrato foi outorgado, 1977, e à falta de escolha da lei aplicável, tem que se observar o que dispõe o direito do foro.

Ora, face ao art. 774.º do CC, “se a obrigação tiver por objecto uma quantia em dinheiro deve ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento” que, como resulta da matéria de facto, é o Porto.

Era também em Portugal que a obrigação característica do contrato devia ser cumprida, pois, como acima se disse, ela consistia essencialmente na promoção e distribuição das mercadorias das RR.(20), mediante a compensação acordada entre as partes.

Daí que foi bem decidida pela Relação a atribuição da competência internacional ao tribunal português para a acção.

Improcedem, por isso, todas as conclusões das recorrentes, nessa vertente.

Quanto ao pedido de reenvio.

O reenvio tem como pressuposto o facto de o juiz nacional, ao aplicar a norma comunitária convocada, ter dúvidas sobre a interpretação ou sobre a validade da concreta norma ou acto de direito comunitário. “Se lhe fosse permitido resolvê-las sozinho e livremente, isso implicaria, a prazo, um fraccionamento do Direito Comunitário, quebrando-se desse modo, a uniformidade que se pretende atingir na interpretação e na aplicação da Ordem Jurídica Comunitária(21)..

Daí que o art. 234.º do Tratado (anterior art. 177.º) disponha que “(22)

E o reenvio, em princípio, seria obrigatório, face ao último parágrafo do artigo, como refere José Luís Caramelo Gomes(23),

Mas isso não se justifica quando a questão colocada seja materialmente idêntica a uma questão que já tenha sido objecto de decisão a título prejudicial num caso análogo”(24).

Ora, no acórdão do caso Effer já citado, decidiu-se que

Nos casos visados no artigo 5, parágrafo 1, da Convenção de 27 de Setembro de 1968, a competência do juiz nacional para decidir questões relativas a um contrato inclui esta para apreciar a existência dos elementos constitutivos do próprio contrato sendo indispensável uma tal apreciação para permitir à jurisdição nacional encarregada de verificar a sua competência em virtude da Convenção. Por conseguinte, o queixoso beneficia da Jurisdição (foro) prevista no artigo 5, da Convenção, mesmo se a formação do contrato que está na origem do pedido (pretensão/requerimento) é litigiosa entre as partes”.

Como resulta da análise das quatro questões acima referidas, atinentes à Questão Prejudicial em todas elas se visa perguntar ao tribunal de Justiça das Comunidades respostas a matéria contratual: “matéria contratual constante do art. 5.º, 1”; “obrigação em questão”; a que obrigação caracterizadora do contrato de concessão se deve atender; e lugar do cumprimento.

Ora, todas essas questões cabem, no dizer do acórdão Effer, na competência do tribunal do foro – ou seja – deste tribunal(25).

Assim, improcedem quer as conclusões quer o pretendido reenvio prejudicial.

Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista.

Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 29 de Abril de 2010

Custódio Montes (Relator)
Alberto Sobrinho
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

_______________

(1) Contrariamente ao decidido pela Relação.
(2) Requisitos cuja existência é essencial para que o juiz se deva pronunciar sobre a procedência ou improcedência da acção - A. Varela e Outros, Manual de Proc. civil, 2.ª ed., pág. 106.
(3) Direito Internacional Privado, Vol. III, pág. 82.
(4) Ac do do TCE de 4.3.1982, no caso Effer SpA contre Hansjoaquim Kantner.
(5) Refere-se o acórdão ao art. 5.º 1 da Convenção de 27.9.1968 Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, celebrada em Bruxelas.
(6) A expressão é de Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, pág. 198, nota 21.
(7) É assim que doravante nos referiremos ao Regulamento 44/2001 citado.
(8) Dário Moura Vicente, Competência Judiciaria e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, no Regulamento (CE) n.º 44/2001, Scientia iuridica, Tomo LI, n.º 293, pág. 354.

(9) A. e Ob. Cit., na nota anterior, pág. 356 e Tutela da Propriedade Intelectual, pág. 409.

(10) Ver também Teixeira de Sousa, Âmbito de Aplicação do Regulamento n.º 44/2001…., Estudos de Homenagem a Isabel Magalhães Collaço, pág. 679.
(11) Ver neste sentido – regra - o Ac. deste STJ de 8.4.2010, itij processo n.º 4632/07.8TBBCL.G1.S1.
(12) A que Dário Martins Vicente chama “conexão fundamental”, Ob. cit., pág. 360.
(13)“Sem prejuízo do disposto no presente Regulamento” – art. 2.º, 1; a que Dário Martins Vicente, Ob. cit., pág. 362, chama “factores de competência especiais”.
(14) O n.º1, a) estabelece a regra para a competência contratual; a al. b) especifica dois casos dessa espécie de competência.
(15) Continuamos a acompanhar de perto o A. e ob cits., págs. 362 e 363.
(16)Refere-se no Ac. do TJCE de 23.4.2009, no caso Rabitsch, que “le sistème e l´économie dês règles de compétence énoncés par le règlement n.º 44/2001 requièrent, …., d´interpréter restritivement les règles de competénces spéciales,….”
(17) “c) se não se aplicar a al. b), será aplicável a al. a)”.
(18) Vejam-se os termos usados nas versões espanhola e francesa do Regulamento que a essas realidades chamam, respectivamente, “mercadorías” e “marchandises”, bem como o contido na proposta de Regulamento, onde “por mais de uma vez refere venda de mercadorias
(19) Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, III, pág. 83.
(20) É a esta obrigação primária do contrato a que se deve atender para o estabelecimento da competência, como se refere no acórdão De Bloos, citado por Maria João Fernandes, in o Direito, Ano 141, 2009, II, pág. 493.
(21) Fausto de Quadros e Ana Maria Guerra Martins, Contencioso da União Europeia, 2.ª ed., pág. 71; ver também Ana Quadros, A Função Subjectiva da Competência Prejudicial do TJCE, pág. 196
(22) O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre:
a) A interpretação do presente Tratado;
b) A validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade e pelo BCE;
c) A interpretação dos estatutos dos organismos criados por acto do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.
(23) O Juiz Nacional e o Direito Europeu, págs. 154 e 155.
(24) Ana Quadros, ob. cit., pág. 48.
(25) No Ac. do STJ de 12.10..2006 e de 9.10.2008, anot. em O Direito, Ano 141, 2009, II, respectivamente, págs. 461 e sgts e 473 e sgts,., e com a concordância da anotadora, Maria João Matias Fernandes, decidiu-se que “a prestação característica do contrato de concessão comercial, celebrado no exercício da actividade económica e profissional do concedente e do concessionário, é a do último celebrar, na zona geográfica considerada, com clientes diversos, existentes ou a angariar, de contratos de compra e venda cujo objecto mediato são os produtos por ele adquiridos ao primeiro.”