Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
181/12.0TBPTG.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
DUPLA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO E EXPEDIÇÃO DO RECURSO / FUNDAMENTOS DA REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO / TERMOS EM QUE JULGA O TRIBUNAL DE REVISTA.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 591, 7.ª Edição;
- Sinde Monteiro, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, p. 248.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3 E 682.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-05-1999, PROCESSO N.º 99B222,
- DE 28-10-1999, PROCESSO N.º 99B717, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-06-2002, PROCESSO N.º 02A1321, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-10-2005, PROCESSO N.º 05A2167;
- DE 04-10-2007, PROCESSO N.º 07B2957;
- DE 10-05-2008, PROCESSO N.º 08B1343;
- DE 10-07-2008, PROCESSO N.º 08B2101;
- DE 30-10-2008, PROCESSO N.º 07B2978, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-05-2009;
- DE 27-10-2009, PROCESSO N.º 560/09.0YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 203/99.9TBVRL.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-05-2010, PROCESSO N.º 103/2002.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-09-2010, PROCESSO N.º 935/06.7TBPTL.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-05-2011, PROCESSO N.º 7449/05.0TBVFR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-06-2011, PROCESSO N.º 3042/06.9TBPNF.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-10-2011, PROCESSO N.º 428/07.5TBFAF.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 31-03-2012, PROCESSO N.º 1145/07.1TVLSB.L1.S, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Tendo a Relação inferido da matéria de facto provada que a IPP de que o autor ficou a padecer, conquanto não o impeça de exercer a sua atividade normal, implica esforços acrescidos e que o limita funcionalmente, com a inerente diminuição das respetivas capacidades, estamos perante um dano autónomo, que independe da circunstância de não se ter provado a existência de prejuízo de ordem profissional, e que, por isso, é indemnizável por si só.

II - À partida, tal dano poderia ser indemnizado, de acordo com as circunstâncias, a título de dano patrimonial ou a título de dano não patrimonial.

III - Tendo a sentença da 1.ª instância feito indemnizar esse dano como dano não patrimonial, não há espaço jurídico para a imposição de nova indemnização a título de dano patrimonial futuro.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA demandou, pelo Tribunal Judicial de Portalegre e em autos de ação declarativa com processo na forma ordinária, BB, S.A., peticionando a final (após liquidação de parte do pedido) a condenação desta no pagamento da quantia de €123.079,00, acrescendo juros de mora desde a citação.

Alegou para o efeito, em síntese, que quando, cumprindo todas as devidas regras de trânsito, conduzia o seu veículo automóvel matrícula -BX- foi vítima de acidente de viação causado pelo condutor do veículo automóvel matrícula -QF, que, circulando em sentido contrário, em excesso de velocidade de forma imprudente, foi invadir a hemifaixa por onde seguia o veículo do Autor, indo assim colidir violentamente contra este.

Por efeito do acidente o Autor sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve.

O dono do veículo matrícula -QF havia transferido para a Ré a responsabilidade civil inerente ao uso e circulação desse veículo, razão pela qual está esta obrigada a indemnizar o Autor pelo dano advindo.

Contestou a Ré, impugnando parte dos factos e concluindo pela improcedência parcial da ação.

Seguindo o processo seus termos, veio, a final a ser proferida sentença (Juízo Cível da Instância Central da Comarca de Portalegre) que, em procedência parcial da ação, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia indemnizatória de €53.298,50 (sendo €45.000,00 a título de danos não patrimoniais e de €8.298,50 a título de danos patrimoniais), acrescida de juros desde a citação.

Inconformado com parte do decidido, apelou o Autor.

Fê-lo com êxito, pois que a Relação de Évora mais condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de €20.000,00 (acrescendo juros) a título de danos patrimoniais futuros.

É agora a vez da Ré, inconformada com esta acrescida condenação, pedir revista.

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões:

A) O presente recurso vem interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que julgou a apelação do Autor procedente, alterando a decisão proferida em primeira instância quanto à matéria de direito e, em consequência, os termos da responsabilidade da ora Recorrente, tendo, ainda, alterado os montantes indemnizatórios atribuídos ao Autor.

B) Com a apresentação do presente recurso, pretende a Recorrente impugnar a decisão proferida quanto à matéria de Direito, nos termos do disposto no artigo 674.°, n.º 1, alínea a) do CPC, pois, no seu entendimento, verificou-se uma errada interpretação e aplicação das normas de direito, o que impunha uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido. A isto acresce que a Ré considera que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, enferma de nulidade por excesso de pronúncia.

C) Assim, na sua apelação, o Autor veio requerer a revogação da sentença proferida pelo Tribunal de primeira Instância, invocando a sua nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que na sua opinião, o Tribunal a quo não se teria pronunciado quanto à peticionada indemnização pelos danos patrimoniais futuros.

D) Relembre-se que a sentença em apreço, havia absolvido a Recorrida, ora Recorrente, do pagamento da quantia de € 20.000,00 peticionada a título de indemnização pelo dano futuro, tendo-a condenado ao pagamento da quantia de € 45.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais e de €8.298,50 a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde citação até efetivo e integral pagamento.

E) Dando provimento ao recurso apresentado pelo Autor, o Tribunal da Relação considerou inexistir qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia, tendo, contudo, concluído pela existência de erro de julgamento no que respeita à atribuição de indemnização quanto aos danos patrimoniais, na vertente de danos futuros.

F) Em conformidade, revogou a decisão proferida em primeira instância, julgando totalmente procedente a apelação e condenando a Recorrente no pagamento da quantia de €20.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, mantendo a sentença proferida em tudo o restante, ascendendo assim, a condenação no pagamento de indemnização de danos patrimoniais, ao montante global de €28.298,50 (vinte e oito mil duzentos e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos).

G) Todavia, verifica-se que no recurso apresentado, o Autor invoca única e exclusivamente a nulidade da sentença, por alegada omissão de pronúncia quanto aos peticionados danos patrimoniais futuros, nos termos do artigo 615.°, n.º 1, alínea d) do CPC. Sendo indubitável que o Tribunal da Relação considerou que “não obstante as razões invocadas nas conclusões do recurso justificarem no entender do recorrente, uma decisão diferente e apesar de nem todos esses fundamentos terem sido, pelo menos expressamente, considerados na decisão recorrida, tal circunstância não faz com que a mesma padeça da nulidade que ora lhe é imputada.”.

H) Ou seja, no aresto em apreço decidiu-se pela inexistência de qualquer nulidade da sentença da primeira instância, pelo que, em conformidade, os poderes de recurso se esgotaram nessa mesma consideração, não se podendo proceder ao julgamento da interpretação das normas jurídicas invocadas, decidindo em sentido contrário ao da sentença primitiva, pois tal não foi em momento algum invocado pelo Autor nas suas conclusões de recurso.

I) A lei processual civil é clara ao estabelecer a nulidade, do acórdão que se pronuncie e condene em "quantidade superior ou em objecto diferente do pedido", de acordo com a alínea d), do n.º 1 do artigo 615.° do CPC, ex vi artigo 666. ° do CPC. Sendo que, o Recorrente tem o ónus de alegar e formular conclusões, delimitando concretamente o objecto do seu recurso, limitando assim os poderes de decisão do tribunal de recurso, nos termos e para os efeitos dos artigos 639.°, n.º 1 e 635.°, n.º 4 do CPC.

J) Neste sentido, “O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso. Por outras palavras (.) o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador.”- vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/09/2010.

K) Veja-se ainda o Acórdão deste douto tribunal, de 06/12/2012, que de forma sucinta descreve o excesso de pronúncia explicando o que são as questões que devem ser decididas pelo tribunal: “Ao que sejam “questões”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.°, 2.ª edição, pág. 704: são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer", não significando "considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artigo 511-1) as partes tenham deduzido... “ (página 680). (...) há excesso de pronúncia para estes efeitos, se o tribunal conheceu de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento”.

L) Sem prescindir, sempre se refira que, quando o Autor limitou o objecto do seu recurso à questão da nulidade da sentença, tudo o resto julgado em primeira instância transitou em julgado, não podendo mais ser alterado o valor que lhe foi atribuído a esse título. Neste sentido, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/10/2003, considera que quanto ao “Na verdade, a parte não recorrida da sentença de la instância transitou em julgado, sendo que, por força do disposto no artigo 684°, n°. 4 do Código Processo Civil, os efeitos deste caso julgado formal formado na sequência da não impugnação parcial dessa decisão ou da não impugnação válida (...) não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo. Efectivamente, “e como tem sido entendido neste Supremo Tribunal, todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, estão compreendidas na expressão "precisos limites e termos em que se julga", contida no artigo 673° do Código Processo Civil, ao definir o alcance do caso julgado material, pelo que também se incluem neste". Assim sendo, à Relação não era lícito decidir sobre questões definitivamente decididas, pelo que, tendo conhecido de questões não colocadas pelas partes nas conclusões das alegações de recurso respectivas, proferiu decisão contraditória sobre a mesma pretensão, devendo cumprir-se, pois, a decisão que passou em julgado em primeiro lugar e que, a final, se reiterará - artigo 675°, n.ºs. 1 e 2 do Código Processo Civil. Desta sorte, considerando verificada a invocada nulidade por excesso de pronúncia, este Supremo Tribunal suprirá tal nulidade, declarando que deve manter-se a decisão da 1ª instância”.

M) Pelo que, em suma, não poderia o Tribunal da Relação de Évora ter conhecido, como fez, das questões relacionadas com o valor arbitrado a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros, fundando a sua decisão em erro de fundamentação, e alterando o caso julgado quanto a esta matéria, que, se ficou pela não atribuição de qualquer indemnização a este título ao Recorrido.

N) Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio se admitindo, o aresto ora em escrutínio vem condenar a Recorrente no pagamento da quantia de €20.000,00 por danos patrimoniais futuros, a acrescer ao valor que já tinha sido arbitrado na 1. a instância. E, não obstante o devido respeito pela interpretação do Tribunal a quo, a decisão proferida fundamenta-se na errónea aplicação das normas concretamente aplicáveis à presente situação, uma vez que, partindo dos factos dados como provados e não provados no processo, jamais poderia ser arbitrada qualquer indemnização a título de dano futuro na sua vertente de dano patrimonial.

O) Assim, como refere, e bem, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de que agora se recorre “Com relevo para a decisão final, não resultaram provados os seguintes factos: (...)

2. Após 14.12.2009, a actividade profissional do Autor ocorre com limitações. (.)

14. A incapacidade permanente geral de que o Autor padece vai ter repercussão na sua actividade profissional".

P) Mais ficou provado que na data da propositura da ação que precede os presentes autos de recurso, o Recorrido continuava a exercer as mesmas funções e na mesma qualidade que já tinha antes de ter sido proposta a ação contra a Recorrente. Pelo que, o Tribunal recorrido teria que ter procedido à aplicação das normas concretamente aplicáveis a esta questão, a saber, os artigos 562.°, 563.°, 564.°, n." 2 e 566.° do Código Civil (doravante CC), em conformidade com o facto de não existir quaisquer danos que o Recorrente tenha demonstrado existir e que pudessem ser indemnizáveis em sede de dano futuro. Para o efeito, socorre-se das normas supra indicadas, considerando que existe a “obrigação de indemnização em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, como decorre do art. ° 563° do CC”, prosseguindo na consideração de que “os seus resultados não podem ser aceites de forma abstracta e mecânica, devendo ser temperados por juízos de equidade”, devendo ser indemnizados, além dos prejuízos causados, os lucros e benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Não obstante, na realidade, o que o Tribunal da Relação fez foi remeter a indemnização a este título para o conceito de lucros cessantes, os quais, existindo e sendo obviamente ressarcíveis à luz do direito civil nacional, necessitam sempre de prova, funcionando o recurso à equidade como critério delimitativo para obtenção de um valor de indemnização que, em face dos lucros cessantes provados, seja justo.

Q) E no presente caso, além de não se provar nem quantificar a existência de quaisquer lucros cessantes, ficou ainda demonstrado que estes não existem, uma vez que a vida profissional do Recorrido segue o seu curso natural, sem qualquer prejuízo patrimonial ou profissional, o que é consequência natural e óbvia da inexistência de qualquer influência da IPG que lhe foi atribuída no desenvolvimento da sua atividade profissional.

R) E ao contrário do vertido na decisão proferida pelo Tribunal a quo, o critério de equidade não é utilizado para arbitrar uma indemnização por danos futuros que seja indeterminada, inexistente e não provada, mas sim para auxiliar na arbitragem de um valor que àquele título seja devido e provado, quando “não puder ser averiguado o valor exato dos danos” (artigo 566.°, n.º 3 do CC).

S) A este propósito veja-se desde logo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2012, que o próprio Tribunal a quo cita e que refere que “este tribunal tem vindo, maioritariamente, a considerar o dano biológico como de cariz patrimonial, indemnizável, nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil”. Prosseguindo no sentido que se sustenta que “a incapacidade permanente geral, desde que não se repercuta directa - ou indirectamente - no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente, numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral”. E, portanto, de acordo com o mesmo acórdão, perceber se os danos futuros devem ser indemnizados a título de danos patrimoniais ou não patrimoniais, deve ser apreciado “casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade”. E sendo o caso de se valorar este dano futuro na sua vertente patrimonial, coincidente com os lucros cessantes, como é o caso em apreço, “lembra-se que o lesado terá que provar a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho, destacando-se que a avaliação e reparação das chamadas pequenas invalidades permanentes se deva confinar à área do chamado dano corporal ou dano à saúde.”.

T) Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009, que adianta desde logo que neste domínio há que classificar os danos futuros “ou na categoria do dano patrimonial (…) abrangendo não só o dano emergente, como perda patrimonial, como o lucro frustrado, ou cessante -, ou na classe dos danos não patrimoniais”. E neste sentido, “a maioria da jurisprudência, e certa doutrina, consideram o dano biológico como de cariz patrimonial”, sendo que, quando “tal agravamento, desde que não se repercuta directa - ou indirectamente - no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral”. Novamente reforça a jurisprudência que a situação terá sempre que ser apreciada “casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.", pelo que, "a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial”.

U) Relembre-se, ainda, que, apesar do Tribunal da Relação referir que o Recorrido se encontra limitado nas suas capacidades, nomeadamente nos membros superior e inferior esquerdos, certo é que a IPG atribuída na sentença, fixada em 6 pontos, diz respeito às alterações de memória sofridas e à perturbação pós-traumática da oclusão dentária ou da articulação temporomandibular. Ou seja, não está minimamente relacionada com as lesões sofridas no braço ou na perna. Pelo que não se entende que o Tribunal a quo pretenda atribuir uma indemnização por força da limitação de que o Recorrido supostamente padece nos membros inferiores e superiores, quando a IPG existente em nada se relaciona com essas supostas limitações.

V) Por fim, veja-se, também a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2014, que estabelece que “a prova apenas permite considerar relevante a sua expressão enquanto dano não patrimonial”, ficando demonstrado que, ao contrário de outros casos, aquele “não se traduziu em perda de capacidade de ganho”, pelo que, “as sequelas agora em causa não implicam qualquer acréscimo de esforço ou esforço suplementar”. E bem assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2017, que preconiza que os danos futuros patrimoniais terão relevância somente quando “tais sequelas são de molde a afectar o cabal desempenho da sobredita actividade profissional (…) o que representa, nessa medida, uma diminuição da capacidade económica, avaliável em termos do dito dano biológico na sua vertente patrimonial”.

W) Em suma, “O dano biológico tem valoração autónoma em relação aos restantes danos e, casuisticamente, o seu cariz poderá oscilar entre dano patrimonial[ ou dano moral, verificando-se se a lesado originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho, ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual” - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2011.

X) Sem prescindir, sempre cumpre adiantar que caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, ou seja, caso se considere que mesmo sem qualquer prova, e perante a inexistência de consequências da IPG atribuída para a sua capacidade de trabalho e de ganho, o Recorrido deve ser indemnizado em sede de danos patrimoniais futuros, a quantia de € 20.000,00 é manifestamente exagerada, pois ao Recorrido foi atribuída uma IPG fixável em 6 pontos, sendo 2 pontos referentes às alterações de memória sofridas e 4 correspondentes a perturbação pós-traumática da oclusão dentária ou da articulação temporomandibular, não tendo a mesma qualquer implicação no desenvolvimento da sua actividade profissional.

Y) Ponderados que devem ser os critérios subjacentes ao juízo de equidade e da igualdade, assentes na idade e tempo provável de vida do Recorrido, bem como as suas condições de saúde ao tempo do evento, verifica-se que, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/06/2011, em que o sinistrado na data do acidente tinha 27 anos e onde lhe foi atribuída uma IPG de 16 pontos, foi arbitrada indemnização por dano futuro no valor de € 23.000,00. Por seu turno, no Acórdão deste mesmo douto Tribunal, de 27/10/2009, perante um sinistrado que tinha 19 anos na data do acidente e a quem foi atribuída uma IPG de 8 pontos, atribuiu-se indemnização no montante € 10.000,00. Por fim, refira-se ainda a decisão de 12/01/2010, deste Supremo Tribunal de Justiça, que calculou o direito a indemnização no montante de € 25.000,00, ao sinistrado com 17 anos na data do acidente e a quem foi atribuída uma IPG de 10 pontos.

Z) O que comparativamente, demonstra que a compensação a título de danos futuros patrimoniais, no valor de €20.000,00, que foi atribuída ao Recorrido, é muito elevada, uma vez que este à data do acidente tinha 31 anos de idade e que, além do mais, como ficou demonstrado, não tem qualquer limitação no exercício das suas funções relacionada com a IPG de 6 pontos que lhe foi atribuída. Não deverá, ainda, olvidar-se que já lhe foi atribuída, na sentença proferida em primeira instância, uma compensação por danos não patrimoniais, no valor de €45.000,00.

 

                                                           +

O Autor contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Mais suscitou a ampliação do âmbito do recurso, pretendendo que seja declarada nula a sentença da 1ª instância por omissão de pronúncia, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que não declarou tal nulidade.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- Nulidade do acórdão recorrido;

- Improcedência do pedido de condenação de €20.000,00 por dano patrimonial futuro (ou, subsidiariamente, a redução da indemnização estabelecida);

- Subsidiariamente (nos termos da ampliação do âmbito do recurso suscitada pelo Autor), a nulidade da sentença da 1ª instância, a revogação do acórdão recorrido e a condenação no pagamento da indemnização de €20.000,00.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados e não provados os factos seguintes:

Provados

A) No dia 11 de Março de 2009, cerca das 22H04, o Autor circulava ao volante do seu veículo com a matrícula -BX-, na EN 18, no sentido ..., na semi faixa da direita no sentido a sua marcha.

B) No dia e hora acima referidos, circulava, pela mesma estrada e em sentido -, CC ao volante do veículo -QF, pertencente a DD, com responsabilidade civil por danos causados com o referido veículo transferida à Ré, através de contrato titulado pela apólice n.º ..., constante de fls. 61/64.

C) O CC conduzia a viatura referida, em serviço de DD.

D) O km 159.300 da referida Estrada Nacional 18 fica situado numa curva e com condições que garantem a sua visibilidade.

E) Devido a obras, a via não se encontrava delimitada com marcas rodoviárias Marca M19 (linhas guias), limitadoras da faixa de rodagem e marcas separadoras de sentido de trânsito, e Marca M1 (linha longitudinal contínua).

F) Antes do Km 159,300 da referida EN 18 e em ambos os sentidos, encontrava-se sinalizada com o sinal vertical C14a (proibição de ultrapassar) e com um sinal vertical A29 (outros perigos) e com uma placa informativa designando "Estrada Sem Marcação".

G) No Km 159,300 da referida EN 18, CC deixou que o seu veículo entrasse em despiste e invadisse totalmente a semi-faixa de rodagem contrária, cortando a linha de marcha do Autor.

H) O embate entre os dois veículos ocorreu junto da berma da semifaixa de rodagem direita, no sentido de marcha ….

I) O embate deu-se entre a parte da frente dos dois veículos.

J) No momento do embate, o conta-quilómetros do veículo conduzido pelo Autor marcava 60 km/h.

K) No momento do embate, o conta-quilómetros do veículo conduzido por CC marcava 150km/h.

L) A velocidade a que circulava o veiculo conduzido por CC determinou o sucedido em G).

M) O Autor esteve afetado por Incapacidade Temporária Absoluta, desde 11 de Março de 2009 a 14 de Dezembro de 2009.   

N) Em 14 de Dezembro de 2009, o autor retomou a sua atividade profissional.

O) A Ré indemnizou o Autor relativamente aos danos patrimoniais sofridos pelo veículo, a título de perda total e suportou todas as despesas hospitalares relativamente a internamentos e cirurgias a que o Autor foi sujeito, e pagou ao autor despesas efetuadas e pagas por este último em tratamentos, consultas e medicamentos, relativas ao período de 11.03.2009 a 14.12.2009.

P) A Ré pagou ao Autor a quantia de €12.173,84, relativas a períodos de Incapacidade Temporária Absoluta e reembolso de despesas, relativas ao período de 11.03.2009 a 14.12.2009.

Q) Em resultado do embate mencionado em H) e I), o Autor sofreu perfuração dos intestinos em quatro locais; fratura exposta do braço esquerdo; múltiplas fraturas dos maxilares; contusão no joelho esquerdo; nas costas; e no pé direito, com afetação dos tendões do pé; e hematomas e feridas em várias partes do seu corpo.

R) O Autor ficou encarcerado dentro da viatura durante 2 horas.

S) O Autor foi transportado de ambulância para o Hospital Distrital de Portalegre, onde efetuou a primeira intervenção cirúrgica às perfurações dos intestinos, de urgência e sob anestesia geral, na noite de 11 de Março de 2009.

T) Transferido para o Hospital de S. José em Lisboa, o Autor foi operado com anestesia local à fratura exposta do braço esquerdo.

U) Posteriormente, o Autor foi sujeito a intervenção cirúrgica com anestesia geral às fraturas do maxilar.

V) O Autor permaneceu internado até ao dia 30 de Março de 2009, no Hospital de São José em Lisboa.

W) Em 30 de Março de 2009, o Autor teve alta para o domicílio.

X) Após, o Autor foi assistido em regime ambulatório e a efetuar tratamentos fisiátricos, no Centro de Recuperação e Reabilitação de ....

Y) À data do embate, o Autor tinha 31 anos.

Z) Era saudável, robusto, dinâmico e trabalhador.

A) À data do embate, o Autor era gerente da empresa agrícola EE, Herdeiros, com retribuição mensal de € 705,00.

BB) O trabalho do Autor consistia, à data do embate, em gerir toda a exploração agrícola, florestal e pecuária de 1.800 ha de terrenos pertencentes à referida sociedade, dando apoio aos trabalhadores, ajudando-os nos seus afazeres e substituindo-os.

CC) O Autor desempenha, à data de propositura da presente ação, as tarefas indicadas em BB) e na qualidade exposta em AA).

DD) À data do embate, o Autor era treinador da equipa feminina do FF.

EE) Em resultado das lesões decorrentes do embate, o Autor tem dificuldade em correr, em se agachar, em subir escadas, e em carregar com pesos.

FF) O movimento de dobrar, levantar, subir e descer escadas e carregar pesos, bem como mudanças das condições atmosféricas provocam dores no joelho esquerdo, pé direito e braço esquerdo.

GG) Em resultado do embate, o rosto do Autor ficou muito deformado até 11 de Janeiro de 2016.

HH) O que causou dor, tristeza, revolta e amargura no Autor.

II) À mercê do supra referido, o Autor tinha angústia cada vez que tinha de sair à rua.

JJ) A deformação facial decorrente do embate, retirou ao Autor o prazer de sair com amigos e divertir pelo período de um ano.

KK) Em consequência do acima referido, o Autor deixou de sair à noite e de conviver com os amigos.

LL) E verificou-se um afastamento dos amigos.

MM) Que causou tristeza no Autor.

NN) O Autor ainda hoje tem o rosto deformado.

OO) À data do embate, o Autor era atirador de tiro aos pratos na modalidade de fosso olímpico.

PP) Em resultado do embate, o Autor deixou de praticar o desporto de caça sozinho.

QQ) O supra referido deve-se à dificuldade de carregar a arma, a cartucheira e a caça abatida em pisos irregulares e íngremes.

R) Em face do acima mencionado, o Autor leva um ajudante que remunera em géneros equivalentes a €30.

SS) O Autor teve redução da força no braço esquerdo.

TT) O que afeta a pontaria do Autor na prática de caça.

UU) Em face do encarceramento dentro da viatura durante 2 horas), o Autor viveu momento de angústia e sofrimento.

VV) Em resultado do embate, o Autor não tem os maxilares alinhados.

WW) O que lhe provoca dores de ouvido.

XX) O Autor esteve sem poder mastigar ou comer alimentos sólidos, durante pelo menos 6 meses.

YY) Neste período, o Autor podia apenas beber líquidos, sopas e papas.

ZZ) O que provocou no Autor desconforto, ansiedade e desespero.

AAA) Com a passagem da alimentação líquida para a alimentação sólida, o Autor teve dor e desconforto.

BBB) O Autor esteve sem poder trabalhar entre 05.01.2016 e 31.03.2016.

CCC) Nesse período, o Autor não recebeu o vencimento relativo ao mês de Março de 2016, no valor base de 1.000,00 euros.

DDD) Em consequência do acidente supra descrito, o Autor foi acompanhado nos Serviços de Estomatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, durante os anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016.

EEE) Neste período, o Autor despendeu o montante de 2.698,50€, referente ao tratamento médico- dentário e às despesas com tratamentos, exames, aparelhos fixos dentários, destartarizações, consultas médicas, de estomatologia e de cirurgia maxilo-facial.

FFF) Para a realização dos aludidos tratamentos médico- dentários, consultas, cirurgias e perícias, o Autor efetuou 39 deslocações a Coimbra, em veículo próprio, e 3 deslocações a Portalegre.

GGG) Em consequência do acidente de viação ocorrido em 11.03.2009, as lesões sofridas pelo Autor foram traumatismo crânio encefálico, fraturas dos maxilares (parede da orbita direita e seio maxilar direito, ambas arcadas zigomáticas e ambos colo na mandíbula), fratura do cúbito e rádio esquerdos, perfuração dos intestinos delgado e grosso, hematomas e feridas superficiais dispersas no corpo, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

HHH) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20.02.2016, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

III) O défice funcional temporário total (anteriormente designado por incapacidade temporária geral total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), situa-se entre 12.03.2009 e 14.12.2009, e entre 12.01.2016 e 29.01.2016, sendo fixável num período de 296 dias, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

JJJ) A repercussão temporária na atividade profissional total (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), situa-se entre 12.03.2009 e 14.12.2009, e entre 05.01.2016 e 29.01.2016, sendo fixável num período total de 303 dias, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

KKK) O “quantum doloris” (correspondente à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pelo Autor durante o período dos danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões), é fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

LLL) O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (tradicionalmente designado por incapacidade permanente geral) é fixável em 6 pontos (2 pontos referentes às alterações de memória sofridas e 4 pontos correspondentes a perturbação pós-traumática da oclusão dentária ou da articulação temporomandibular), conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

MMM) O dano estético permanente (correspondente à repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afetação da imagem do Autor, quer em relação a si próprio, quer perante os outros), é fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a alteração da mímica facial e a deformidade, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

                       

Não provados

1. Em face às perfurações intestinais, o Autor esteve em risco de vida e com prognóstico reservado.

2. Após 14.12.2009, a atividade profissional do Autor ocorre com limitações.

3. À data do embate, o Autor auferia o prémio mensal de €250,00, como treinador da equipa feminina do FF.

4. Devido ao embate, o Autor deixou de auferir a quantia de 2.500,00 euros (250 € x 10 meses), durante duas épocas.

5. Em consequência do embate, o Autor deixou de treinar a equipa feminina do FF.

6. O que provocou dor e tristeza no Autor.

7. À data do embate, o Autor era atirador de tiro aos pratos de alta competição.

8. O Autor foi campeão nacional por equipas pelo ..., nos anos de 2000 e 2001.

9. A lesão no braço esquerdo impede o Autor de conseguir as performances ao nível da alta competição de tiro aos pratos.

10. Em consequência do embate, o Autor não prosseguiu carreira de atirador de tiro aos pratos de alta competição.

11. O que deixou o autor abatido, amargurado, revoltado e inconformado.

12. O autor vai à caça em 30 jornadas por ano.

13. No período de 05.01.2016 a 31.03.2016, o Autor não recebeu o vencimento relativo aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2016.

14. A incapacidade permanente geral de que o Autor padece vai ter repercussão na sua atividade profissional.

De direito

Quanto à matéria das conclusões A) a F):

Nestas conclusões a Recorrente limita-se a descrever factos processuais.

Não é colocada qualquer questão.

Logo, nada há a decidir atinentemente.

Quanto à matéria das conclusões G) a M):

Nestas conclusões sustenta a Recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade por excesso de conhecimento na apelação, visto que se ocupou do mérito da causa quando afinal o Autor só havia arguido a nulidade da sentença da 1ª instância. Mais diz que, sendo assim, o decidido na 1ª instância havia transitado em julgado.

Mas, a nosso ver, carece de razão.

Percorrendo a apelação do Autor vemos que este impugnou a sentença por não ter condenado a Ré no pagamento da quantia de €20.000,00 (acrescendo juros) a título de dano patrimonial futuro (perda de capacidade profissional) decorrente da IPP de 6 pontos. Em consequência, e como resulta claro da parte final da sua alegação na apelação, buscou que o tribunal de recurso condenasse a Ré nessa quantia. Apenas acontece que reconduziu formalmente o assunto (que é de mérito) a uma pretensa nulidade de sentença por omissão de pronúncia.

Tendo o tribunal ora recorrido concluído que inexistia a apontada nulidade, sempre lhe competia conhecer da verdadeira questão subjacente, e esta era precisamente a questão de mérito (direito á dita indemnização).

Como assim, ao decidir sobre o mérito do pedido do Autor o acórdão recorrido não conheceu nem de matéria estranha ao objeto do recurso nem de matéria sobre que houvesse já decisão definitiva (decisão transitada em julgado).

O que é dizer, não se verifica a nulidade de decisão arguida pela ora Recorrente.

Improcedem pois as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões N) a W):

Nestas conclusões a Recorrente insurge-se contra a condenação (€20.000,00, acrescendo juros) que o acórdão recorrido, modificando a sentença da 1ª instância, lhe impôs a título de dano patrimonial futuro.

Aqui, segundo cremos, a Recorrente tem razão.

Vejamos:

Está provado que o Autor ficou afetado de um défice funcional permanente na sua integridade físico-psíquica (tradicionalmente designado por incapacidade permanente geral) de 6 pontos (2 pontos por alterações de memória e 4 pontos por perturbação ao nível da oclusão dentária/articulação temporomandibular). Mas não se provou que a atividade profissional do Autor ocorre com limitações e que tal incapacidade tem repercussão na sua atividade profissional.

Em face deste défice, e associando-lhe os défices descritos sob SS), EE) e FF) (que, porém, em nada intervieram para o juízo de fixação desse défice funcional permanente de 6 pontos), o acórdão recorrido concluiu que “a IPP de que o autor ficou a padecer, conquanto não o impeça de exercer a sua atividade normal, implica naturalmente esforços acrescidos” e que “a IPP de que ficou a padecer o lesado, limita-o funcionalmente ao nível, pelo menos do membro superior esquerdo e membro inferior esquerdo, com a inerente diminuição das respetivas capacidades. Tal perda de capacidade não se reflete de imediato, no exercício de atividade profissional, porém constituirá sempre uma limitação”.

Estamos aqui perante um conjunto de inferências factuais do tribunal recorrido, da sua exclusiva competência, e que se impõem ao Supremo enquanto tribunal de revista (art.s 674º, n.º 3 e 682.º, n.ºs 1 e 2 do CPCivil). De resto, julgamos que não se poderá duvidar que, como é da natureza das coisas, um tal défice funcional permanente (isto apesar da sua causa se localizar exclusivamente a nível da oclusão dentária/articulação temporomandibular, e não também a nível dos membros) tem que ter um impacto negativo ou prejudicial na vida psicossomática da pessoa do Autor, mesmo não se mostrando que tal é de molde a prejudicar a respetiva capacidade aquisitiva de rendimentos profissionais.

Diferentemente do que defende (em primeira linha) a Recorrente, esse défice funcional constitui um dano autónomo, que independe da circunstância de não se ter provado a existência de prejuízo de ordem profissional, e que, por isso, é indemnizável por si só. O que se poderá discutir é se tal reparação deve ser feita a título de dano patrimonial ou a título de dano não patrimonial.

Observa-se, a propósito, no acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Outubro de 2011 (processo n.º 428/07.5TBFAF.G1.S1, relatora Maria dos Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt) que “uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º. Como se escreveu por exemplo no acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978), citando outras decisões, «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução. (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» No mesmo sentido, cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 30 de Setembro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 935/06.7TBPTL.G1.S1) ou de 7 de Junho de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1).

E no acórdão também deste Supremo Tribunal de 4 de Junho de 2015 (processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, relatora Maria dos Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt) aduz-se que «(…) já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1) [se disse que] “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)”».

De igual forma, no acórdão ainda deste Supremo de 27 de Outubro de 2009 (processo n.º 560/09.0YFLSB, relator Sebastião Póvoas, disponível em www.dgsi.pt) expende-se que “Já o Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal, de 4 de Outubro de 2005 – 05 A2167, julgou no sentido de que “o dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.”

Certo que se trata de um dano (que na definição do Prof. A. Varela “é perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses [materiais, espirituais ou morais] que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.” – in “Das Obrigações em Geral”, I, 591, 7.ª ed.).

Mas há que proceder à integração do dano biológico, ou na categoria do dano patrimonial – como “reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.” – Prof. A. Varela, ob. cit.) abrangendo não só o dano emergente, como perda patrimonial, como o lucro frustrado, ou cessante –, ou na classe dos danos não patrimoniais (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestigio ou de reputação e que atingem bens como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, o bom nome, que não integram o património do lesado).

A maioria da jurisprudência, e certa doutrina, consideram o dano biológico como de cariz patrimonial. (cf., entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os Acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248).

Em abono deste entendimento refere-se que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado – por não se estar perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta- pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.

Mas também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.

Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso como decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.

E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.

Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.

Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.

A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.

E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.”

No mesmo sentido vai o acórdão também do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2011 (processo n.º 7449/05.0TBVFR.P1.S1, relator Gregório Jesus, disponível em www.dgsi.pt), de cujo sumário se pode ler que “I - O dano biológico tem valoração autónoma em relação aos restantes danos, e casuisticamente o seu cariz poderá oscilar entre dano patrimonial ou dano moral, verificando-se se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho, ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual. II - Sofrendo o lesado em simultâneo perdas salariais efectivas as mesmas integrarão o dano emergente, como perda patrimonial directa e imediata consequente da perda de capacidade de ganho, calculada em função das remunerações percebidas à data do acidente, e nunca deverão influir no juízo de equidade a intervir no cálculo do dano biológico. III - Deve ser contabilizado como dano biológico a maior penosidade e esforço no exercício da actividade diária corrente e profissional por parte do autor/recorrido (…)”.

Enfim, o mesmo se diga ainda do acórdão ainda deste Supremo de 13 de Julho de 2017 (processo n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1, relator Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt), onde se pondera que “a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, que tem vindo a ser designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual, podem derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária.

Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado.

No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ, de 10/ 10/2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1, considerou que: “… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …”

E, no mesmo aresto, se acrescenta que: “Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal…

Assim, a este propósito podem projetar-se em dois planos:

- na perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;

- na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.”.

Sendo assim, como é - e tudo contra o que defende a Recorrente por via principal - não pode duvidar-se que o Autor tem direito a ser indemnizado pelo dano (dano biológico) correspondente ao défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 6 pontos, pese embora não se mostrar que esse défice afeta o seu rendimento profissional.

Simplesmente, e como observa a Recorrente, esta dano já se mostra comtemplado na sentença da 1ª instância no âmbito da indemnização por danos não patrimoniais.

Isto resulta claro do seguinte segmento da sentença, sob a rúbrica “Danos não Patrimoniais”:

 “ponderando (i) as lesões sofridas pelo Autor (traumatismo crânio encefálico, fracturas dos maxilares, fractura do cúbito e rádio esquerdos, perfuração dos intestinos delgado e grosso, hematomas e feridas superficiais dispersas no corpo; (ii) o quantum doloris” fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efectuados; (iii) o défice funcional permanete da integridade físico-psíquica fixável em 6 pontos; (iv) o dano estético permanente fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a alteração da mímica facial e a deformidade, afigura-se justa, equitativa e adequada à reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, uma indemnização no valor de 45.000,00€” (sublinhado nosso).

E, coerentemente, nada a sentença estabeleceu a tal título sob a rúbrica dos “Danos Patrimoniais”.

Vê-se daqui que a sentença considerou o dano biológico em causa como um dano não patrimonial, e desse modo o fez indemnizar. Não interessa para o caso se considerou bem ou mal, pois não estamos aqui a apreciar o mérito da sentença mas sim o mérito do acórdão recorrido. E contra o assim decidido na 1ª instância (quer quanto à natureza não patrimonial do dano quer quanto ao seu montante global) também o Autor se não insurgiu na sua apelação, preferindo pugnar, em regime de dupla reparação do mesmo dano futuro, por uma nova indemnização, como se a anteriormente fixada não existisse.

Tem assim razão a Recorrente quando sustenta que a condenação imposta pelo tribunal recorrido a título de reparação do dano patrimonial futuro carece de fundamento ou razão de ser. Repete-se: não se pode duvidar que o dano futuro existe efetivamente; o que se diz é que a sentença da 1ª instância não deixou de o levar em linha de conta como dano não patrimonial. Se assim foi, como realmente foi, então não se encontra espaço jurídico para uma nova indemnização, desta feita sob o figurino de dano patrimonial. Tratar-se-ia de indemnizar duplamente o mesmo preciso dano.

Procede pois a pretensão recursiva da Ré a ver revogada a condenação adicional imposta pelo tribunal recorrido.

Quanto à matéria das conclusões X) a Z):

Trata-se aqui de matéria suscitada a título subsidiário, e cujo conhecimento fica prejudicado pelo que acaba de ser dito.

Da ampliação do âmbito do recurso

A título subsidiário (isto para o caso do acórdão recorrido não ser mantido), o Autor suscita na sua contra-alegação a ampliação do âmbito do recurso.

Pretende que se declare nula a sentença da 1ª instância por omissão de pronúncia, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que não declarou nula a sentença e condenando-se a Ré no pagamento da supra aludida indemnização de €20.000,00 a título de danos patrimoniais futuros.

Diz o Autor, a propósito, que o acórdão recorrido andou mal ao ter decidido que não se verificava a nulidade de decisão que, na sua apelação, deduziu contra a sentença da 1ª instância.

Esta pretensão do Autor carece de fundamento, e por isso não pode ser deferida.

Desde logo porque não estamos aqui perante uma situação processual subsumível ao art. 636º do CPCivil, pois que nem é caso do Autor ter decaído num de vários fundamentos (o fundamento da sua apelação era apenas um, apresentado sob a forma de arguição de nulidade), nem é caso de imputação de nulidade (mas sim de erro de decisão) ao acórdão recorrido. O que se passa simplesmente é que o Autor teve ganho de causa na 2ª instância e que a parte contrária recorreu, tendo o Autor que se submeter, sem direito a outra qualquer tergiversação processual, à decisão do recurso.

Depois porque este Tribunal pronuncia-se sobre o decidido pelo acórdão recorrido, e não sobre o decidido pela 1ª instância, não podendo assim declarar nula a sentença e condenar no pedido em causa. O que este Tribunal poderia fazer era declarar a nulidade do acórdão recorrido (se acaso existisse), mas a verdade é que também o Autor não imputa qualquer nulidade ao acórdão recorrido. Observe-se que, diferentemente do que sucede no recurso de apelação, no recurso de revista o Supremo não se substitui sequer ao tribunal de 2ª instância em caso de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. n.º 2 do art. 684º do CPCivil), muito menos o podendo fazer relativamente à 1ª instância.

Mas, seja como for, nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao ter considerado inexistente a nulidade de decisão que o Autor invocou na sua apelação. Essa nulidade fundava-se na omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação da Ré na indemnização de €20.000,00 a título de dano patrimonial futuro por efeito do défice funcional de 6 pontos. Contudo, como acima julgamos ter demonstrado, a sentença da 1ª instância não deixou de considerar esta pretensão do Autor, apenas acontece que dela conheceu no âmbito dos danos não patrimoniais. Donde, e como bem considerou o acórdão recorrido (ainda que com fundamentação diversa), a questão era de mérito e não de nulidade de decisão, e por isso (embora mal a nosso ver) deu procedência à pretensão de mérito do Autor, condenando a Ré no pagamento da aludida quantia.

Conclusão: o acórdão recorrido não decidiu de forma errada ao não ter julgado procedente a arguição de nulidade que o Apelante suscitou.

O que significa que, mesmo que tivesse fundamento processual (que não tem) sempre o efeito visado com a ampliação do âmbito do recurso está condenado à improcedência.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista da Ré BB, S.A. e, em consequência, revogam o acórdão recorrido, ficando a valer o decidido na sentença da 1ª instância.

Regime de custas:

O Autor é condenado nas custas do presente recurso, bem como nas da apelação.

                                                           ++

Sumário:

                                                           ++



Lisboa, 18 de Setembro de 2018

José Rainho

Graça Amaral

Henrique Araújo