Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARGARIDA BLASCO | ||
Descritores: | RECURSO PENAL | ||
Data do Acordão: | 09/23/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE. | ||
Sumário : | I- A previsão legal do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, contém a descrição típica do crime de tráfico de estupefacientes, de maneira compreensiva e de largo espectro, contendo o tipo base, fundamental, essencial, matricial. Trata-se de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação. Tem sido englobado na categoria do "crime exaurido", "crime de empreendimento" ou "crime excutido". É um crime de perigo comum. E é, também, um crime de perigo abstracto. E consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido (a saúde pública na dupla vertente física e moral). II- Por seu turno, o artigo 25.º, do DL nº 15/93, de 22.01, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no artigo 21.º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma. Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”. O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta pois de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21.º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir exemplificativamente “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”. Estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade. III- A situação de vendedor de rua, contactando o agente diretamente os consumidores, enquadra-se normalmente neste preceito, mas não necessariamente. Também a cedência gratuita ou a guarda por conta de outrem sem intuito lucrativo integrarão normalmente, mas não obrigatoriamente, este tipo criminal. É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º. IV- Assim, o artigo 25.º encerra um específico tipo legal de crime, o que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do artigo 21.º. A sua aplicação tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito. Respeita, assim, os pressupostos da disposição, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta. E sendo os índices, exemplos - padrão, enumerados no preceito, a par de outros, atinentes, uns, à própria acção típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção), outros, ao objecto da acção típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), pertencem todos ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, a juízo sobre a culpa. Constitui o artigo 25º, alínea a), do DL n.º 15/93, de 22.01, uma "válvula de segurança do sistema'', destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial. V- Da apreciação da matéria assente retira-se que estamos perante um caso de tráfico de estupefacientes, cujo grau de ilicitude, se mostra muito para além, da alegada considerável diminuição da ilicitude pelo que o enquadramento dos factos provados, se reconduz à prática de um crime de tráfico-base, a saber o do artigo 21.º, n º 1, com referência à sua tabela anexa I-C, e não no crime tráfico de menor gravidade do artigo 25.º.Resulta claro que os arguidos não eram uns meros vendedores de rua, actuando sob o controlo direto ou indireto de outrem, a quem estariam subordinados diretamente, ou meros possuidores precários da droga que lhes era entregue por outrem, para ser por eles vendida e a quem teriam que entregar o produto da sua venda. Resulta claro que eram vendedores que atuavam por sua conta e risco, tinham uma carteira de clientes selecionados que os conheciam bem, sendo que, todo o produto resultante dessas vendas integrava o património de todos, sendo o ora recorrente e os seus coarguidos que determinavam as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que ocorriam as vendas. E levavam a cabo tal atividade de forma organizada e cautelosa, pois que, procuravam ter nos contactos que mantinham com os consumidores, o devido cuidado, revezando-se na entrega desses produtos, o que nos leva a concluir por alguma sofisticação no seu modo de atuação. Por último, a qualidade da planta vendida cannabis sativa L., no caso concreto haxixe, não constitui uma ameaça tão grave para a saúde pública, como é o caso da cocaína e da heroína, ou por exemplo, do crack substância sintética, como se disse apesar de ser um produto barato, pode causar malefícios para o consumidor. Apesar das substâncias transacionadas pelos arguidos serem das chamadas drogas leves, não se descortina nos factos provados quaisquer circunstâncias que tornassem irresistível a adstrição dos arguidos à atividade de traficante. Basta atentar em que não se descortinam obstáculos a que trabalhassem ou, sequer, qualquer esforço voluntário para que pudessem angariar meios de subsistência por via lícita. VI- Pelo que se conclui que: do conjunto do acervo probatório a imagem global do facto que se retira é a de que estamos perante um caso de tráfico de estupefacientes, cujo grau de ilicitude se mostra muito para além da requerida considerável diminuição da ilicitude, pelo que o enquadramento dos factos provados integra o crime de tráfico-base, previsto no artigo 21.º, n º 1, no caso, com referência à sua tabela anexa I-C. Para tal, há que considerar o período temporal em que os arguidos se dedicaram ao exercício da mencionada atividade- por cerca de 2 anos e 8 meses e com periodicidade quase diária/ semanal; as quantidades transacionadas de tais produtos; aos montantes recebidos por cada transação no aludido período temporal e aos lucros assim obtidos, que foram repartidos por todos os arguidos nos autos, leva-nos a concluir pela inexistência de uma diminuição considerável da ilicitude da sua atuação, de modo que se possa alterar a qualificação jurídica do mencionado crime, e que conduz a um quadro fático que afasta decisivamente a reclamada considerável diminuição da ilicitude das suas atuações, de modo a subsumir as suas condutas no crime tipificado no artigo 25.º, do DL n.º 15/93, de 22.01. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 29/15.4PEVNG.S1
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I. 1. Por acórdão de 22.03.2021, proferido nos autos acima referenciados, foi decidido pelo Tribunal Judicial da Comarca ...-Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., o seguinte: a) condenar o arguido AA, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de cinco (5) anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de cinco anos, suspensão esta acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento pelo arguido do plano de reinserção social que venha a ser definido em concreto pela D.G.R.S.P.; b) condenar o mesmo arguido AA, pela prática, em autoria material de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de cem (100) dias de multa, à taxa diária de € 5.00 (cinco Euros); c) condenar o arguido BB, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de quatro (4) anos e quatro (4) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de quatro anos e quatro meses suspensão esta acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento pelo arguido do plano de reinserção social que venha a ser definido em concreto pela DGRSP; d) condenar o arguido CC, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de cinco (5) anos e dez (10) meses de prisão; e) condenar o arguido DD, pela prática, em autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão, substituindo-se esta por 480 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, com sujeição do mesmo ao dever de se sujeitar a avaliação/tratamento/acompanhamento à sua eventual condição de consumidor de substâncias estupefacientes. 2. O arguido CC veio interpor recurso, restringido à matéria de direito, deste Acórdão per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos artigos 399.º, 400.º a contrario, 402.º, 407.º, 406.º, n.º 1, 408.º, n.º 1, alínea a), 410.º, 411.º, 412.º, 427.º, 428.º e 432.º a contrario, todos do Código de Processo Penal (CPP), de cuja motivação se extraem as seguintes conclusões que se transcrevem: (…) I. Face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento estamos em crer que o Tribunal a quo errou ao descartar a condenação do arguido pela prática do crime de tráfico de menor gravidade. II. No total, estamos perante 13 vendas em quantidades reduzidas de haxixe de onde facilmente retiramos a pequena dimensão do tráfico que foi investigado nestes autos. III. Mesmo o resultado das buscas ainda que somando a totalidade do produto estupefaciente apreendido a todos os arguidos falamos de pouco mais de 1kg de haxixe. IV. Ora, durante toda a investigação apenas observamos arguidos que se conhecem, que são vizinhos e até que são familiares, mas nada mais. V. Da factualidade apurada retiramos que a atividade a que se dedicavam os arguidos era esporádica, não usavam qualquer método sofisticado de dissimulação daquela atividade. VI. Claramente estamos um simples “tráfico de rua” com pouquíssimos clientes que adquiriam produto estupefacientes para consumo próprio. VII. Sem qualquer margem para a dúvida que a inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um negócio de rua, sem recurso a qualquer a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma conflui com a gravidade do ilícito. VIII. Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem, então, a quantidade e a qualidade da droga. IX. Da factualidade apurada, a conduta dos arguidos insere-se no pequeno/médio tráfico. X. Para tanto contribui a circunstância de, por exemplo, nada ter sido apurado quanto à existência de uma estrutura organizativa ou de uma sofisticação de meios. XI. Como acima já foi referido tudo aponta, pois, para a redução do acto ilícito a um negócio de rua, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, o que não deixa de dar uma matriz de simplicidade que, de alguma forma, conflui com a gravidade do ilícito. XII. Outrossim, não se pode olvidar a qualidade da droga em causa (no que às vendas se refere que, consabidamente, não é das mais perniciosas) e, ainda, a circunstância de as quantidades apreendidas não serem particularmente expressivas, e ainda o facto de o princípio ativo presente ser manifestamente reduzido, variando entre os 6% e os 10%. XIII. Também o número de consumidores envolvidos não é significativo. XIV. Em suma, é nosso entendimento que a conduta do arguido ainda encontra na moldura penal do art. 25º a medida da sua culpa. XV. Mal andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido pela prática do crime de trafico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21.º face aos elementos que constam dos autos e apontam para uma atuação enquadrável no trafico de menor gravidade. XVI. O recorrente não se conforma, nem pode conformar com a desproporcionalidade da pena de 5 anos e 10 meses de prisão que lhe foi determinada. XVII. Pois que a função do Direito Penal se afere não só quanto à natureza do seu objeto, ou se quisermos, do comportamento criminoso, XVIII. Como também quanto às especificidades das consequências jurídicas que àquele se ligam – as penas e as medidas de segurança. XIX. Temos por certo e definitivo o afastamento de uma conceção retributiva da pena, desde logo dada a sua “inadequação à legitimação, à fundamentação e ao sentido da intervenção penal”. XX. Como facilmente se conclui da leitura do texto do Acórdão ora em crise o argumento fundamental para aplicação de uma pena tão dura foi a satisfação de uma das finalidades das penas, qual seja a da prevenção geral. XXI. Na verdade, a pena que lhe foi aplicada espelha grandemente uma conceção negativa de prevenção especial que não é admissível no nosso sistema jurídico-penal. XXII. Salvo o devido respeito, subjaz na decisão recorrida um efeito de defesa social através da segregação do recorrente, como se o julgador procurasse atingir a sua neutralização social duradoura. XXIII. A comunidade efectivamente necessita de sentir que este tipo de criminalidade é fortemente punido, porém necessita também de sentir que a pena aplicada é justa, proporcional e adequada ao caso concreto. XXIV. O arguido recorrente confessou os factos pelos quais vinha acusado, mas tal confissão foi desvalorizada pelo Tribunal a quo referindo que tal confissão não tem um efeito muito atenuante e bem sabendo quais os seus direitos, bem sabendo que o silencio em nada o iria prejudicar preferiu falar, aliás optou por falar e fê-lo com verdade. XXV. E fê-lo porque era sua vontade colaborar com a justiça, demonstrara arrependimento e mostrar ao Tribunal que mudou. XXVI. O recorrente está perfeitamente inserido familiar e socialmente. XXVII. É uma realidade que a lei coloca o haxixe no mesmo patamar das outras drogas, mas desde a altura em que foi legislada tal problemática muito tem mudado estando neste momento o haxixe num patamar de gravidade médio baixo quando comparado com as outras drogas. XXVIII. Não podemos ainda desconsiderar o arrependimento demonstrado pelo recorrente que nos leva necessariamente a concluir que o seu comportamento anterior é um acto isolado na sua vida e que a ameaça da pena cumpre com a plena satisfação das necessidades intrínsecas às mesmas. XXIX. O recorrente já sentiu e continua a sentir as consequências do crime que cometeu, sente culpa, sente remorso e vivencia esses sentimentos vezes sem fim cada vez que pensa na sua companheira e no seu filho de 4 anos. XXX. A verdade é que condenação na pena de 5 anos e 10 meses de prisão traduz-se para o recorrente num duro revés na tentativa individual de restabelecimento, uma vez que a sua integração no mundo laboral ficará seriamente comprometida pelas dificuldades que certamente terá em arranjar colocação laboral quando voltar a estar em liberdade. XXXI. Para não falar das dificuldades que terá em restabelecer os elos de ligação com a família e a sociedade em geral que, por ora se mantem intactos. XXXII. No caso concreto punir o recorrente com uma pena de prisão que terá necessariamente de ser efectiva terá um efeito mais nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção do que se lhe fosse aplicada uma pena inferior e sempre suspensa na sua execução. XXXIII. Compulsados os autos não podemos deixar de concluir pela existência de um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, acreditando que a severa censura do facto e a ameaça da pena de prisão, são mais do que suficientes pata afastar o recorrente da criminalidade e continuar plenamente inserido na sociedade de forma útil e produtiva. XXXIV. Entende o recorrente, por conseguinte, que o acórdão recorrido deverá ser revogado no segmento decisório respeitante à pena de 5 anos e 10 meses de prisão, devendo o mesmo ser condenado em alternativa numa pena de prisão que permita a suspensão da sua execução, por igual período de tempo, assim se respeitando as normas dos artigos 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.3, todos dos Código Penal. Princípios e disposições legais violadas ou incorrectamente aplicadas: Artigos 18.ºda Constituição da República Portuguesa; Artigos 40.º, 50.º, 52.º, 53.º, 54.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.ºdo Código Penal; Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a, aliás, douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas. (…). 3. Veio ainda o arguido AA interpor recurso per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos artigos 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 1, alínea a) e 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, apresentando as seguintes conclusões à sua motivação, que se transcrevem: (…) A. Não se conformando com o douto acórdão, vem o RECORRENTE AA recorrer do mesmo, mas, apenas e tão só, no que concerne como crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado, nada tendo a sindicar no que concerne com a condenação pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal. B. Por sua vez, e no que bule com o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado, o RECORRENTE conforma-se com matéria de facto fixada, mas sindica a subsunção jurídica dos factos provados na previsão do artigo 21º do DL 15/93, de 22.01, pugnando a sua tipificação pelo vertido no artigo 25º do aludido diploma legal. C. A definição típica do ilícito do artigo 25.º (tráfico de menor gravidade) do Decreto-Lei n.º 15/93, remete para a previsão do artigo 21.º, constituindo um tipo de crime privilegiado relativamente ao tipo fundamental deste preceito, por adição de elementos respeitantes à ilicitude (que não à culpa) que atenuam a pena. D. No caso sub judice é inequívoco que temos uma actuação conjunta do RECORRENTE, no entanto a organização utilizada na prossecução do desígnio criminoso é básica e não transcende a ligação familiar que une os arguidos, estamos, pois, perante uma entreajuda familiar, sem mais nunca tendo sido utilizado qualquer colaborador com vista a desenvolver a actividade de venda de estupefaciente e/ou assessorar nas diversas tarefas adjacentes a tal actividade. E. O RECORRENTE no desenvolvimento da sua actividade nunca utilizou meios técnicos ou tecnológicos para contactar ou ser contactado pelos consumidores, mas, outrossim, a venda fazia-se na rua, em local fixo, perto da sua habitação, vide pontos 7 e 40 dos factos provados. F. A venda era feita de forma rudimentar com o estupefaciente guardado em bocas de incêndio que se encontravam junto ao local onde era feita a venda directa por parte do RECORRENTE e dos seus coautores. G. Dos factos provados resulta uma extensão geográfica irrisória, porquanto as vendas eram sempre realizadas na mesma zona restrita. H. Com efeito, os factos considerados como provados permitem fixar a conduta do RECORRENTE na venda directa de haxixe a consumidores, vendas que em regram eram de € 5,00 a € 10,00, tendo por uma única ocasião sido apurada a venda de uma placa de haxixe, vide ponto 5 dos factos provados. I. Por sua vez, foi verificado pelos órgãos de polícia criminal que as vendas decorriam por um curto período de tempo (algumas horas), tendo estes presenciado, por mais do que uma vez, que os consumidores foram embora sem serem fornecidos porquanto terminou o estupefaciente para venda. J. Na verdade, dos factos provados resulta que a quantidade de estupefaciente comercializada e detida para a venda foi diminuta e, por maioria de razão também o lucro obtido com as aludidas vendas foi de expressão reduzida. K. Por outro lado, se atentarmos na factualidade provada torna-se cristalino que as vendas se concentram num curto período de 2016 e posteriormente novamente num curto período do ano de 2018, o que é bem diferente de se poder afirmar que resulta da matéria provada factualidade que demonstra uma venda ininterrupta de estupefacientes ao longo de todo o período em investigação. L. Adita que, ao RECORRENTE não foi apreendida qualquer quantia monetária digna de registo, nem tão pouco das inúmeras diligências de investigação vertidas nos autos foi colhida prova e/ou informação de que o mesmo tivesse uma vida faustosa ou ostentasse sinais exteriores de riqueza, compatíveis com uma actividade de tráfico acolhida no artigo 21º do D.L. 15/93, de 22.01. M. De igual modo, e tal como resulta dos factos provados, parte dos lucros obtidos com a venda do produto estupefaciente, e bem assim parte deste, era para consumo do RECORRENTE e dos seus irmãos, vide pontos 52, 53 e 96 dos factos provados. N. Estamos, pois, perante um tráfico de rua, obviamente dirigidos ao lucro, mas em primeira linha dirigido a suprir as necessidades de consumo do RECORRENTE e dos seus coautores. O. Com efeito, no caso do RECORRENTE estamos perante venda directa, sem recurso a intermediários, de quantidades diminutas de haxixe, que gerou proventos baixos e que serviram também para satisfazer as suas necessidades de consumo e tudo isto levado a cabo de forma rudimentar e numa área geográfica muito restrita, sendo uma das situações que encontra previsão no artigo 25º do mesmo diploma legal, tal e qual como se discorre no aresto do STJ de 18.02.2016, brilhantemente relatado pelo Conselheiro Souto Moura, disponível em www.dgsi.pt e que entendemos tem completa cobertura no caso dos autos. P. Assim, em face do exposto, mal andou a decisão recorrida ao condenar o RECORRENTE pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º do D.L. 15/93, 22.01, devendo a mesma ser revogada e substituída por decisão que condene o RECORRENTE pelo crime de tráfico p. e p. no artigo 25º do aludido diploma legal, com as devidas e legais consequências, designadamente em sede de medida da pena. Q. Com efeito, operada a solicitada convolação do crime de tráfico pelo qual o RECORRENTE foi condenado, no tipo positivado no artigo 25º do D.L. 15/93, de 22.01, deve ser determinada a medida da pena a aplicar que, no entendimento do RECORRENTE, se deve situar no limiar médio superior da moldura penal, i.e., numa pena a fixar entre os 3 e os 4 anos, mantendo-se o regime de suspensão da sua execução. Nestes termos, revogando-se a decisão recorrida nos termos sobreditos, far-se-á Justiça! (…). 4. Os recursos foram admitidos e fixado o efeito legal, por despacho judicial de 10.05.2021. 5. O Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal de 1.ª Instância, apresentou as suas contra-alegações de onde se extraem as seguintes conclusões que se transcrevem: (…) 1- Não padece o acórdão recorrido de qualquer erro na qualificação jurídica que realizou dos factos, pois que, em face da factualidade dada como provada, preencheram os arguidos CC e AA o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL nº 15/93, de 22/1, e não o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º al. a) do mesmo diploma legal. 2- Considerando o longo período temporal em que os arguidos se dedicaram ao exercício da atividade de tráfico- entre 15 de abril de 2016 a 11 de dezembro de 2018 e desde o início de 2018 a dezembro de 2018 com o outro irmão BB- preencheram os arguidos com as suas atuações o crime de tráfico tipificado pelo art.º 21º do DL nº 15/93, de 22/1. 3- Pese embora o preço de venda das quantidades transacionadas- 5€; 10€; 20,00€-, seja diminuto, ainda assim, considerando o período temporal em que os arguidos se dedicaram a tal atividade, e a quantidade de produto estupefaciente transacionada nesse período, lograram os mesmos auferir avultados proventos dessa atividade, o que aliás é compatível, desde logo, com a elevada quantia monetária que o arguido CC possuía, aquando da sua detenção- 9.321,19€- a ser repartida com o arguido AA. 4- O facto de não ter sido apreendida na posse do arguido AA qualquer quantia monetária, não permite, sem mais, concluir que o mesmo não auferisse proventos da atividade ilícita a que se dedicava, tanto mais, que participando diretamente nas vendas, à luz das regras da experiência comum, forçosamente o lucro obtido seria repartido por todos os irmãos. 5- Ademais, para a consumação do mencionado ilícito não exige o legislador que o agente aufira elevados proventos. Sendo um crime de perigo comum, o mesmo consuma-se com a mera detenção pelos arguidos de quantidades de estupefacientes que podem destinar à venda ou até à mera cedência a terceiros. 6- Não é pelo facto de os arguidos não possuírem uma vida aparentemente faustosa ou de não ostentarem sinais exteriores de riqueza que se possa concluir pelo não preenchimento dos elementos típicos do crime de tráfico de estupefacientes tipificado no art.º 21º do DL nº 15/93, de 22/1. 7- É também absolutamente indiferente ao preenchimento do aludido ilícito que os arguidos destinassem parte dos lucros auferidos com a venda do produto estupefaciente para o seu próprio consumo. Tal apenas relevaria se todo o estupefaciente transacionado pelos arguidos e os lucros por eles obtidos fosse canalizado para o próprio consumo- caso em que poderíamos qualificar a atuação dos arguidos no eventual crime de traficante-consumidor previsto no art.º 26º do DL nº 15/93, de 22/1. 8- Todavia, não foi isso que resultou da prova produzida e mormente das declarações prestadas em audiência pelos arguidos. O dinheiro proveniente das aludidas vendas de estupefacientes, só em parte, era canalizado para a aquisição de estupefacientes para o próprio consumo dos Recorrentes, donde se deduz que, uma outra parte, seria gasta no próprio sustento dos arguidos e de seus agregados familiares, já que nenhum deles exercia atividade profissional remunerada que lhes permitisse obter outra fonte de rendimento para garantir o seu sustento. 9- Os Recorrentes, não se limitaram apenas a realizar pequenas vendas de haxixe-cerca de 13 vendas. Os Recorrentes exerceram essa atividade em coautoria sendo ambos responsáveis pelas vendas e transações que individualmente concretizaram e que se deram como provadas, o que excede em muito a quantidade diminuta de vendas. 10- Ademais, considerando ainda a quantidade de produto estupefaciente apreendida nos autos aos arguidos: na boca de incêndio: 62.712 gramas possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 101 doses; 16.332 gramas possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 26 doses; no interior das instalações devolutas do ginásio- 70,003 gramas possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 113 doses; 855 gramas possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 1692 doses; 6,850 gramas possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 8 doses; no buraco de um muro 16.332 gramas possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 26 doses; na residência 2,848 gramas, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 4 doses; 20,504 gramas possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 33 doses; 1,006 possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 1 dose; 5,653 gramas possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 5 doses, também é manifestamente expressivo que os arguidos não transacionavam pequenas quantidades de haxixe, como alegam. 11- É também notório o método de sofisticação usado pelos Recorrentes que, procurando evitar serem detidos com quantidades elevadas de estupefacientes, optavam por dissimular tais produtos em bocas de incêndio desativadas na imediações da sua residência- para onde se dirigiam cada vez que um consumidor os procurava com vista à aquisição de tais produtos; num ginásio abandonado igualmente nas imediações dessa residência- onde não só acondicionavam o mencionado produto mas também os instrumentos necessários à sua pesagem e corte com vista ao seu doseamento e posterior venda em pequenas embalagens- e, bem assim, num buraco de um muro- de modo a que não fosse associado à detenção de tais produtos. 12- Os arguidos, contrariamente ao que alegam, não levavam a cabo a mencionada atividade de forma rudimentar. Muito pelo contrário. Os arguidos levavam a cabo essa atividade de forma ardilosa procurando com a ocultação do produto estupefaciente em vários locais; com a localização do exercício dessa atividade circunscrita à sua área de residência; sem a contratação de terceiros para a levarem a cabo e sem a utilização de meios telefónicos no contato que mantinham com os consumidores a quem vendiam tais produtos, de modo a evitarem a sua ligação a essa atividade, o que revela uma sofisticação no modo como a mesma era organizada. 13- Por outro lado, os arguidos exerciam esta atividade de forma organizada e cautelosa sendo transações que realizavam revessando-se nessas vendas; sem deterem na sua posse quantidades elevadas, encaminhando-se antes aos locais onde guardavam tais produtos para recolher a quantidade necessária para abastecerem os consumidores que os contatavam; sem prévios contatos telefónicos com os consumidores e sem dispersão territorial. 14- Considerando ainda as inúmeras vendas que realizaram aos consumidores identificados nos factos provados- EE; FF; GG; HH; II; JJ; LL; MM; DD; OO e a outros consumidores de identidade não apurada que se fizeram transportar em veículos indicados nos factos dados como provados- tal é revelador que os arguidos levaram a cabo uma atividade de forma reiterada, organizada e com intuito lucrativo, que permite afastar a aplicação do art.º 25º do DL nº 15/9 e, de 22/1 ao seu modo de atuação. 15- Ademais, apesar da atividade dos arguidos se centrar na venda de haxixe, sendo esta considerada uma “droga leve”, o certo é que, as quantidades de estupefacientes transacionadas e apreendidas aos arguidos, permite-nos concluir pelo elevado número de pessoas que poderiam ser atingidas pelas suas atuações, caso a atividade que levavam a cabo não fosse atempadamente interrompida. 16- No caso em apreço, resulta claro que os arguidos não eram meros vendedores de rua, atuando sob o controlo direto ou indireto de outrem, a quem estariam subordinados diretamente, ou meros possuidores precários da droga que lhes era entregue por outrem, para ser por eles vendida e a quem teriam que entregar o produto da sua venda, mas antes, eram vendedores que atuavam por sua conta e risco, tinham já “clientes” selecionados que os conheciam bem, sendo que, todo o produto resultante dessas vendas integrava os seus patrimónios, sendo eles quem determinavam as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que ocorriam as vendas. 17- Por outro lado, considerando a quantidade de vendas realizadas pelos arguidos no mencionado período temporal e que resultaram provadas também se conclui pelo exercício de uma atividade, não de modo esporádico ou com raridade, mas antes, uma atividade reiterada e permanente, que permite enquadrar as suas atuações no crime de tráfico do art.º 21º e não no art.º 25º al. a) do citado diploma legal. 18- A atividade de tráfico a que os arguidos se dedicavam, desenvolvida de forma organizada e meticulosa, só permite integrar as suas atuações, como bem assim o decidiram os Mmos. Juízes do Tribunal a quo, no crime de tráfico, p. e p. pelo art.º 21º nº 1 do DL nº 15/93, de 22/1, estando assim correta a subsunção jurídica efetuada. 19- A condenação do arguido CC na pena de 5 anos e 10 meses de prisão e a condenação do arguido AA na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova cumpre as finalidades determinadas pelo art.º 40º nº 2 do Código Penal, sendo tais penas proporcionais e adequadas, perante as necessidades de prevenção geral, prevenção especial e de justiça que o caso de per si reclama, não tendo, por isso, a decisão recorrida violado as normas penais consagradas nos arts. 70º e 71º do Código Penal. 20- Considerando a gravidade do ilícito pelo qual os arguidos foram condenados- com uma moldura penal situada entre os 4 e os 12 anos; a intensidade da culpa -considerando a firmeza do propósito criminoso a que se dedicaram por um longo período temporal; o elevado grau de ilicitude do facto- considerando a quantidade de estupefaciente envolvido; número de vendas concretizadas; período temporal em que se dedicaram a tal atividade; o modo de execução do facto relativamente organizado em termos de logística e envolvimento humano; o dolo direto com que atuaram; os fins que motivaram a respetivas condutas- e que se prendem com ganhos económicos e prejuízo resultante das suas atuações, consubstanciado nos malefícios para a saúde de todos os que ao longo do período em causa, lhes adquiriram e consumiram produtos estupefacientes -impossível seria ao Tribunal a quo decidir pela condenação dos mesmos em penas concretas mais brandas do que as que lhes foram aplicadas. 21- Em relação aos arguidos as exigências de prevenção especial são elevadas, pois que, apesar de integrados familiarmente não desempenham qualquer atividade profissional remunerada, subsistindo de apoios sociais e familiares. 22- Por outro lado, o arguido CC possui antecedentes criminais pela prática do mesmo crime, tendo sido já anteriormente condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade numa pena de prisão suspensa na sua execução por três anos e sujeita a regime de prova, reiniciado o cometimento dos presentes factos ainda no decurso do período de suspensão da execução da pena a que estava sujeito naquele outro processo, não lhe servindo assim de suficiente advertência bastante para se abster da prática de crimes desta natureza. 23- Por seu turno, apesar do arguido AA não possuir antecedentes criminais e ter confessado os factos, o certo é que continua a subsistir incerteza quanto ao seu posicionamento futuro em face da vida em sociedade e das suas normas de conduta, já que a sua abstinência de estupefacientes ocorre apenas no contexto prisional em que atualmente se encontra, sujeito a medida de coação de prisão preventiva no âmbito de outro inquérito que tem pendente pela prática do mesmo tipo legal de crime. 24- E são também elevadas as exigências de prevenção geral pois que o crime de tráfico de estupefacientes, enquanto flagelo social, crime contra a humanidade, afrontando a saúde individual e pública, a liberdade individual do viciado, a sua estabilidade da sua família destroçada, a segurança coletiva afetada, potenciador como é de crimes igualmente graves contra o património, pela reiteração da sua prática, modo de execução como se apresenta com recursos a meios de execução cautelosos, cria na comunidade um forte sentimento de intranquilidade e de censura que reclama, em nome da prevenção de futuro cometimento desses crimes e dissuasão de potenciais delinquentes, forte intervenção do direito penal. 25- Os Mmos. Juízes do Tribunal a quo valoraram todas as demais circunstâncias que depunham em desfavor dos arguidos e, mormente, o período temporal em que os arguidos levaram a cabo a mencionada atividade, com intuito lucrativo, pois que, nunca exerceram qualquer outra atividade profissional remunerada e de modo estável sempre logrando viver dos subsídios que lhes eram atribuídos pelo ISS e aos respetivos membros do agregado familiar, que fazem com que as exigências de prevenção especial sejam mais acentuadas e que imponham a necessidade de uma condenação que seja fortemente penalizadora e que permita aos arguidos consciencializarem-se do desvalor das suas atuações. 26- Assim sendo, as penas aplicadas, mostram-se justas, adequadas e proporcionais à gravidade do ilícito cometido satisfazendo as exigências da culpa e as necessidades de prevenção geral e sobretudo especial que no caso em apreço são elevadas, pelo que, nenhum reparo se impõe realizar ao acórdão recorrido devendo ser mantidas as penas concretas aplicadas aos arguidos. 27- E no caso do arguido CC não deverá a execução da pena de prisão aplicada ser suspensa, pois que, considerando a gravidade do ilícito cometido pelo arguido e a anterior condenação sofrida pelo arguido, mas que este não interiorizou a advertência resultante dessa condenação para se afastar da prática de novos ilícitos, afigura-se-nos inequívoco que o arguido revela uma personalidade reconduzível a uma tendência criminosa que não permite efetuar um juízo de prognose favorável ao seu afastamento da prática de novos crimes, caso seja sancionado com uma pena de prisão que seja suspensa na sua execução. 28- Mesmo que o Tribunal Superior equacione uma condenação do arguido CC em pena inferior à que lhe foi aplicada, atendendo à personalidade desconforme do arguido manifestada na anterior condenação que já sofreu, que não permitiu dissuadi-lo do cometimento de outros crimes da mesma natureza, impossível se torna efetuarmos um juízo de prognose favorável de que as sua condenação numa pena de prisão inferior à que concretamente lhe foi aplicada ou com execução suspensa, lhe servirá de censura adequada para o afastar do cometimento de novos crimes, em ordem a satisfazer as necessidades e finalidades da punição. 29- A condenação do arguido CC em pena de prisão efetiva, a nosso ver, ajudará o arguido a encontrar o equilíbrio que necessita para a sua melhor reinserção em sociedade, permitindo-lhe obter uma maior estabilidade psico-emocional em ordem à sua posterior reinserção social fazendo com que o ulterior regresso à vida em sociedade se faça com uma interiorização do desvalor da sua atuação, o que não se coaduna com a aplicação ao mesmo de uma pena de prisão inferior à que concretamente lhe foi aplicada. 30- No caso em apreço, em face da gravidade do crime de tráfico cometido; considerando o dolo direto e intenso com que atuou; o alarme social causado com a sua atuação na comunidade em geral; os seus antecedentes criminais; não é possível formular o juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro, não se mostrando, por isso, preenchidos os requisitos formais e materiais previstos no art.º 50º do Código Penal para a aplicação ao arguido de uma pena de prisão suspensa na sua execução. Termos em que devem ser julgados improcedentes os Recursos, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos e a condenação dos arguidos CC e AA pelo crime de tráfico, p. e p. pelo art.º 21º do DL nº 15/93, de 22/1, por inexistência de qualquer erro na qualificação jurídica dos factos, devendo os arguidos ser condenados nas penas de prisão que lhes foi aplicadas, a quais não violam quaisquer disposições legais alusivas à escolha e determinação da medida da pena, consagradas nos arts. 40.º, 50.º, 70.º, 71.º n.º 1 e 2 do Código Penal. (…). 6. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, onde o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto veio emitir Parecer nos termos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, pronunciando-se pela improcedência dos recursos na sua totalidade. 7. Cumprido o disposto no n.º 2, do artigo 417.º, do CPP, nada foi dito. 8. Colhidos os vistos, foram os autos remetidos para conferência.
II. 9. O objecto dos presentes recursos cinge-se à apreciação das seguintes questões: 10. Diz-se no acórdão recorrido no que interessa para a decisão do presente recurso: (…) 1. Factos Provados: 2. Fizeram-no maioritariamente no complexo habitacional de V..., ..., com especial incidência no local junto ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado "P...", sito na Rua ..., e junto ao café “A...”, sito na Rua ... e na Rua ..., rua esta sem saída e consequentemente pouco movimentada, nessa urbanização, e onde se situa um edifício devoluto e sem qualquer utilização, que outrora funcionou como ginásio, o qual apenas usavam para guardar o produto. 16. No dia 29 de Junho de 2018, entre as 17h30 e as 20h00, na Rua ... em V... - ... - ..., junto ao café denominado "A...", AA e o seu irmão BB, permaneceram no mesmo local até às 18:50h, e deslocavam-se para a Rua ... quando uma viatura entrava naquela artéria, não sendo mais visualizados. 18. No dia 3 de Julho de 2018, pelas 17h45, na Rua ... em V... - ..., BB depositou droga nas ranhuras de diversas caixas de bocas-de-incêndio inoperacional. 27. No dia 26 de Setembro de 2018, na Rua ... em V... -... - ..., AA e BB foram abordados por HH que conduzia a viatura de marca ...com a matrícula ...-...-OR, tendo recebido de AA 3,16 gramas de haxixe em troca de €5. 29. (…) 32. (…) 33. Pelas 19h20 AA deslocou-se a uma caixa de boca-de-incêndio, entregando de seguida haxixe a uma cidadã não identificada a troca de importância monetária não apurada. 42. Entre as 15h20 e as 15h25, BB deslocou-se também às instalações devolutas já mencionadas e quando de ali saiu, pelas 15h27, vendeu haxixe a um consumidor que se havia feito transportar ao local de bicicleta. 46. Pelas 15h47, sempre na Rua ..., BB foi abastecer-se de haxixe nas instalações devolutas acima apontadas, entregou haxixe a passageiro do veículo ...-...-QV, que ficaram a conversar com o arguido CC, e confiou de seguida o dinheiro recebido ao irmão/arguido CC que o colocou na bolsa preta que transportava pendurada ao pescoço. 1) A quantia monetária de 8,14 € (oito euros e catorze cêntimos) 2). A um (1) aparelho telefónico 1. Vários pedaços de canabis (resina), vulgo “haxixe”, com o peso líquido de 62.712 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,1%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 101 doses das previstas no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03; D) No interior das instalações devolutas do ginásio, supra indicadas, e que como referido eram utilizadas pelos arguidos CC, BB e AA para conservar e proceder ao corte do produto estupefaciente que adquiriam a terceiros em bruto e que destinavam à venda, estes detinham: 1. Uma balança digital da marca ...; 2. Uma faca de cozinha com resíduos de canabis (resina), vulgo “haxixe; 4. Um rolo de pelicula aderente; 5. Um rolo de sacos do lixo; 6. Vários pedaços de cannabis (resina), vulgo “haxixe”, com o peso líquido de 70,003 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,1%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 113 doses das previstas no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03; 8. Seis embalagens plásticas de MDMA, vulgo "ecstasy", com o peso bruto de 5,295 gramas e o grau de pureza de 42,3%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 20 doses das previstas no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03; 10. Vários pedaços de cannabis (folhas/sumidades), vulgo “haxixe”, com o peso líquido de 6,850 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 6,5%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 8 doses das previstas no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03; E). Em simultâneo, no interior do buraco de um muro junto a um pinhal ali existente que também era utilizado pelos arguidos CC, BB e AA para conservar produto estupefaciente que adquiriam a terceiros e que destinavam à venda, estes detinham cannabis (resina), vulgo “haxixe”, com o peso líquido de 16.332 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,0%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 26 doses das previstas no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03 (respeitantes a uma concentração média de 10% de THC); a. Vários pedaços de cannabis (resina), vulgo “haxixe”, com o peso líquido de 2,848 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,4%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 4 doses das previstas no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03 (respeitantes a uma concentração média de 10% de THC); b. Vários pedaços de cannabis (resina), vulgo “haxixe”, com o peso líquido de 20,504 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,1%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 33 doses das previstas no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03; 57. Mais sabiam todos os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal e que por isso incorriam em responsabilidade criminal. Mais se provou: 69. (…) 70. O processo de socialização do arguido CC decorreu no agregado familiar materno e simultaneamente inserido numa fratria de cinco com laços uterinos, da qual é o irmão mais velho. 71. Os pais separaram-se nos seus primeiros meses de vida, tendo a progenitora encetada nova relação de facto, constituindo-se o padrasto como a figura masculina de referência. 81. O arguido mantém uma relação afetiva que perdura há cerca de 6/7 anos e da qual nasceu um filho que conta com 4 anos de idade. 82. No decurso do ano de 2017, o arguido passou a residir com a companheira e o descendente. 83. Encontra-se desempregado e ocupa o seu tempo a cuidar do filho mais novo já que a companheira trabalha como empregada doméstica e faz serviços de manicure, auferindo cerca de 750€/mês, a que acresce o abono de família de aproximadamente 50€/mês. 85. O arguido reduziu os consumos de substâncias cannabinoides. 87. O arguido denota em abstracto consciência crítica quanto à censurabilidade e implicações do crime de que está acusado, mas reduzido reconhecimento da gravidade deste tipo de conduta e danos associados às vítimas. 104. Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido. 110.(…) 111.(…) 112.(…) (…).
11. Dito isto, apreciemos. Alegam os recorrentes que:
Em suma, a questão central ainda que não a única, que se mostra inscrita no objecto de ambos os recursos, é a da qualificação jurídico-penal dos factos objecto do processo. 12. Da qualificação jurídico-penal dos factos. Vejamos: Por seu turno, o artigo 25.º, do DL nº 15/93, de 22.01, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no artigo 21.º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma. Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”. O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta pois de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21.º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir exemplificativamente “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”. Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade: -o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração a sua danosidade para a saúde, habitualmente expressa na distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”; -a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza; -a dimensão dos lucros obtidos; -o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; -a afetação ou não de parte das receitas conseguidas ao financiamento do consumo pessoal de drogas; -a duração temporal da atividade desenvolvida; -a frequência (ocasionalidade ou regularidade), e a persistência no prosseguimento da mesma; -a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, tendo em conta nomeadamente a distância ou proximidade com os consumidores; -o número de consumidores contactados; -a extensão geográfica da atividade do agente; -a existência de contactos internacionais; -o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização e meios sofisticados. Estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade. A situação de vendedor de rua, contactando o agente diretamente os consumidores, enquadra-se normalmente neste preceito, mas não necessariamente. Também a cedência gratuita ou a guarda por conta de outrem sem intuito lucrativo integrarão normalmente, mas não obrigatoriamente, este tipo criminal. É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º. Entende este recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao condená-lo pela prática do crime de trafico de estupefacientes p. e p. no artigo 21.º, do DL n.º 15/93, de 22.01, pois face aos elementos que constam dos autos, os mesmos apontam para uma atuação enquadrável no tráfico de menor gravidade, porquanto: Em suma, entende este recorrente que a sua conduta ainda se reconduz à moldura penal do artigo 25º, do DL n.º 15/93, de 22.01, atenta a medida da sua culpa. Apreciemos. Retira-se da factualidade assente e quanto a este recorrente que: - o ora recorrente dedicou-se com os seus coarguidos à venda a terceiros de produtos estupefacientes, designadamente, haxixe e liamba entre 15.04.2016 a 11.12.2018, ou seja, cerca de 2 anos e 8 meses (facto provado n.º 1); - a prática do ilícito concentrava-se em três pontos da chamada Urbanização …, em ..., em dois cafés existentes no tecido urbano e numa rua pouco movimentada, onde existem as ruínas de um antigo ginásio, local onde foi apreendido produto estupefaciente, em 11.12. 2018, de uma só vez, 1kg de haxixe, que se encontrava dissimulada num tecto falso, do que anteriormente fora uma casa de banho (facto provado n.º 2); - não é conhecida qualquer actividade lícita estável ao recorrente (facto provado n. º 3); - o recorrente actuou única e exclusivamente movido por intuito lucrativo na cedência de substâncias narcóticas (facto provado n.º 3); - naquele dia 11.12.2018, e entre o mais recolhido no interior das instalações do ginásio e na sua residência, foi apreendida ao ora recorrente, a quantia de - 9 321, 19€- que o mesmo transportava consigo, repartida entre uma bolsa a tiracolo- onde se encontravam 1 796, 19€, e a mochila que trazia consigo, com a quantia de 7 525,00€ (factos provados n.ºs 48 e 49); - parte do produto estupefaciente referido no facto provado n.º 49, era para o consumo do ora recorrente e dos seus coarguidos, a saber: vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 2,848 gramas e o grau de pureza de 8,4%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 4 doses; vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 20,504 gramas e o grau de pureza de 8,1%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 33 doses ;vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 1,006 gramas e o grau de pureza de 6,8%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 1 dose; e vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 5,653 gramas e o grau de pureza de 6,5%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 5 doses, todas estas doses por referência às previstas no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03. - das análises laboratoriais regista-se que o haxixe continha um grau de pureza mais baixo do que o comum – avaliado pela percentagem de tetrahidrocanabinol (THC) existente no produto. Ficou ainda provado que o ora recorrente vendeu produto estupefaciente – haxixe -, por diversas vezes, e em coautoria com os seus coarguidos, recebendo em troca dinheiro, nomeadamente a: - EE, entre 2,5€ a 5,00€, no dia 15.4.2016 e em outras ocasiões- facto provado n.º 8; - FF, 1,32gr, no dia 28.4.2016 pelo valor de 5,00€-facto provado n.º 10; - PP, 1,45€, no mesmo dia, pelo valor de 5,00€- - facto provado n.º 12; - um casal que se fez transportar no veículo ...-...-FG, quantidade não apurada, no mesmo dia - - factos provados n.ºs 13 e 14; - um consumidor não identificado no dia 3.7.2018, em quantidade não apurada, sendo que este entregou várias notas de 20,00€- - facto provado n.º 17; - LL no dia 11.12. 2018, pelas 14h 31, 1,469 gramas líquido de haxixe, tendo recebido o dinheiro correspondente sendo que este adquiriu o mesmo produto desde o Verão de 2018, cerca de €2,5 de haxixe 2 a 3 vezes por mês- factos provados n.ºs 34; 36 e 38; - a passageiro do veículo …-BC-… pelas 15h30, entregou haxixe- facto provado n.º 45; - a passageiro do veículo ...-...-QV pelas 15h47, entregou haxixe- facto provado n.º 46. Para além das inúmeras vendas que realizou com os seus coarguidos aos consumidores identificados nos factos provados- GG; HH; II; JJ; MM; DD e OO e a outros consumidores de identidade não apurada que se fizeram transportar em veículos indicados nos factos dados como provados. Ora, do conjunto do acervo probatório que se descreveu, e tendo em conta que a matéria de facto assente, para além da que supra se indicou, a factualidade descrita deve ser apreciada no conjunto da actividade que o ora recorrente desenvolveu em coautoria com os demais arguidos, a saber o AA e o BB, para nos dar a imagem global do facto. E conclui-se que esta imagem é clara e expressiva. Da sua apreciação retira-se que estamos perante um caso de tráfico de estupefacientes, cujo grau de ilicitude, se mostra muito para além, da alegada considerável diminuição da ilicitude pelo que o enquadramento dos factos provados, se reconduz à prática de um crime de tráfico-base, a saber o do artigo 21.º, n º 1, com referência à sua tabela anexa I-C, e não no crime tráfico de menor gravidade do artigo 25.º , como pretende o ora recorrente. Senão, vejamos. Resultou provado que o ora recorrente CC e o seu coarguido AA se dedicavam a esta atividade desde 15.4.2016 até 11.12.2018- ou seja um período de 2 anos 8 meses- e posteriormente também com o irmão BB ao longo do ano de 2018. Contrariamente ao que alega o ora recorrente CC, o facto de apenas terem sido concretizados nos factos dados como provados- em face das declarações prestadas em audiência pelos arguidos- duas transações com intervenção direta deste arguido no ano de 2016- em 15.04.2016 e em 28.04.2016- não permite concluir, como quer fazer crer o recorrente, que ao longo de cerca de 2 anos e 8 meses entre 15 de abril de 2016 e dezembro de 2018, não se dedicasse a tal atividade. Claramente decorre que o ora recorrente se dedicou a esta actividade durante cerca de 2 anos e 8 meses. Por outro lado, ainda que, em relação ao preço unitário de venda das quantidades transacionadas- 5€; 10€; 20,00€- embora sejam valores diminutos, ainda assim, considerando o referido período temporal e a quantidade de produto estupefaciente transacionada nesse período, o ora recorrente e os seus coarguidos obtiveram avultados proventos dessa atividade. Só assim se compreende a elevada quantia monetária que o ora recorrente detinha aquando da sua detenção: 9.321,19€. De referir que ao contrário do que alega é absolutamente indiferente ao preenchimento do aludido ilícito que os arguidos, nomeadamente o ora recorrente, destinassem parte dos lucros auferidos com a venda do produto estupefaciente, para o seu próprio consumo. Tal apenas relevaria se todo o estupefaciente transacionado pelos arguidos e os lucros por eles obtidos, fossem canalizados para o seu próprio consumo. Se tal se tivesse provado, seria o caso de qualificar a atuação dos arguidos e do ora recorrente no crime de traficante-consumidor, previsto no artigo 26.º, do DL nº 15/93, de 22.01. Só que tal não resultou da prova produzida e, nomeadamente, das declarações prestadas em audiência pelos arguidos. Ademais, contrariamente ao que alega o recorrente CC, este não se limitou apenas a realizar pequenas vendas de haxixe, nomeadamente cerca de 13 vendas, como alega, no período temporal em que se dedicou a tal atividade. Considerando os inúmeros consumidores a quem os arguidos, em coautoria, venderam haxixe, sendo que, em relação a alguns dos mencionados consumidores, tais vendas ocorriam várias vezes por mês, facilmente se conclui que não foram apenas 13 vendas, as concretizadas pelo ora recorrente, e, portanto, inócuas, em ordem ao preenchimento do crime de tráfico de menor gravidade. Considerando o período temporal a que se dedicaram a tal atividade e o número de consumidores a quem venderam estupefaciente, concluímos que na sua totalidade, as quantidades vendidas pelos arguidos, não são reduzidas. Pelo que se mostra afastado o enquadramento da sua conduta ao crime de tráfico de menor gravidade. Por outro lado, também é notório o método utilizado para evitar que o ora recorrente e os seus coarguidos fossem detidos com quantidades elevadas de estupefacientes: ficou assente que dissimulavam o produto estupefaciente em bocas de incêndio desativadas nas imediações da sua residência, para onde se dirigiam cada vez que um consumidor os procurava com vista à aquisição de tais produtos, bem como num ginásio abandonado, igualmente nas imediações dessa residência, onde, não só acondicionavam o mencionado produto, mas também os instrumentos necessários à sua pesagem e corte, com vista ao seu doseamento e posterior venda em pequenas embalagens, e, bem assim, num buraco de um muro, de modo a que não fossem associados à detenção de tais produtos. Razão que pela qual detinham pequenas quantidades de estupefaciente no interior da respetiva residência, com o objectivo de dissimularem as enormes quantidades de estupefacientes que transacionavam. Assim, a quantidade do produto que transacionaram afasta-se de um mero tráfico de rua. Apesar da venda se concentrar em três pontos da chamada Urbanização ..., em ..., tal bairro configura um aglomerado populacional situado no extremo sul daquela cidade, que alberga hoje milhares de habitantes. Razão pela qual, a concentração e localização do tráfico em dois cafés existentes no tecido urbano e numa, sempre propícia rua sem saída onde existem as ruínas de um antigo ginásio (local onde foi apreendido, em 11.12.2018, de uma só vez, uma considerável quantidade de haxixe, atento o tipo de tráfico -cerca de 1kg- dissimulada num tecto falso, do que fora uma casa de banho) pertença do ora recorrente e dos seus coarguidos, demonstra que se dotaram de um recuo para o produto traficado, como de resto se pode concluir pela leitura do auto de busca efectuada na casa comum dos recorrentes e do coarguido BB. No local, foi também apreendida uma balança digital, marca ..., um rolo de película aderente, uma faca de cozinha com resíduos de haxixe, bem dois invólucros destinados ao seu acondicionamento. Igualmente usaram bocas de incêndio para dissimular o produto. Em síntese, resulta claro que os arguidos não eram uns meros vendedores de rua, actuando sob o controlo direto ou indireto de outrem, a quem estariam subordinados diretamente, ou meros possuidores precários da droga que lhes era entregue por outrem, para ser por eles vendida e a quem teriam que entregar o produto da sua venda. Resulta claro que eram vendedores que atuavam por sua conta e risco, tinham uma carteira de clientes selecionados que os conheciam bem, sendo que, todo o produto resultante dessas vendas integrava o património de todos, sendo o ora recorrente e os seus coarguidos que determinavam as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que ocorriam as vendas. E levavam a cabo tal atividade de forma organizada e cautelosa, pois que, procuravam ter nos contactos que mantinham com os consumidores, o devido cuidado, revezando-se na entrega desses produtos, o que nos leva a concluir por alguma sofisticação no seu modo de atuação. Por último, a qualidade da planta vendida cannabis sativa L., no caso concreto haxixe, i.e., um triturado de tal espécie vegetal, integrando folhas e sumidades de flores, frutos e resina, compacto por prensagem, a qual, não obstante a sua proibição, não constitui uma ameaça tão grave para a saúde pública, como é o caso da cocaína e da heroína, ou por exemplo, do crack substância sintética, como se disse apesar de ser um produto barato, pode causar malefícios para o consumidor. Com efeito, regista-se que o haxixe continha um grau de pureza mais baixo do que o comum – avaliado pela percentagem de tetrahidrocanabinol (THC) existente no produto. Ou seja: apesar das substâncias transacionadas pelos arguidos serem das chamadas drogas leves, não se descortina nos factos provados quaisquer circunstâncias que tornassem irresistível a adstrição dos arguidos à atividade de traficante. Basta atentar em que não se descortinam obstáculos a que trabalhassem ou, sequer, qualquer esforço voluntário para que pudessem angariar meios de subsistência por via lícita. Pelo que se conclui que: Do conjunto do acervo probatório a imagem global do facto que se retira é a de que estamos perante um caso de tráfico de estupefacientes, cujo grau de ilicitude se mostra muito para além da requerida considerável diminuição da ilicitude, pelo que o enquadramento dos factos provados integra o crime de tráfico-base, previsto no artigo 21.º, n º 1, no caso, com referência à sua tabela anexa I-C. Para tal, há que considerar o período temporal em que os arguidos se dedicaram ao exercício da mencionada atividade- por cerca de 2 anos e 8 meses e com periodicidade quase diária/ semanal; as quantidades transacionadas de tais produtos; aos montantes recebidos por cada transação no aludido período temporal e aos lucros assim obtidos, que foram repartidos por todos os arguidos nos autos, leva-nos a concluir pela inexistência de uma diminuição considerável da ilicitude da sua atuação, de modo que se possa alterar a qualificação jurídica do mencionado crime, e que conduz a um quadro fático que afasta decisivamente a reclamada considerável diminuição da ilicitude das suas atuações, de modo a subsumir as suas condutas no crime tipificado no artigo 25.º, do DL n.º 15/93, de 22.01. Acresce que o regime previsto neste normativo não funciona automaticamente, sendo indispensável para a sua aplicação a demonstração da considerável diminuição da ilicitude do facto, avaliada globalmente. Cada um daqueles índices ou factores, enunciados de forma não taxativa, não deve ser considerado separadamente, antes pressupondo uma imagem global que resulte da ponderação do conjunto dos factos provados e que corresponda a uma menor perigosidade presumida da ação para os bens penalmente protegidos. Pelo exposto, cremos que nenhum facto resultou provado que permita afirmar na sua globalidade que a conduta do arguido, ora recorrente, se traduz numa diminuição da ilicitude da sua atuação. Já no caso dos arguidos CC, AA e BB está em causa uma actuação conjunta que se prolongou no tempo, durante cerca de 1 ano relativamente ao último e cerca de 2 anos e seis meses no que toca aos dois primeiros, que na situação ocorrida no dia 11-12-2018 detinham cerca de 1 kg de haxixe e num curto período de tempo de cerca de 2 hora e 15 minutos (entre as 14.00 h e as 16.15 horas – cfr. relatório de vigilância de fls. 267 a 282) já tinham realizado nove transações daquela substância, sendo desta forma significativa a quantidade de estupefaciente em causa o seu modo de actuação revelador de uma actuação já organizada, tendo os três arguidos intervenção na divisão, acondicionamento e venda de tal estupefaciente, como, aliás, é de tal demonstrativo o material que lhes foi apreendido (uma balança digital, uma faca de cozinha, invólucros próprios para acondicionar haxixe, etc.). Assim, trata-se de uma actuação que necessariamente atingiu um número já considerável e elevado de consumidores e possibilitaria a obtenção de montantes mais elevados em dinheiro, como aliás, evidencia o montante das quantias apreendidas e que constituíam proventos da actividade criminosa que levaram a cabo, exigindo necessariamente um maior carácter de regularidade na venda das substâncias, o que leva à conclusão de que a conduta destes arguidos, embora tenha por objeto apenas um tipo de estupefaciente, que não integra as denominadas drogas duras, não vem a integrar o tipo legal de crime privilegiado previsto no art. 25º do D.L. 15/93, mas o tipo legal do art. 21º do mesmo diploma legal, embora obviamente com uma graduação que tem em conta a vasta plêiade de condutas que o tipo legal em causa pode abarcar, tendo em conta os limites mínimos e máximos da respectiva moldura penal, podendo dizer-se que a conduta dos arguidos dentro do crime fundamental atinge um nível de gravidade mais baixo. Não restam, pois, dúvidas de que no caso dos arguidos CC, AA e BB se mostram preenchidos todos os elementos objectivos do tipo legal fundamental do crime de tráfico de substâncias estupefacientes. Com efeito, perscrutando a matéria de facto provada não se poderá deixar de concluir que os referidos arguidos desde logo venderam a terceiros estupefacientes e detiveram estupefacientes destinados a serem vendidos a terceiros, sabendo e querendo fazê-lo, integrando-se os estupefacientes em causa na tabela anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro (canabis – Tabela I-C), sem que para tal estivessem autorizados, tendo pois cada um daqueles arguidos agido com dolo direto (cfr. art.º 14.º, n.º 1, do C.P.) e que as condutas dos arguidos são culposas, ou seja, estes são imputáveis e actuaram com consciência da ilicitude. (…) Visto o caso concreto dos autos, à luz das considerações ora expendidas e considerando os factos descritos na matéria de facto, temos que os arguidos CC, AA e BB não agiram isoladamente relativamente aos factos que se demonstrou terem praticado, partilhando antes entre si o domínio funcional do facto, todos contribuindo objetivamente para a execução dos factos de forma indispensável à realização dos mesmos, que entre si decidiram cometer, não sendo a atuação de cada um deles uma mera participação na execução por outrem do crime. Na verdade, o papel que na execução do facto cabia a cada um dos arguidos é parte fundamental do processo de tráfico. 14.Do recurso do arguido AA. Discorda este recorrente da subsunção jurídica dos factos provados na previsão do artigo 21.º do DL 15/93, de 22.01, pugnando a sua tipificação pelo vertido no artigo 25.º deste diploma legal, porquanto: a) a organização utilizada na prossecução do desígnio criminoso é básica e não transcende a ligação familiar que une os arguidos, pelo que se está perante uma entreajuda familiar, sem mais nunca tendo sido utilizado qualquer colaborador com vista a desenvolver a actividade de venda de estupefaciente e/ou assessorar nas diversas tarefas adjacentes a tal actividade; b) nunca foram utilizados meios técnicos ou tecnológicos para contactar ou ser contactado pelos consumidores, mas, outrossim, a venda fazia-se na rua, em local fixo, perto da sua habitação, de forma rudimentar com o estupefaciente guardado em bocas de incêndio que se encontravam junto ao local onde era feita a venda directa; c) a extensão geográfica é irrisória; d) os factos considerados como provados permitem fixar a conduta do ora recorrente na venda directa de haxixe a consumidores, vendas que em regra eram de € 5,00 a € 10,00, tendo por uma única ocasião sido apurada a venda de uma placa de haxixe; e) as vendas decorriam por um curto período de tempo (algumas horas); f) a quantidade de estupefaciente comercializada e detida para a venda foi diminuta e, por maioria de razão também o lucro obtido com as aludidas vendas foi de expressão reduzida; g) as vendas concentram-se num curto período de 2016 e posteriormente novamente num curto período do ano de 2018, e não de uma venda ininterrupta de estupefacientes ao longo de todo o período em investigação; h) não lhe foi apreendida qualquer quantia monetária digna de registo, nem foi colhida prova e/ou informação de que o mesmo tivesse uma vida faustosa ou ostentasse sinais exteriores de riqueza, compatíveis com uma actividade de tráfico acolhida no artigo 21.º do D.L. 15/93, de 22.01; i) parte dos lucros obtidos com a venda do produto estupefaciente, e bem assim parte deste, era para seu consumo e dos seus irmãos; j) trata-se de um tráfico de rua dirigido ao lucro, mas em primeira linha dirigido a suprir as necessidades do seu consumo e dos seus coautores; l) pelo que deve ser operada a solicitada convolação do crime de tráfico pelo qual foi condenado, no tipo positivado no artigo 25.º, do DL n.º 15/93, de 22.01.
Valem para este recorrente as considerações tecidas relativamente ao recurso do seu coarguido CC, no que tange à subsunção das suas condutas no artigo 21.º e não, como pretendem no artigo 25.º, do DL n.º 15/93, de 22.01. Com efeito, em face da factualidade dada como provada e já transcrita em 10. resulta, desde logo, demonstrado o período temporal (cerca de 2 anos e 8 meses) em que os arguidos, em coautoria com um outro e ainda com o irmão BB, se dedicaram à prática do mencionado ilícito, com caráter de permanência e reiteração, que não é coadunável com uma atividade meramente esporádica ou casual, fruto de circunstâncias ocasionais, de modo que se possa ter como consideravelmente diminuída a ilicitude das suas atuações. Com efeito, no caso em apreço, resultou provado que os arguidos CC e AA se dedicavam a esta atividade desde 15.4.2016 até 11.12.2018, e posteriormente também com o irmão BB ao longo do ano de 2018. Assim, considerando o mencionado período temporal em que se dedicaram a tal atividade e os benefícios que dela retiraram e que foram repartidos por todos, afigura-se-nos ser bastante para se concluir pela inexistência de uma diminuição considerável da ilicitude das suas atuações de modo que se possa alterar a qualificação jurídica do mencionado crime, constante do acórdão recorrido, convolando essa qualificação para o crime de tráfico de menor gravidade. Por outro lado, em relação ao preço de venda das quantidades transacionadas- 5€;10€; 20€- embora sejam valores diminutos, ainda assim, considerando o período temporal em que os arguidos se dedicaram a tal atividade e a quantidade de produto estupefaciente por eles transacionada nesse período, lograram os mesmos obter elevados proventos dessa atividade, o que aliás compatível, desde logo, com elevada quantia monetária que se encontrava na posse do arguido CC possuía aquando da sua detenção - 9.321,19€- e que se destinava a ser repartida entre todos. Acresce que, contrariamente ao que alega o ora recorrente, o facto de não ter sido apreendida na sua posse qualquer quantia monetária, não permite sem mais concluir que o mesmo não auferisse proventos da atividade ilícita a que se dedicava, tanto mais, que participando diretamente nas vendas, à luz das regras da experiência comum, forçosamente o lucro obtido seria repartido por todos os irmãos. Na verdade, não exercendo sequer o arguido à data qualquer atividade profissional remunerada com caráter permanente, certamente que para garantir o sustento do seu agregado se socorria dos proventos da atividade ilícita a que se dedicava. Ademais, para a consumação do mencionado ilícito não exige o legislador que o agente aufira elevados proventos. Sendo um crime de perigo comum, o mesmo consuma-se com a mera detenção pelos arguidos de quantidades de estupefacientes que podem destinar à venda ou até à mera cedência a terceiros. Não é pelo facto de os arguidos não possuírem uma vida aparentemente faustosa ou de não ostentarem sinais exteriores de riqueza que se possa concluir pelo não preenchimento dos elementos típicos do crime de tráfico de estupefacientes, tipificado no artigo 21.º, do DL n.º 15/93, de 22.01. E, como já se disse, é absolutamente indiferente ao preenchimento do aludido ilícito que o recorrente destinasse parte dos lucros auferidos com a venda do produto estupefaciente para o seu próprio consumo. Tal apenas relevaria se todo o estupefaciente transacionado pelos arguidos e os lucros por eles obtidos fosse canalizado para o próprio consumo, o que qualificaria a sua actuação no eventual crime de traficante-consumidor, previsto no artigo 26.º, do DL n.º 15/93, de 22.01. Todavia, não foi isso que resultou da prova produzida e das declarações prestadas em audiência pelos arguidos. O dinheiro proveniente das aludidas vendas de estupefacientes, só em parte, era canalizado para a aquisição de estupefacientes para o próprio consumo dos recorrentes. Resultou provado que, ao longo do período temporal em que se dedicaram a tal atividade, o ora recorrente AA, em coautoria com os demais arguidos, concretizou as seguintes vendas: - a EE, entre 2,5€ a 5,00€, o qual adquiriu o arguido CC no dia 15/4/2016 e em outras ocasiões-facto provado n.º 8; - a FF, 1,32gr, no dia 28.4.2016 pelo valor de 5,00€- facto provado n.º 10; - a PP, 1,45€, no mesmo dia, pelo valor de 5,00€- facto provado n.º 12; - a um casal que se fez transportar no veículo ...-...-FG, quantidade não apurada, no mesmo dia - factos provados n.ºs 13 e 14; - a consumidor não identificado no dia 3.7.2018, venderam quantidade não apurada sendo que este entregou ao arguido várias notas de 20,00€- facto provado n.º 17; - a GG, vendeu no dia 3 de julho de 2018, pelas 17h45, 5€ de haxixe, sendo que esta adquiria uma vez por semana cerca de €5 a €10 de haxixe ao arguido e seus irmãos, entre o início do ano 2018 e o mês de Novembro de 2018- facto provado n.º 21; - a consumidor não identificado que seguia na via publica, no mesmo dia, pelas 18h03, cedeu um pedaço de haxixe a troco de contrapartida não apurada- facto provado n.º 22; - ao condutor do veículo de matrícula ...-AH-... no mesmo dia, pelas 18h22, cedeu um pedaço de haxixe a troco de importância não apurada- facto provado n.º 23; - ao condutor do veículo de matrícula ...-…-FN no mesmo dia, pelas 18h35, cedeu um pedaço de haxixe a troco de importância não apurada- facto provado n.º 24; - ao condutor do veículo de matrícula …-…-UD no mesmo dia, entre as 18h50 e as 18h52, cedeu um pedaço de haxixe a troco de importância não apurada- facto provado n.º 26; - a HH no dia 26 de setembro de 2018, vendeu 16 gramas de haxixe em troca de €5, sendo que este adquiria ao arguido e seus irmãos desde agosto de 2017 a mesma quantidade 2 a 3 vezes por mês- factos provados n.ºs 27 e 28; - a JJ no dia 01 de outubro de 2018, pelas 18h07, transacionou €5 de haxixe o que fazia já desde Agosto de 2018, 3 a 4 vezes por mês- factos provados n.ºs 29 e 30; - a OO e II no mesmo dia, entre as 18h18 e as 18h20, sendo que os mesmos 3 vezes por mês compravam aos arguidos haxixe e naquele dia cada um adquiriu €5 e €25 de haxixe, respetivamente, sendo que no total detinham 25,03 gramas de haxixe- facto provado n.º 32; - a uma cidadã não identificada nesse dia, pelas 19h20, entregaram haxixe a troca de importância monetária não apurada- facto provado n.º 33; - a LL no dia 11 de dezembro de 2018, pelas 14h 31 1,469 gramas líquido de haxixe, tendo recebido o dinheiro correspondente sendo que este adquiriu o mesmo produto desde o Verão de 2018, cerca de €2,5 de haxixe 2 a 3 vezes por mês- factos provados n.ºs 34, 36 e 38; - a MM, no dia 11 de Dezembro de 2018, pelas 14h42, entregou 16,986 gramas líquido de haxixe, a que corresponde 27 doses das previstas no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/03, tendo recebido o dinheiro correspondente- facto provado n.º 39; - a DD nas mesmas circunstâncias, vendeu ainda 1 placa com o peso líquido de 93,926 gramas de haxixe, a que corresponde 159 doses- factos provados n.ºs 40 e 41; - a um consumidor que se havia feito transportar ao local de bicicleta no mesmo dia, entre as 15h20 e as 15h25, vendeu haxixe- facto provado n.º 42; - a passageiro do veículo de marca ..., modelo ..., ...-...-TT pelas 15h30, entregou haxixe - facto provado n.º 44; - a passageiro do veículo …-BC-… pelas 15h30, entregou haxixe- facto provado n.º 45; - a passageiro do veículo ...-...-QV pelas 15h47, entregou haxixe- facto provado n.º 46; - ao condutor da viatura de marca ..., modelo …, matricula …-…-RX pelas 15h49m, vendeu haxixe - facto provado n.º 47. Ora, considerando os inúmeros consumidores a quem o ora recorrente em coautoria com os demais arguidos venderam haxixe, sendo que, em relação a alguns dos mencionados consumidores, tais vendas ocorriam várias vezes por mês, facilmente se conclui não se tratar de vendas diminutas como vem agora alegar e, portanto, inócuas, em ordem ao preenchimento do crime de tráfico de menor gravidade. A que acresce ainda a quantidade de produto estupefaciente apreendida. Os arguidos guardavam em bocas de incêndio vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 62.712 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,1%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 101 doses; vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 16.332 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,0%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 26 doses; no interior das instalações devolutas do ginásio, vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 70,003 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,1%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 113 doses; vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 855 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 9,9%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 1692 doses; vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 6,850 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 6,5%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 8 doses; no buraco de um muro junto a um pinhal vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de16.332 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de8,0%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 26 doses e na residência vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 2,848 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,4%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 4 doses; vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 20,504 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 8,1%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 33 doses; vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 1,006 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 6,8%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 1 dose; vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 5,653 gramas e o grau de pureza (concentração de THC) de 6,5%, possibilitando a obtenção do equivalente a cerca de 5 doses. A dispersão dos locais onde guardavam o produto estupefaciente traduz a preocupação e a alguma sofisticação usada pelo recorrente e os seus coarguidos que procuravam deste modo, evitar serem detidos com quantidades elevadas de estupefacientes. Esses locais situavam-se junto à sua residência, onde eram procurados pelos consumidores com vista à aquisição de tais produtos. Na verdade, contrariamente ao que alega o recorrente AA, não se trata de venda de rua: a forma como levavam a cabo a mencionada atividade nada tinha de rudimentar, uma vez que os arguidos procuravam a ocultação do produto estupefaciente em vários locais; com a localização do exercício dessa atividade circunscrita à sua área de residência; sem a contratação de terceiros para levarem a cabo as vendas e sem a utilização de meios telefónicos, no contacto que mantinham com os consumidores, evitando, deste modo, a sua ligação a essa atividade. Ademais, apesar da atividade dos arguidos se centrar na venda de haxixe, sendo esta considerada uma droga leve, o certo é que as quantidades de estupefacientes apreendidas eram destinadas a um elevado número de pessoas que poderiam ser atingidas pela atuação destes, caso a atividade que levavam a cabo não fosse atempadamente interrompida. Como se disse supra em 11., nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõem-se com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das atividades que os consubstanciam. Todavia, à medida da tutela dos bens jurídicos reclamada pela satisfação do sentimento de segurança comunitária, não é alheia a dimensão da ilicitude das diversas modalidades de ação, no seu recorte objetivo. Acresce que, o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo comum, em face dos múltiplos bens jurídicos protegidos, onde sobressai a incolumidade pública na vertente da saúde pública, mas que também visa proteger a vida, a integridade física e a liberdade de virtuais consumidores pois que afeta a vida em sociedade, dificultando a inserção social do consumidor. A atividade de comercialização de estupefacientes assim levada a cabo pelo recorrente e os seus coarguidos tinha um escopo lucrativo, já que não lhe era conhecido hábitos de trabalho naquele período temporal em que se dedicou a tal atividade sendo que, mesmo os hábitos de consumo, eram diminutos. Atentas tais considerações e a factualidade que resultou provada, mostra-se evidente que o ora recorrente preencheu com a sua atuação os elementos objetivos e subjetivos do crime de tráfico de estupefacientes, tipificado pelo artigo 21.º, do DL n.º 15/93, de 22.01. Assim, o lucro fácil justifica a atuação dos arguidos que, embora cientes do risco que corriam com o exercício de uma atividade ilícita não se enquadra na figura do tráfico de menor gravidade, como pugna o recorrente.
15.Recorde-se, por último, e reitere-se que de tudo o exposto decorre que no tipo matricial do crime de tráfico do artigo 21º, n.º 1, estão abrangidos os casos mais variados de tráfico de estupefacientes, considerados dentro de uma gravidade mínima, mas já suficientemente acentuada para caber no âmbito do padrão de ilicitude requerido pelo tipo. Diga-se, ainda, que a opção pelo tipo privilegiado, tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, de 22.01, não poderá resultar exclusivamente da natureza do estupefaciente, nomeadamente de haxixe. A lei não prevê uma desqualificação automática da gravidade do crime em função da natureza do estupefaciente traficado, ainda que aponte para uma menor gravidade dos crimes envolvendo estupefacientes menos danosos para a saúde pública. O tráfico de haxixe não tem carácter menosprezível do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe. O legislador adoptou um esquema de tipificação penal em que leva em conta que a grande maioria dos casos que chegam aos tribunais se enquadrem na chamada zona cinzenta em que se suscita a dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os 5 anos de prisão. Nesses casos, o legislador apontou para que se aplicasse o crime regra – o do artigo 21.º - mas permitiu que a sua moldura mais baixa convergisse com a penalidade própria do artigo 25.º, reservando este tipo criminal para outras situações de muito menor ilicitude. Refira-se, ainda que o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse consideravelmente diminuída. Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo, seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser exclusiva. Em ambos os casos, o legislador deu um sinal claro ao intérprete de que os crimes privilegiados são a excepção e nunca a regra. Mencionando a lei na previsão do artigo 25.º que a ilicitude do facto se deve mostrar consideravelmente diminuída, o pequeno vendedor de rua, que faz dessa actividade um modo de vida, não deve beneficiar de uma considerável diminuição de ilicitude. Haverá, no entanto, que impor algum limite temporal máximo para a prática dessa pequena actividade. E o legislador também faz notar que não poderá ser considerado como vendedor de rua, mas como pequeno armazenista, aquele que, apesar de só ter sido observado pela polícia em pequenas vendas aos consumidores, detém em local próprio uma quantidade de droga que excede largamente a necessidade de satisfazer a sua carteira de clientes num período de tempo razoavelmente curto e cujo stock é limitado pelas exigências dos clientes nos tempos mais próximos. Outra questão que se deve equacionar é o da qualidade da droga, que se traduz na percentagem do princípio activo que contém o produto estupefaciente apreendido. Com efeito, quanto mais puro for o produto, isto é, quanto mais princípio activo contiver, maior é a quantidade de doses individuais de consumo que pode proporcionar. É a Portaria 94/96 de 26 de Março, que vem estabelecer, com base nos dados epidemiológicos referentes ao uso habitual, qual o limite quantitativo máximo, do princípio activo de cada produto, para cada dose média individual diária. No caso dos autos, tendo resultado provado o exercício pelos ora recorrentes de uma atividade de contornos estruturados, com uma determinada carteira de clientes e uma reiterada aquisição de estupefacientes; actividade essa que se prolongou desde Abril de 2016 a Dezembro de 2018; exercida por contactos pessoais com os seus clientes; munindo-se das necessárias cautelas para que essa atividade não fosse descoberta; escondendo na sua residência, muros, ginásio abandonado e em bocas de incêndio algum desse produto estupefaciente para venda direta a terceiros, praticando essa atividade em coautoria com familiares diretos, torna-se patente que não se verificam circunstâncias excecionais que diminuam, por forma acentuada, a ilicitude do facto, em ordem a que as suas atuações possam integrar-se na prática de um crime de tráfico de menor gravidade. Por tudo o exposto, não logra provimento esta alegação do recorrente AA, cuja conduta à semelhança do seu coarguido CC se integra no crime de tráfico, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01. Pelo que improcede, nesta parte, a alegação do recorrente AA. Por seu turno, o artigo 40.º, n.º 1 estabelece que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, no n.º 2, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado. Na lição de Figueiredo Dias[2], a aplicação de uma pena visa acima de tudo o “restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime”. Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da “prevenção geral positiva ou de integração” e dá “conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o artigo 18.º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática”. Há uma “medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, mas que não fornece ao juiz um quantum exacto de pena, pois “abaixo desse ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde, portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial”. Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, “entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)” actuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da “necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial”, mas, se o agente não se “revelar carente de socialização”, tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em “conferir à pena uma função de suficiente advertência” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, páginas 79 a 82). Dito isto, vejamos qual a razão de cada um dos recorrentes. 17. Apreciemos. O arguido CC foi condenado pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 anos e 10 meses de prisão. Entende o recorrente que o acórdão recorrido deverá ser revogado neste segmento, devendo o mesmo ser condenado em alternativa numa pena de prisão que permita a suspensão da sua execução, por igual período de tempo, assim se respeitando as normas dos artigos 70.º, 71.º, n.º 1, 50.º, n.º 1 e 53.º, n.º 3, todos dos CP. Em síntese, alega que confessou os factos, confissão esta que foi desvalorizada pelo Tribunal, se encontra arrependido e está perfeitamente inserido familiar e socialmente. O arguido AA, foi condenado pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de cinco anos, suspensão esta acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento pelo arguido do plano de reinserção social que venha a ser definido em concreto pela DGRSP. Entende o recorrente que uma vez operada a solicitada convolação do crime de tráfico, no tipo positivado no artigo 25.º, do DL n.º 15/93, de 22.01, deve ser determinada a medida da pena a aplicar que, no seu entendimento, se deve situar no limiar médio superior da moldura penal, i.e., numa pena a fixar entre os 3 e os 4 anos, mantendo-se o regime de suspensão da sua execução. Vejamos o que diz o acórdão recorrido a este respeito (transcrição): (…) Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar (art. 71º, nº 2, do CP): Arguido AA Em seu desfavor milita a quantidade de estupefaciente que vendeu e detinha ilicitamente e o período já algo dilatado em causa. Não obstante, o certo é que apenas está em causa uma substância que não integra as denominadas drogas duras, não sendo particularmente grave o próprio modo de execução dos factos que se traduzia na venda direta a consumidores. Agiu com a modalidade mais intensa de dolo, que se mostra direto, pelo que, sendo a forma mais gravosa de dolo, representa maior desvalor. À data dos factos demonstrados era consumidor de estupefacientes e estava desempregado, circunstâncias que não podem dissociar-se do seu comportamento. Não possui antecedentes criminais e admitiu parcialmente os factos, com relativo poder atenuante, o que não pode deixar de militar a seu favor. Actualmente, em contexto prisional, vem denotando um esforço no sentido de abandonar definitivamente o consumo daquelas substâncias. Denota no seu percurso de vida uma atitude de desinvestimento, registando fracas competências académicas e profissionais. As exigências de prevenção especial (atendendo à pessoa do agente que se quer que ganhe consciência do dever ser da vida em sociedade e do valor dos bens jurídicos pessoais) são relevantes, ainda se mostrando necessário que o arguido dê provas de pretender efectivamente inflectir o seu percurso de vida, existindo alguma incerteza quanto ao seu posicionamento futuro em face da vida em sociedade e das suas normas de conduta, até porque a actual situação do arguido, designadamente no que concerne à abstinência de estupefacientes, ocorre em contexto prisional, sendo no momento uma incógnita qual será o seu posicionamento quando retomar a vida em liberdade, com as solicitações (e tentações) que se lhe irão apresentar. Já havia cometido no passado crime da mesma natureza, e embora lhe tenha sido aplicada uma pena de prisão que foi suspensa na sua execução o certo é que tal não o impediu de voltar a cometer o mesmo crime. Assim, nesta parte, os seus antecedentes criminais funcionam como índice de culpa mais grave. (…). Em ambos os casos e face ao que foi dito quanto à qualificação das condutas dos arguidos, a pena haverá, naturalmente, de ser encontrada na moldura de 4 a 12 de prisão do crime do artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, e haverá de ser a de prisão, que outra - artigo 70.º, n.º 1 do CP, a contrario – não admite a lei em alternativa. Quanto ao arguido CC verifica-se o seguinte: Conjugando todos estes factores, e embora o arguido tenha antecedentes criminais por crime de tráfico de menor gravidade, a gravidade do ilícito cometido, as exigências da culpa e as necessidades de prevenção geral e sobretudo especial que, no caso em apreço, são elevadas, entendemos que a medida concreta da pena justa, adequada e proporcional a aplicar se fixa em 5 anos de prisão, ainda no próximo do limite mínimo da pena, e que entendemos ser a necessária à sua ressocialização, conferindo a esta pena uma função de suficiente advertência para o seu futuro. Pelo que procede, nesta parte, a pretensão do recorrente CC. Quanto ao arguido AA diremos o seguinte: Retomando o diro no acórdão recorrido, (…) as exigências de prevenção especial (atendendo à pessoa do agente que se quer que ganhe consciência do dever ser da vida em sociedade e do valor dos bens jurídicos pessoais) são relevantes, ainda se mostrando necessário que o arguido dê provas de pretender efectivamente inflectir o seu percurso de vida, existindo alguma incerteza quanto ao seu posicionamento futuro em face da vida em sociedade e das suas normas de conduta, até porque a actual situação do arguido, designadamente no que concerne à abstinência de estupefacientes, ocorre em contexto prisional, sendo no momento uma incógnita qual será o seu posicionamento quando retomar a vida em liberdade, com as solicitações (e tentações) que se lhe irão apresentar. (…). Por tudo o que, num quadro assim desenhado de relativo grau de ilicitude do facto (relativo), de culpa e de fortes exigências de prevenção geral e de necessidades de prevenção especial relevantes, entendemos que a medida concreta da pena justa, adequada e proporcional é a aplicada pelo tribunal a quo, ou seja, a de 5 anos de prisão. Pelo que improcede, nesta parte, a pretensão do recorrente AA. Esta pena admite a suspensão da execução, por força do artigo 50.º, n.º 1, do CP, medida expressamente solicitada pelo arguido CC e que sempre teria que ser ponderada, por força da mesma disposição legal. Condição formal da suspensão da pena de prisão é esta não ser superior a 5 anos, o que é o caso, encontrando-se a mesma preenchida. Vejamos, agora, se estão reunidos os elementos necessários ao preenchimento da condição material, ou seja, se podemos concluir, no caso do recorrente, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam as finalidades das penas. Como é sabido, à opção pela suspensão da execução da pena de prisão, enquanto medida de reacção criminal autónoma, são alheias considerações relativas à culpa do agente, valendo exclusivamente as exigências postas pelas finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização (artigo 40.º, n.º 1, do CP). De molde que a opção por esta pena deverá assentar, em primeira linha, na formulação de um juízo positivo ou favorável à recuperação comunitária do agente através da censura do facto e da ameaça da prisão, sem a efectiva execução desta prisão, que ficaria suspensa, mas desde que esta opção não prejudique ou contrarie a necessidade de reafirmar a validade das normas comunitárias, ou seja, desde que o sentimento comunitário de crença na validade das normas infringidas não seja contrariado ou posto em causa com tal suspensão. Recorde-se, neste momento, o Prof. Figueiredo Dias para o cuidado “…com que têm de ser manipulados estes factores, dada a particularíssima ambivalência de que são dotados: só em concreto se pode determinar o papel, agravante ou atenuante, que desempenham circunstâncias como as da condição económica e social do agente, a sua idade e sexo, a sua educação, inteligência, situação familiar e profissional, etc., quando conexionadas com o círculo de deveres especiais que ao agente incumbiam” [3] (sublinhado nosso). A mesma conclusão (inviabilidade da suspensão da execução da pena) se alcança se se atender agora às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral de integração da norma e de protecção de bens jurídicos), que se tendem a mostrar prementes neste tipo de delitos dada a sua projecção no funcionamento comunitário e no sentimento da comunidade, pela sua expansividade danosa. Com efeito, a relativa intensidade da actividade em causa torna claro que a suspensão da pena surgiria como um sinal de enfraquecimento intolerável do valor impositivo da norma penal em causa. Daí que o dolo directo da arguida e a intenção, exclusiva, de obter ganhos concorrem para a acentuação da culpa, ainda assim sem ultrapassar os patamares intermédios. Donde não ser susceptível de suspensão a execução da pena fixada, pelo que improcede nesta parte o seu pedido. Improcede, deste modo, a pretensão do recorrente CC. 19. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça, que é individual, quando ocorra condenação na instância recorrida e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. Nestes termos, considera-se adequada a condenação, do recorrente AA, em 5 (cinco) UC.
III. 20. Por tudo o exposto, acordam os juízes da 5.ª secção deste Tribunal:
23 de Setembro de 2021 Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP, e assinado eletronicamente pelos signatários.
Margarida Blasco (Relatora) Eduardo Loureiro (Adjunto)
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[1] em contraponto com o arguido Ricardo Pereira Moura que foi condenado pela prática do crime p. e p. no artigo 25.º. |