Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
77/17.0YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: PRESCRIÇÃO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DECISÃO FINAL
TUTELA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
OFICIAL DE JUSTIÇA
RECURSO CONTENCIOSO
Data do Acordão: 02/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – SUJEITOS DO PROCESSO / ARGUIDO E DEFENSOR / NULIDADES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 58.º, 61.º E 123.º.
ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS DA JUSTIÇA (EFJ): - ARTIGO 123.º;
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS (LGTFP): - ARTIGO 178.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 19-09-2013, PROCESSO N.º 53/13.1YFLSB;
-DE 27-09-2011, PROCESSO N.º 43/11.9YFLSB;
-HABILUS/CITIUS, PROCESSO N.º 185/13.6TBBRG.
Sumário :

I - O CSM exerce uma tutela de mérito em relação às deliberações do COJ em matéria disciplinar.

II - Assim, para efeitos do disposto no art. 178.º, n.º 5, da LGTFP (aplicável aos funcionários de justiça por força do art. 123.º do EFJ), a decisão final que torna definitivo o ato administrativo disciplinar é a deliberação do CSM.

III – Tendo o procedimento disciplinar sido instaurado no dia 29-12-2015 por decisão do presidente do COJ, o prazo mencionado em II expirou em 29-06-2017, pelo que tendo a deliberação do CSM sido tomada em 11-07-2017, é de concluir que, nessa data, ocorrera já a prescrição do procedimento disciplinar.

Decisão Texto Integral:        

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça ([1]):

1 – RELATÓRIO

AA, escrivão auxiliar a exercer funções na Unidade Central do Núcleo de ... – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, vem interpor recurso da deliberação de 11.07.2017 do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (doravante CSM), que confirmou a sanção disciplinar de € 99,00 de multa que lhe havia sido aplicada pelo Conselho dos Oficiais de Justiça (doravante COJ), suspendendo, todavia a respetiva execução pelo prazo de 1 (um) ano, peticionando que, na procedência do recurso, se anule a deliberação recorrida.

Como fundamento alegou que lhe foi instaurado processo disciplinar (com o n.º 198-DIS/15) por despacho do Exmo. Senhor Presidente do COJ de 29.12.2015. Em 13.04.2017 foi notificado da deliberação do COJ de 2.03.2017. Interpôs recurso desta deliberação do COJ para o C.S.M. Por deliberação de 11.07.2017, de que foi notificado em 14.07.2017, o Plenário do CSM confirmou a decisão do COJ, apenas tendo suspendido a execução da sanção disciplinar pelo período de 1 (um) ano.

Todavia, o procedimento disciplinar, quando foi notificado da deliberação do CSM, já se encontrava prescrito por terem decorrido mais de 18 meses desde a data da sua instauração, motivo pelo qual deve o mesmo ser julgado extinto.

Subsidiariamente invoca que a deliberação impugnada enferma dos seguintes vícios:

1º vício: Erro crasso ou grosseiro ao dar o beneplácito à decisão do COJ de considerar como provados factos que manifestamente o não estão.

Mais concretamente:

Erro de interpretação e aplicação do direito sancionatório ao desconsiderar a prova resultante da «auditoria realizada pelo IGFEJ aos acessos realizados via Habilus/Citius ao processo n.º 185/13.6TBBRG — constante de fls. 38 a 77- no período compreendido entre 09-10-2014 e 29-12-2015, se verificou que, em momento algum, o trabalhador acedeu ao processo» como favorável ao arguido e, apesar dos resultados da auditoria serem favoráveis ao arguido, dar como provados factos que essa prova não consente. E

Erro clamoroso de interpretação e aplicação do direito sancionatório ao considerar que a controversa confissão, embora expressa em termos dubitativos e imprecisos, tem valor probatório superior ao da prova feita através da referida auditoria, dando por irrelevante o resultado da mesma que é favorável ao arguido.

E, ao não atentar nem levar em linha de conta os termos dubitativos e imprecisos da contestada confissão e o resultado claro da auditoria, erro grosseiro ao considerar que da dita confissão resulta provado «que o recorrente acedeu ao processo em causa no período compreendido entre o início do ano de 2015 e a primeira quinzena do mês de Dezembro do mesmo ano».

2º vício: Erro de aplicação do direito sancionatório ao considerar que competia ao então arguido fazer a prova de matéria de facto, ou seja, ao na prática considerar invertido o ónus da prova em direito sancionatório quando declara «sendo certo que o arguido sempre teria a faculdade de requerer junto do IGFEJ o esclarecimento sobre o "não registo" de tais consultas a que alude o do relatório final, caso quisesse demonstrar que não efectuou as consultas em causa».

3º vício: Erro de interpretação e aplicação do direito ao considerar inaplicáveis ao arguido em processo sancionatório laboral as formalidades previstas nos art.9s 582 e 61$ do CPP, designada e especialmente a obrigação de informação ao arguido de que tem direito ao silêncio e à não auto-inculpação e de que as declarações que prestar podem ser usadas contra si e, ao mesmo tempo, que a doutrina do Acórdão do TRL 17-04-2012, proc. 594/11.5TAPDLL1-5, não era transponível para o vertente caso pelo que as ditas declarações do arguido podem e devem ser valoradas como prova recolhida contra ele.

4º vício: Erro de interpretação e aplicação do direito sancionatório ao considerar que aquela omissão de informação constitui mera irregularidade sanável nos termos de art.2 1232 do CPP.

O CSM respondeu sustentando a não prescrição do procedimento disciplinar, a legalidade da deliberação e a inexistência dos apontados vícios.

Nas alegações que se seguiram o recorrente e o recorrido reafirmaram o que haviam argumentado, tendo o recorrente formulado as seguintes conclusões:

A) Quanto à questão primordial

1ª - Tendo o despacho de instauração do processo disciplinar ao aqui Recorrente Contencioso sido proferido em 29/12/2015 e a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura sido notificada a 14/07/2017, verifica-se que entre a data de instauração e a notificação da decisão final decorreram 18 meses e 16 dias.

2ª - Nestas circunstâncias, ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar prevista no n.º 5 do art.º 178º da LTFP, visto que no prazo de 18 meses, a contar da data em que foi instaurado, o Recorrente Contencioso não foi notificado da decisão final.

3ª - Tal como constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça, designadamente a dos Acórdãos de 27/09/2011, proc. n.º 43/11.9YFLSB, e de 19/09/2012, proc. n.º 21/12.0YFLSB, que aqui se têm por reproduzidos na parte relevante.

B) A título subsidiário, os demais vícios da Deliberação recorrida

4ª - A Deliberação recorrida peca ainda de erro crasso ou grosseiro ao dar o beneplácito à decisão do COJ de considerar como provados factos que manifestamente o não estão. Concretamente,

5ª - No que tange à afirmação constante do Relatório Final de que o Recorrente Contencioso «acedeu ao processo no sistema informático Habilus/Citius, funcionalidade/módulo de "consultas", sendo que neste último caso não ficam registados tais dados», visto que no processo disciplinar não consta qualquer prova deste facto. Pelo que,

6ª - Tal matéria devia ter sido considerada não provada e, consequentemente, alterado o probatório constante do Relatório Final em que se sustentou a deliberação do COJ com todos os seus inerentes efeitos. Assim,

7ª - Não o tendo feito - apesar de expressamente ter sido invocado e requerido no recurso que lhe foi submetido - a Deliberação do Plenário do C.S.M. aqui impugnada sofre de erro crasso ou grosseiro na apreciação da prova.

Por outro lado,

8ª - Nos artigos 13º a 20º do seu recurso para o C.S.M., o aqui Recorrente Contencioso impugnou o artigo 13º dos factos dados como provados no Relatório Final e requereu que a matéria aí constante passasse a ser qualificada como não provada.

9ª - O que fez sustentando-se na circunstância de essa matéria não ter sustentação em prova recolhida nos autos pois, mesmo que, sem conceder nem transigir, fosse suportada na inadmissível confissão do Arguido, nesta o que consta é «segundo julga no início do ano de 2015» foi-lhe concedido acesso ao Habilus/Citius e que «consultou o processo algumas vezes». Ou seja,

10ª - Para além do carácter manifestamente dubitativo da expressão "segundo julgo", em momento algum o mesmo indica o período em que teria feito consulta ao processo, acrescentando aliás «acho estranho que o possa ter feito [referindo-se a depois de 21/08/205], uma vez que sábio que estava impedido de o fazer». Assim,

11ª - A afirmação constante do artigo 13º dos factos provados do Relatório Final «Fê-lo no período compreendido entre o início do ano de 2015 e a primeira quinzena do mês de dezembro do mesmo ano» é manifestamente falsa e inventada porque não suportada em nenhuma prova constante dos autos. Todavia,

12ª - Na Deliberação impugnada, além de se obnubilar a falta da prova cabal de tal afirmação - prova essa que a sustentasse inequivocamente em termos de tempo, modo e lugar - o certo é que nela se declara, transcrevendo: «mostra-se correctamente fixada a matéria de facto dada por provada que foi objecto de impugnação por parte do recorrente».

13ª - Ora, ao não ter em conta que a contestada confissão do então Arguido havia sido feita em termos dubitativos e imprecisos, sem que dela se pudesse extrair não só quando concretamente teria acedido ao processo em causa e, muito menos, quantas vezes o pudesse ter feito - gerando assim dúvida séria e razoável quanto às circunstâncias de tempo e modo - e também ao não considerar que a auditoria feita pelo IGFEJ demonstrava a inexistência de prova sobre tais acessos no período temporal que vai de 09/10/2014 a 29/12/2015 e, pelo contrário, ao considerar «provado que o recorrente acedeu ao processo em causa no período compreendido entre o início do ano de 2015 e a primeira quinzena do mês de Dezembro do mesmo ano», a Deliberação do Plenário do C.S.M. aqui impugnada viola manifestamente os princípios da presunção da inocência e in dúbio pro reo. Na verdade,

14ª - A Deliberação impugnada ignorou completamente o que está assente na doutrina e jurisprudência sobre as consequências da dúvida em processo sancionatório e, mais concretamente, sobre a matéria do non liquet probatório, sobre as quais tripudiou.

15ª - Da doutrina supracitada, importa reter três importantes ideias:

d) «um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido»;

e) «Se a final da produção da prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória»;

f) «o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação».

16ª - Revertendo para o caso em apreço, significa que na punição de que o Recorrente Contencioso foi vítima, não tendo sido valorado a seu favor o non liquet probatório que o processo evidencia, mostra-se violado o princípio in dúbio pro reo e, com ele, o princípio da culpa. Na verdade,

17ª - Tal como flui com meridiana clareza dos autos do processo disciplinar, bem como da Deliberação aqui impugnada, a acusação não logrou concretizar nem a data em que ao Recorrente foi concedido o acesso ao Habilus/Citius, nem a data ou datas em que alegadamente o mesmo teria acedido ao processo n.º 185/13.6TBBRR por via do Habilus/Citius.

18ª - Datas que eram cruciais para sustentar a punição do Recorrente. Ora,

19ª - A única certeza que está adquirida no processo é a de que no período temporal que vai de 09/10/2014 a 29/12/2015 não há registos de acessos do Recorrente ao Habilus/Citius, tal como resulta inequívoco e indesmentível da Auditoria, que foi feita pelo IGFEJ a pedido da acusação, e se encontra reconhecido expressamente no Relatório Final quando diz «não podemos deixar de considerar uma verdade irrefutável que a auditoria solicitada ao IGFEJ não retornou quaisquer dados que nos permitam concluir que o mesmo tenha acedido ao processo supramencionado».

 20ª - Face a isto, uma dúvida razoável - e insanável - se instalou: poderá o Arguido ter acedido ao processo em causa antes de 09/10/2014?

21ª - Pois, não constando dos autos a prova - que à acusação competia - da data certa em que ao Recorrente foi concedido o acesso ao Habilus/Citius nem a data ou datas em que teria acedido ao processo n.º 185/13.6TBERG, aquela dúvida não só é pertinente como, sobretudo, joga a favor do Recorrente, pois, resolvendo-se a dúvida a favor do arguido, como assinala a doutrina supracitada, coloca-se a possibilidade, real e razoável, de a prática do alegado ilícito disciplinar ter ocorrido antes de 09/10/2014.

22ª - E, por consequência, verifica-se a possibilidade de, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 178º da LTFP, ter ocorrido a prescrição da infracção disciplinar que lhe foi imputada, visto que entre a data de 09/10/2014 e a data de 03/11/2016 em que o então arguido foi notificado da Acusação decorreu muito mais de um ano, mesmo descontando os 180 dias em que a prescrição se pudesse suspender por efeito da instauração do processo disciplinar em 29/12/2015.

23ª - Assim, a Deliberação do Plenário do C.S.M. aqui impugnada, além de violar manifestamente os princípios da presunção da inocência e in dúbio pro reo, incorreu em erro crasso ou grosseiro na análise da matéria de facto provada nos autos, visto que nestes não existe qualquer prova de que os eventuais acessos em causa se tenham dado «no período compreendido entre o início do ano de 2015 e a primeira quinzena do mês de Dezembro do mesmo ano».

Por outro lado,

24ª - A Deliberação do C.S.M. aqui impugnada sofre ainda de erro de aplicação do direito sancionatório ao considerar que competia ao então arguido fazer a prova de matéria de facto, ou seja, ao na prática considerar invertido o ónus da prova em direito sancionatório quando declara «sendo certo que o arguido sempre teria a faculdade de requerer junto do IGFEJ o esclarecimento sobre o "não registo" de tais consultas a que alude o do relatório final, caso quisesse demonstrar que não efectuou as consultas em causa». Ora,

25ª - Em processo disciplinar (como em qualquer outro processo sancionatório), por força do princípio da presunção de inocência, o ónus da prova cabe sempre à Administração e não ao arguido, tal como resulta da doutrina e jurisprudência supracitadas, designadamente do Acórdão do TCA Norte de 10/05/2012, proc. n.º 01958/08.7BEPRT, do Acórdão do TCA Norte de 02/10/2008, proc. n.º 01551/05.8BEPRT, e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/09/2011, Recurso n.º 59/09.5TTGRD.C1.S1 - 4.ª Secção.

26ª – No que se revela evidente que a Deliberação impugnada viola o princípio da presunção de inocência do arguido no seu corolário da proibição da inversão do ónus da prova em processo punitivo, pelo que a pena aplicada ao Recorrente Contencioso deve ser considerada ilícita, tal como disse este Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão antes referido.

Por outro lado,

27ª - o Recorrente Contencioso foi punido apenas com base nas declarações que prestou, tal como resulta do Relatório Final e da Deliberação aqui impugnada quando afirmam: «facto que aliás confessou nas suas declarações», pelo que, assim, a punição foi sustentada num único facto dado como provado e esse alegado facto tem um único meio probatório: a alegada confissão. Ora,

28ª - Esse meio probatório é, no caso em apreço, prova proibida, porque obtida sem que o Arguido tivesse sido advertido pelo Senhor Instrutor de que tinha o direito ao silêncio e à não auto-inculpação.

29ª - Pois, o n.º 2 do art.º 201º, a LTFP remete expressamente para os princípios gerais do processo penal nos seguintes termos: «Nos casos omissos, o instrutor pode adotar as providências que se afigurem convenientes para a descoberta da verdade, em conformidade com os princípios gerais do processo penal.» E,

30ª - Sendo manifesto que, no tocante ao direito fundamental ao silêncio e à não auto-inculpação, se trata de um caso omisso na LTFP, o instrutor deveria ter agido em conformidade com o princípio geral do processo penal que protege o referido direito fundamental, o que não fez. Sucede que,

31ª - A prova obtida por confissão sem que o Arguido tivesse sido advertido pelo Senhor Instrutor de que tinha o direito ao silêncio e à não auto-‑inculpação - advertência a que a doutrina e jurisprudência chamam expressivamente "Miranda Warning"- constitui no caso e circunstâncias em apreço prova proibida.

32ª - Ora, a necessidade dessa advertência resulta das garantias do processo penal que constam da Constituição, desde logo das «garantias processuais consagradas nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 8, da Lei Fundamental», das quais se extrai «O direito à não autoincriminação». Pois,

33ª - De entre os princípios do processo penal avultam, no que aqui e agora interessa, os da presunção da inocência, do "in dúbio pro reo", da "nulla poena sine culpa" e do "nemo tenetur se ipsum accusare", este enquanto direito ao silêncio e à não auto-incriminação ou à não auto-inculpação. Na verdade,

34ª - Quando a lei impõe ao instrutor que, nas suas diligências para a descoberta da verdade, actue conformemente aos princípios do processo penal, isso significa, desde logo, que, quando ele interroga pela primeira vez o arguido: i) tem de agir de acordo com o n.º 2 do art.º 58º que o obriga à «explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61º que por essa razão passam a caber-lhe»; ii) tem de agir em conformidade com o disposto al. d) do n.º 1 do art.º 61º, que o obriga a explicar-lhe os seus direitos entre os quais o de «Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar»; iii) tem de agir em concordância a al. b) do n.º 4 do art.º 141º, nos termos da qual, no primeiro interrogatório do arguido, «o juiz informa o arguido: (...) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo».

35ª - Pois, como assinala o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/04/2012, proc. n.º 594/11.5TAPDL.L1-5: i) «É certo que as garantias dos arguidos têm como reverso da medalha uma perda de eficácia da Administração (da Justiça), mas não pode deixar de ser assim, sob pena de nos aproximarmos de sistemas autoritários e de nos afastarmos da matriz democrática em que se funda a nossa Lei Fundamental»; ii) «Inexistem dúvidas de que as garantias próprias do processo penal têm vindo a ser paulatinamente adquiridas pelo processo contra-ordenacional e pelo direito sancionatório em geral»; iii) «Na realidade, o direito à não auto-incriminação é um direito que integra a nossa constituição material»; iv) «Destarte, se o princípio da presunção de inocência é aplicável a todo o processo» [de natureza sancionatória], «também terão de ser aplicáveis os meios processuais que permitem a obtenção dos resultados que tal princípio visa assegurar»; v) «Mormente, deverão ser aplicáveis as proibições de prova previstas no Art.º 126º do CP.Penal».

36ª- Assim, a Deliberação do Plenário do C.S.M. aqui recorrida incorre em erro de interpretação e aplicação do direito ao considerar inaplicáveis ao arguido em processo sancionatório laboral as formalidades previstas nos art.ºs 58º e 61º do CPP, designada e especialmente a obrigação de informação ao arguido de que tem direito ao silêncio e à não auto-inculpação e de que as declarações que prestar podem ser usadas contra si.

37ª - Consequentemente, incorre no mesmo vício ao considerar que as ditas declarações do arguido podem e devem ser valoradas como prova recolhida contra ele, pois, manifestamente, trata-se de prova proibida.

38ª - Nesta conformidade, a Deliberação aqui impugnada violou o n.º 2 do art.º 201º da LTFP e, ao mesmo tempo, os princípios da presunção da inocência, do "in dúbio pro reo", da "nulla poena sine culpa" e do "nemo tenetur se ipsum accusare", este enquanto direito ao silêncio e à não auto-incriminação ou à não auto-inculpação, que se extraem dos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 8, da CRP e do Art.º 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Art.º 6º, n.º 2 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais, também conhecida peia designação de Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo que não pode ser mantida na ordem jurídica.

Acresce que,   

39ª - A Deliberação recorrida ao afirmar que «ainda que se considerasse existir o dever de informar em causa em sede de procedimento disciplinar, a sua omissão constituiria urna mera irregularidade — art. 118º nº 2 do CPP — já sanada por não arguida no próprio acto — art, 123º nº 1 do CPP», incorre em manifesto erro de interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço. Na verdade,

40ª - Ao vertente caso não são aplicáveis as disposições do CPP citadas no excerto da Deliberação antes transcrito, visto a LTFP regular expressamente a matéria no seu art.º 203º e, o certo é que, no respeito por este dispositivo legal, o então arguido na sua defesa reclamou dessa nulidade pois suscitou e debateu em pormenor a questão da violação do seu direito constitucional ao silêncio e à não auto-inculpação, invocando a nulidade da prova obtida com a preterição da advertência conhecida como Miranda Warning, e que do mesmo modo suscitou e debateu a mesma questão no recurso para o C.S.M.

41ª _ Pelo que tal nulidade não se considera suprida face ao disposto no n.º 2 do art.º 203º da LTFP em leitura a contrario sensu.

42ª - Por outro lado, dado o disposto no n.º 2 do art.º 201º da LTFP, a omissão por parte do instrutor da advertência conhecida como Miranda Warning se insere indiscutivelmente no conceito de providências e diligências a que estava vinculado, visto se tratar de respeitar um direito fundamental (no sentido do n.º 1 do art.º 18º da CRP), pois, como se viu supra, «o direito à não auto-incriminação é um direito que integra a nossa constituição material».

43ª - Assim, a dita omissão do instrutor constitui uma nulidade insanável nos termos do n.º 1 do art.º 203º da LTFP.

44ª - Nesta conformidade, a Deliberação do Plenário do C.S.M. aqui impugnada peca por erro nos pressupostos de direito e viola as disposições, conjugadas, do n.º 2 do art.º 201º e dos n.ºs 1 e 2 do art.º 203º da LTFP e, do mesmo passo, viola o Direito Fundamental do Recorrente Contencioso à não auto-incriminação.

A Ex.mª Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – OS FACTOS

São os seguintes os factos relevantes para a decisão:

- Por despacho do Exmo. Senhor Presidente do COJ de 29.12.2015, e ratificado pelo COJ na sessão ordinária de 21.01.2017, foi determinada a instauração de processo disciplinar ao recorrente (com o n.º 198-DIS/15).

- Através de ofício do COJ, n.º 039, de 21.01.2016, foi o recorrente notificado pelo Exmo. instrutor/inspetor do COJ, nos seguintes termos: «foi nesta data dado início à instrução do processo Disciplinar n.º 198-DIS/15, contra si instaurado por despacho exarado em 29-12-2015 pelo Exmº Senhor Vice-Presidente do Conselho dos Oficiais de Justiça (à ratificação do plenário na reunião de 21-01-2016), tendo o signatário sido nomeado instrutor do processo.

Comunico ainda que nesta data tem início a instrução do procedimento”.

- Na sessão ordinária do COJ, de 2.03.2017, foi deliberado «concordar com os factos, fundamentação e sanção proposta, constantes do relatório final, elaborado no processo supra referido, relatório esse que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (…) deliberou sancionar:

- AA, escrivão auxiliar, com o número mecanográfico 56163, na sanção disciplinar de € 99.00 de multa, correspondente a cerca de três remunerações base diárias, multa essa calculada com base no vencimento de escrivão auxiliar, 1.º escalão, por aplicação dos artigos 146.º, 150.º, 155º nº3 da LTFP, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos n.ºs 89.º e 90.º do EFJ.

No que concerne à execução da sanção, o Plenário ao invés do proposto pelo senhor Instrutor, considerando a gravidade do comportamento do visado, em função do qual houve necessidade de proferir despacho a restringir/proibir o acesso dos progenitores aos autos, causando perturbação na tramitação do processo, entende que a simples censura do comportamento e a ameaça de sanção não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, tendo, em consequência deliberado não suspender a execução da sanção aplicada».

- O recorrente foi notificado desta deliberação em 13.04.2017.

- Em 24.04.2017, o ora recorrente interpôs recurso para o CSM.

- No Plenário do CSM de 11.07.2017, foi proferida a seguinte deliberação:

«Nestes termos, deliberam os membros que compõem o Plenário do Conselho Superior da Magistratura em conceder parcial provimento, nos termos supra expostos, ao presente recurso intentado pelo Exmo. Sr. Escrivão-Auxiliar, AA da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de justiça (COJ) de 17 de Março de 2017, e, consequentemente:

- Condenar o Exmo. Sr. Escrivão-Auxiliar, AA, na sanção disciplinar de € 99.00 de multa no valor, correspondente a cerca de três remunerações diárias, calculadas com base no ordenado de Técnico de Justiça Auxiliar, posicionado no 1.º escalão, por aplicação dos artºs 146.º, 150.º, 155º nº 3 e 189º, todos da LTFP aprovada pela Lei nº 35/2014 de 20/06, pela prática de uma infracção disciplinar continuada por violação dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos n.ºs 73.º, n.º 2 alínea a), b) e g), 3, 4 e 9; 180.º, n.º 1 alínea b); 181.º, n.º 2 e 185.º da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (LGTFP), cuja execução se suspende, ao abrigo do disposto pelo art.º 192 nº 1 da LTFP, pelo período de 1 (um) ano.»

- Em 14.07.2017, o recorrente foi notificado desta deliberação do Conselho Plenário.

3 - QUESTÕES A DECIDIR

1 – Se se verifica a prescrição do procedimento disciplinar;

2 – Se a deliberação recorrida enferma de erro crasso ou grosseiro ao considerar provado que o arguido acedeu via Habilus/Citius ao processo n.º 185/13.6TBBRG no período compreendido entre o início do ano de 2015 e a primeira quinzena do mês de dezembro do mesmo ano;

3 – Se a deliberação recorrida enferma de erro de aplicação do direito sancionatório ao considerar que competia ao então arguido fazer a prova de matéria de facto;

4 - Se a deliberação recorrida enferma de erro de interpretação e aplicação do direito ao considerar inaplicáveis ao arguido em processo sancionatório laboral as formalidades previstas nos art.ºs 58º e 61º do CPP - obrigação de informação ao arguido de que tem direito ao silêncio e à não autoinculpação e de que as declarações que prestar podem ser usadas contra si;

5 - Se a deliberação recorrida enferma de erro de interpretação e aplicação do direito sancionatório ao considerar que a omissão da referida informação constitui mera irregularidade sanável nos termos de art.º 123º do CPP.

4 - DIREITO

4.1 - REGIME JURÍDICO APLICÁVEL

- O despacho que determinou a instauração do procedimento disciplinar é datado de 29.12.2015.

- A deliberação do COJ que sancionou o recorrente é de 2.03.2017.

- A deliberação do CSM objeto deste recurso é de 11.07.2017.

· Assim, é aplicável:

· O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aprovado pela Lei 15/2002 de 22/02, alterada pelas Leis n.º 4-A/2003, de 19/02, 59/2008, de 11/09 e 63/2011, de 14/12 e pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10.

· O Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) aprovado pela Lei 21/85 de 30/07 ([2]).

· O Estatuto dos Funcionário de Justiça (EFJ), aprovado pelo DL n.º 343/99, de 26.08 ([3]).

· A Lei nº 35/2014 de 20.06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) ([4]).

Debrucemo-nos então sobre as questões submetidas à nossa apreciação.

4.2 – Se se verifica a prescrição do procedimento disciplinar.

Estabelece o art. 178º, nº 5 da LGTFP, aplicável por força do disposto no art. 123 do EFJ, que “[o] procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.”

A questão que se coloca, e que importa dilucidar, é a de saber o que deve entender-se por “decisão final” para efeitos da norma transcrita.

Nos termos do art. 98º de EFJ, [o] Conselho dos Oficiais de Justiça é o órgão que aprecia o mérito profissional e exerce o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no n.º 2 do artigo 68.º”.

E dispõe o art. 111º do mesmo diploma, na alínea a) do nº 1 e no nº 2:

“1 - Compete ao Conselho dos Oficiais de Justiça:

a) Apreciar o mérito profissional e exercer o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no n.º 2 do artigo 68.º;

(…)

2 - O Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Conselho Superior do Ministério Público, consoante os casos, têm o poder de avocar bem como o poder de revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto na alínea a) do número anterior.”

Nos termos do nº 2 do art. 118º, [d]as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas no âmbito do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 111.º, bem como das decisões dos presidentes dos tribunais proferidas ao abrigo do n.º 2 do artigo 68.º, cabe recurso, consoante os casos, para o Conselho Superior da Magistratura, para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou para o Conselho Superior do Ministério Público, a interpor no prazo de 20 dias úteis.”

Por seu turno, na definição do art. 136º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, [o] Conselho Superior da Magistratura é o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial.”

Como decorre claramente destes preceitos, o CSM não é um órgão administrativo hierarquicamente superior ao COJ. Trata-se de dois órgãos da administração com competências próprias e perfeitamente delineadas e com destinatários distintos, ainda que inseridos no órgão de soberania – tribunais, cabendo, todavia, ao CSM poderes de tutela do COJ, em matéria disciplinar e de mérito profissional dos oficiais de justiça.

Nessa medida, o recurso para o CSM das deliberações do COJ, no âmbito das referidas matérias, é um recurso administrativo especial com observância do regime estabelecido no art. 199º do CPA.

Nos termos do nº 1, al. c) deste preceito, “nos casos expressamente previstos na lei, há lugar a recursos administrativos para órgão de outra pessoa coletiva que exerça poderes de tutela ou superintendência”. E face ao disposto nos transcritos nº 2, do art. 111º e no nº 2, do art. 118º do EFJ, conclui-se que o CSM exerce uma tutela de mérito em relação às deliberações do COJ em matéria disciplinar e de mérito profissional.

E tendo o CSM o poder de avocar o procedimento, é claro que, ao fazê-lo, chama a si o poder de praticar o ato em matéria disciplinar.

Consequentemente, a competência disciplinar relativamente os oficiais de justiça não é exclusiva do COJ.

Nos termos do disposto no art. 197º, nº 1 do CPA “[o] órgão competente para conhecer do recurso pode, salvas as exceções previstas na lei, confirmar ou anular o ato recorrido e, se a competência do autor do ato recorrido não for exclusiva, pode também revogá-lo ou substituí-lo, ainda que em sentido desfavorável ao recorrente.”

Temos assim que, o ato administrativo apenas se torna definitivo com a deliberação do Plenário do CSM, caso tenha havido recurso.

Do referido se conclui que, tendo havido recurso para o CSM da deliberação do COJ, a decisão final para efeitos do disposto no art. 178º, nº 5 da LGTFP, apenas ocorre com a deliberação do CSM.

Assim também se decidiu nos acórdãos desta secção de 27.09.2011, proc. 43/11.9YFLSB ([5]) e de 19.09.2013, proc. 53/13.1YFLSB ([6]).

Vejamos então o caso dos autos.

Está provado que por despacho do Exmo. Senhor Presidente do COJ de 29.12.2015 e ratificado pelo COJ na sessão ordinária de 21.01.2017, foi determinada a instauração de processo disciplinar ao ora recorrente.

Por conseguinte, tendo sido interposto recurso para o CSM da deliberação do COJ, que posteriormente o sancionou, e não tendo ocorrido qualquer ato suspensivo do prazo de prescrição estabelecido no art. 178º, nº 5 da LGTFP, o arguido teria que ser notificado da deliberação do CSM até às 24 horas do dia 29.06.2017 (art. 279º, al. c) do CC).

Está, todavia, provado que a notificação da deliberação do CSM, que foi proferida em 11.07.2017, apenas ocorreu em 14.07.2017.

Concluímos, assim, que se verifica a invocada prescrição do procedimento disciplinar, com a consequente procedência do recurso.

Fica prejudicada a apreciação das demais questões que vêm colocadas.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Julgar procedente o recurso interposto e declarar extinto por prescrição o procedimento disciplinar instaurado ao recorrente.

2 – Condenar o recorrido nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.

Lisboa, 28.02.2018

Ribeiro Cardoso (Relator)

Roque Nogueira

Abrantes Geraldes

Raul Borges

Isabel São Marcos

José Raínho

Olindo Geraldes

Salazar Casanova (Presidente)

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[1] No texto é adotado o acordo ortográfico, exceto nas transcrições (texto em itálico) em que é mantida a versão original.
[2] Alterado pelo DL n.º 342/88, de 28/09 e pelas Leis n.º 2/1990, de 20/01, n.º 10/94, de 05/05, n.º 44/96, de 03/09, n.º 81/98, de 03/12, n.º 143/99, de 31/08, n.º 42/2005, de 29/08, n.º 26/2008, de 27/06, n.º 52/2008, de 28/08, n.º 63/2008, de 18/11, n.º 37/2009, de 20/07, n.º 55-A/2010, de 31/12 e 9/2011, de 12/04.
[3]  Sucessivamente alterado pelo DL n.º 175/2000, de 09/08, pelo DL n.º 96/2002, de 12/04, pelo DL n.º 169/2003, de 01/08, pela Lei n.º 42/2005, de 29/08, pelo DL n.º 121/2008, de 11/07 e pelo DL n.º 73/2016, de 08/11.
[4] Com a Retificação n.º 37-A/2014, de 19/08 e sucessivamente alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31/12, 84/2015, de 07/08, 18/2016, de 20/06, 42/2016, de 28/12, 25/2017, de 30/05 e 70/2017, de 14/08.
[5] Com o seguinte sumário, na parte aqui relevante:
(…)
V - Como é entendimento jurisprudencial deste Supremo Tribunal e Secção, já reiterado em significativo número de decisões ao longo dos anos, o CSM passou a ser – posteriormente às alterações introduzidas ao EFJ, pelo DL 96/2002, de 12-04 – o órgão que detém a última competência, hierarquicamente superior e definitiva, relativamente ao exercício das matérias sobre a apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários, sendo a competência do COJ preliminar e não exclusiva.
VI - Esta resposta é uma decorrência directa da intervenção do legislador, que, através do DL 96/2002, de 12-04, contornou a declaração de inconstitucionalidade, proclamada pelo TC, com força obrigatória geral, no Ac. n.º 73/2002 (in, DR I-A, n.º 64, de 16-03-2002), relativamente às aí identificadas normas do EFJ (DL 343/99), que, em desconformidade com o art. 218.º, n.º 3, da CRP, conferiam ao COJ o exercício da acção disciplinar sobre os funcionários de justiça.
VII - Conclui-se que, excluída a competência exclusiva do COJ, nos termos sobreditos, a decisão final na matéria é do CSM; sendo assim, a decisão final relevante, para o efeito, não é a proferida pelo COJ a 25-‑05-2010, mas antes a constante da deliberação do CSM, datada de 19-01-2011(…)”.
[6] Com o seguinte sumário:
“I - Para efeitos de cessação do prazo de prescrição (cfr. art. 6.º, n.º 6, da Lei n.º 58/2008, de 09-09) deve-‑se entender como decisão final de um procedimento disciplinar aquela que, nos termos do art. 55.º do mesmo diploma, é proferida no seu termo por um órgão que ocupa a posição suprema da hierarquia ou por um órgão independente (ou seja, que é vertical e horizontalmente definitiva) e não tanto a impugnabilidade da mesma, já que, por força do art. 59.º daquele diploma, todos os actos proferidos podem ser hierárquica, tutelar ou jurisdicionalmente impugnados.
II - O art. 111.º do EFJ atribui ao COJ a competência disciplinar sobre os funcionários judiciais, cabendo recurso para o CSM (art. 118.º, n.º 2 do mesmo diploma), o qual tem poderes de superintendência e substituição sobre aqueloutro órgão naquela matéria (pode avocar os procedimentos ou revogar deliberações nesse âmbito), motivo pelo qual se pode considerar que estamos em presença de um recurso tutelar.
III - Face às alterações introduzidas no EFJ pelo DL n.º 96/2002, de 12-04 (entre as quais se destaca a supressão do recurso das deliberações do COJ perante os tribunais administrativos) e ao seu teor do preâmbulo e tendo em conta o poder de avocar os procedimentos conferido ao CSM, é de concluir que estamos em presença de um recurso necessário, o que se justifica se considerarmos que, nos termos do art. 218.º, n.º 3 da CRP; o exercício do poder disciplinar sobre os funcionários é ainda uma forma de acautelar o princípio da independência dos tribunais.
IV - Assim, deve-se considerar que apenas a deliberação do Plenário do CSM que conheça de recurso interposto da deliberação do COJ em matéria disciplinar constitui decisão final (cfr. art. 6.º, n.º 6, da Lei n.º 58/2008, de 09-09).