Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2537/15.8T8VNG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
VOTO DE VENCIDO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 05/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DECLARAÇÃO / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / ÓNUS DO RECORRENTE / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- Alves Velho, no “Colóquio sobre o Novo Código de Processo Civil”, que teve lugar no Supremo tribunal de justiça, em 06/07/2015, cujo texto se mostra publicado em www.stj.pt .
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3.ª Edição, 143 e ss., 319 e ss.; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª Edição, 152 e ss..
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
- Miguel Teixeira de Sousa, “Dupla Conforme e Vícios na Formação do Acórdão da Relação”, in Instituto Português de Processo Civil, blogippc.blogspot.pt .
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 639.º, N.º 1, 640.º, 656.º, 662.º, 663.º, N.º 1, 671.º, N.º 3, 672.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 19/02/2015, PROCESSO N.º 299/05
-DE 19/02/2015, PROC. Nº 405/09.1TMCBR.C1.S1
-DE 14/05/2015, PROCESSO N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1
-DE 02/06/2015, PROCESSO N.º 662/09.0TVLSB.L1.S1
-DE 02/07/2015, PROCESSO N.º 3036/11.2TBVCT.G1.S1
-DE 22/09/2015, PROCESSO N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1
-DE 29/09/2015, PROCESSO N.º 233/09
-DE 01/10/2015, PROCESSO N.º 824/11.3TTLRS.L1.S1
-DE 19/01/2016, PROCESSO N.º 3316/10
-DE 28/01/2016, PROCESSO N.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1
-DE 11/02/2016, PROCESSO N.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1

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Sumário :
I. No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.

II. O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640.º, do CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.

III. Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

 IV. Tal como o legislador admite que a decisão seja sumária, e que possa consistir em simples remissão para as precedentes decisões, ou para os fundamentos da decisão impugnada, nos termos que constam do art. 656º do CPC, também o voto de vencido exarado de forma sumária e remissiva se tem por suficiente e, por isso, válido, ainda que seja desejável que o dissenso do Juiz se mostre suficientemente fundamentado

V. Ao reapreciar a decisão proferida quanto à matéria de facto, que foi impugnada, nos termos dos arts. 640.º e 662.º, ambos do CPC, o Tribunal da Relação move-se no campo de poderes próprios de modo a assegurar um efectivo segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, por conseguinte, apesar de existir uma decisão sobre a matéria de facto (da 1ª instância) e outra que reaprecia o julgamento de facto (proferida pelo Tribunal da Relação), não se pode afirmar que ambas as instâncias se pronunciam e decidem sobre uma mesma questão comum, não existindo, por isso, duas decisões conformes.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – 1. AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra:

BB– ..., Lda.

Pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe salários, prestações por isenção de horário, indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho, trabalho suplementar, formação profissional não prestada, férias, subsídios de férias e de Natal e indemnização por danos não patrimoniais, no total de € 71.592,39.

Alegou para o efeito, e em síntese, que:

Foi contratada pela Ré, em 4/09/2006, como Directora Técnica, para exercer funções variadas de coordenação, formação, gestão de pessoal, cozinha, saúde e limpeza.

O seu pai, que é gerente e sócio maioritário da R., retirou-lhe progressivamente as funções, atribuindo-as à sua actual mulher e à filha de ambos.

Tentaram impedi-la de continuar a assistir às consultas médicas, desautorizaram-na e denegriram a sua imagem em diversos episódios. O pai chegou a pôr em causa que fosse sua filha, falando num teste de ADN.
Tudo isto configura assédio ou mobbing laboral, o que motivou que resolvesse o contrato, por carta de 14/04/2014, com invocação de justa causa.
À data auferia € 1.200,00 mensais e € 240,00 por isenção de horário, embora nem sempre lhe tenha sido paga esta verba integralmente. Apesar de o contrato prever duas folgas semanais, a R. só lhe concedia um dia de folga, inicialmente metade do sábado, e desde 2008 o sábado completo. Trabalhou em diversos dias feriados mas nunca lhe foi pago tal trabalho suplementar, nem o descanso compensatório.
Ficaram também por pagar a formação profissional, que nunca foi concedida, e outros créditos laborais.

2. A Ré apresentou contestação argumentando, em síntese, que:
a) Por excepção: a A. denunciou verbalmente o contrato no dia 27/03/14, pelo que já se encontra prescrito o seu direito de acção;
b) Por impugnação: a A. não detinha todas as funções que invoca, tendo ocorrido apenas uma redistribuição interna sem afectar a parte técnica que lhe era reservada. E, ao contrário do que alega, sempre gozou as folgas e foram-lhe pagos os créditos devidos, não tendo nada mais a receber.

Conclui pedindo a improcedência da presente acção.

3. A A. exerceu o direito de resposta quanto à defesa por excepção.

4. Finda a fase dos articulados foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de prescrição. Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção apenas parcialmente procedente por não provada, condenando-se a Ré BB– ..., Lda., a pagar à Autora AA a quantia global e ilíquida de 7.958,26 euros, acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a citação (em 30/04/2015) e até efectivo e integral pagamento.
No mais, vai a Ré absolvida do que vinha peticionado pela Autora.
Custas pela A. e R., na proporção do decaimento».

5. Inconformada, a A. apelou, impugnando a decisão proferida quer quanto à matéria de facto, quer quanto ao direito.

6. Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto deliberou-se nos seguintes termos:


«Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação o seguinte:
i) Rejeitar parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
ii) Julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto na parte admitida;
iii) Julgar improcedente a impugnação por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos.
iv) E, consequentemente, confirmam a sentença recorrida

Este Acórdão, no entanto, foi lavrado com um voto de vencido na parte relativa à matéria de facto, com o seguinte fundamento que, aqui, se transcreve na íntegra:
        “Vencida quanto à rejeição do recurso relativamente às conclusões 20/21, 41/42 do recurso por entender que foram indicados os factos que se pretende sejam dados como provados.” – (sublinhado nosso).

7. Irresignada a A. interpôs recurso de revista normal e, subsidiariamente, recurso de revista excepcional, formulando as seguintes conclusões:

1aO Acórdão recorrido foi lavrado com um voto de vencido, pelo que, nos termos do art. 671°, nº 3, do Cód. Proc. Civil, o presente recurso é admissível.
2a – A decisão recorrida entendeu que a Recorrente, na parte em que pretendeu alterar a matéria de facto, mediante reapreciação da prova testemunhal, não teria cumprido os ónus exigidos pelo art. 640°, nº 1, do CPC, daí que tenha rejeitado a pretendida impugnação – com a discordância de um dos Ilustres Desembargadores.
3a – Todavia, a Recorrente defendeu que à matéria de facto deveriam ser acrescentados dois factos, tendo-os devidamente concretizado – o primeiro nas 20a e 21a conclusões e o segundo nas 41a e 42a das suas alegações, mais tendo paralelamente indicado com precisão as testemunhas e as passagens dos respectivos depoimentos que legitimariam o aditamento desses dois factos.
4a – O Acórdão recorrido entendeu que a Recorrente, para cumprir os ónus do preceito, deveria ter dito onde tinha alegado esses factos na sua petição inicial; contudo, o que o preceito consigna é que devem ser especificados «os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados», não lhe impondo em parte alguma que refira onde os alegou.
5a – A Recorrente concretizou quais os factos que considerava incorrectamente julgados, tendo por isso acatado o concreto ónus que o art. 640°, nº 1, al. a,) do Cód. Proc. Civil, pois que este normativo lhe impõe a concretização dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas não lhe impõe que faça referência ao local onde esses factos se encontram alegados.
6a – E como refere Acórdão deste Supremo de 2015.10.29 (Proc. nº 233/09), «não existe dificuldade relevante na localização pelo Tribunal» do local da alegação desses factos que justificasse, sem mais, a rejeição da impugnação – pois que, se o Recorrente afirma que «devem ser dados por provados os factos “x” e “y”, está necessariamente a especificá-los».
7a – Paralelamente, também em sede doutrinal, tão-pouco se encontra plasmada a exigência que o Acórdão recorrido entendeu dever fazer-se: citando o Senhor Juiz Conselheiro Dr. Abrantes Geraldes, (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014 - 2a Ed.), a págs. 135, refere os fundamentos da «rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto» – e de entre eles não se conta o apontado pelo Acórdão recorrido (tão-pouco o dizem os Acórdãos neste citados...).
8a – Nos mesmos termos em que decidiu o Acórdão deste Supremo atrás citado e parcialmente transcrito, «não pode subsistir o segmento do Acórdão recorrido em que se decidiu que o Tribunal estava legalmente impossibilitado de reapreciar os depoimentos em causa, em consequência do incumprimento do ónus constante da alínea a), do nº 2 [neste caso, do nº 1], do art. 640°, do CPC».
9a – Verifica-se, pois, violação ou errada aplicação da lei de processo (CPC, art. 674°, nº 1, alínea b)) no Acórdão recorrido, o que constitui o primeiro fundamento do presente recurso – devendo, na respectiva revogação, determinar-se «que a Relação proceda à integral apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deduzida no recurso de Apelação, pelos mesmos Juízes, se for possível».
Sem prescindir:
10a – O Acórdão recorrido, após ter afirmado, no início da sua pág. 21, que a alteração que a Autora pretendia do facto aí citado (se o gerente da Ré, pai da Autora, comunicou ao Médico dela Ré que tinha pedido à Autora que fizesse um teste de ADN para apurar se ela seria mesmo filha dele) não podia proceder, por «não ter sido feita qualquer indicação sobre onde foi alegado tal facto” – questão que foi objecto das conclusões que antecedem,
11a – No parágrafo seguinte, mais afirma o Acórdão que «mesmo que se admitisse a impugnação quanto a esse ponto e a mesma lhe fosse favorável, o certo é que o facto não poderia ser atendido para os efeitos pretendidos, na medida em que o mesmo não foi alegado na comunicação escrita da resolução do contrato de trabalho junta com a petição inicial».
12a – Ora, na verdade, tal afirmação do Acórdão recorrido não corresponde à realidade, pois que não só a Recorrente indicou, devidamente, onde se encontrava tal facto (cf. 20a conclusão da Apelação), como o mesmo foi devidamente alegado e invocado na comunicação escrita da resolução do contrato de trabalho (cf. Doc. nº 4, junto à petição, pág. 5, último parágrafo).
13a – Esse erro do Acórdão recorrido (que se aponta sem qualquer quebra de respeito) não configurará uma nulidade do mesmo, por não se enquadrar em qualquer dos requisitos enumerados no art. 615°, nº 1, do Cód. Proc. Civil, antes constituindo um "errore in judicando", como refere o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2006.06.20 (Proc. nº 06A1443): «Trata-se, então de divergência entre o afirmado e a verdade fáctica ou jurídica. É o erro judicial» (destaques, nossos).
14a – Dadas as limitações a que este Supremo Tribunal está submetido quanto a questões atinentes à matéria de facto, cita-se, no que tange à apreciação do erro apontado, o que este mesmo Supremo determinou no seu Acórdão de 2013.12.10 (Proc. nº 675/08).[1]
15a – Afigura-se ser o caso – justificando-se por isso a intervenção deste Supremo na sanação do apontado erro: Determinando este Supremo que a Relação proceda à integral apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deduzida no recurso de Apelação, conforme atrás requerido, tal deverá ter nomeadamente em conta a existência do referido erro de julgamento.

**As Conclusões 16ª a 34º dizem respeito ao recurso de revista excepcional interposto pela Autora, “SEM PRESCINDIR E SUBSIDIARIAMENTE”, tendo alegado, quanto à revista excepcional, os fundamentos que constam desses pontos, após o que, concluiu nos seguintes termos:

“35a – Encontram-se interpretadas e aplicadas por forma inexacta as normas citadas nas precedentes conclusões”.

Devendo, por isso e em conclusão, ser julgado procedente o presente recurso de revista e a Ré condenada nos termos peticionados.
8. A Ré, por seu turno, apresentou contra-alegações nas quais concluiu que:

1a – O voto de vencido não satisfaz os requisitos previstos no art. 663°, nº 1, CPC, porquanto não foi acompanhado da menção sucinta das razões da discordância, não permitindo conhecer o seu itinerário cognoscitivo, assinalando uma importante dissensão no seio do colectivo.[2]
2a – Ora, inexistindo voto de vencido nos termos legalmente exigidos, estamos perante uma decisão de “dupla conforme”, que impede o recurso de revista – art. 671°, nº 3, do CPC, "a contrario sensu".
3a – A pretendida ampliação da matéria de facto alegada pela Recorrente não foi, e bem, atendida pela Tribunal "a quo", porquanto a Recorrente não indicou, como lhe competia, as passagens dos depoimentos testemunhais que fundamentariam a sua pretensão impugnativa, referindo concretamente e com precisão os tempos da gravação, indicando os seus início e fim, conforme determina o art. 640°, nº 2, al. a), do CPC.
4a – Por outro lado, e conforme julgou o Tribunal recorrido (a cuja fundamentação, com a devida vénia, se adere), a matéria que a Recorrente pretende ver ampliada não foi alegada na causa de pedir. E, não tendo sido alegada, naturalmente não poderá ser incluída na factualidade provada.
5a – Além disso, e conforme foi doutamente julgado, também tal matéria não consta da carta resolutiva do contrato de trabalho, não podendo, por isso, ser relevada – cf. art. 398°, nº 3, do Código do Trabalho.
6a – Acresce que a matéria constante das conclusões 20a e 21a das alegações, do recurso de apelação, consta do ponto 30 dos factos provados, de acordo com a prova feita em audiência de julgamento, mais não tendo sido provado.
7a – Além disso, tal matéria nada teve a ver com a relação laboral, aliás nem sequer está temporalmente localizada, tendo ocorrido “na sequência de reservas que a Autora/Recorrente levantou a assinar actas da sociedade”, ou seja, tudo ocorreu no âmbito das relações societárias, que são totalmente alheias à relação laboral.
8a – Com a devida vénia, e por razões de economia processual, dão-se aqui por inteiramente reproduzidas os doutos e brilhantes fundamentos, argumentos e remissões aduzidos no também douto Acórdão recorrido.
9a – Ora, inexistindo o invocado erro de julgamento por violação do alegado art. 640° do CPC, improcedem as conclusões 1a a 15a das, aliás, doutas alegações de recurso.

** As Conclusões 10ª a 16º reportam-se ao recurso de revista excepcional e por isso não relevam para a decisão da presente revista.

Concluiu, assim, a Ré pedindo a improcedência do recurso de revista interposto pela Autora.

9. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer, a fls. 390 e segts, no sentido de que:

· Deve ser concedida a revista relativamente à impugnação da matéria de facto alegada pela Autora Recorrente, nos termos que se apontam neste Parecer, e negada no demais.

10. O mencionado Parecer, notificado às partes, mereceu as respostas que constam de fls. 401 e segts, com os fundamentos aí aduzidos, insurgindo-se as partes relativamente ao entendimento defendido pelo MP no que contende com as posições assumidas por aquelas ao longo do processado.

11. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2, e 679º, ambos do Novo CPC.
Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[3]


II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Em sede recursória, as questões suscitadas consistem em saber se:

a) A Recorrente cumpriu os ónus exigidos pelo art. 640°, nº 1, do CPC[4], no que diz respeito ao pedido de reapreciação da matéria de facto, nomeadamente na parte em que tal matéria foi rejeitada pelo Tribunal da Relação (cf. conclusões 18.ª a 21.ª, 41.ª e 42.ª da apelação);

b) O Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, porquanto o quadro factual apurado impõe decisão diversa devendo ser reconhecida à Autora a existência de justa causa para a resolução, por sua iniciativa, do contrato de trabalho.

Analisando e Decidindo.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

I – DE FACTO

- A factualidade considerada provada pelas Instâncias é a seguinte:

1 - A Autora é licenciada em ..., sendo titular de uma especialização em ... e de uma Pós-Graduação em ... (Documento nº 1).
2 - Foi admitida ao serviço da Ré, cujo objecto social consiste na actividade de Lar de Idosos, em 4 de Setembro de 2006, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar as funções da categoria profissional de Directora Técnica (Documento nº 2).
3 - Foi-lhe definido como seu local de trabalho o Lar instalado na sede da Ré, tendo-lhe sido fixado um período de trabalho de 40 horas semanais, sendo que, atentas as suas funções de Direcção Técnica, foi-lhe atribuída isenção de horário de trabalho, «sem prejuízo do gozo de dois dias de descanso semanal» (ibidem, Cláus. 5ª e Documento nº 3).
4 - As tarefas que a A. foi assumindo ao serviço da R. abrangiam:
            a) Planeamento, direcção e coordenação das actividades da instituição;
             b) Recursos Humanos;
             c) Contabilidade:
1. Gestão e Emissão de Recibos por cada Utente.
2. Envio de Faltas de Funcionárias, Feriados e Férias para o Gabinete de Contabilidade.
3. Marcação de Férias do Pessoal.
     d) Pessoal de Acção Directa:
1. Gestão do mesmo.
2. Trocas de colaboradores.
3. Supervisão do respectivo trabalho.
4. Reuniões tendo em vista a estruturação dos items anteriores.
     e) Compras:
1. Gestão das mesmas.
2. Contactos com fornecedores.
     f) Cozinha:
  1. Gestão da mesma.
  2. Compras de alimentos.
  3. Supervisão de quantidades, qualidades e confecção.
     g) Saúde:
 1. Supervisão da Enfermeira.
 2. Encomendas e pagamentos na Farmácia.
 3. Acompanhamento de consultas.
 4. Acompanhamento da prescrição de medicação (Receitas).
 5. Organização dos planos individuais dos utentes.
     h) Limpeza:
                     1. Supervisão.
2. Gestão da lavandaria.
                     3. Gestão do Pessoal e planeamento de tarefas.
                     4. Compra de produtos.
5 - A A. sempre executou as suas tarefas por forma dedicada, zelosa e competente.
6 - O sócio maioritário e gerente da Ré é pai da Autora (de cuja mãe há muito se encontra divorciado), sendo esta titular, na Ré, de uma quota representativa de 5% do capital social.
7 - A partir de altura não determinada, o gerente da R. permitiu que a sua actual mulher, madrasta da Autora, portanto, frequentasse as instalações da Ré.
8 - A A. deixou de comparecer ao trabalho desde 28 de Março de 2014, tendo em seguida enviado uma carta à R. a comunicar a resolução, por sua iniciativa, do seu contrato de trabalho, com justa causa, carta essa registada com aviso de recepção, remetida em 2014.04.15 e recebida pela Ré no dia seguinte (Documento nº 4).
9 - Em data não concretamente determinada, mas não anterior a Junho de 2012, Autora deixou de ter a seu cargo a Gestão e Emissão de recibos por cada utente.
10 - A gestão e emissão de recibos passaram a estar a cargo da outra filha que o gerente tem da sua actual mulher, BB (irmã paterna da Autora, portanto), admitida como escriturária.
11 - Em data também não concretamente apurada, mas não anterior a Janeiro de 2013, por ocasião da contratação de uma nova enfermeira, a Autora deixou de supervisionar o respectivo desempenho.
12 - Aquando da actualização do programa de facturação pela empresa TSR, esta deu formação à colaboradora BB.
13 - Em data não concretamente apurada, do ano de 2013, a referida madrasta da Autora apresentou-se e assumiu-se, numa reunião que marcou com as auxiliares de acção directa, como gerente da R., passando desde então a tratar de algumas tarefas que antes eram tratadas apenas pela A., como reuniões com o pessoal de acção directa, marcação de férias e gestão de compras.
14 - A A. não esteve presente naquela reunião.
15 - A A. vinha recorrendo, para o exercício das suas funções, à sala da Direcção, situada no piso 0.
16 - No entanto, por volta do ano de 2013, a A. deixou de ter a chave da sala de Direcção.
17 - Dias depois de 20/03/2014, a Ré fez afixar um edital com os seguintes dizeres:
«Informam-se todas as funcionárias de que qualquer reunião que se faça, nem que seja para tratar de um único assunto, só será válida com o conhecimento da gerência.
Assim sendo, o que foi tratado no dia 20 de Março de 2014, com algumas funcionárias, fica sem efeito. Será marcada uma reunião para breve».
Edital este assinado pela gerente, conforme consta da cópia junta a fls. 44, e aqui dada por reproduzida (Documento nº 5).
18 - A Autora auferia o salário mensal de € 1.200,00, acrescido de € 240,00, a título de isenção de horário de trabalho (Documento nº 6).
19 - A verba por isenção de horário de trabalho convencionada entre a Autora e a R. correspondia a 20% do seu vencimento.
20 - A R. não pagava a retribuição por isenção de horário nos subsídios de férias e de Natal.
21 - Nem demonstrou ter pago, a esse título, o correspondente a 20% do vencimento da A. em todos os meses durante os quais esta trabalhou para aquela.
22 - A partir de Janeiro de 2007, o salário base da Autora, que até então era de € 835,00 mensais, passou a ser de € 1200,00.
23 - O contrato de trabalho da A. previa (Cl. 5ª, & único – fls. 32) dois dias de descanso semanais.
24 - A A. folgava, pelo menos, em sábados e, pelo menos desde 2008, durante todo o dia de sábado (não apenas parte dele).
25 - A Autora prestava trabalho em dias feriados, assegurando geralmente meio-dia desses feriados e sendo a outra parte assegurada pela colega DD (Directora até 2009) e, mais tarde, pela encarregada EE.
26 - Quem trabalhava em feriados (como a EE e a A.) podia folgar noutros dias (compensando assim o trabalho prestado).
27 - A R. não assegurou à A. um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua, nos anos de 2011 e 2012, tendo-lhe apenas proporcionado, em 2013, a formação de Higiene e Segurança Alimentar.
28 - Não chegaram a ser pagos à A. os 27 dias de trabalho no mês de Março de 2014, nem os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2014.
29 - A Autora sentiu-se diminuída e preterida nos tempos que precederam a resolução do contrato.
30 – Sobretudo quando o pai, na sequência de reservas que a A. levantou a assinar actas da sociedade, lhe referiu que seria melhor ela fazer um teste de ADN para apurar se seria mesmo filha dele.
31 - No dia 27/03/2014, a A. comunicou verbalmente ao seu pai e gerente da R., FF, que tinha de se afastar dali (do local de trabalho).
32 - Fê-lo porque pretendia ponderar se teria condições ou não para voltar a trabalhar.
33 - Tendo nessa altura entregue as chaves do lar ao seu pai e gerente da Ré.
34 - Não justificou as faltas seguintes com qualquer comprovativo ou sequer invocação de doença.
35 - Desde a abertura ao público do estabelecimento, a R. contratou, para além da A., então inexperiente, uma Directora para o lar, a Dra. DD.
36 - Tal Directora deixou de exercer funções na Ré, em 2009, passando desde então as tarefas que ela exercia a serem assumidas pela A.
37 - A D. GG, esposa do pai da A., foi admitida e é conhecida na instituição como gerente.
38 - As tarefas que vinham sendo desempenhadas pela A. passaram a sê-lo pela gerente D. GG, ou pela filha desta, BB, e foram redistribuídas sob o pretexto de, face ao crescimento do lar, ser necessário libertar a A. de funções não técnicas e melhorar o funcionamento da instituição.
39 - A Ré respondeu à carta de resolução da A., por carta de 17/04/2014 (com o teor da cópia junta a fls. 97 e 98, que aqui se dá por reproduzido).


II – DE DIREITO

1. Resulta dos autos que uma das questões suscitadas pela Autora Recorrente prende-se com a rejeição por parte do Tribunal da Relação do Porto da impugnação da decisão da matéria de facto objecto do recurso de apelação interposto por aquela, tendo a Relação alegado, para o efeito, e em síntese, que a Autora não cumprira o ónus imposto pelo art. 640º do CPC.

Para além do que antecede, a Autora defende, ainda, que o Acórdão da Relação padece de erro de julgamento ao decidir pela inexistência de justa causa relativamente à resolução do contrato de trabalho (operada por iniciativa da Autora), porquanto, face à prova produzida, deveria aquele Tribunal ter exarado solução jurídica diversa da que culminou com a improcedência da Apelação e consequente denegação do direito que a Autora pretende ver reconhecido através da presente acção.

Urge, pois, apreciar a primeira questão, uma vez que a segunda depende da decisão daquela.

2. A impugnação da decisão da matéria de facto e os ónus a cargo do Recorrente:

2.1. Em contexto similar, já expressámos o nosso entendimento sobre a presente matéria e os termos em que os ónus a cargo do Recorrente, plasmados no art. 640º do CPC, devem ser observados para que seja apreciada e decidida a referida impugnação da decisão de facto, conforme se extrai de diversos Acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal de Justiça.[5]
Atendendo, porém, que o objecto do presente recurso incide sobre a mesma questão, contra a qual a Recorrente ora se insurge, consideramos útil reiterar, ainda que resumidamente, as razões que então, como agora, estiveram subjacentes ao acolhimento de pretensões similares às da ora Recorrente.

São elas:

2.2. Como é sabido, é da fixação da matéria de facto que depende a aplicação do Direito sendo determinante do mérito da causa e do resultado da acção.
Daí que o legislador tivesse a preocupação de estabelecer, no diploma que regula tal matéria (o Código do Processo Civil), algumas regras tendentes a propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito sobre meras questões de forma e que não se refugiem em aparentes deficiências que impeçam a composição justa do litígio ou que acabem por distorcer o conteúdo da sentença/acórdão de mérito, com os inerentes prejuízos para as partes e para a obtenção da verdade material.   
Não se acolhe, por isso, um sistema ou uma concepção rígida do processo com ónus e preclusões que limitem ou vedem esse objectivo central: o de alcançar a verdade e justiça material. Sem que tal, contudo, signifique que o Tribunal e as partes não tenham de observar – e cumprir – as exigências que o legislador entendeu por bem fixar no Novo CPC.

Por conseguinte, na interposição de qualquer recurso, deve o/a Recorrente, nas suas alegações, concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, a que se reporta o art. 639º do CPC, e cumprir o ónus de impugnação estatuído no art. 640º do Novo CPC[6], que foi estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida pelas instâncias sobre a matéria de facto.

2.3. Porém, a exigência por parte do Tribunal da Relação do cumprimento do ónus a cargo do Recorrente não pode redundar, como se disse, numa via interpretativa de raiz essencialmente formal porquanto esta acaba por conduzir à rejeição da reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica, impedindo, assim, o Recorrente de alcançar o objectivo visado pelo legislador nas reformas introduzidas ao processo civil: o segundo grau de jurisdição no âmbito do julgamento da matéria de facto.

Advertindo para esses efeitos e recusando igualmente a adopção de entendimentos desta natureza, numa análise ao art. 640º do CPC, pode ler-se em Abrantes Geraldes o seguinte[7]:

 (…)
Importa que não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.
Ou seja, jamais deve transparecer a ideia – que por vezes perpassa em diversos arestos das Relações – de que a elevação do nível de exigência além dos parâmetros que a lei inequivocamente determina constitui, na realidade, um pretexto para recusar a reapreciação da decisão da matéria de facto, nesse primeiro momento, com invocação do incumprimento de requisitos de ordem adjectiva e, numa segunda oportunidade, com apresentação de argumentário de pendor genérico em torno dos princípios da imediação e da livre apreciação das provas.
Por outro lado, quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto a outros aspectos. Isto é, eventuais falhas de elementos essenciais no campo da motivação e/ou das conclusões apenas atingem as questões de facto a que respeitam, sem prejudicar a parte restante”.

2.4. Tão pouco se pode impor ao Recorrente, para o cumprimento do ónus de alegação a cargo do mesmo, que proceda à especificação prevista nas alíneas do nº 1, do art. 640º, do CPC, exponenciando esse ónus a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado na respectiva motivação.
A lei não exige essa reprodução, nem uma pormenorização excessiva, que sempre atentaria, aliás, contra o nº 1, do art. 639º, do CPC.

O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação, em sede de matéria de facto, é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do CPC.
Como sejam:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;
- E a decisão alternativa que é pretendida.

Efectivamente, sendo as conclusões uma súmula e síntese da indicação dos fundamentos por que se deduz a impugnação relativa à matéria de facto, deixariam de ter esse cunho se a Recorrente tivesse que inserir e especificar detalhadamente, em sede conclusiva, todos os elementos que compõem a impugnação e que se mostram enunciados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 640º, com a repetição exaustiva da fundamentação desenvolvida ao longo do conteúdo das alegações.

Seguramente que, nas conclusões, o Recorrente deve indicar os pontos da matéria de facto que pretende ver modificados, ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto.
Porém, não se sufragam entendimentos com exigências que parecem apontar no sentido de demandar de novo, em sede de conclusões, que o Recorrente proceda à sustentação da pretensão modificativa e a indicação repetitiva dos meios de prova em que é sustentada a sua pretensão.

2.5. Relativamente ao sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento desse ónus a cargo do Recorrente, estabelecidos no art. 640.º, nºs 1 e 2, do CPC, impõe-se salientar que, reforçando a Doutrina citada, tem-se consolidado, neste Supremo Tribunal de Justiça, Jurisprudência de sentido unívoco e que aponta nos termos expostos.

Entre outros, há que ter presentes os seguintes Acórdãos, cujos sumários se transcrevem pela sua importância para o caso dos presentes autos:

- Ac. STJ de 01.10.2015, Proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social [8]:

“I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo Recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV – Com efeito, o ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640.º do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1 constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação.”

- Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1, desta Secção Social (Relator: Mário Belo Morgado):
“I. Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê‑lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.
II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação”.

- Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05, 2ª Secção (Relator: Tomé Gomes):
(…)
“8. Tendo o Recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, enquanto que só no corpo das alegações especifica os meios de prova convocados e indica as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art. 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC.
9. A insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória exposta pelo recorrente é matéria a apreciar em sede do mérito da decisão impugnada” –  (sublinhado nosso).
(…)

- Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Relator: Pinto de Almeida):
(…)
“II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
V – Se essa cominação se afigura indiscutível relativamente aos requisitos previstos no n.º 1, dada a sua indispensabilidade, já quanto ao requisito previsto no n.º 2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão.
VI – Se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável” – (sublinhado nosso).

- Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09 (Relator: Lopes do Rego):
“1.Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressu-postos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concluden-te da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº 1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº 2, al. a) do CPC).
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princí-pio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e preci-sa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é comple-mentada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevan-tes para o julgamento do objecto do recurso”.

- Ac. STJ, 19/01/2016, P. nº 3316/10, 1ª Secção (Relator: Sebastião Póvoas):
(…)
“5) A falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório.
6) A assim não se entender, cair-se-ia num excesso de formalismo e rigor que a dogmática processual, hoje mais agilizada e célere, pretende evitar” – (sublinhado nosso).

3. Posto isto, e sem que se suscitem dúvidas sobre o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, e desta Secção, quanto ao cumprimento do ónus a cargo do Recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, verifica-se, in casu, que:

3.1. A Autora/Recorrente pretende, através da impugnação dessa decisão, ver aditados os seguintes factos:
a) “O gerente da Ré, pai da Autora, comunicou ao médico dela, Ré, que tinha pedido à Autora que fizesse um teste de ADN para apurar se ela seria mesmo filha dele” – cf. conclusões 18ª a 21ª, de fls. 183, do 1º Vol.;
b) “Desde o início da sua prestação até, pelo menos, Março de 2013, a Autora apenas teve uma folga por semana, ao sábado, das duas contratualmente estipuladas” – conclusões 34ª a 39ª;
c) “Pelo menos desde o ano de 2009, que a Autora trabalhou meio-dia em cada feriado nacional” – conclusões 41ª e 42ª.

Para esse efeito indicou a Autora quais os pontos de facto que considera que foram omitidos e quer ver aditados, quais as testemunhas que depuseram a tal matéria, qual a decisão que no seu entender deve ser proferida, porque relevante para a apreciação e decisão dos pedidos que formulou.
Tendo a Recorrente igualmente indicado as testemunhas e os depoimentos que, no seu entender, legitimam o aditamento pretendido dos factos descritos, com a indicação precisa do início do registo do respectivo depoimento áudio, conforme resulta expressamente das suas conclusões 20ª, 38ª e 41ª – cf. fls. 184 e segts, do 1º Vol.

Porém, o Tribunal da Relação denegou a sua pretensão quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto a que se reportam as conclusões 20ª e 21ª, 41ª e 42ª, por ter entendido que a Autora pretendia aditar “factos novos”.

Podendo ler-se, nomeadamente, sobre esta matéria, a seguinte fundamentação ventilada por aquele Tribunal:
“Pois bem, no que respeita aos factos que a recorrente menciona nas conclusões 21ª e 42ª, pretendendo vê-los aditados, constata-se que não foram observados integralmente os ónus de impugnação referidos (tendo a Relação citado anteriormente o conteúdo do art. 640º do CPC). Com efeito, não resulta das conclusões, nem tão pouco das alegações, qualquer alegação no sentido de deixar claro se esses factos foram alegados e, se foram, onde se localizam no articulado da Autora”.

Ora, acontece que o que está aqui em causa não são factos novos, mas sim factos não provados pela 1ª instância e que a Recorrente pretende ver provados e incluídos na matéria de facto assente.
Tanto assim que nas suas alegações e conclusões de recurso refere expressamente, a dado passo, que o recurso incide sobre “o que foi por si peticionado a título de trabalho suplementar” e, também porque discorda da decisão proferida quanto à matéria de facto, decisão que não tendo considerado provado tal facto, o considerou necessariamente não provado.

Por conseguinte, o que a Recorrente pretende não é o aditamento de um ou mais factos novos, mas sim a reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de ser substituída a decisão de “não provado” por “provado.

Destarte, e ao contrário do que refere a Relação, inexiste da parte da Recorrente a pretensão de aditar factos novos, mas ao invés, a reapreciação da decisão da matéria de facto com a alteração dos factos que foram dados como provados.
E pretendendo a Recorrente que sejam dados como provados factos que não constam do acervo fáctico provado pela 1.ª instância, por considerar que os meios de prova que indica são de molde a comprová-los, nada na lei lhe impunha a obrigação de, nessa situação, indicar onde alegou, in concreto, aqueles factos. E muito menos a lei comina com a rejeição a impugnação da matéria de facto nessas situações.

Ademais, uma denegação da pretensão da Autora com esse fundamento é desde logo neutralizada por uma mera consulta dos autos e análise da sua petição inicial, de onde resulta, nomeadamente, que os factos em questão foram alegados expressamente pela Autora nos respectivos artigos 48º e 64º da p.i., a fls. 14 e segts do 1º Vol., pelo que, não existiria dificuldade relevante, por parte do Tribunal da Relação, na localização de tais factos, porquanto, conforme defende a Recorrente, os mesmos foram alegados desde o início estando inseridos no primeiro articulado apresentado.

3.2. Acresce que, ao contrário do que se refere no Acórdão recorrido, também os factos que a Recorrente requer que sejam tidos como provados nos termos das conclusões 18ª a 21ª, 34ª a 39ª e 40ª a 42ª, e desenvolvidos nos pontos conclusivos seguintes, constam efectivamente da comunicação escrita de resolução do contrato de trabalho enviada pela Autora à Ré, conforme resulta claramente do documento junto pela Autora, a fls. 36-41 do 1º Vol. dos presentes autos (maxime na parte final da página 40), pelo que, para além de poderem ser integrados no elenco dos factos provados, também nada impede que, se necessário, sejam tomados em consideração aquando da análise a efectuar sobre a questão da alegada existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho.

O que é revelador da inexistência por parte da Relação de suporte fáctico e jurídico para a rejeição do pedido formulado pela Recorrente nesta parte.

3.3. Daí que, dissentindo desse indeferimento, tivesse também um dos elementos que integra o Colectivo de Juízes do Tribunal da Relação do Porto, exarado no Acórdão o seu voto de vencido, na parte relativa à matéria de facto, com o seguinte fundamento, que se transcreve na íntegra:
        “Vencida quanto à rejeição do recurso relativamente às conclusões 20/21, 41/42 do recurso, por entender que foram indicados os factos que se pretende sejam dados como provados.” – (sublinhado nosso).

Igual conclusão foi vertida no Parecer do MP quando, a fls. 393 e segts, se alerta para o infundado da exigência do Tribunal da Relação, uma vez que o art. 640º do CPC “em nenhuma das suas alíneas impõe qualquer ónus de que decorra para o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o dever de indicar em que parte alegou esse facto”.
Concluindo o Parecer, quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, que a Autora cumpriu os referidos ónus.

3.4. Efectivamente, indicados que se mostram os depoimentos a atender, e a concretização pela Autora de quais os factos que pretende ver reapreciados e o que na sua perspectiva deverá considerar-se provado, com a indicação do início do registo do respectivo depoimento áudio, entendemos, na senda da Jurisprudência referida supra, que foram satisfeitas, nessa matéria, as exigências legais.

Destarte, ponderados os elementos dos autos, concluímos que a Recorrente cumpriu o ónus de impugnação previsto no art. 640.º do Novo CPC.

Assim sendo, a rejeição pelo Tribunal da Relação do Porto do recurso interposto quanto à reapreciação do julgamento da matéria de facto não pode ser sufragada. Consequentemente, procede a revista nesta parte.

4. Resulta, ainda, dos autos que, nas suas contra-alegações, a Ré Recorrida veio argumentar que o voto de vencido exarado no Acórdão da Relação “não satisfaz os requisitos previstos no art. 663°, nº 1, CPC, porquanto não foi acompanhado da menção sucinta das razões da discordância, não permitindo conhecer o seu itinerário cognoscitivo, assinalando uma importante dissensão no seio do colectivo”.

Ou seja, ao invocar que tal voto não cumpre os requisitos legais, por insuficiência, e que, portanto, deverá ser desconsiderado, o que a Ré/Recorrida pretende é que se conclua no sentido de existir dupla conforme, na parte relativa à decisão jurídica do pleito.

Entendimento que não pode ser sufragado.
E isto porque:

4.1. Desde logo porque entendemos que o voto de vencido lavrado no Acórdão recorrido contém fundamentação bastante.
Embora se reconheça que o seu conteúdo é sumário, as razões apontadas na dissensão que motivou esse voto acabam por ser indicadas pela remissão que é feita para a numeração das conclusões inseridas no recurso da apelação: “vencida quanto à rejeição do recurso relativamente às conclusões 20/21, 41/42 do recurso, por entender que foram indicados os factos que se pretende sejam dados como provados.

Estando em causa o cumprimento do ónus consagrado no art. 640º do CPC, e impugnada que foi a matéria de facto vertida nessas conclusões, consideramos que, no caso sub judice, essa remissão acaba por ser suficiente, ainda que seja desejável uma fundamentação que se apoie em esteios mais arrimados.  

Anote-se que a própria lei admite que os Acórdãos sejam proferidos com fundamentação sumária ou com remissão para a Jurisprudência que se tenha debruçado sobre a mesma questão, ou até no caso da prolação de decisão liminar do objecto do recurso por iniciativa do Relator do processo, que “a decisão seja sumária, e que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões – cf. art. 656º do CPC.
Caso em que não há omissão de pronúncia quando o Acórdão se limitar a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.

Entende-se, nesta circunstância, que o Acórdão ou a decisão individual do Relator se apropria legitimamente da respectiva fundamentação em que alicerça a sua decisão, arrogando-se, por essa via, titular da mesma, ainda que o faça sem aduzir quaisquer outros argumentos de sustentação.
E, como é sabido, decisões dessa natureza são jurídica e plenamente válidas.

Não se vislumbram, por isso, razões que determinem para o presente caso uma maior exigência relativamente ao voto de vencido, tanto mais que a própria lei igualmente determina que esse voto deve ser “sucinto” – cf. nº 1, do art. 663º, do CPC.

4.2. Por outro lado, também não pode ser acolhida a invocação por parte da Ré/Recorrida de existência de dupla conforme entre a decisão proferida pela 1ª instância e a do Tribunal da Relação.
E as razões que obstam a essa dupla conformidade podem resumir-se nas seguintes:

4.3. De acordo com o disposto no art. 671º, nº 3, do CPC, não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância.
Trata-se de uma limitação imposta pelo legislador e que decorre dos novos normativos aprovados pelo Código de Processo Civil, ressalvados os casos estatuídos na lei e o preceituado no seu art. 672º, que se reporta à interposição de revista excepcional, normativo sem aplicação ao caso sub judice.

Quer isto dizer que o recurso de revista não é admissível desde que ambas as decisões – a da 1ª instância e a da Relação – decidam no mesmo sentido, confirmando a Relação a decisão proferida pela 1ª instância, sem que seja lavrado voto de vencido e sem que a fundamentação seja essencialmente diferente.
Caso em que se verifica a situação jurídica que a Doutrina e a Jurisprudência denominam de “dupla conforme” e que impede a interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Porém, não obstante a dupla conformidade existente entre decisões que apresentem as referidas “sintonias”, sem fundamentação inovatória, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência defendem que essa “coincidência” cede se a parte pretender reagir contra o não uso ou o uso deficiente dos poderes da Relação sobre a matéria de facto, v.g., quando “a Relação não tiver controlado a valoração da prova realizada na 1ª instância com o argumento de que a falta de imediação impede essa reapreciação”[9], ou quando rejeita a apelação por entender que o Recorrente não tinha cumprido os ónus exigidos para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto – cf. art. 640º do CPC.

A este propósito, Abrantes Geraldes, secundando Miguel Teixeira de Sousa, expressa igual entendimento, explicitando que, em tais circunstâncias e noutras similares em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou interpretação da lei processual e invocada no recurso de revista a violação de normas adjectivas relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, não existe dupla conforme.[10]

E compreende-se porquê: em substância, o Acórdão da Relação ainda que seja coincidente com a decisão da 1ª instância quanto à aplicação do direito, aprecia, ex novo, questões de natureza adjectiva com directa influência na decisão da matéria de facto que, assim, se mantém inalterada.

Sendo esta a Jurisprudência deste Supremo Tribunal[11] que vem uniformemente entendendo, alicerçado na doutrina de Miguel Teixeira de Sousa, que, nesses casos, em que o Tribunal da Relação decide não reapreciar a matéria de facto com fundamento no incumprimento por parte do Recorrente do ónus estabelecido no art. 640º do CPC (e quer essa rejeição seja total ou parcial), tal dupla conformidade de julgados não se verifica, porquanto não existe convergência entre as instâncias sobre tal matéria sujeita à impugnação.

Neste sentido, citam-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes arestos:
- Acórdão do STJ, de 14/05/2015, proferido no âmbito da Revista Excepcional n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, Relatado por Alves Velho, no qual se pode ler o seguinte:

“I. A dupla conformidade, como requisito negativo geral da revista excepcional, supõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira.
II. Quando o Tribunal da Relação é chamado a intervir para reapreciação das provas e da matéria de facto, nos termos dos arts. 640.º e 662.º do CPC, move-se no campo de poderes, próprios e privativos, com o conteúdo e limites definidos por este último preceito, que não encontram correspondência na decisão da 1ª instância sobre a mesma matéria.
III. Embora haja uma decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância e, uma outra, da Relação, que reaprecia o julgamento da matéria de facto, não poderá afirmar-se que, quando se questiona o respeito pelas normas processuais dos arts. 640.º e 662.º pela Relação, existe uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões conformes” – (sublinhado nosso).

- Acórdão do STJ, de 2/06/2015, proferido no âmbito do processo n.º 662/09.0TVLSB.L1.S1, Relatado por Moreira Alves, no qual se decidiu:

“I – A dupla conformidade pressupõe, necessariamente, uma reapreciação pela Relação da mesma questão de direito que a primeira instância já havia apreciado e a sua confirmação com idêntica fundamentação.
   II – Enunciando-se no recurso de revista excepcional a questão de saber se a Relação, no uso dos poderes que a lei lhe concede em matéria de facto, violou o art. 640.º do CPC, violação que apenas pode ser imputada à Relação e não também à 1ª instância, não ocorre a dupla conformidade a que alude o n.º 3 do art. 671.º do CPC” – (sublinhado nosso).

- Acórdão do STJ, de 2/07/2015, proferido no âmbito do processo n.º 3036/11.2TBVCT.G1.S1, Relatado por Alves Velho, no qual se decidiu:
           
   “I. Ao reapreciar as provas e a matéria de facto, nos termos dos arts. 640.º e 662.º do CPC, o Tribunal da Relação move-se no campo de poderes, próprios e privativos, com o conteúdo e limites definidos por este último preceito, em ordem a assegurar um efectivo segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.
   II. Esses poderes da Relação não encontram correspondência na decisão da 1ª instância sobre a mesma matéria, independentemente da convergência ou divergência sobre o julgamento dos vários pontos de facto.
   III. Embora haja uma decisão sobre a matéria de facto e outra que reaprecia o julgamento de facto, não poderá afirmar-se que, quando se questione o respeito pelas normas processuais dos arts. 640.º e 662.º pela Relação, que só esta pode violar, se possa falar de uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões conformes, o que impede desde logo a admissibilidade do recurso de revista excepcional – (sublinhado nosso).

No mesmo sentido se pronunciou também o Acórdão desta Secção do STJ, de 28/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1, relatado pela aqui Relatora.

5. Ora, acontece que o presente recurso tem por objecto o Acórdão da Relação na parte em este decidiu rejeitar a impugnação da decisão proferida pela 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos já citados.
E não tendo chegado a ser apreciada essa matéria de facto pela Relação, não obstante ter sido impugnada pela Autora no recurso de apelação interposto, não pode considerar-se a parte duplamente vencida. 

Valem aqui, para tanto, as considerações tecidas, louvando-nos na Doutrina e Jurisprudência que antecedem.
Por conseguinte, procede a revista na parte em que a Autora/Recorrente se insurge contra o modo como o Tribunal da Relação decidiu a impugnação da decisão da matéria de facto.
Impõe-se, assim, a remessa dos autos à Relação para que seja efectivamente apreciada a apelação nessa parte e, uma vez fixada a matéria de facto provada e não provada, sejam apreciadas as demais questões jurídicas suscitadas nas alegações desse recurso.

6. Face ao decidido, prejudicadas se mostram as restantes questões deduzidas e que envolvem o erro de julgamento na aplicação do direito invocado pela Recorrente.


III – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em julgar procedente a revista e em revogar o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, determinando-se a remessa dos autos a esse Tribunal, a fim de conhecer o recurso de apelação na parte relativa à reapreciação da decisão da matéria de facto oportunamente impugnada e, consequentemente, serem apreciadas, em conformidade, as demais questões jurídicas suscitadas no âmbito desse recurso.

- Custas da revista a cargo da parte vencida a final.

- Anexa-se sumário do presente Acórdão.


Lisboa, 18 de Maio de 2017



Ana Luísa Geraldes (Relatora)



Ribeiro Cardoso



Ferreira Pinto

                      ________________
                      [1] Segue-se, incluído neste ponto pela Recorrente, o sumário do referido Acórdão do STJ: «Pode o Supremo Tribunal de Justiça intervir, não na decisão concreta da decisão da matéria de facto, mas no modo e procedimento utilizado pelas instâncias para a aquisição de determinados factos. Vale por dizer que o Supremo não questiona ou sindica a convicção do julgamento e o razoamento utilizado para inferir os factos provados resultantes da prova produzida, mas se os procedimentos e as regras definidas para a aquisição de determinado facto foram correctamente utilizados» (destaques, nossos).
                      [2] Citou a Recorrida, a este propósito, neste ponto das contra-alegações, a seguinte Doutrina: “cf. Alberto dos Reis, em "Código de Processo Civil Anotado", Vol. V, Edição de 1984, pág. 483, em anotação ao art. 714°, correspondente ao actual art. 663° do NCPC; cf. ainda Abrantes Geraldes, em "Recursos no Novo Código de Processo Civil" - Almedina 2014 - 2a Edição, pág. 303”.
                      [3] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
                      [4] O Código de Processo Civil aqui referenciado é o que decorre da publicação da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o actual CPC. Pertencem ao Novo CPC todas as disposições legais que forem citadas sem qualquer outra menção ou simplesmente como sendo do CPC.
                      [5] Cf., neste sentido, os Acórdãos desta Secção do STJ, todos disponíveis em www.dgsi.pt., nomeadamente o
                      Acórdão datado de 1/10/2015, proferido no âmbito do processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatado pela aqui Relatora.
                      [6] As normas sem qualquer referência adicional pertencem ao Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
                      [7] Neste sentido, cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016, 3ª Edição, págs. 143 e segts. Argumentação que surge reforçada na 4ª Edição, de 2017, págs. 152 e segts, numa rejeição de entendimentos similares, o que, repete-se, a Jurisprudência deste Supremo Tribunal também não sufraga, como se demonstrará - (sublinhados nossos).
                      [8] Acórdão supra citado e relatado pela aqui também Relatora, cuja fundamentação se reitera.
                      [9] Neste sentido, e para aprofundamento da questão, cf. Miguel Teixeira de Sousa, in artigo subordinado à temática da “Dupla Conforme e Vícios na Formação do Acórdão da Relação”, in Instituto Português de Processo Civil, blogippc.blogspot.pt. Sublinhado nosso.
                      Vide, também, Acórdão do STJ., de 19/2/2015, Proc. Nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt.
                      [10] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016, 3ª Edição, Almedina, págs. 319 e segts.[11] Jurisprudência salientada na comunicação efectuada por Alves Velho, no “Colóquio sobre o Novo Código de Processo Civil”, que teve lugar no STJ., em 6/07/2015, cujo texto se mostra publicado em www.stj.pt., reforçada pela prolação de sucessivos Acórdãos nesse sentido, relatados, alguns dos quais, por esse Conferencista.