Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
023992
Nº Convencional: JSTJ00012712
Relator: ALFEU CRUZ
Descritores: AGUAS
MARGENS
DOMINIO PUBLICO HIDRICO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19350122023992
Data do Acordão: 01/22/1935
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 01-02-1935; COL OF ANO34 PAG15
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 3/1935
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 669.
CPC876 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 1176 PAR3.
D 12445 DE 1926/11/29 ARTIGO 14 N2.
RSH892 ARTIGO 261 N1 ARTIGO 281.
D 8 DE 1892/12/01 ARTIGO 4 N1 PAR3 ARTIGO 73.
D 5787-IIII DE 1919/05/10 ARTIGO 1 N2 ARTIGO 124 PAR1 PAR2.
CCIV867 ARTIGO 2167 ARTIGO 2169 ARTIGO 2170.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RP DE 1934/02/03.
ACÓRDÃO RP DE 1932/07/23.
Sumário :
Os artigos 261 e 281 do Regulamento de 19 de Dezembro de 1892 abrangem somente os terrenos pela lei considerados margens que pertençam ao dominio publico.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em tribunal pleno:

O representante do Ministerio Publico junto da Relação do Porto recorre extraordinariamente para este Supremo Tribunal, nos termos do artigo 669 do Codigo do Processo Penal, para o efeito de se fixar a jurisprudencia do acordão proferido a folha... deste processo, instaurado por transgressão do artigo 281 do regulamento de 19 de Dezembro de 1892, contra A, acusado de ter plantado e agricultado sem licença terrenos lodeiros situados na margem direita do rio Douro, em Freixo de Espada-a-Cinta.
O recurso foi mandado seguir pelo acordão de folha..., conforme dispõe aquele artigo e o artigo 1176, paragrafo 3, do Codigo do Proceso Civil, em vista do acordão da Relação do Porto de 3 de Fevereiro de 1934, a folha..., destes autos, estar em manifesta oposição com o julgado no acordão da mesma Relação de 23 de Julho de 1932, certificado a folha....
Ambos os acordãos foram proferidos sobre a mesma materia de direito - as infracções previstas no artigo 281 do regulamento de 1892 -, daquele primeiro acordão não cabe recurso ordinario por ter sido proferido em processo de transgressão (artigo 646, n. 6, do citado Codigo).
Consiste a oposição em que, pelo acordão de 23 de Julho de 1932, foi julgado que a plantação feita sem a necessaria licença num terreno marginal de uma corrente de agua navegavel ou flutuavel, embora do dominio particular, mas abrangido na faixa marginal sujeita a fiscalização dos serviços hidraulicos, pelo disposto no artigo 14, n. 2, do decreto n. 12445, de 29 de Novembro de 1926, constitue, não a transgressão do artigo 281, mas a do artigo 261 do citado regulamento.


Sustenta o acordão de 3 de Fevereiro de 1934 que aquele facto não e punivel, não lhe sendo aplicavel nem o artigo 281 nem o artigo 261.
O que tudo visto, relatado e discutido:


O regulamento de 19 de Dezembro de 1892 foi publicado em cumprimento do artigo 73 do decreto com força de lei n. 8 de 1 de Dezembro do mesmo ano e deve ser interpretado e executado em conformidade com o decreto que regulamenta.


O decreto n. 8 dispõe no artigo 4, paragrafo 3, que - os proprietarios legais dos terrenos juntos dos lagos, lagoas, vales, canais, esteiros e correntes de agua serão previamente indemnizados, nos termos das leis de expropriação por utilidade publica, pela expropriação ou servidões impostas pelas disposições deste artigo e seus paragrafos.


Os artigos 261 e 281 do regulamento somente se aplicam as margens dos rios navegaveis ou flutuaveis quando pertencentes ao Estado, como expressamente dispõem o n. 1 do artigo 261, que se refere a plantações - para aquem da linha que nos terrenos junto dos leitos limita o dominio do Estado -, e o artigo 281, que tambem se refere somente as plantações ou edificações nos terrenos que junto ao leito dos lagos, lagoas, rios, valas, canais, esteiros e mais correntes de agua navegaveis ou flutuaveis constituem as margens e pertencem ao Estado.


Não contraria estas disposições o n. 2 do artigo 1 do decreto n. 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, que considera do dominio publico as margens das correntes navegaveis ou flutuaveis, nem o artigo 4 e n. 1 do decreto n. 8 de 1892, determinando que a margem nas correntes de agua navegaveis ou flutuaveis consistira em uma faixa de terreno de 3 a 30 metros, e excepcionalmente ate 50 metros de largura, a contar da linha que limita o leito ou alveo, conforme a importancia e necessidade da via flutuavel ou navegavel, porque o que se conclui destas disposições e que a margem não e uma faixa de terreno certa e determinada, mas variavel, devendo ser delimitada conforme a importancia e necessidade da corrente, e passa ao dominio publico quando expropriada nos termos do paragrafo 3 deste ultimo artigo, e quando seja necessario ocupar terrenos particulares serão os seus donos previamente indemnizados, nos termos da legislação sobre expropriações por utilidade publica, e depois de delimitados segundo a importancia o destino das correntes, devendo esta delimitação ser feita quando se proceder a classificação e demarcação das bacias hidrograficas, nos termos do regulamento (artigo 124, paragrafos 1 e 2 do decreto n. 5877-IIII).
O decreto n. 12445, de 29 de Setembro de 1926, definiu provisoriamente a largura das margens dos cursos de aguas sujeitas ao dominio publico para efeito da fiscalização a que se refere o artigo 124 da lei das aguas, e coibir abusos que, por deficiencia de sanções, se verificam contra legitimos direitos do uso das aguas para rega na epoca propria do ano, e no artigo 14 e seus numeros fixa a largura das faixas de terreno que se consideram margens.
Estas disposições de caracter provisorio são somente para efeitos de fiscalização dos serviços hidraulicos e não de expropriação, como se ve do mesmo artigo e do relatorio que procede o decreto, e tiveram em vista proteger e não prejudicar os legitimos direitos dos proprietarios.
A proibição da cultura nesses terrenos sem previa expropriação e indemnização equivaleria, como diz o acordão recorrido, a um verdadeiro confisco, que as nossas leis constitucionais repelem.


Não se provou que o terreno em litigio fosse expropriado nem que o reu fosse indemnizado, nos termos da lei, por qualquer sevidão imposta nesses terrenos e portanto goza do seu direito de propriedade, nos termos dos artigos 2167, 2169, e 2170 do Codigo Civil, sem outros limites alem daqueles que lhe foram assinados pela natureza do terreno, por vontade do proprietario ou por disposição expressa da lei.


Negam, pelo exposto, provimento ao recurso, confirmam o acordão recorrido e estabelecem o seguinte assento:


Os artigos 261 e 281 do regulamento de 19 de Dezembro de 1892 abrangem somente os terrenos pela lei considerados margens que pertençam ao dominio publico.


Lisboa, 22 de Janeiro de 1935

Alfeu Cruz - E. Santos - Amaral Pereira - Crispiniano -
- Arez - A. Osorio de Castro - J. Cipriano - A. Campos -
- Silva Monteiro - Pires Soares - Carlos Alves - Alexandre de Aragão - Ponces de Carvalho - J. Soares - Mendes Arnaut - B. Veiga.