Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1783/12.0TYLSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CRÉDITO DO ESTADO
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PLANO DE INSOLVÊNCIA.
DIREITO TRIBUTÁRIO - RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA / OBJECTO - PROCESSO TRIBUTÁRIO / PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES.
Doutrina:
- Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, In “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, pp. 45-47.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 194.º, 215.º, 286.º.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO (CPPT): - ARTIGO 196.º, N.ºS 6 E 7, 199.º.
D.L. Nº 73/99, DE 16.03: - ARTIGO 3.º, N.ºS 3 E 5.
LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT): - ARTIGOS 30.º, NºS1, ALS. A) A E), 2 E 3, 36.º, N.º3
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18.02.14, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Não consubstancia violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 194.º do CIRE, o tratamento diferenciado de credor que, longe de ser arbitrário, decorre de circunstâncias objectivas e atendíveis e que, para além de constarem, transparentemente, no plano – que mereceu o voto favorável de credores cujos créditos totalizam € 3 842 147, 19 e desfavorável de credores, cujos créditos totalizam apenas € 299 751, 03 –, não só o aconselham, como, mesmo, o impõem em ordem à manutenção e revitalização da devedora.

II - Em tal quadro, e sendo a Fazenda Nacional – que, ao contrário do ocorrido com o ISS (Instituto de Segurança Social), se manteve totalmente alheada ao longo das negociações e absteve na correspondente votação – titular de um crédito de apenas € 77 826, 31, pode ser havida como negligenciável, atenta a natureza e finalidade associadas ao direito insolvencial, a violação de normas tributárias – ou equiparadas – aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 1783/12.0TYLSB-B.L1.S1[1]

                (Rel. 178)

                             Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – “AA, S. A.” requereu a abertura de processo especial de revitalização, manifestando a vontade em encetar negociações conducentes à sua recuperação.

       Após, foi nomeado um administrador judicial provisório.

       Concluídas as negociações, os credores votaram, por escrito, a proposta do plano de recuperação conducente à revitalização da devedora.

       Após, foi proferida sentença homologatória do referido plano, do seguinte teor:

      “(…)

       Do universo dos créditos reconhecidos, no valor global de € 5 218 193,66, exerceram o direito de voto credores com créditos no montante de € 4 141 898,22, sendo que destes votaram favoravelmente o plano credores com créditos no montante total de € 3 842 147,19 e desfavoravelmente credores com créditos no montante total de € 299 751,03.

       Dispõe o nº1 do art. 212º do CIRE, “ex vi” nº3 do art. 17º-F do mesmo diploma, que (…)

       De acordo com a interpretação meramente literal da normação em referência, de resto sem divergências de interpretação na doutrina e jurisprudência, a aprovação do plano depende do preenchimento cumulativo de dois “quoruns” distintos, a saber:

       Quorum constitutivo – referente a percentagem mínima de créditos cujos titulares exercem  o direito de voto e que não pode ser inferior a 1/3 do total dos créditos com direito de voto (no caso dos autos, € 5 218 193,66 x 1/3 = € 1 739 397,89);

       Quorum deliberativo – a aprovação do plano carece do preenchimento de dois requisitos cumulativos:

--- percentagem mínima de votos favoráveis exigida para que a proposta se considere aprovada – mais de 2/3 da totalidade dos votos emitidos (no caso dos autos, € 4 141 898,22 x 2/3 = € 2 761 265,49);

--- percentagem de votos correspondentes a créditos não subordinados superior a ½ (no caso dos autos, apenas há registo do reconhecimento de crédito subordinado no montante de € 576 130,17, pertencente à “BB – ..., S. A.”, a qual votou favoravelmente o plano).

       Efectuados os cálculos, dúvidas não subsistem quanto à verificação dos quoruns constitutivo e deliberativo, sendo este nas duas vertentes em referência.

       De harmonia com o disposto no art. 215º, ex vi art.17º-F, nº5, ambos do CIRE, o juiz apenas pode recusar oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza (…).

       De outro passo, não foi solicitada a não homologação do plano por qualquer interessado – art. 216º, ex vi art. 17º-F, nº5 do CIRE, sendo que neste processo especial não há publicação da deliberação de aprovação (art. 213º do CIRE), nem o prazo para homologação obedece ao disposto no art. 214º do mesmo diploma, uma vez que o regime especial estabelece, isso sim, o prazo de 10 dias para o juiz decidir sobre a homologação do plano de recuperação, a contar da data da recepção da documentação remetida pelo administrador judicial provisório.

       Acresce que, compulsado o plano de recuperação, não logramos vislumbrar a ocorrência de violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo estas quaisquer condições suspensivas, actos ou medidas que devam preceder a homologação (art. 215º do CIRE).

       Assim sendo, nada obstando e tendo em conta o disposto no art. 196º do CIRE, deverá o plano de insolvência ser homologado.

       Pelo exposto, e de harmonia com o preceituado no nº5 do art. 17º-F do CIRE, homologo por sentença o plano de recuperação da devedora “AA, S. A.”.

       A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – art. 17º-F, nº5 do CIRE.

       Custas (…) Notifique (…)”

       Na procedência das apelações interpostas por “CC., S. A.” e pelo Mº P – este, em representação da Fazenda Nacional – a Relação de Lisboa, por acórdão de 11.03.14, revogando a sentença recorrida, recusou a homologação do plano de recuperação.

       Daí a presente revista interposta pela apelada, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões:

                                                    /

1ª – Inconformada com o douto acórdão proferido nos autos, pela Relação de Lisboa, a 11.03.2014, que revogou a sentença proferida em 1.ª instância, recusando corolariamente a homologação do Plano de Recuperação aprovado, interpõe a Devedora o presente recurso contra aquele aresto, nos termos do disposto no artigo 14.º do CIRE, com fundamento em oposição com Acórdãos proferidos pelo STJ e pelas Relações, no domínio da mesma legislação e que decidiram de forma divergente as mesmas questões fundamentais de Direito, não tendo ainda, sobre as mesmas, sido fixada jurisprudência pelo STJ, nos termos do disposto nos artigos 732.º-A e 732.º-B (actuais artigos 686.º e 687.º) do CPC.

2ª – No que tange ao princípio da igualdade, estatuído no artigo 194.º do CIRE, decidiu o douto Acórdão recorrido, dando provimento (ainda que apenas quanto a este fundamento) ao recurso interposto pelo credor BCC, S.A., que as distintas condições de pagamento a um dos credores comuns – DD, SAS – não encontram justificação em razões objectivas, pelo que viola o Plano de Recuperação o referido princípio e, consequentemente, não deveria ter sido homologado.

3ª Tal entendimento está, porém, em oposição com o decidido em Acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores designadamente Ac. da Relação de Lisboa de 9.05.2013 – processo n.º 1008/12.9TYLSB.L1-8, Relator: Isoleta Almeida Costa; Ac. da Relação de Guimarães de 18.06.2013 – processo n.º 743/12.6TBVVD.G1, Relator: Rosa Tching; Ac. da Relação de Guimarães de 4.03.2013 – processo n.º 3695/12.9TBBRG.G1, Relator: António Santos, todos integralmente acessíveis in www.dgsi.pt;

4ª – A remissão constante do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE para as normas do mesmo diploma concernentes à aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, ressalva literalmente as necessárias adaptações;

5ª – Neste conspecto, de sublinhar que, com a introdução do PER no CIRE, a satisfação dos direitos dos credores deixou de ocupar o lugar privilegiado que vinha tendo, passando a recuperação do devedor a consubstanciar, também, um fim atendível no âmbito do CIRE, maxime em sede do PER. É patente, pois, que com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, se alterou o paradigma, passando a integrar o objectivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação;

6ª – Em suma, e seguindo de perto o teor do citado Ac. da Relação de Lisboa de 9.05.2013, que subscrevemos, «Os n.os 4 e 5 do citado art. 17.º-F impõem a aplicação, ao caso dos autos, do disposto nos arts. […] 215.º e 216º do CIRE, “com as necessárias adaptações”, o que vale por dizer em tudo o que não contrarie o interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do colectivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor» (sublinhado nosso). É, pois, neste quadro que deve ser interpretada a aplicabilidade dos preceitos que integram o título IX do CIRE ao PER;

7ª – Sem embargo, o princípio da igualdade dos credores não obsta ou impede que seja dado tratamento diversificado a credores, em função da sua categoria, e, mesmo que perante credores inseridos na mesma classe, nada impede a possibilidade de se estabelecerem diferenciações, exigindo-se tão-só que a estas não presida a arbitrariedade, antes se mostre evidenciado estarem elas assentes em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 194.º do CIRE;

8ª – Assim, apenas quando não seja a diferenciação de tratamento entre credores objectivamente justificada, se impõe ao Juiz o dever de recusar oficiosamente a homologação do plano de recuperação;

9ª – Em suma, e como resulta do artigo 194.º do CIRE, o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos credores afectados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam diferenciações, exigindo-se tão só que assentem as mesmas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado;

10ª – Relativamente à Credora DD, SAS, cujo crédito reconhecido no PER ascende a € 746.887,52, ressalta do Plano aprovado a existência de uma relação recíproca e íntima de Cliente/Fornecedor com a Devedora, estando previsto o reembolso apenas do capital em dívida, em prestações mensais, correspondentes a 7% dos montantes facturados pela Devedora à Credora pelos produtos acabados, através do mecanismo da compensação entre a diferença resultante da facturação dos produtos acabados (crédito da Devedora) e o consumo, por parte da Devedora, de matérias-primas e embalagens (crédito da Credora DD);

11ª – Não se afigura, desde logo, despiciendo enfatizar a modalidade de satisfação do crédito da DD, SAS prevista no Plano, pois que a compensação, como causa extintiva da obrigação, não está disponível para a Devedora relativamente aos restantes créditos comuns;

12ª – Na verdade, não existe entre a Devedora e os demais credores comuns uma relação creditícia recíproca, enquanto fornecedor/cliente, que possibilite proceder à compensação entre débitos e créditos, o que determina a necessidade da efectiva afectação de valores ao pagamento dos créditos comuns, com notórios constrangimentos de tesouraria, o que, face às inequívocas dificuldades económico-financeiras sentidas pela Devedora – que determinaram, aliás, o PER – inviabiliza a possibilidade de proceder a pagamentos a credores comuns antes de integralmente decorrido o período de carência previsto no Plano quanto aos mesmos;

13ª – Prevê ainda o Plano de Recuperação a remissão dos créditos da DD, SAS caso a Credora denuncie ou resolva o contrato celebrado com a Devedora, mais tendo aquela manifestado tencionar resolvê-lo, com efeitos a partir de Dezembro de 2013 e nos termos legais e contratuais aplicáveis, conforme se fez igualmente constar do Plano aprovado;

14ª – De facto, a Credora DD, SAS, por comunicação datada de 18.06.2013 (Doc. n.º 1), fez cessar válida e efectivamente o contrato vigente – conforme, aliás, tinha anunciado e constava expressamente do Plano aprovado – circunstância que determinou a remissão dos créditos existentes à data da produção de efeitos da cessação do contrato, ou seja, 31.12.2013;

15ª – Na verdade, formalizou a Credora, em 31.03.2014 (Doc. n.º 2), a remissão integral dos seus créditos, reportados, à mencionada data de 31.12.2013, no montante de € 367 277,01, mais tendo fornecido à Devedora, pela quantia simbólica de € 1,00, todo o stock (composto de embalagens e matérias primas) que colocara nas instalações da Devedora, avaliado pela DD, SAS no montante de € 114 000,00;

16ª – Assim, e atentando nos valores em presença, a DD, SAS perdoou à Devedora, no quadro do Plano de Recuperação aprovado, créditos no montante global de quase meio milhão de euros – mais concretamente, € 481 276,01 (= € 367 277,01 + € 114 000,00 - € 1,00) – que, face ao total de € 746 887,52 que lhe foi reconhecido no âmbito do PER, consubstancia um perdão de 63,46% dos seus créditos;

17ª – Em contraponto, importa recordar que, relativamente aos créditos comuns – designadamente o do credor BCC, S.A.:

--- Está igualmente previsto no Plano de Recuperação o perdão integral de juros, vencidos e vincendos – tal como quanto à DD, SAS;

--- O perdão de capital ascende a 50% do mesmo – ao passo que a DD, SAS, por via da remissão dos seus créditos, prevista em caso da cessação do T... já anunciada no Plano, concedeu à Devedora um perdão de 63,46% dos seus créditos de capital;

18ª – Mas mais: o crédito do próprio BCC, S.A., não obstante não estar garantido na esfera da Devedora, goza de garantias adicionais, quando comparado com o da DD, SAS, designadamente os avales pessoais prestados pela Administração, em livranças-caução;

19ª – Quer, pois, isto dizer que, na prática, em virtude da efectiva remissão dos créditos da DD, SAS prevista no Plano de Recuperação, conferiu o mesmo a esta Credora um tratamento mais desfavorável relativamente aos demais credores comuns – o qual foi consentido, porquanto a mesma Credora votou favoravelmente a aprovação do Plano;

20ª – Mais: a remissão do crédito da DD, SAS, para além de configurar uma situação «favorável à AA», como se observa no douto Acórdão recorrido, em virtude da redução considerável do seu passivo, na ordem do meio milhão de euros, beneficia reflexamente todos os demais credores da Devedora – BCC, S.A. incluído – pois que potencia a capacidade de afectar meios libertos ao pagamento dos seus créditos;

21ª – Ora, face ao exposto, forçoso é concluir-se que as razões objectivas que justificam o tratamento diferenciado da credora DD, SAS estão plasmadas no Plano de Recuperação com clareza e rigor, devidamente concretizadas, identificadas e explicadas (cf. artigo 195.º do CIRE), resultando objectivamente do teor do mesmo a ratio que justifica, exige e aconselha o tratamento diferenciado conferido a esta credora, em particular, em razão sobretudo do objectivo último pretendido de, no final, se conseguir uma efectiva revitalização da Devedora, através da manutenção da mesma em actividade.

22ª – Vale, pois, isto por dizer que o tratamento diferenciado conferido no plano de recuperação à Credora DD, SAS deriva de factos concretos e objectivos, vertidos no mesmo: serem a Devedora e a Credora reciprocamente fornecedoras/clientes; ser o pagamento (apenas) do capital em dívida feito através de compensação entre créditos e débitos, o que liberta a Devedora de acrescidos constrangimentos de tesouraria, com reflexos no reembolso dos créditos aos demais credores; ser o crédito passível de integral remissão em caso de cessação do contrato celebrado entre a Devedora e esta Credora, que manifestou, desde logo, no Plano a intenção de o denunciar com efeitos a Dezembro de 2013, o que implica uma considerável redução do passivo da Devedora, com consequente incremento dos meios libertos para o reembolso dos demais credores – o que, conforme acima se aduziu e adiante demonstrará documentalmente, veio efectivamente a ocorrer;

23ª – Assim, inexiste violação do princípio de igualdade prescrito no artigo 194.º do CIRE, pelo que mal andou o Acórdão em crise ao decidir revogar a douta sentença homologatória com semelhante fundamento;

24ª – Na verdade, a interpretação do artigo 194.º do CIRE feita pelo douto Acórdão recorrido não colhe arrimo na filosofia subjacente ao PER, introduzido no CIRE através da mais recente alteração legislativa àquele diploma, que, como acima se explanou, determinou uma inversão do paradigma do regime falimentar vigente, na medida em que deve actualmente dar-se primazia ao interesse público de preservação do tecido empresarial, da economia nacional, com especicuja recuperação se afigura viável, em detrimento da sua liquidação com inerente aumento do desemprego e correspectivo aumento da despesa pública com prestações sociais e diminuição da receita fiscal.

25ª – Concluindo, sufragamos, pois, o entendimento vertido no douto Ac. do STJ de 25.03.2013, processo n.º 6148/12.1TBBRG.G1.S1, Relator: Fonseca Ramos, ainda não publicado, de acordo com o qual «ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior, em função dos direitos que devam ser salvaguardados, atenta a sua relevância pública.» (sublinhado nosso);

26ª – No que concerne ao recurso interposto pelo MP, em representação da Fazenda Nacional, da sentença homologatória proferida em 1.ª instância, e dando provimento ao mesmo, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no douto acórdão recorrido, que, violando o Plano de Recuperação aprovado normas fiscais – concretamente, os n.os 5 e 6 do artigo 196.º do CPPT, por um lado, e a al. a) do n.º 3 do mesmo artigo, por outro – deveria ter sido recusada a sua homologação;

27ª – Todavia, tal entendimento está em oposição com o decidido em arestos dos Tribunais Superiores nomeadamente, Ac. do STJ de 18.02.2014 – processo n.º 1786/12.5TBTNV.C2.S1, Relator: Fonseca Ramos, integralmente acessível in www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Coimbra de 25.02.2014 – processo n.º 708/13.0TBPMS.C1, não publicado, cuja cópia se junta; Ac. Relação de Guimarães de 15.10.2013 – processo n.º 8604/12.2TBBRG.G1, Relator: Manuela Fialho, integralmente acessível in www.dgsi.pt;

28ª – O Plano de Recuperação conducente à revitalização da Devedora aprovado prevê o pagamento dos créditos reclamados pela Fazenda Nacional nos termos seguintes, com expressa menção aos preceitos legais aplicáveis, cumprindo, pois, todos os requisitos legalmente exigidos, quanto aos créditos fiscais, mormente os decorrentes do artigo 196.º do CPPT, razão pela qual nada obrigava o Mmo. Juiz da 1.ª instância a recusar a homologação do mesmo, pelo que se impõe, neste sede, repristinar a douta sentença homologatória, como adiante melhor se exporá;

29ª – Na verdade, consagrou-se o pagamento integral de capital, juros vencidos e vincendos nos termos do disposto, respectivamente, nos artigos 30.º, n.os 2 e 3 da LGT, 196.º, n.º 7 do CPPT e 3.º, n.os 3 e 5 do DL 73/99, de 16 de Março. Concomitantemente, a moratória que foi concedida enquadra-se no preceituado no n.º 3 do artigo 36.º da LGT;

30ª – Aliás, atendendo aos fins que o PER se propõe alcançar, seria desproporcional que este fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, tendo sido, por esse motivo, alargado o número de prestações admitido no âmbito deste até às 150 (cento e cinquenta), conforme o disposto no n.º 6 do artigo 196.º do CPPT;

31ª – Nos termos da douta decisão em crise, nenhuma das 150 (cento e cinquenta) prestações previstas no Plano de Recuperação da Devedora poderia, de todo o modo, ser inferior a € 1 020,00 (10 UC) pelo que, dividindo o crédito reconhecido à Administração Tributária e Aduaneira (AT) no âmbito do PER da Devedora, no montante global de € 77 826,31, por 150 (cento e cinquenta) prestações, teríamos prestações unitárias no montante de € 518,84 e, como tal, inferior ao limite legalmente admissível;

32ª – Sucede, que, quanto a este aspecto em concreto, e ressalvado o respeito pelo entendimento plasmado no Acórdão recorrido, não se afigura razoável resumir o processo de elaboração do plano prestacional de pagamento dos créditos reconhecidos à AT, da competência do respectivo Serviço de Finanças, a uma mera operação aritmética;

33ª – Com efeito, e após trânsito em julgado da decisão homologatória, competiria à Devedora solicitar, junto do Serviço de Finanças competente, a elaboração de tal plano prestacional, o qual contemplaria valores (designadamente, juros entretanto vencidos e outros encargos e despesas), para além do montante de € 77 826,31 reconhecido no âmbito do PER, e acolheria seguramente todas as prescrições legais aplicáveis.

34ª – Ademais, e conforme resulta textualmente do Plano de Recuperação aprovado, o pagamento dos créditos fiscais será feito «em 150 (cento e cinquenta) prestações mensais, após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação, com oferta de garantia idónea, a ajustar com Serviço de Finanças competente – artigo 196.º, n.º 6 e artigo 199.º do CPPT» (sublinhado nosso);

35ª – Vale, pois, isto por dizer que os contornos de pormenor atinentes à elaboração do concreto plano de reembolso em prestações dos créditos fiscais – designadamente o número máximo e montante mínimo de cada prestação e o tipo de garantia idónea a prestar – foram remetidos, nos termos expressos no Plano aprovado, para o Serviço de Finanças competente, como se afigura razoável (e até desejável, arriscamos dizer);

36ª – Mostra-nos, aliás, a experiência que, aprovado e homologado um Plano de Recuperação, no âmbito de um PER, é a própria Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários que remete a Devedora para o respectivo Serviço de Finanças, junto do qual deve solicitar a elaboração do concreto plano prestacional de pagamento dos créditos fiscais, no quadro do Plano de Recuperação tendente à sua revitalização;

37ª – Com efeito, o facto de, na prática, cada uma das prestações a fixar não poder ser de montante inferior a € 1 020,00 determinará in casu um reembolso mais célere dos créditos da AT, não obstante a admissibilidade legal de um número máximo de 150 (cento e cinquenta) prestações;

38ª – Impõe-se, pois, concluir que a indisponibilidade dos créditos tributários não é absoluta, pois que a própria lei tributária – artigo 196.º, n.os 5 e 6 da LGT – admite a possibilidade de alargamento do prazo de pagamento dos créditos tributários até às 150 (cento e cinquenta) prestações;

39ª – Assim, o pagamento dos créditos fiscais pode efectivamente ser feito em prestações, nos termos legalmente admissíveis, estando apenas a concessão desse benefício ao devedor sujeita aos princípios da igualdade e da legalidade tributária – o que equivale a dizer que exigível é que as operações conducentes à elaboração do concreto plano de pagamento em prestações estejam estribadas nas disposições legais aplicáveis, devendo, ainda, ser processadas, pela própria AT, nos termos igualmente previstos na lei;

40ª – Ora, o Plano de Recuperação foi elaborado de acordo com os ditames legais, foi votado, foi aprovado com observância do quórum deliberativo legalmente imposto, não tendo, em momento algum, a Fazenda Nacional invocado o incumprimento, pelo mesmo, de qualquer norma imperativa, não tendo sequer votado desfavoravelmente o Plano de Recuperação!

41ª – Mais: a Fazenda Nacional nem sequer pugnou pela sua não homologação, no momento processual adequado, tendo o Mmo. Juiz da 1.ª instância – bem – entendido que todas as formalidades legais e processuais haviam sido cumpridas e, como tal, decidiu homologar o Plano aprovado, vindo somente, em apelação, o MP insurgir-se contra tal homologação;

42ª – Colheu, ainda, nos termos do Acórdão recorrido, o argumento invocado pelo MP quanto à não previsão no Plano de Recuperação aprovado da substituição dos administradores responsáveis pela não entrega dos impostos ou de um pedido de dispensa de tal obrigação, nos termos do artigo 196.º, n.º 3 do CPPT;

43ªOra, e conforme resulta dos autos, também quanto a esta matéria, nunca a Fazenda Nacional se pronunciou, tendo-se inclusive abstido de votar o Plano de Recuperação, bem como de requerer a sua não homologação. Isto, não obstante ter sido informada, em detalhe, da proposta de plano ao longo do período de negociações;

44ª – Na verdade, a Fazenda Nacional foi convidada a participar nas negociações e demonstrou intenção de intervir nas mesmas, mas nem sequer usou, junto da Devedora, daquele que a experiência tem demonstrado ser o seu procedimento usual – e desejável, seguindo cremos – de fornecer, em resposta ao convite à negociação, indicação acerca daquelas que são as directrizes a seguir, quanto ao pagamento dos créditos fiscais, com vista à obtenção do voto favorável da AT;

45ª – Foi, ainda, remetida a proposta de Plano de Recuperação da Devedora para que a AT pudesse pronunciar-se sobre a mesma e votá-la, sem que, porém, tivesse obtido qualquer resposta da AT;

46ª – Não obstante todos os esforços envidados pela Devedora, não foi possível obter qualquer resposta por parte da AT, a qual, apesar de ter manifestado intenção de participar nas negociações em curso, tendentes à aprovação do Plano de Recuperação da Devedora, apenas o fez formalmente, sem que, de facto, tenha concretizado essa sua intenção;

47ª – Nos termos do disposto no artigo 215.º do CIRE, impende sobre o Juiz o dever de recusar a homologação do plano de recuperação aprovado, caso seja confrontado com situações de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza;

48ª – Sucede que, no âmbito do poder/dever que dispõe de recusar a homologação do plano de recuperação, como bem salienta Menezes Leitão (in Direito da Insolvência, 2.ª edição, p. 291), há-de o Juiz ater-se às situações de «violação grave não negligenciável» das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, pois que, já as «violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano» (sublinhado nosso);

49ª – Como superiormente sumariado no Ac. do STJ de 18.02.2014 cit., «o [próprio] Estado, num quadro de forte constrangimento económico e financeiro, assumiu o compromisso de legislar no sentido de introduzir um quadro legal de cooperação e flexibilização dos seus créditos quando estiver em causa a aceitação de reestruturação de créditos de outros credores, ou seja, o Estado Português, aceitou adoptar legislativamente, procedimentos flexíveis quanto aos seus créditos, que no direito português como é consabido, se apresentam exornados de fortes garantias (v.g. privilégios creditórios), em ordem à salvaguarda das empresas em comunhão de esforços com os credores particulares, dando primazia à recuperação.» (sublinhado nosso);

50ª – Ou seja, aquilo que efectivamente se pretende é que o próprio Estado – nomeadamente, a AT – intervenha activamente no PER, participe dos sacrifícios e faça parte integrante da solução, votada à recuperação do devedor e à sua manutenção no giro comercial, e não que coarcte as legítimas expectativas de ver concretizada a sua revitalização, através da implementação de um plano de recuperação que colha a aprovação da maioria dos seus credores;

51ª – É, pois, este o quadro legislativo e de interesses que deve balizar a intervenção judicial no PER, que assume uma vertente vincadamente negocial, promovendo-se um consenso inter partes, dando primazia à vontade dos intervenientes, pois que o papel do Juiz se circunscreve à verificação da legalidade, não lhe cabendo, ainda, «no âmbito da aferição da existência e/ou inexistência de fundamento que obrigue à recusa de homologação do plano de recuperação do devedor, […] exercer uma qualquer e muito menos aturada análise do mérito/valia da solução aprovada pelos credores (qual acordo de partes alcançado após uma breve fase negocial) e vertida no plano de recuperação conducente à revitalização do devedor» – Ac. da Relação de Guimarães de 4.03.2013, cit. (sublinhado nosso);

52ª – Isto posto, e tendo presentes as particulares violações às normas fiscais apontadas, no douto Acórdão em crise, ao Plano de Recuperação da Devedora – não previsão do limite mínimo no que toca ao montante de cada uma das 150 prestações e, ainda, falta de menção à substituição dos administradores responsáveis pela não entrega dos impostos ou ao pedido de dispensa dessa obrigação – não se afigura que das mesmas advenha intolerável prejuízo para a Fazenda Nacional;

53ª – Pelo contrário, aliás: não sofre qualquer redução nos seus créditos, prevendo-se, nos termos do Plano de Recuperação aprovado, um reembolso integral, no que respeita a capital, juros vencidos e vincendos, sendo que o mesmo ocorrerá inevitavelmente aquém do limite máximo admissível de 150 (cento e cinquenta) prestações, porquanto o montante de cada uma das mesmas será fixado, no mínimo, em € 1.020,00 pelo Serviço de Finanças competente, aquando da elaboração do concreto plano prestacional;

54ª – Assim sendo, e ainda que possa admitir-se que houve violação de normas aplicáveis ao conteúdo do Plano de Recuperação da Devedora – mormente as apontadas, no Acórdão recorrido, quanto às condições de pagamento dos créditos da AT – temos que é a mesma negligenciável não configurando, pois, razão bastante para impor a recusa da homologação do Plano aprovado;

55ª – Neste sentido, bem decidiu o já citado Acórdão da Relação de Coimbra de 25.02.2014, que acompanhamos, em situação em tudo idêntica àquela sobre a qual versam os presentes autos, em que não há participação efectiva da AT no período negocial tendente à aprovação do Plano: «Pretendendo o Estado com o processo especial de revitalização favorecer a recuperação de empresas economicamente viáveis, iniciado um concreto processo, não parece, com o devido respeito, que esse mesmo Estado (embora noutra veste) se possa remeter ao papel “cómodo” de não participar nas negociações, para, aprovado o “plano”, ter “mãos livres” para se opor a toda e qualquer, ainda que insignificante, compressão dos seus créditos tributários»;

56ª – Na verdade, a AT – excepção feita à resposta formal ao convite para participar das negociações – não interveio, de forma alguma, no processo despoletado pela Devedora, com vista à obtenção do acordo dos seus credores relativamente às condições de pagamento dos créditos reconhecidos em moldes tais que permitissem a sua revitalização, ao invés do que sucedeu quanto à Segurança Social que, não só participou nas negociações, como transmitiu à Devedora quais as condições que, face à legislação aplicável, se impunham relativamente ao pagamento dos seus créditos – as quais foram plasmadas no Plano de Recuperação aprovado – e votou favoravelmente o Plano;

57ª – Ainda que assim não se entenda – o que não se concede nem concebe – sempre deveria a Relação de Lisboa ter decidido apenas no sentido da ineficácia do Plano de Recuperação aprovado relativamente aos créditos da Fazenda Nacional, mantendo-se, no mais, a sentença homologatória, produzindo o Plano aprovado e homologado os seus efeitos quanto aos demais credores – neste sentido, aliás, eloquentemente decidiram o Ac. do STJ de 18.02.2014 e o Ac. Relação de Guimarães de 15.10.2013, acima melhor identificados;

       TERMOS EM QUE
Deverá ser dado integral provimento ao presente recurso, revogando-se, consequentemente, o douto acórdão recorrido e, corolariamente, repristinando-se a decisão da 1ª instância, no que concerne à homologação do Plano de Recuperação conducente à revitalização da Devedora;
Subsidiariamente,
No que respeita aos créditos da AT, caso entendam V. Exas. que ressuma do Plano de Recuperação violação não negligenciável de normas fiscais, deverá decretar-se a ineficácia da decisão homologatória relativamente à Fazenda Nacional, assim se fazendo a sã e acostumada
JUSTIÇA

       Contra-alegando, defendem as recorridas a manutenção do julgado.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                     *

2 – Na Relação, tiveram-se por provados os seguintes factos:

                                                     /

1 – O BCC, SA informou o tribunal, o administrador judicial provisório e a devedora AA SA pretender participar nas negociações conducentes à revitalização desta última;

2 – No dia 23.01.13, a requerente AA remeteu, para os mails de EE@CC.pt, FF@CC.pt, GG@CC.pt, a comunicação fotocopiada a fls. 43 (doc. 2), na qual se refere que “Na sequência e em conformidade com o ajustado na reunião de ontem, em anexo, remeto proposta de plano de recuperação em negociação com os credores da AA, no âmbito do PER em curso, e respectivo anexo II – lista provisória de créditos junta aos autos”.

       Nesse mail, alude-se ainda à “disponibilidade para a prestação de qualquer esclarecimento adicional, bem como para a realização de nova reunião, caso reputem necessário”;

3 – A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada AT) informou a devedora AA… SA pretender participar nas negociações em curso no âmbito do processo de revitalização;

4 – Por mail de 20.02.13, a requerente AA remeteu à AT cópia da proposta de plano de recuperação em negociação e lista provisória de credores reconhecidos;

5 – O plano de recuperação constitui fls. 87/114 e 118/147, o qual se dá por inteiramente reproduzido.

       Nesse plano, refere-se, além do mais, o seguinte:

a. A AA-… S.A. (adiante designada por KG) tem por objecto o desenvolvimento, fabrico e comercialização de tintas e vernizes para a construção civil e obras públicas, com particular incidência nos revestimentos decorativos e protecção de fachadas;

b. A empresa é constituída por dois accionistas: a sociedade “BB- … S.A.”, detentora de acções correspondentes a 90% do capital, e a sociedade “HH-… S. A.”, detentora de acções correspondentes a 10% do capital;

c. A administração é exercida por II e JJ;

d. À data de Outubro de 2012, (dados provisórios), a KG possui ainda um activo superior ao passivo (situação líquida positiva de 1,2 milhões de euros), mas não tem capacidade para gerar liquidez que lhe permita fazer face às obrigações já vencidas para com a Segurança Social, o Estado, a Banca e os Fornecedores;

       No entanto, atendendo a que a KG possui um conjunto de factores diferenciadores fundamentais para potenciar a sua revitalização, nomeadamente a parceria com a KK e as oportunidades do mercado de exportação, a sua capacidade futura de gerar “cash-flow” parece assegurada, pelo que a sua continuidade será a forma de melhor defender o interesse dos credores (pag. 16);

e. A KG não detém bens imóveis;

f. A alternativa ao plano de revitalização que prevê a continuidade da actividade, parece consistir na liquidação do património da empresa, praticamente inexistente (à excepção dos stocks de existências) e cujo valor é significativamente inferior aos valores reclamados, não satisfazendo a maioria dos credores;

       Ou seja, num cenário alternativo ao que este Plano propõe, os activos da empresa perspectivam um reduzido valor final;

       Além disso, neste cenário alternativo de liquidação, o stock seria provavelmente vendido em condições muito abaixo do seu valor real;

       Atendendo ao tipo de stock, os meios gerados numa situação de “venda forçada” não serão sequer suficientes para satisfazer os credores com privilégio mobiliário e imobiliário (pag. 41);

6 – O plano de recuperação contempla, entre outras, as seguintes medidas:

Fazenda Nacional:

- pagamento integral dos créditos, quanto ao capital e juros vencidos – artigo 30º, nºs 2 e 3 e artigo  36º, nº 3, da LGT;

- pagamento integral de juros vincendos, à taxa legal – artigo 196º, nº 7 CPPT e artigo 3º, nº/s 3 e 5 do DL 73/99, de 16 de Março;

- reembolso, em 150 (cento e cinquenta) prestações mensais, após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação, com oferta de garantia idónea, a ajustar com Serviço de Finanças competente – artigo 196º, nº 6 e artigo 199º do CPPT;

Credores ComunsInstituições Financeiras e Fornecedores:

- Perdão de 50% do crédito de capital, de 100% dos juros vencidos e de toda e qualquer cláusula penal ou outra penalização contratual;

- Perdão integral de juros vincendos;

- Carência: 48 (Quarenta e Oito) meses, após trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação;

- Reembolso em 144 (Cento e Quarenta e Quatro) prestações mensais postecipadas.

Credora DD, SAS – mantém relação recíproca e íntima de Cliente/Fornecedor com a AA:

- Perdão integral de todos os juros vencidos e vincendos;

- Reembolso do capital em dívida, nos seguintes moldes:

i. Amortização em prestações mensais, vencendo-se a primeira no dia seguinte à homologação do plano de revitalização;

ii. O valor das prestações mensais corresponderá a 7% dos montantes facturados pela AA à DD pelos produtos acabados;

iii. A amortização mensal da dívida será efectuada através do mecanismo de compensação entre a diferença resultante da facturação à DD dos produtos acabados (crédito da AA) e o consumo por parte da AA, de matérias-primas e embalagens (crédito da DD). Caso o mecanismo da compensação seja insuficiente para saldar a prestação mensal, a AA deverá pagar o remanescente em dinheiro, devendo as contas acertadas entre ambas as partes (débitos/créditos) até ao dia 15 do mês subsequente;

iv. Os créditos da DD serão objecto de remissão caso esta sociedade denuncie ou resolva o “T…,.” celebrado com a AA, excepto se a AA mantiver, à data da produção de efeitos da cessação do referido contrato, alguma relação comercial em que seja fornecedora de alguma sociedade do Grupo KK (i.e., uma relação comercial que implique a facturação por parte da AA), caso em que o crédito da DD não será remitido, devendo continuar a ser amortizado nos termos supra descritos. A DD tenciona resolver, com efeitos a partir de Dezembro de 2013 e nos termos legais e contratuais aplicáveis, o “T...” celebrado com a AA;

v. Retoma de todo o stock de matérias-primas e embalagens fornecido pela DD à AA, pelo preço de aquisição, mediante compensação, em igual montante, em conta corrente, a formalizar, após verificação do inventário físico, nos 10 (dez) dias subsequentes ao trânsito em julgado do despacho de homologação do plano de recuperação;

vi. As referidas matérias primas e embalagens deverão permanecer à consignação nas instalações da AA, devendo ser utilizadas para fabricar os produtos encomendados pela DD.

7 – O referido plano contém uma lista provisória de créditos reconhecidos, a qual foi alvo de algumas impugnações por parte de credores e da devedora AA;

8 – Por despacho proferido dia 06.02.13, foi decidido, além do mais, julgar procedente a impugnação apresentada pelo credor BCC, S.A. e, em consequência, determinar o aditamento do crédito no valor de € 22 681,92;

9 – A lista de créditos reconhecidos contempla os seguintes créditos privilegiados (privilégio mobiliário e imobiliário geral):

         - Fazenda Nacional - € 66 835,32;

         - Instituto de Segurança Social - € 639 861,75;

         - LL - € 9 766,63;

10 – A lista contém um outro crédito comum da Fazenda Nacional do montante de € 10 990,99;

11 – No Plano, refere-se que a dívida à Fazenda Nacional totaliza € 77 826,31 e que o valor de cada uma das 150 prestações mensais é de € 518,84;

12 – Com data de 15.04.13, o BCC remeteu à Sra. Administradora Judicial a declaração que constitui fls. 303 dos autos de recurso, com o seguinte teor:

“O Banco CC, S.A. – Sociedade Aberta, NIPC …, vem nos termos do Artigo 17- F, n.º 4, do CIRE votar quanto ao Plano de Revitalização da AA –…, S.A., cujos termos nos foram remetidos através de correio electrónico datado de 15 do corrente mês e do qual tem perfeito conhecimento (…).

O seu Voto é de: Reprovação”;

13 – Nessa declaração consta o seguinte e-mail:GG@CC.pt.

14 – De acordo com a acta de reunião de 16.04.13, votaram, favoravelmente, por escrito, o plano de recuperação os seguintes credores: MM. NN, OO, PP, QQ, RR, S.A., SS, S.A., BB, S.A., Instituto de Segurança Social, I.P., TT, UU, Lda, VV, S.A., KK … S.A., DD, SAS, XX, Lda e ZZ, Lda, totalizando o montante dos seus créditos € 3 842 147,19;

15 – E votaram, desfavoravelmente, os seguintes credores: BCC, S.A., BAAA, S.A. e Banco BBB, S.A., totalizando o montante dos seus créditos € 299 751,03.

                                                      *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, a questão por si suscitada e que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso resume-se a saber se, contra o decidido no douto acórdão recorrido e propugnado pelo Mº Pº e “B. CC., S. A.”, deve ser decretada a homologação do plano de recuperação da recorrente, como havia sido decidido na 1ª instância, em sintonia com o propugnado pela recorrente.

       Apreciando:

                                               *

4I – A credora “B. CC., S. A.” insurgiu-se contra a homologação do plano de recuperação, ocorrida na 1ª instância, por, em síntese e no que, ora, releva, o mesmo violar o princípio da igualdade entre os credores – “par conditio creditorum” –, já que concederia um tratamento privilegiado à credora “DD, SAS”, em relação aos demais credores comuns, o que se mostra acolhido no douto acórdão recorrido.

       Será assim?

       Nos termos do disposto no art. 194º, nº1, do CIRE, sob a epígrafe de “princípio da igualdade”, “O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas”, aditando o respectivo nº2 que “O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável”.

       Na anotação ao mencionado art. 194º, sustentam, designadamente, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[2]:

--- A letra do nº1 procurou acolher de uma forma evidente as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo dos credores atingidos, em contrário”;

--- “O que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idênticas”.

       No caso dos autos, constata-se que o plano de recuperação contempla as seguintes medidas relativamente a Credores Comuns – Instituições Financeiras e Fornecedores:

--- Perdão de 50% do crédito de capital, de 100% dos juros vencidos  e de toda e qualquer cláusula penal ou outra penalização contratual;

--- Perdão integral de juros vincendos;

--- Carência: 48 (quarenta e oito) meses, após trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação;

--- Reembolso em 144 (cento e quarenta e quatro) prestações mensais postecipadas.

       Paralelamente, após se acentuar que tal credora “mantém relação recíproca e íntima de cliente/fornecedor com a AA”, prevê o mesmo plano quanto à Credora “DD, SAS”:

--- Perdão integral de todos os juros vencidos e vincendos;

--- Reembolso do capital em dívida, nos seguintes moldes:

- i. Amortização em prestações mensais, vencendo-se a primeira no dia seguinte à homologação do plano de revitalização;

- ii. O valor das prestações mensais corresponderá a 7% dos montantes facturados pela AA à DD pelos produtos acabados;

- iii. A amortização mensal da dívida será efectuada através do mecanismo de compensação entre a diferença resultante da facturação à DD dos produtos acabados (crédito da AA) e o consumo, por parte da AA, de matérias-primas e embalagens (crédito da DD). Caso o mecanismo da compensação seja insuficiente para saldar a prestação mensal, a AA deverá pagar o remanescente em dinheiro, devendo as contas ser acertadas entre ambas as partes (débitos/créditos) até ao dia 15 do mês subsequente;

- iv. Os créditos da DD serão objecto de remissão caso esta sociedade denuncie ou resolva o “T...” celebrado com a AA, excepto se a AA mantiver, à data da produção de efeitos da cessação do referido contrato, alguma relação comercial em que seja fornecedora de alguma sociedade do Grupo KK (i. é., uma relação comercial que implique a facturação por parte da AA), caso em que o crédito da DD não será remitido, devendo continuar a ser amortizado nos termos supra descritos. A DD tenciona resolver, com efeitos a partir de Dezembro de 2013 e nos termos legais  e contratuais aplicáveis, o “T...” celebrado com a AA;

- v. Retoma de todo o stock de matérias-primas e embalagens fornecido pela DD à AA, pelo preço de aquisição, mediante compensação, em igual montante, em conta corrente, a formalizar, após verificação do inventário físico, nos 10 (dez) dias subsequentes ao trânsito em julgado do despacho de homologação do plano de recuperação;

- vi. As referidas matérias-primas e embalagens deverão permanecer à consignação nas instalações da AA, devendo ser utilizadas para fabricar os produtos encomendados pela DD.

       Perante o exposto, tem de concordar-se com a recorrente quando sustenta que “forçoso é concluir-se que as razões objectivas que justificam o tratamento diferenciado da credora “DD SAS” estão plasmadas no plano de recuperação com clareza e rigor, devidamente concretizadas, identificadas e explicadas (cfr. art. 195º do CIRE), resultando, objectivamente, do teor do mesmo a ratio que justifica, exige e aconselha o tratamento diferenciado conferido a esta credora, em particular, em razão sobretudo do objectivo último pretendido de, no final, se conseguir uma efectiva revitalização da devedora, através da manutenção da mesma em actividade”.

       Com efeito, emerge dos autos que o referido tratamento diferenciado, longe de ser, por qualquer forma, arbitrário, decorre de circunstâncias concretas e objectivas que, para além de constarem, transparentemente, no plano, não só o aconselham como, mesmo, o impõem em ordem à manutenção e revitalização da devedora. A saber, e designadamente:

--- Serem a devedora e a mencionada credora reciprocamente fornecedoras/clientes;

--- Ser o pagamento (apenas) do capital em dívida efectuado através de compensação entre créditos e débitos (Cfr. art. 286º do CIRE), o que liberta a devedora de acrescidos constrangimentos de tesouraria, com reflexos positivos no reembolso dos créditos aos demais devedores;

--- Ser o crédito passível de integral remissão em caso de cessação do contrato celebrado entre a devedora e tal credora, tendo esta manifestado, desde logo, no plano, a intenção de o denunciar com efeitos reportados a Dezembro de 2013, o que implica significativa redução do passivo da devedora, com o consequente incremento dos meios libertos para o reembolso dos demais credores.

       Tendo, assim, de concluir-se pela não violação, “in casu”, do princípio da igualdade entre credores consagrado no art. 194º do CIRE.

                                                /

II – Mas, no acórdão recorrido, entendeu-se, igualmente, que o homologado plano de recuperação da devedora deveria ser recusado por consubstanciar violação de normas (imperativas) aplicáveis ao seu conteúdo (Cfr. art. 215º do CIRE): no que concerne à credora Fazenda Nacional, a devedora liquidaria o respectivo débito (€ 77 826,31) em 150 (cento e cinquenta) prestações mensais

de apenas € 518,84 cada, em vez do mínimo legal –  € 1 020,00 imposto, legalmente, em tal tipo de liquidação, para além de, no plano, não ser feita menção à substituição dos administradores responsáveis pela não entrega dos impostos ou ao pedido de dispensa dessa obrigação.

       Também aqui, com o devido respeito, entendemos que uma justa e equilibrada ponderação dos interesses em presença impõe diversa solução.

       Recapitulando, o plano contém as seguintes medidas relativamente ao crédito da Fazenda Nacional:

--- Pagamento integral dos créditos, quanto ao capital e juros vencidos – arts. 30º, nº/s 2 e 3 e 36º, nº3, da LGT (Lei Geral Tributária);

--- Pagamento integral de juros vincendos, à taxa legal – arts. 196º, nº7, do CPPT (Código de Procedimento e Processo Tributário) e 3º, nº/s 3 e 5 do DL nº 73/99, de 16.03;

--- Reembolso, em 150 prestações mensais, após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação, com oferta de garantia idónea, a ajustar com o Serviço de Finanças competente – arts. 196º, nº6 e 199º do CPPT.

       Perante isto e “dizendo-nos”, entre o mais, a factualidade provada que:

--- Por mail de 20.02.13, a requerente AA remeteu à AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) cópia da proposta de plano de recuperação em negociação e lista provisória de credores reconhecidos (sem que os autos nos forneçam informação sobre as correspondentes vicissitudes ulteriores, apenas se sabendo que aquela credora se absteve na votação do plano, tudo indiciando que, no mais, se terá quedado pelo total alheamento e inércia – ao contrário do ISS, cujo crédito reconhecido (€ 639 861,75) é, incomparavelmente superior ao da AT… –, ao longo do desenvolvimento das negociações que culminaram na apresentação do plano);

--- À data de Outubro de 2012, (dados provisórios), a KG possui ainda um activo superior ao passivo (situação líquida positiva de 1,2 milhões de euros), mas não tem capacidade para gerar liquidez que lhe permita fazer face às obrigações já vencidas para com a Segurança Social, o estado, a Banca e os fornecedores. No entanto, atendendo a que a KG possui um conjunto de factores diferenciadores fundamentais para potenciar a sua revitalização, nomeadamente a parceria com a KK e as oportunidades do mercado de exportação, a sua capacidade futura de gerar “cash-flow” parece assegurada, pelo que a sua continuidade será a forma de melhor defender o interesse dos credores;

--- A KG não “detém” bens imóveis;

--- A alternativa ao plano de revitalização que prevê a continuidade da actividade, parece consistir na liquidação do património da empresa, praticamente inexistente (à excepção dos stocks de existências) e cujo valor é significativamente inferior aos valores reclamados, não satisfazendo a maioria dos credores;

--- Num cenário alternativo ao que este plano propõe, os activos da empresa perspectivam um reduzido valor final, além de que, em tal cenário, o stock seria provavelmente vendido em condições muito abaixo do seu valor real;

--- Atendendo ao tipo de stock, os meios gerados numa situação de “venda forçada” não serão sequer suficientes para satisfazer os credores com privilégio mobiliário e imobiliário; perante isto, dizíamos, e salvo o devido respeito, não temos por razoável impedir (com a recusa de homologação do plano) a revitalização/recuperação da devedora.

       Como consta do sumário do Ac. deste Supremo, de 18.02.14, de que foi relator o Ex. mo Cons. Fonseca Ramos e em que os, ora, relator e 1ª adjunta intervieram como adjuntos[3]:

                                                        /

1 – O Direito falimentar português tem sido objecto de reformas, sempre oscilando entre dois paradigmas, tendo em conta a situação da economia e das empresas – indissociável da conjuntura económica e financeira nacional e transnacional – num tempo histórico em que a globalização tornou vulneráveis as economias de muitos países, mormente daqueles cuja situação económica e financeira, por ser mais precária, foi mais atingida por uma nova realidade: um dando primazia à recuperação, outro privilegiando a liquidação de empresas em estado de insolvência iminente.

     2 – A Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, reformou aspectos do CIRE, em consequência das obrigações assumidas pelo Estado por imposição do Memorando da troika que, nos pontos 2. 17, 2.18 e 2.19 – “Enquadramento legal da reestruturação de dívidas de empresas e de particulares”, dispõe:

“2.17. A fim de melhor facilitar a recuperação efectiva de empresas viáveis, o Código de Insolvência será alterado até ao fim de Novembro de 2011, com assistência técnica do FMI, para, entre outras, introduzir uma maior rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação de planos de reestruturação.

2.18. Princípios gerais de reestruturação voluntária extrajudicial em conformidade com boas práticas internacionais serão definidos até fim de Setembro de 2011.

2.19. As autoridades tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos, nos casos em que outros credores também aceitem a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dívidas”.

     3 – Daqui decorre que o Estado, num quadro de forte constrangimento económico e financeiro, assumiu o compromisso de legislar no sentido de introduzir um quadro legal de cooperação e flexibilização dos seus créditos quando estiver em causa a aceitação de reestruturação de créditos de outros credores, ou seja, o Estado Português aceitou adoptar, legislativamente, procedimentos flexíveis quanto aos seus créditos, que, no direito português, como é consabido, se apresentam exornados de fortes garantias (v. g. privilégios creditórios), em ordem à salvaguarda das empresas, em comunhão de esforços com os credores particulares, dando primazia à recuperação.

     4 – Esse foi o caminho trilhado pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, antes mesmo da Reforma de 2012, ao considerar que o Estado, no contexto do processo insolvencial, poderia ver os seus créditos afectados por decisão dos credores, porquanto as prerrogativas dos seus créditos, no contexto da relação tributária, não seriam, sem mais, transponíveis para o processo universal que a insolvência é, e, por isso, não estavam os créditos da Autoridade Tributária numa posição de intangibilidade, enquanto os credores privados renunciavam aos seus direitos na tentativa de recuperar a empresa e, reflexamente, outros interesses a ela ligados, onde nem sequer é despiciendo aludir aos benefícios que o erário público colhe quando uma empresa é recuperada e não liquidada pela inviabilidade da sua recuperação.

     5 – O legislador alterou a Lei Geral Tributária blindando os créditos fiscais. O art. 30º, nº2 estatui – “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, tendo o art. 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31.12 (Lei do Orçamento para 2011), aditado um nº3 ao art. 30º, para que não restassem dúvidas: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.

     6 – Reafirmando com indiscutível clareza a indisponibilidade dos créditos tributários, proibindo a sua redução ou extinção e tendo em conta a amplitude do conceito de “relação tributária” e o que a constitui – cfr. art. 30º, nº1, als. a) a e) – o direito insolvencial, após a reforma de 2012, quando conjugado com aqueles preceitos da LGT, é dificilmente harmonizável.

     7 – Como é notório, quer os créditos do Estado, quer os de outras entidades, como a Segurança Social, representam, em grande número de casos, avultadas somas, daí que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que terão de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias, ante o Estado que, nada cedendo, se coloca numa posição de jus imperii, num processo em que, só excepcionalmente, deveria ter tratamento diferenciado.

     8 – Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com a execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos e garantias, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.

       No caso dos autos, confrontamo-nos, mesmo, com algo que pode ser embalado em verdadeira perversidade: uma grande devedora ao Fisco, precisamente porque o é (tantas vezes com possibilidade/obrigação de o não ser…), tem a possibilidade de preencher o desiderato legal, ficando obrigada a pagar, mensalmente, àquele, 150 prestações de montante igual ou superior a € 1 020,00; mas uma pequena e insignificante devedora, precisamente porque o é (tantas vezes com renúncia contínua a elementares solicitações, só para ir pagando ao Fisco…), fica condenada a não poder reabilitar-se/revitalizar-se só porque o pouco que deve ao Fisco, dividido por 150 prestações, não pode atingir, mensalmente, pelo menos, € 1 020,00!... Certamente que uma tal situação paradoxal não pode ter sido querida pelo legislador, para além de ser lesiva do funcionamento global da economia e rejeitada pelo sentimento dominante na colectividade!

       Finalmente, resta o “escolho” de não constar do plano a proposta de substituição dos gerentes da devedora e que não entregaram todos os impostos ao Fisco por outros administradores da mesma.

       Crê-se, no entanto, que tal não poderá obviar à homologação do plano, considerando tudo o que ficou expendido, acrescido de que a devedora não se furtou a tal substituição, antes a ela se mostrando receptiva ou a qualquer outra medida tida por idónea pelo Fisco e a ajustar com o serviço de Finanças competente, à semelhança do que providenciara, atempadamente, por fazer com a Segurança Social que, titular dum crédito incomensuravelmente superior, votou favoravelmente o plano, fazendo, por outro lado e desde logo, ciente a devedora das medidas de que não poderia prescindir.

       Em suma, não nos confrontamos, “in casu”, com qualquer violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação da devedora/recorrente, pelo que carece de fundamento legal a respectiva recusa de homologação.

       Procedendo, pois, na forma exposta, as doutas conclusões formuladas pela recorrente.

                                                       *

5 – Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, em consequência do que se revoga o acórdão recorrido, repristinando-se, com a aduzida fundamentação, o decidido na 1ª instância.

       Custas, aqui e na Relação, pela Fazenda Nacional e “B. CC. S. A.”, em partes iguais, ficando as devidas na 1ª instância sujeitas ao regime previsto no art. 304º do CIRE.

                                                      /

                                         Lx      25 /  11   /  2014   /  

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida


_________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (18/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2]  In “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, pags, 45-47.
[3]  Acessível em www.dgsi.pt.