Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20/21.1SWLSB-D.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
PRISÃO ILEGAL
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
CONDENAÇÃO
RECURSO
NULIDADE
OMISSÃO DE FORMALIDADES
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA/ NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I. Com a prolação da sentença/acórdão em 1ª instância (e não com a sua notificação, irrelevante, para o efeito em causa), encerra-se o terceiro prazo de duração máxima da prisão preventiva a que alude o artº 215º, nº 1, al. c) do CPP e abre-se um quarto, o de 1 ano e 6 meses (ou 2 anos, nos casos previstos no nº 2 do mesmo dispositivo), naturalmente contado sobre o início da prisão preventiva.

II. A prolação da sentença, é um acto antecedente à respectiva leitura, como é óbvio e resulta claro do estatuído no artº 372º, nºs 1 e 2 do CPP: os juízes, concluída a deliberação, elaboram a sentença e assinam a mesma; regressado o tribunal à sala de audiências, a sentença (previamente elaborada) é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes.

III. A declaração de nulidade, por banda do Tribunal da Relação, decorrente da omissão da leitura do acórdão afecta a validade desse acto, isto é, da falta de leitura pública do acórdão, e dos actos subsequentes, que não dos antecedentes.

IV. E, portanto, que houve sentença, é algo de inegável. Só assim, aliás, se compreende que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha ordenado a sua leitura pública, designando-se dia e hora para o efeito.

V. E tendo havido condenação, ultrapassado está o prazo máximo de duração da prisão preventiva “sem que tenha havido condenação em 1ª instância”. A partir desse momento, começa a correr o prazo a que alude o artº 215º, nºs 1, al. d) e 2, do CPP, isto é, 2 anos “sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado”.

Decisão Texto Integral:

Acordam, neste Supremo Tribunal de Justiça:


I. O cidadão AA, melhor identificado nos autos, requereu a presente providência de habeas corpus, em documento subscrito por ilustre mandatário, no qual sustenta o seguinte:

«O arguido encontra-se sujeito à medida de prisão preventiva, decretada no dia 25 de novembro de 2021, no processo nº 20/21.1SWLSB, por indícios de haver cometido um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 21º do Dec-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, encontrando-se outrossim indiciado por um crime de arma proibida, previsto no artigo 86º, n.º 1 alínea c) do regime jurídico de armas e munições, situação que se mantém até ao presente, estando ele em situação de reclusão no estabelecimento prisional de ....

Por douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de outubro de 2023, foi decidido:

a) Declarar a nulidade decorrente da omissão da leitura do acórdão e anular os actos subsequentes que da mesma dependem;

b) Determinar a designação de dia e hora para leitura pública do acórdão, com a observância do estatuído nos artigos 372º, nº 3 e 373º, nº 1 e 2, sem prejuízo de o Tribunal poder, se assim o entender, suprir eventuais irregularidades ou nulidades invocadas.

A nulidade reporta-se ao acórdão de primeira instância datado de 16 de março de 2023. Ou seja, à sentença condenatória a que se refere o artigo 375º do CPP. Isto é, à decisão recorrida sobre a qual recaiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

Em sede de primeira instância, o acórdão é uma modalidade da sentença, que corresponde a um conceito mais vasto do que o primeiro, conforme resulta dos nºs 1 e 2 do artigo 97º do CPP. As sentenças e os despachos proferidos pelo tribunal coletivo “tomam a forma de acórdãos”. Assim, veja-se a alínea e) do nº 3 do artigo 374º do CPP, estipulando que “a sentença termina pelo dispositivo que contém […] a data e as assinaturas dos membros do tribunal”.

Mostra-se, assim, excedido o prazo máximo da prisão preventiva: nºs 1 e 2 do artigo 215º do CPP.

Termos em que, segundo o disposto nos artigos 222º e 223º do código de processo penal, deve ser ordenada a imediata libertação do peticionante».

II. O Mº juiz prestou a informação a que alude o artº 223º, nº 1 do CPP, nos seguintes termos:

«AA, apresenta requerimento de concessão de habeas corpus ao abrigo do artigo 222º, e 223º do Código de Processo Penal, alegando, em suma, mostrar-se excedido o prazo máximo da prisão preventiva: nºs 1 e 2 do artigo 215º do CPP.

Nos termos e para os efeitos do artigo 223º, nº 1, do Código de Processo Penal, informa-se V. Exa. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do seguinte:

- por despacho proferido no dia 22 de Fevereiro de 2023 foi reagendada a data anteriormente designada para a leitura do acórdão para o dia 16 de Março de 2023, pelas 13H30;

- o Acórdão condenatório mostra-se assinado no dia 16 de Março de 2023 pela Mm.ª Juíza que presidiu ao julgamento e por uma das Mm. Juízas Adjuntas;

- no que concerne ao estatuto coactivo dos arguidos, ali se decidiu, que face à inalteração dos pressupostos que fundamentaram o despacho que decretou a prisão preventiva (25 de Novembro de 2021) e dos despachos que a mantiveram, seria de manter o estatuto processual coactivo em que se encontra o arguido AA e portanto, deveria o arguido aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva, decretada nos autos, nos termos dos art. 202º, 204º, 213º, todos do C.P.Penal, fazendo-se consignar que o prazo máximo de prisão preventiva seria atingido em 25.05.2023., cfr. art. 215º, n.º 1 c) e 2 do C.P.Penal.

- no dia 20 de Março de 2023 foi proferido o despacho que se transcreve: “Considerando que a leitura do acórdão foi adiada em razão da realização da Greve dos Senhores Oficiais de Justiça, que renovaram tal situação por mais trinta dias, e considerando que os presentes autos respeitam a arguido preso preventivamente, a fim de agilizar os procedimentos e assegurar a celeridade processual necessária à natureza urgente dos autos, atentas as circunstancias excepcionais, determina-se a notificação do Acórdão através do sistema Citius para os respectivos Defensores e de notificação postal para cada um dos arguidos”;

- o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu ser procedente, o segmento do recurso interposto pelo arguido/recorrente AA e, em consequência, declarou a invalidade da decisão de não proceder à leitura do acórdão e do acto de depósito do acórdão, concluindo como se transcreve: “(…) em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA e consequentemente: a) Declarar a nulidade decorrente da omissão da leitura do acórdão e anular os actos subsequentes que da mesma dependem; b) Determinar a designação de dia e hora para leitura pública do acórdão, com a observância do estatuído nos artigos 372º, nº 3 e 373º, nº 1 e 2, sem prejuízo de o Tribunal poder, se assim o entender, suprir eventuais irregularidades ou nulidades invocadas”.

Nos termos do art. 222.º do CPP, que se refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência, deve resultar da circunstância de a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ter sido motivada por facto pelo qual a lei não permite; ou quando se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial – als. a), b) e c) do art. 222.º do CPP e, em consequência, determinar, ou não, a libertação imediata do recluso.


***


No caso concreto dos presentes autos, tendo sido sujeito a prisão preventiva no dia 25 de Novembro 2021, o prazo máximo da prisão preventiva sem que tivesse havido condenação em 1ª instancia, foi atingido no dia 25 de Maio de 2023 (cfr. artigo 215.º n.º 1, alínea c) e n.º 2 do CPP).

Sucede, no entanto, que “houve decisão”, tanto que da mesma interpôs o ora requerente o competente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, foi “dada” antes de decorrido o aludido prazo, o Venerando Tribunal não declarou a nulidade da decisão, mas sim “a nulidade decorrente da omissão da leitura do acórdão” e, também, não se pronunciou o Venerando Tribunal sobre a eventual ilegalidade da prisão do ora requerente.

Concluindo, não se verifica no presente caso a ilegalidade da prisão, sendo a prisão a que o arguido se encontra de manter».

III. Convocada a Secção Criminal deste Supremo Tribunal e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais.

A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, a qual imediatamente se torna pública.

O factualismo relevante para a decisão desta providência é o seguinte:

1. O requerente encontra-se preso preventivamente à ordem do Proc. comum colectivo nº 20/21.1SWLSB, do Juízo central criminal de ..., J.., por ter sido indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1 e de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artº 86º, nº 1, al. c) do RJAM.

2. No dia 20 de Março de 2023, a Mª Juíza titular dos autos proferiu o seguinte despacho:

“Considerando que a leitura do acórdão foi adiada em razão da realização da Greve dos Senhores Oficiais de Justiça, que renovaram tal situação por mais trinta dias, e considerando que os presentes autos respeitam a arguido preso preventivamente, a fim de agilizar os procedimentos e assegurar a celeridade processual necessária à natureza urgente dos autos, atentas as circunstancias excepcionais, determina-se a notificação do Acórdão através do sistema Citius para os respectivos Defensores e de notificação postal para cada um dos arguidos”.

3. Notificado o acórdão condenatório pela forma referida, acórdão no qual o requerente foi condenado, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e, como autor de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artº 86º, nº 1, al. c) do RJAM, na pena de 2 anos de prisão, na sequência de recurso interposto pelos arguidos, entre os quais o ora recorrente, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 16/10/2023, decidiu

“conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA e consequentemente:

a) Declarar a nulidade decorrente da omissão da leitura do acórdão e anular os actos subsequentes que da mesma dependem;

b) Determinar a designação de dia e hora para leitura pública do acórdão, com a observância do estatuído nos artigos 372º, nº 3 e 373º, nº 1 e 2, sem prejuízo de o Tribunal poder, se assim o entender, suprir eventuais irregularidades ou nulidades invocadas”.

IV. “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente”, assim se dispõe no artº 31º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

E, nos termos do estatuído no artº 222º, nº 1 do CPP, “a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus”.

A petição, como se prescreve no nº 2 do mesmo dispositivo, deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

“a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.

Como já se sublinhou no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no Proc. 48/08.7P6PRT-J.S1, da 3ª secção, o habeas corpus é uma providência “destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação”.

Mas “não constitui um recurso sobre actos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs., do CPP). A providência não se destina a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade” – Ac. deste STJ, proferido no Proc. 1084/19.3PWLSB-A.S1, da 5ª secção (subl. nosso).

Ou, dito de outro modo: “A providência excepcional de habeas corpus não se substitui nem pode substituir‑se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está reservada, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente célere — mais precisamente «nos oito dias subsequentes» ut art. 223.º, n.º 2, do Código de Processo Penal — aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão «ordenada por entidade incompetente», «mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial», e como o tem de ser o «facto pela qual a lei a não permite». Não se esgotando no expediente de excepção os procedimentos processuais disponíveis contra a ilegalidade da prisão e a correspondente ofensa ilegítima à liberdade individual, o lançar mão daquele expediente só em casos contados deverá interferir com o normal regime dos recursos ordinários: justamente, os casos indiscutíveis ou de flagrante ilegalidade, que, por serem‑no, permitem e impõem uma decisão tomada com imposta celeridade. Sob pena de, a não ser assim, haver o real perigo de tal decisão, apressada por imperativo legal, se volver, ela mesma, em fonte de ilegalidades grosseiras, porventura de sinal contrário, com a agravante de serem portadoras da chancela do Mais Alto Tribunal, e, por isso, sem remédio” - Ac. STJ de 1/2/2007, Proc. 07P353, rel. Pereira Madeira) (subl. nossos) 1.

Posto isto:

Estatui-se no artº 215º do CPP:

“1. A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;

b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;

c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância;

d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

2. Os prazos referidos no número anterior são elevados, respetivamente, para 6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:

(…)

(…)”.

O requerente encontra-se preso preventivamente, como supra se referiu, acusado pela prática, entre o mais, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1.

O tráfico de estupefacientes integra o conceito de criminalidade altamente organizada – artº 1º, al. m) do CPP – e é, para além disso, punível com prisão de 4 a 12 anos, isto é, com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.

Assim sendo – e para o que neste momento releva – é de 1 ano e 6 meses o prazo máximo de prisão preventiva sem que tenha havido condenação em 1ª instância e de 2 anos o prazo máximo de prisão preventiva sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

Com a prolação da sentença/acórdão em 1ª instância (e não com a sua notificação, irrelevante, para o efeito em causa), encerra-se o terceiro prazo de duração máxima da prisão preventiva e abre-se um quarto, o de 1 ano e 6 meses (ou 2 anos, nos casos previstos no nº 2 do já referido artº 215º do CPP), naturalmente contado sobre o início da prisão preventiva.

Vejamos:

Como, a propósito do prazo referido no artº 215º, nº 1, al. a) do CPP, este Supremo Tribunal de Justiça já decidiu, no seu Ac. de 23/8/2021, Proc. 189/19.5JELSB-M.S1, relatado pelo aqui também relator, acessível em www.dgsi.pt., «(…) sufragamos o entendimento, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado de forma uniforme, de que é a data da prolação da acusação o momento aferidor da contagem do prazo referido no artº 215º do CPP. E isso resulta “desde logo, do elemento literal que pode extrair-se da referência, na alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º, do CPP, à dedução da acusação – ademais replicado nas restantes alíneas (proferida decisão instrutória, tenha havido condenação) do mesmo segmento normativo. Todos aqueles casos se reportam à data da prática do acto processual ou da prolação da decisão (acusação, decisão instrutória, condenação), que não ao momento em que aquela chega ao conhecimento do arguido ou do respectivo mandatário. (…) Neste sentido se pronunciaram, designadamente, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2008 (processo P3971, disponível, como os mais citados sem menção de origem, na base de dados do IGFEJ), bem como os (ali citados) acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Outubro de 2005 (Colectânea de Jurisprudência - STJ, 2005-3-186), de 13 de Fevereiro de 2008 (processo 522/08), e, por mais recente, o acórdão de 29 de Outubro de 2020 (processo 96/20.9PHOER-B.S1), vindo ademais tal interpretação a passar o teste da constitucionalidade – cf. acórdãos, do Tribunal Constitucional, nºs 404/2005, 208/2006, 2/2008 e 280/2008 (disponíveis na base de dados do TC)” – Ac. STJ de 14/1/2021, Proc. 3/20.9FCOLH-E.S1» (subl. nossos).

Que houve acórdão condenatório, é algo de indiscutível. Aliás, tanto houve quanto é certo que do mesmo foi interposto recurso pelo ora requerente para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual proferiu acórdão declarando “a nulidade decorrente da omissão da leitura do acórdão” e anulando “os actos subsequentes que da mesma dependem”.

A sentença, melhor dito, a prolação da sentença, é um acto antecedente à respectiva leitura, como é óbvio e resulta claro do estatuído no artº 372º, nºs 1 e 2 do CPP: os juízes, concluída a deliberação, elaboram a sentença e assinam a mesma. Regressado o tribunal à sala de audiências, a sentença (previamente elaborada) é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes.

A declaração de nulidade decorrente da omissão da leitura do acórdão afecta a validade desse acto, isto é, da falta de leitura pública do acórdão e dos actos subsequentes, que não dos antecedentes.

E, portanto, que houve sentença, é algo de inegável. Só assim, aliás, se compreende que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha ordenado a sua leitura pública, designando-se dia e hora para o efeito.

E tendo havido condenação, ultrapassado está o prazo máximo de duração da prisão preventiva “sem que tenha havido condenação em 1ª instância”. A partir desse momento, começa a correr o prazo a que alude o artº 215º, nºs 1, al. d) e 2, do CPP, isto é, 2 anos “sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado”.

Estando o requerente preso preventivamente desde 25/11/2021, o prazo de 2 anos a que alude o artº 215º, nºs 1, al. d) e 2 do CPP ainda se não mostra esgotado.

Aqui chegados:

Não se mostra questionada – nem vemos que, no caso, o pudesse ter sido – a competência da entidade que ordenou a prisão preventiva (um juiz de direito, na sequência de um primeiro interrogatório judicial de arguido detido, decisão mantida em decisões judiciais posteriores de reexame dos respectivos pressupostos) – artº 222º, nº 2, al. a) do CPP.

Como, de igual modo, nos parece inegável que a prisão preventiva foi motivada por facto pelo qual a lei o permite (fortes indícios da prática, pelo requerente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1, por cuja autoria viria, aliás, a ser julgado e condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão).

Estriba o requerente a sua pretensão na al. c) do nº 2 do artº 222º do CPP (manter-se a prisão “para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”).

Porém e como vimos, em razão da fase processual em que nos encontramos, a prisão preventiva não se mantém para além do prazo fixado pelo artº 215º, nºs 1, al. d) e 2, do CPP.

Inexiste, pois, fundamento bastante para a peticionada providência, que assim deve ser indeferida – artº 223º, nº 4, al. a) do CPP.

V. Atento o exposto, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o pedido de habeas corpus apresentado pelo requerente AA, por falta de fundamento bastante (artº 223º, nº 4, alínea a) do CPP).

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s, nos termos da tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 25 de Outubro de 2023 (processado e revisto pelo relator)


Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)

Teresa Féria (Juíza Conselheira 1ª adjunta)

Lopes da Mota (Juiz Conselheiro 2º adjunto)

Nuno Gonçalves (Juiz Presidente da 3ª Secção)

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1. Ambos os arestos estão acessíveis em www.dgsi.pt.