Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
581/07.8TBTVR.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO AFONSO
Descritores: DIREITO DE SUPERFÍCIE
USUCAPIÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
PARTILHA DA HERANÇA
ACESSÃO NA POSSE
POSSE
CORPUS
ANIMUS POSSIDENDI
MERA DETENÇÃO
POSSE PRECÁRIA
ANALOGIA
RECONVENÇÃO
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / POSSE.
Doutrina:
- Oliveira Ascenção, Direitos Reais, 254.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1251.º, 1253.º, 1255.º, 1256.º, 1296.º.
Sumário :
I - A posse é a exteriorização de um direito real que se define por dois elementos: o corpus (elemento material) e o animus (intenção de exercer um determinado direito real como se fora seu titular); já a detenção engloba as situações em que, embora haja exercício do poder de facto sobre uma coisa, não existe o animus possidendi (arts. 1251.º e 1253.º do CC).

II - Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa, o que significa que a transferência da posse se verifica por mero efeito da lei e que, com a abertura da herança, não se inicia uma nova posse, formando antes a posse dos sucessores e a do de cujus um todo (art. 1255.º do CC).

III - Extraindo-se dos factos provados que o autor, após a morte do seu pai e antes da partilha, passou a ser juntamente com os demais herdeiros, seus irmãos, co-possuidor de uma quota ideal do direito de propriedade sobre a quinta em causa nos autos, sem que tenha sido alegada e provada a inversão do título de posse relativamente às árvores aí existentes, não pode dizer-se que aquele tivesse uma posse pessoal e exclusiva sobre qualquer parcela do referido bem imóvel, não podendo, em consequência, proceder a invocada usucapião.

IV - Tal pretensão também não procede pelo facto de ter ficado demonstrado que, após a partilha, o autor continuou a explorar as árvores da mencionada quinta já que, tendo-o feito por mera tolerância dos sucessivos proprietários, sem que, contudo, estes lhe tenham pretendido atribuir um direito, se tem de concluir que, nesse período, aquele teve apenas uma posse precária.

V - Por força do referido em III e IV, não se pode dizer que à “posse pré-partilha” se juntou a “posse pós-partilha” uma vez que a primeira não foi uma posse autónoma, exclusiva e individual e a segunda não foi sequer posse, mas antes mera detenção.

VI - Não há, igualmente, lugar à acessão da posse por via analógica: quer porque não há lacuna na lei que permita o recurso à analogia; quer porque tal instituto só se aplica a situações de aquisição derivada da posse (e a posse do autor, a existir, sempre seria originária); quer ainda porque mesmo que se entendesse que havia posse “pré-partilha” e posse “pós-partilha”, não sendo as mesmas contíguas (porquanto intercaladas pela posse do irmão do autor, ao qual foi adjudicada, em sede de partilha, a propriedade plena da quinta), a situação não seria subsumível à previsão normativa do art. 1256.º do CC.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:




A) Relatório:



        Em 27.09.2007, no então Tribunal Judicial da Comarca de Tavira, AA (A) veio intentar acção declarativa comum com processo ordinário contra “BB, Compra e Venda de Imóveis, Lda” e “CC, Promociones Inmobiliarias Y Urbanismo, Sociedad de Responsabilidad Limitada” (RR), pedindo que:

I - Se reconheça que o A é titular do direito de superfície sobre o prédio identificado;

II - Sejam as RR condenadas a reconhecer esse direito, abstendo-se da prática de quaisquer actos lesivos daquele direito;

III - Permitam ao A o acesso ao dito prédio para proceder replantação do coberto vegetal destruído.

IV – Paguem ao A o valor anual das perdas pela falta de recolha dos frutos, multiplicado pelo número de anos que cada espécie leva a adquirir maturidade plena e que se estima no valor de € 46.701,99;

V - Paguem ao A o custo integral devido pela replantação, actualmente estimado em € 41,807.

Alegou, para o efeito e em síntese, que:

Após o óbito do pai e face ao desinteresse dos demais herdeiros, começou a cuidar das árvores existentes no terreno, ampliando ainda a plantação existente, pelo que adquiriu por usucapião o direito invocado.

Em Maio de 2007, a 1ª R destruiu o arvoredo produtivo do prédio em causa.

A 2ª R contestou, impugnando a versão do A.

A 1ª R também contestou, impugnando a versão do A e apresentando uma versão diferente, referindo que o prédio foi adjudicado ao irmão do A em partilha realizada em 1994, na qual aquele interveio.

Este transmitiu o prédio para a sociedade “DD”, que o vendeu à 1ª R, que beneficia do registo de aquisição do prédio, na sequência de registos efectuados pelos anteriores proprietários.

O A perdeu a posse com tal partilha, ou, o não ser assim, a R sempre teria melhor posse.

Diz ainda que a posse como comproprietário (herdeiro) não se pode somar à posse subsequente à partilha.

Invoca também a ininteligibilidade do pedido.

Com base nos factos invocados, deduziu reconvenção, pedindo que:

I - Seja reconhecido e declarado o seu direito de propriedade pleno sobre a parte do Quinto das EE objecto da acção, com ressalvo da hipoteca o favor da 2.ª R;

II - Se condene o A o não praticar quaisquer actos que perturbem o direito de propriedade da R sobre a parte da Quinto das EE objecto da acção.

Invocou ainda a litigância de má-fé do A.

O A replicou, onde corrigiu os termos do pedido formulado e impugnou a reconvenção.

A 1ª R treplicou.

Foi julgada improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e o A convidado a aperfeiçoar o pedido formulado, convite o que este correspondeu.

Na sequência de renúncia do mandatário do A, foi determinado o prosseguimento da acção apenas para conhecimento do pedido reconvencional, o qual foi admitido.

Foi dispensada a audiência preliminar.

Foi julgada inadmissível a apresentação de tréplica e determinado o seu desentranhamento.

Foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

A fls. 869 o A, depois de constituir novo mandatário, requereu o realização de audiência preliminar com vista à consideração do seu pedido, o que foi indeferido a fls. 1048.

Repetindo a pretensão a fls. 1090 e sendo esta novamente indeferida, interpôs o A recurso dessa decisão.

Tal recurso foi admitido como agravo, com subida diferida com o primeiro recurso que haja de subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo.

Foram apresentadas alegações de recurso nesse momento relativamente ao agravo e contra-alegações.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais conforme da acta consta.

Foi então proferida sentença que:

I - declarou o direito de propriedade plena da R BB Lda sobre a parte da Quinta das EE objecto da acção, com ressalva da hipoteca a favor da “CC, Promociones Inmobiliarias Y Urbanismo, Sociedad de Responsabilidad Limitada”;

II - condenou o A a não praticar quaisquer actos que perturbem o direito de propriedade da R BB Lda sobre a parte da Quinta das EE objecto da acção.

III - absolveu o A do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Inconformado com a sentença, o A (referindo que não prescinde do recurso anterior) interpôs recurso contra a mesma tendo o Tribunal da Relação não conhecido do agravo e julgado improcedente a apelação.


Do acórdão da Relação recorre o A alegando, em conclusão, o seguinte:

A. A presente Revista tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora era 10.09.2015, o qual confirmou a declaração do direito de propriedade plena a favor da Recorrida BB sobre o coberto vegetal existente na Quinta das EE, e, por conseguinte, confirmou a condenação do ora Recorrente a não praticar actos que perturbem tal direito.

B. Está em causa, porém, a necessidade de reconhecimento ao Recorrente da aquisição por este, por via do instituto da usucapião, de um direito de superfície sobre a aludida parcela de terreno.

C. O Tribunal a quo, contrariando inclusivamente a própria primeira instância, que havia reconhecido a existência de uma posse efectiva do Recorrente pelo menos desde 1993, entendeu que, afinal, o Recorrente em momento algum teve posse sobre o aludido coberto vegetal.

D. Pelo contrário sustentou o Tribunal recorrido que o Recorrente não teve posse após a partilha do imóvel, ocorrida em 1994, na medida em que apenas «exerceu o poder de facto que corresponde ao "corpus" da posse, mas sempre teve conhecimento e consciência de que o prédio seria objecto de partilha, o que veio a acontecer com a sua anuência e é desde logo incompatível com o exercício da posse no convencimento de um direito real - cfr. art. 1262° do Código Civil».

E. E entendeu, ainda, que não teve posse no período que antecedeu a dita partilha, o qual se iniciou em 1981, com o óbito do pai do ora Recorrente, na medida em que essa posse não pode ser considerada uma verdadeira posse, mas antes mera detenção exercida por conta da herança.

F. Tal posição mostra-se, porém, amparada em pressupostos jurídicos, quando não errados, indevidamente aplicados à factualidade dos autos, incorrendo o Tribunal a quo em confusão no que respeita ao correto enquadramento da variação dos direitos reais nos termos dos quais o Recorrente possuiu ao longo dos anos, desde 1981.

G. O Recorrente teve, sempre, posse efectiva. Antes e depois do partilha do imóvel dos autos.

H. Com efeito, nos autos ficou perfeitamente demonstrada (como a sentença de primeira instância bem reconheceu) «a existência de um conjunto de factos praticados pelo A. (por si ou através de terceiros à sua ordem) em relação às árvores que configuram um exercício de poderes de facto suficiente para caracterizar o corpus da posse».

I. Ficou demonstrado nos autos o corpus possessório por parte do Recorrente, de onde o Tribunal de primeira instância naturalmente retirou a existência de uma situação de verdadeira posse do Recorrente, uma vez que o respectivo animus possidendi sempre terá de presumir-se daquele mesmo corpus, nos termos do disposto no aludido n.° 2, do artigo 1252.°, do CC, e de acordo com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão uniformizador de jurisprudência datado de 14.05.1996, proc. 085204.

J. A ilisão dessa presunção cabia, naturalmente, à Recorrida, mas, como o tribunal de primeira instância também reconheceu, a Recorrida não só não logrou a ilisão da presunção de posse constante do artigo 1252.°, n.° 2, do CC, como inclusivamente não alegou quaisquer factos susceptíveis de fazer qualificar tal exercício de poderes de facto pelo Recorrente como mera detenção, por tolerância dos seus familiares.

K. Desde logo por esse motivo, nunca o Tribunal da Relação poderia ter partido para a conclusão de que o Recorrente não teve mais que uma mera detenção, porquanto tal conclusão, além de não se mostrar possível em face dos factos dados como provados nos autos, se mostra também impossível em face da própria alegação da Recorrida, que em momento algum alegou os factos essenciais necessários para esse efeito.

L. Ora, dos autos resulta efectivamente que o Recorrente teve posse sobre as árvores existentes na Quinta das EE, pelo menos, desde 1993 até ao final do ano de 2006.

M. Resultou provado, designadamente, que a partir de data não concretamente determinada no período compreendido entre 1991 a 1993, o Recorrente exerceu a posse do coberto vegetal da Quinta da EE, cuidando e mantendo as plantações aí existentes, à vista de toda a gente e com o conhecimento de FF, sem oposição de ninguém, até data não posterior a 12.11.2006, e que o fez «à vista de toda a gente e com o conhecimento de FF», «sem oposição de ninguém» (cf. factos provados 91., 92., 93., 94., 95., 96., 97., 98. e 99.).

N. Pelo que, tendo sido realizada a partilha da herança de GG em 24.03.1994, foi feita demonstração nos autos da posse do Recorrente durante a totalidade do período subsequente a essa partilha.

O. Tal posse é uma posse não titulada e exercida por referência a um direito de superfície, de forma pacífica, pública e de boa-fé, como resulta dos factos provados.

P. Totalmente improcedente se mostra, por conseguinte, o entendimento vertido no acórdão recorrido de que o Recorrente somente teve o corpus da posse, tendo agido sem animis, na medida era que «sempre teve conhecimento e consciência de que o prédio seria objecto de partilha».

Q. Pelo contrário, como se disse, o animus possidendi do Recorrente referia-se ao direito de superfície sobre o coberto vegetal dos autos (e não a qualquer direito de propriedade, esse sim, objecto de partilha), e esse animus, conforme ficou demonstrado, presume-se do correspondente corpus.

R. Mostra-se igualmente destituída de sentido a afirmação de que a anuência do Recorrente para com a partilha do direito de propriedade da Quinta das EE é incompatível com o exercício da posse no convencimento de um direito real, porquanto, in casu, o direito real em causa é o de superfície, e esse direito é, por natureza, sempre compatível com o direito de propriedade titulado por terceiros.

S. Pelo que, assim sendo, a posse exercida pelo Recorrente no período subsequente à partilha foi-o somente na medida desse direito de superfície, o que em nada se mostra incompatível com o direito de propriedade atribuído ao seu irmão no âmbito da referida divisão.

T. Por outro lado, s.m.o., o Tribunal recorrido incorre também em erro quando sustenta que a posse do Recorrente anterior a 1994 «não ê uma posse exercida a título pessoal e exclusivo», antes mera posse precária exercida em nome da herança aberta, e socorrendo-se para o efeito de jurisprudência que assinala, justamente, que «um dos casos de posse em nome alheio, especialmente referido por lei, traduz-se na situação do comproprietário, em relação às quotas dos seus consortes, em que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superiora dele, salvo se tiver havido inversão do título».

U. Ora, essa posse, com efeito, na medida em que constitui (como o próprio tribunal de primeira instância correctamente configurou) uma composse da propriedade plena, porquanto referente a um património ainda não partilhado, é efectivamente uma posse alheia no que se refere às quotas dos seus consortes, mas é, antes disso, verdadeira posse própria daquele que possui também enquanto herdeiro, exercida a título pessoal, e em seu nome, no que respeita ao respectivo quinhão hereditário.

V. A posse exercida pelo Recorrente anteriormente à partilha, desde 1981, é, por conseguinte, igualmente uma verdadeira posse.

W. Com efeito, de acordo com o disposto no aludido artigo 1255.° do CC, «[p]or morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa».

X. A posse do Recorrente existe, nessa medida, desde 1981, e, sendo independente da apreensão material da coisa, não carece sequer de demonstração até à data da partilha.

Y. Por outro lado, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 1254.° do CC, «[a] posse actual não faz presumir a posse anterior salvo quando seja titulada; neste caso, presume-se que há posse desde a data do título». Ora, a posse do Recorrente antecedente à partilha é uma posse titulada, porquanto fundada num modo legítimo de adquirir (artigo 1259.°, n.° 1, do CC).

Z. Pelo que, estando demonstrada nos autos, como se viu, a posse actual (a posterior à partilha), a anterior posse do Recorrente, sendo titulada, não pode deixar de ser presumida, desde o início.

AA. Assim, não podem subsistir dúvidas de que a posse antecedente à partilha, tendo subjacente um direito de propriedade plena sobre a Quinta das EE, é, ao mesmo tempo, uma posse titulada, porquanto adquirida por via de sucessão por morte, ao passo que a posse subsequente é uma posse não titulada e exercida por referência a um direito de superfície, de menor alcance que o direito de propriedade inicial.

BB. Porém, com a efectivação da partilha, o Recorrente não adquiriu uma posse nova, antes deu continuidade à posse que já vinha exercendo. Essa posse, simplesmente, modificou-se, ou seja, a posse do Recorrente foi sempre a mesma, desde o momento em que a adquiriu pela primeira vez, na sequência do decesso do seu pai.

CC. A sua natureza e o seu alcance é que se modificaram: como bem reconheceu o tribunal de primeira instância, «antes daquele acto, [o Recorrente] possuía, sem limites, como herdeiro, o que lhe dá uma qualidade de compossuidor da propriedade plena; depois da partilha, passa a possuir apenas como superficiário».

DD. Neste ponto, porém, cumpre relembrar o princípio segundo o qual a transmissão de um direito real se dá independentemente da transmissão da posse, e vice-versa. Ou seja, a posse não pode, nunca, ser confundida com o direito real a que se refere.

EE. Ora, no caso dos autos, foi apenas o direito subjacente que "circulou": o direito de propriedade sobre a Quinta das EE, aquando da partilha, transmitiu-se a favor do irmão do Recorrente FF.

FF. A posse do Recorrente, nessa sequência, modificou-se na justa medida daquela circulação do direito subjacente, ou seja, apenas no plano da sua dimensão jurídica. No plano da realidade fáctica, porém, manteve-se inalterada: o Recorrente continuou a actuar sobre as plantações da Quinta das EE da mesma forma que sempre actuou, de modo contínuo e sem interrupções.

GG. Simplesmente, se antes o fazia na qualidade de herdeiro e compossuidor da propriedade plena daquele prédio, depois da partilha verificou-se efectivamente uma compressão do direito que subjazia àquela posse.

HH. De um outro prisma, se é verdade que depois da partilha o Recorrente possuiu meramente como superficiário, não é menos verdade que, antes daquele ato, o Recorrente exerceu igualmente uma posse correspondente ao direito de superfície agora invocado, embora aí integrado no âmbito daquele direito de propriedade e considerado como dimensão qualitativa integrante desse direito real maior.

II. Razão pela qual, encontrando-se demonstrada nos autos a posse exercida pelo Recorrente no período posterior à partilha a Quinta das EE, e não sendo carecida de prova a posse antecedente a essa partilha - porquanto independente da apreensão material da coisa e, em simultâneo, porque presumida nos termos dos artigos 2154.°, n.° 2, e 1259.°, n.° 1 do CC -, certo é que se mostram reunidas nos autos todas as condições necessárias à efectivação da invocada usucapião.

JJ. Assim, sendo a posse anterior derivada de sucessão mortis causa, operando ex officio, e englobando essa posse de propriedade plena, por natureza, tuna posse superficiária, haverá necessariamente que considerar una a posse exercida pelo Recorrente e, nessa sequência, julgar decorrido o tempo necessário à constituição por via da usucapião do direito de superfície demonstrado nos autos pelo Recorrente, contabilizando-se para esse efeito, todo o tempo decorrido desde o início da sua posse, em 12.09.1981,

KK. E, em consequência, negar-se à Recorrida, nessa exacta medida, a declaração de um direito de propriedade plena, sem limitações, sobre a parcela de terreno em causa nos presentes autos.

Assim se não entendendo,

LL. E uma vez demonstrado o exercício de uma posse efectiva por parte do Recorrente, caso se venha a entender, ainda assim, na esteira do decidido em primeira instância, que tal posse carece de ser dividida entre posse pré-partilha e posse pós-partilha, e entendendo-se que a primeira se não pode somar à segunda, então cumprirá atentar em outras razões de sistema que, na falta de previsão legal que directamente regule o caso dos presentes autos, auxiliem na integração de uma situação que se apresenta, s.m.o., como lacunosa à luz do regime legal positivo.

MM. Assim, nada obstará à aplicação, no presente caso, analogicamente, do instituto da acessão da posse, regulado no artigo 1256.° do CC, nos termos qual, para efeitos de usucapião, o possuidor pode juntar à sua a posse do seu antecessor.

NN. «A utilidade da accessio possessionis reside justamente na usucapião. Para computar o prazo de posse necessário à usucapião, o possuidor não fica limitado ao seu tempo de posse, podendo juntar a sua posse (rectius o seu tempo de posse) à posse do seu antecessor» (José Alberto Vieira, op. cit, p. 414).

OO. A acessão é possível mesmo quando em causa estejam posses de natureza e âmbito diferentes, dando-se, nesse caso, dentro dos limites da que apresentar menor âmbito,

PP. Podendo essa posse de menor âmbito significar, por um lado, uma posse relativa a um direito real menor, ou, por outro, uma posse que apresente piores caracteres, menos qualificados.

QQ. Quer isto dizer, portanto, que a lei civil permite que, existindo dois sujeitos distintos a sucederem na mesma posse por título diverso da sucessão mortis causa, aquele que tem a posse subsequente se possa fazer valer, para efeitos de aquisição por usucapião do correspondente direito real, da posse que haja sido exercida pelo seu antecessor, mesmo que essa posse não apresente as mesmas características.

RR. A situação é, pois, em tudo igual à presente, com a única diferença de que, no caso vertente, foi o próprio Recorrente que deu continuidade a uma posse que já vinha exercendo desde 1981.

SS. O Recorrente sucedeu, no sentido corrente do termo, à sua própria posse.

TT. O Recorrente adquiriu a posse sobre o coberto vegetal da Quinta das EE no momento da abertura da sucessão do seu pai, nos termos do disposto nos artigos 1255.°, 2050.°, n.° 2, e 1254.°, n.° 2, do CC, e não mais a interrompeu até 12.11.2006, nos termos definidos pela matéria de facto assente.

UU. Assim, se nos termos previstos para o instituto da acessão da posse é possível que as posses em causa sejam de natureza e extensão diversas, aproveitando-se a que se mostre menos qualificada, então, por maioria de razão, também no presente caso nada poderá obstar a que o Recorrente possa somar à sua posse actual aquela que exerceu desde 1981 até à realização da partilha.

W. Até à partilha, a posse correspondente ao direito de superfície invocado foi exercida pelo Recorrente no âmbito dos poderes de disposição alargados que lhe advinham da titularidade de um direito sobre a propriedade plena da Quinta das EE, adquirido no âmbito da aludida sucessão por morte;

WW. Depois, como se disse, a posse dá-se directamente por referência ao direito de superfície.

XX. Na medida em que o que se reclama é a constituição do direito real de menor âmbito, não se perfilam, pois, quaisquer obstáculos à efectivação da pretensão do Recorrente.

YY. A usucapião opera, nessa medida, porque se mostra decorrido o prazo máximo de 20 anos previsto na lei para esse efeito.

ZZ. Por outro lado, caso assim não se entenda, mas considerando-se que o Recorrente exerceu efectivamente duas posses distintas - sendo a partilha o momento definidor do fim de uma e do início da outra - então, pela mesma ordem de ideias, também nada obstará a que o Recorrente possa juntar à sua posse a posse do seu irmão FF, igualmente compossuidor da propriedade plena da Quinta das EE até à efectivação da partilha, e subsequente proprietário até à data da sua primeira alienação, que foi, aliás, quem transmitiu ao ora Recorrente a posse posterior do direito de superfície sobre o respectivo coberto vegetal.

AAA. Ou seja, nada impedirá a que nos presentes autos se faça aplicação directa do instituto da acessão da posse previsto no artigo 1256.° do CC, no sentido em que o Recorrente se possa fazer valer da posse do seu antecessor irmão - com posse igualmente desde 1981, nos termos vistos - atingindo, desse modo, o tempo de duração da posse necessário à perfectibilidade do seu direito.

BBB. O direito de superfície do Recorrente constituiu-se, por via da usucapião, em 12.09.2001 (artigos 1528.°, 1287.° e 1296.° do Código Civil).

CCC. Deve, por isso, ser reconhecido em termos de conduzir à necessária improcedência dos pedidos reconvencionais deduzidos pela Recorrida na presente acção.

 

Contra-alegaram os RR pronunciando-se pela improcedência do Recurso.




***



Tudo visto,

Cumpre decidir:



B) Os Factos:



As instâncias deram como provados os seguintes factos:


1) Através das apresentações nºs 08/20050801 e 09/050801, descritas no Conservatório do Registo Predial de Tavira sob o nº 14.552, fls. 161 Livro B N37, com as inscrições G-31 - n.º 19061 e C-20 – nº 7865, encontram-se inscritas, respectivamente, a aquisição a favor do primeiro R. e a hipoteca voluntária a favor da segunda R, do prédio misto inscrito na matriz predial com o artigo do parte rústico 40 798 e os artigos da parte urbano 1207, 2553, 2554, 2555, 2636, 2637, 2638, 2639, 2704, 2705, 2706, 2707, 2708, 2709, 2710, 2711, 2712, 2713, 2714, 2715, 2716, 2717, 2718, 2719, 2720, 2721, 2722, 2846, 2847, 2848: 2849, 2850, 2851, 2852: 2853: 2854, 2855, 2856, 2857, 2858, 2859, 2860, 2861, 2862, 2863, 2864, 2865, 2866, 2867, 2868, 2869, 2870, 2871, 2872 e 2873 da freguesia de Santo Maria, concelho de Tavira (al. A)

2) O prédio no seu conjunto é conhecido e anunciado por "Quinto das EE" (al. B)

3) A 26 de Novembro de 1965, a Quinta das EE foi registada a favor de GG, pai do A., pela inscrição nº 9541 (al. C).

4) Desde data anterior o 1981 e até meados de 2002, a Quinta das EE foi explorada turisticamente pela DD (al. D).

5) Essa exploração turística era feita ao obrigo de um acordo de exploração turística celebrado entre GG e a DD (al. E).

6) Após a morte de GG, a DD continuou o explorar turisticamente o Quinto das EE (al. F)

7) A DD locava as moradias e apartamentos existentes no Quinto das EE a terceiros (al. G)

8) GG faleceu no dia 12 de Setembro de 1981 (al. H)

9) O prédio identificado em 1) foi transmitido, por sucessão hereditária de GG, ao A. e seus irmãos, FF, HH e II (al. I)

10) A parte rústica do prédio está inscrita na matriz predial rústica do Serviço de Finanças de Tavira sob o artigo 40…., sendo composto por terras de semear e arvoredo, designadamente citrinas, amendoeiras, oliveiras, alfarrobeiras, figueiras e limoeiro (al. J)

11) A parte rústica é constituída pelos terrenos que circundam as moradias, blocos de apartamentos, piscinas, campos de ténis e demais edificações que constituem a parte urbano do prédio (al. K)

12) Entre 26 de Novembro de 1965 e 4 de Outubro de 1991 a Quinta das EE permaneceu registada o favor de GG (al. L)

13) No dia 4 de Outubro de 1991, os quatro herdeiros de GG referidos em 9) inscreveram a seu favor a aquisição em comum da Quinto das EE (al. M)

14) Através de escritura de partilha outorgada pelos quatro herdeiros em 24 de Março de 1994 e exarada o fls. 93 e ss. do Livro 101 -G de Escrituras Diversas do Primeiro Cartório Notarial de Lisboa foi a Quinta das EE (verbo nº 23) integralmente adjudicada o FF em preenchimento do seu quinhão hereditário (al. N)

15) Ao A. foram adjudicados os bens que constituíam as verbas n.º 13, 14, 15, 19, 20 e 21, uma quota nominal de 600 000,00 escudos e uma quota no valor nominal de 225 000,00 escudos (al. O)

16) Face ao referido em 14), o A. aceitou e recebeu tornas no valor de 16 600 566,00 escudos do seu irmão FF (al. P)

17) A 9 de Junho de 1994 foi registada a aquisição da Quinta das EE o favor de FF (al. Q)

18) FF celebrou um contrato de compra e venda e de permuta com a sociedade DD - Sociedade de Turismo do Algarve, SA, através do qual a Quinta das EE foi transferida para esta sociedade (al. R)

19) A 12 de Janeiro de 1995 foi registada a aquisição da Quinta das EE a favor da sociedade DD (al. S)

20) Através de escritura pública outorgada a 27 de Julho de 2005, exarada o fls. 11 o 12 verso do Livro n.º 6-C de Escrituras Diversas do Cartório Notarial de Cubo, FF, no qualidade de presidente do Conselho de Administração do sociedade DD - Sociedade de Turismo do Algarve, S.A., declarou vender a JJ, no qualidade de gerente do sociedade BB - Compro e Vendo de Imóveis, Lda., que declarou comprar o prédio rústico e urbano referido em A., pelo preço de 5 300000,00 euros, já recebido em dinheiro (al. T)

21) Através do Ap. 08/20050801, encontra-se inscrita a aquisição do prédio referido em 1) o favor de BB - Compra e Venda de Imóveis, Lda (al. U)

22) A DD é uma sociedade comercial de que actualmente e desde há mais de 15 anos, II é Presidente do Conselho de Administração (al. V)

23) II controla cerca de 66,6% do capital social da DD (al. w)

24) O A. é Presidente do Conselho de Administração da sociedade KK, SGPS (al. X)

25) A sociedade KK, SGPS detém uma participação social do capital da DD correspondente o 33,3% do capital social desta (al. Y)

26) No exercício de 2005 a DD tem um resultado líquido positivo de € 4303 129,13 (al. Z)

27) Desses 4 303 129,13 €, a DD distribuiu aos seus sócios 3 000 000,00 €, tendo os restantes 1 303 129,13 € sido retidos pelo DD a título de resultados transitados (al. AA).

28) No dia 23 de Fevereiro de 2006 realizou-se uma assembleia-geral da DD, onde esteve presente o A., em representação da sociedade KK, SGPS, SA, accionista do DD (al. AB)

29) Na assembleia-geral referido em 28) e como resulto da respectiva acta, o A. declarou o seguinte: "só neste momento teve conhecimento da venda do Aldeamento Turístico do Quinta das EE, venda sobre a qual colocava reticências (...) " (al. AC)

30) Através do Ap. 09/050801, encontra-se inscrita uma hipoteca voluntária sobre o prédio referido em 1), o favor da sociedade CC  - Promociones Imobiliarias y Urbanismo, SRL (al. AD)

31) No dia 11 de Maio de 2007 deu entrada na Câmara Municipal de Tavira uma carta remetida pelo A. em que o assunto era o seguinte: "pedido urgente de ordem de cessação imediato do corte e transplante de árvores" (al. AJ)

32) No dia 15 de Maio de 2007 a R. BB solicitou autorização à Câmara Municipal de Tavira para proceder aos trabalhos de arranque, poda e de transplante de vegetação (al. AK)

33) No dia 17 de Maio de 2007 a Câmara Municipal de Tavira autorizou a R. BB a proceder aos trabalhos de arranque e transplante de vegetação (al. AL)

34) As árvores encontravam-se implantadas nos terrenos que circundam as moradias e apartamentos existentes no Quinto dos EE (al. AM)

35) A R. BB procedeu à vedação da Quinta das EE e contratou, em Maio de 2007, a empresa "LL" para prestar serviços de vigilância no local e impedir a entrada do A. (al. AN)

36) A Quinto das EE constitui, desde pelo menos 1980, um empreendimento turístico, classificado pela Direcção Geral de Turismo como "aldeamento turístico", com a denominação de "Aldeamento Turístico Quinto das EE", com a categoria de segunda (al. AO)

37) Entre 1989 e 2002, o "Aldeamento Turístico Quinta das EE" foi sujeito o diversas inspecções e vistorias pelo Direcção Geral do Turismo, o qual notificou a DD paro proceder a obras de conservação e beneficiação dos moradias e apartamentos e melhoramentos nos acessos e jardins (al. AP)

38) A 29 de Agosto de 1991, a MM (anterior denominação do DD) enviou uma carta dirigido à Direcção Geral do Turismo com o seguinte teor: " (...) em seguimento do V/ ofício, referido em epígrafe e relativo às beneficiações apontadas por V. Exas., paro o n/ aldeamento, vimos pelo presente (...) informar o seguinte: 1. Os melhoramentos indicados por V. Exas. (...) foram objecto de um projecto de remodelação do Aldeamento (...): 2. Este investimento em conservação e reparação das Villas e das áreas envolventes totalizou o montante de Esc.: 88 800 000$00: 3. O n/ projecto de remodelação do Aldeamento deu já entrado no Fundo de Turismo (oo.)" (al. AQ)

39) Por despacho de 28 de Fevereiro de 2002 do Subdirector-Geral do Turismo, foi determinado o encerramento temporário do "Aldeamento Turístico Quinto das EE", até que fossem realizadas obras de beneficiação impostas pela Direcção Geral do Turismo (al. AR)

41) A DD tinha ao seu serviço pelo menos um jardineiro cuja função consistia em trotar e cuidar da vegetação existente no Quinto das EE (art. 2°)

42) Funcionários da DD, enquanto esta dispôs do local, regavam as árvores (art. 4°)

43) Com água da rede paga pela DD (art. 5º)

44) Ou proveniente de um furo da DD (art. 6°)

4S) Ocasionalmente parte das laranjas colhidas no Quinto das EE eram vendidas pela DD a terceiros (art. 9°)

46) Ou eram utilizadas no Aldeamento Turístico Quinta das EE (art. 10°)

47) Ou foram entregues ao Banco Alimentar contra o Fome (art. 11°)

48) A DD autorizava os seus funcionários a colherem e fazerem seus frutos existentes nas árvores da Quinto das EE, o que estes faziam (art. 8° e 12°)

49) A DD celebrou acordos com terceiros, permitindo-lhes levantarem frutos das árvores existentes no Quinto das EE e fazê-los seus (art. 13°)

50) E celebrou acordos com a Cooperativo Agrícola de Tavira, permitindo a esta levantar azeitonas e alfarrobas das árvores existentes na Quinta das EE, e fazê-los seus (art. 14°)

51) Como consequência dos factos referidos em 49) e 50º, a DD recebia uma quantia em dinheiro (art. 15º)

52) O A. não se opôs o que funcionários da DD colhessem frutos (art. 15º-A)

53) O A. não se opôs a que funcionários da DD regassem as árvores (art. 16°)

54) A DD actuou sempre como titular da Quinta das EE, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (art. 19°)

55) Em Setembro de 2005, a R. BB mandou realizar um levantamento topográfico da Quinta das EE (art. 28°)

56) O levantamento topográfico foi feito por quatro técnicos, com pelo menos aparelhos de GPS, e duraram cerca de uma semana (art. 29°)

57) Em Janeiro de 2006 realizaram-se novos trabalhos topográficos (art. 31º)

58) Esses trabalhos foram feitos por quatro técnicos, com pelo menos aparelhos de GPS, tendo os trabalhos durado cerca de uma semana (art. 31°-A)

59) Em 2005 e durante o ano de 2006, arquitectos do Atelier Difusor de Arquitectura, por conta da R. BB, deslocaram-se à Quinta das EE para o reconhecimento do terreno e preparação do projecto de loteamento (art. 30°)

60) Em Janeiro de 2006 arquitectos da NN, por conta da R. BB, deslocaram-se à Quinta das EE para reconhecerem o terreno e iniciarem a preparação do projecto de espaços exteriores previsto para o projecto da R. BB (art. 32°)

61) As deslocações de arquitectos da NN referidos em 60) repetiram-se ao longo do ano de 2006 (art. 32°-A)

62) Em 2006, engenheiros da OO - Projectos e Instalações Técnicas, Lda., por conta da R. BB, deslocaram-se à Quinta das EE (art. 33°) 63) As deslocações de engenheiros da OO referidas em 62 repetiram-se ao longo do ano de 2006 (art. 33°-A)

64) Engenheiros da PP & Associados, por conta da R. BB, deslocaram-se à Quinta das EE (art. 34°)

65) Em Agosto de 2006, engenheiros da QQ, Lda., por conta da R. BB, deslocaram-se à Quinta das EE para fazer medições de ruído (art. 35°)

66) Todas as visitas à Quinta das EE referidas em 57) a 65) decorreram durante o dia, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (art. 36°).

67) No dia 12 de Novembro de 2006, a R. BB foi alertada que estavam pessoas a colher azeitonas na Quinta das EE, sem sua autorização (art. 3r)

68) Em virtude do referido em 67), a R. BB chamou a polícia (art. 38º)

69) A polícia apreendeu azeitonas (art. 39°)

70) Em Novembro de 2006, a R. BB apresentou na CMT um projecto de loteamento para fins residenciais e turísticos para a Quinta das EE (art. 39°-A)

71) No início de 2007 a R. BB mandou realizar um trabalho de avaliação da vegetação existente na Quinta das EE, de forma a seleccionar os exemplares a transplantar (art. 40°)

72) O trabalho referido em 71) foi efectuado pelo atelier de arquitectos paisagísticos NN - Arquitectura Paisagística (art. 41°)

73) Cujos arquitectos trabalharam à vista de toda a gente (art. 42°)

74) A NN estimou que existiam 109 oliveiras, 16 alfarrobeiras, 8 amendoeiras, 16 figueiras e 235 citrinos na Quinta das EE (art. 43°)

75) Da estimativa referida em 74) foram excluídas as árvores degradadas, de baixo porte e má configuração ou mau estado fitossanitário (art. 44°)

76) Em Março e Abril de 2007 foram realizados, por conta da R. BB, trabalhos de prospecção geológica na Quinta das EE (art. 45°)

77) Foram realizadas 49 sondagens (art. 46°)

78) Correspondendo cada uma delas a um buraco com 10 a 15 metros de profundidade, salvo duas que atingiram os 19 metros (art. 47º)

79) E foram utilizadas duas máquinas (art. 48°)

80) Que fazem barulho (art. 49°)

81) Cada máquina era operada por dois trabalhadores (art. 50°)

82) No âmbito do seu projecto imobiliário e turístico, a R. BB procedeu ao transplante de árvores (designadamente oliveiras e alfarrobeiras) para um terreno contíguo à Quinta das EE, usado como viveiro provisório (art. 52°)

83) E abateu figueiras, amendoeiras e citrinas (art. 53°)

84) Esse transplante ocorreu em Maio de 2007 (art. 54°)

85) As árvores seriam replantadas na Quinta das EE (art. 55°)

86) Algumas árvores foram podadas e permanecem na Quinta das EE (art. 56°)

87) Todas as árvores da Quinta das EE, com excepção das citrinas, existiam de forma isolada, integradas em composições do jardim, nos espaços comuns do aldeamento turístico e ao longo dos arruamentos existentes (art. 57º)

88) Sem constituírem pomar ou povoamento para exploração agrícola (art. 58°)

89) O A. nunca procedeu ao pagamento de qualquer contribuição autárquica enquanto superficiário da parte rústica da Quinta das EE (art. 60°)

90) Nem pagou qualquer quantia a qualquer dos titulares da Quinta das EE enquanto superficiário (art. 61)

91) A partir de data não determinada do período compreendido entre os anos 1991 a 1993 e até data não posterior a 2005 [salvo quanto aos factos referidos em 67) e ss. e 100), ocorridos em 2006], e sem prejuízo do descrito em 45) e ss.. o A. tirava ramos secos das EE (art. 62°-A)

92) Recolhendo ou autorizando a recolha de azeitonas para a produção de azeite (art. 63°)

93) Podando o pomar de citrinos (art. 64°)

94) Na época própria o A. contratava pessoal que sob as suas ordens e fiscalização procedia à apanha de alfarrobas, amêndoas, figos e laranjas (art. 65°)

95) O A. vendia pelo menos alfarrobas e laranjas, fazendo seus os proveitos dessas vendas (art. 66°)

96) Os figos apanhados eram destinados ao A. ou por este dados a terceiros (art. 67º)

97) O A. também determinava a manipulação de frutos com vista à produção de doces e compotas (art. 69°)

98) O A. efectuou os factos referidos em 91) o 97) à vista de toda a gente e com o conhecimento de FF (art. 73°)

99) Sem oposição de ninguém, até ao descrito ao 67) e ss. (art. 74°)

100) No dia 11 de Novembro de 2006, na Quinto das EE, algumas pessoas procediam à apanha da azeitona a mando do A. (art. 75°) ”.



C) O Direito:



Delimitando o “thema decidendum” está em causa saber-se se o recorrente adquiriu por usucapião o direito de superfície sobre as árvores da Quinta das EE por a sua posse anterior à partilha se somar à posse adquirida após a dita partilha ou assim se não entendendo, uma vez demonstrado o exercício de uma posse efectiva por parte do Recorrente, caso se venha a entender, ainda assim, na esteira do decidido em primeira instância, que tal posse carece de ser dividida entre posse pré-partilha e posse pós-partilha, e entendendo-se que a primeira se não pode somar à segunda, então cumprirá atentar em outras razões de sistema que, na falta de previsão legal que directamente regule o caso dos presentes autos, auxiliem na integração de uma situação que se apresenta, s.m.o., como lacunosa à luz do regime legal positivo.

Assim, nada obstará à aplicação, no presente caso, analogicamente, do instituto da acessão da posse, regulado no artigo 1256º do Código Civil (CC), nos termos qual, para efeitos de usucapião, o possuidor pode juntar à sua a posse do seu antecessor.

Sendo, todavia, de considerar que as questões equacionadas pelo recorrente devem ter em linha de conta o despacho judicial que determinou o conhecimento, apenas, do pedido reconvencional.


O recurso do A que “mutatis mutandis” apresenta a mesma fundamentação do recurso de apelação mais não é que a reiteração dos fundamentos da causa de pedir da acção intentada por ele.

Na 1ª instância decidiu-se que a acção prosseguisse apenas para conhecimento do pedido reconvencional face à renúncia ao mandato por parte da ilustre advogada do A, nos termos do art.47º do Código do Processo Civil (CPC).

O A. depois de ter constituído novo mandatário, requereu a realização de audiência preliminar com vista à consideração do seu pedido, o que foi indeferido. Repetiu a pretensão o que foi de novo indeferido, tendo interposto o respectivo recurso de agravo.

O Tribunal da Relação não tomou conhecimento do recurso de agravo por o mesmo ter por objecto um despacho que é apenas a repetição de um outro anterior que incidiu sobre idêntico pedido e sobre o qual não foi interposto recurso, tendo, por isso, transitado em julgado.

Mais diz o Tribunal da Relação que “mesmo que o Tribunal «ad quem» desse razão ao recorrente nunca poderia ser declarada a constituição do direito de superfície invocado por aquele porque por despacho de 9 de Junho de 2009, o Tribunal «a quo» decidiu que a acção deveria prosseguir apenas para apreciação do pedido reconvencional ficando excluída a apreciação dos pedidos do A.”

Ora exprimindo a motivação do presente recurso os fundamentos dos pedidos do A, os quais não foram apreciados pelas razões supra expostas, não cabe ao STJ decidir se o recorrente é ou não detentor, na sua expressão, de um “direito de superfície”. A apreciação da invocada usucapião apenas tem lugar como excepção ao pedido reconvencional deduzido.

A favor das reconvintes ficou provado que através das apresentações nºs 08/20050801 e 09/050801, descritas no Conservatório do Registo Predial de Tavira sob o nº 14.552, fls. 161 Livro B N37, com as inscrições G-31 - n.º 19061 e C-20 – nº 7865, encontram-se inscritas, respectivamente, a aquisição a favor do primeiro R. e a hipoteca voluntária a favor da segunda R, do prédio misto inscrito na matriz predial com o artigo do parte rústico 40 798 e os artigos da parte urbano 1207, 2553, 2554, 2555, 2636, 2637, 2638, 2639, 2704, 2705, 2706, 2707, 2708, 2709, 2710, 2711, 2712, 2713, 2714, 2715, 2716, 2717, 2718, 2719, 2720, 2721, 2722, 2846, 2847, 2848: 2849, 2850, 2851, 2852: 2853: 2854, 2855, 2856, 2857, 2858, 2859, 2860, 2861, 2862, 2863, 2864, 2865, 2866, 2867, 2868, 2869, 2870, 2871, 2872 e 2873 da freguesia de Santo Maria, concelho de Tavira (al. A)

O prédio no seu conjunto é conhecido e anunciado por "Quinto das EE"

Em 26 de Novembro de 1965, a Quinta das EE foi registada a favor de GG, pai do A., pela inscrição nº 9541.

O prédio identificado supra foi transmitido, por sucessão hereditária de GG, ao A. e seus irmãos, FF, HH e II.

Através de escritura de partilha outorgada pelos quatro herdeiros em 24 de Março de 1994 e exarada o fls. 93 e ss. do Livro 101 -G de Escrituras Diversas do Primeiro Cartório Notarial de Lisboa foi a Quinta das EE integralmente adjudicada o FF em preenchimento do seu quinhão hereditário.

A 9 de Junho de 1994 foi registada a aquisição da Quinta das EE o favor de FF.

FF celebrou um contrato de compra e venda e de permuta com a sociedade DD - Sociedade de Turismo do Algarve, SA, através do qual a Quinta das EE foi transferida para esta sociedade.

A 12 de Janeiro de 1995 foi registada a aquisição da Quinta das EE a favor da sociedade DD.

Através de escritura pública outorgada a 27 de Julho de 2005, exarada o fls. 11 o 12 verso do Livro n.º 6-C de Escrituras Diversas do Cartório Notarial de Cubo, FF, no qualidade de presidente do Conselho de Administração do sociedade DD - Sociedade de Turismo do Algarve, S.A., declarou vender a JJ, no qualidade de gerente do sociedade BB - Compra e Venda de Imóveis, Lda., que declarou comprar o prédio rústico e urbano acima referido pelo preço de 5 300000,00 euros, já recebido em dinheiro.

Através do Ap. 08/20050801, encontra-se inscrita a aquisição do prédio referido a favor de BB - Compra e Venda de Imóveis, Lda.

Daqui se conclui que à R BB - Compra e Venda de Imóveis, Lda assiste a presunção do direito de propriedade sobre o prédio em referência que lhe advém do registo da mesma a seu favor.

No entanto afirma o recorrente que o direito de propriedade da R, reconvinte não é pleno pois está onerado com o direito de superfície por aquele invocado.

Da prova produzida resulta que o A partir de data não determinada do período compreendido entre os anos 1991 a 1993 e até data não posterior a 2005, salvo quanto aos factos ocorridos em 2006 o A. tirava ramos secos das oliveiras; recolhia ou autorizava a recolha de azeitonas para a produção de azeite; podava o pomar de citrinos.

Na época própria o A. contratava pessoal que sob as suas ordens e fiscalização procedia à apanha de alfarrobas, amêndoas, figos e laranjas. O A. vendia pelo menos alfarrobas e laranjas, fazendo seus os proveitos dessas vendas. Os figos apanhados eram destinados ao A. ou por este dados a terceiros.

O A. também determinava a manipulação de frutos com vista à produção de doces e compotas.

O A. efectuou os factos referidos à vista de toda a gente e com o conhecimento de FF. Sem oposição de ninguém, até ao descrito em 67) e segs.

No dia 11 de Novembro de 2006, na Quinto das EE, algumas pessoas procediam à apanha da azeitona a mando do A.

A posse é a exterioridade de um direito real que se define por dois elementos: o “corpus”, elemento material e o “animus”, intenção de exercer um determinado direito real como se fora seu titular. Toda e qualquer outra relação material é detenção.

Correia Telles decompôs a relação possessória geral em três espécies: a detenção, que existe quando alguém tem em seu poder uma coisa de outrem, sem intenção de a ter por sua; a posse imperfeita, que existe quando alguém tem em seu poder coisa de outrem, por ter direito de usar dela por certo tempo; a posse perfeita (posse propriamente dita) que existe quando alguém tem em seu poder, alguma coisa com a intenção de a ter por sua.

O Código Civil não seguiu esta terminologia e apenas decompôs a relação possessória geral em duas categorias: a posse propriamente dita e a detenção.

Os romanos designavam normalmente com a palavra “possessio” toda a relação material intencional da pessoa com a coisa. Esta relação compreendia a posse propriamente dita (possessio civilis) e a detenção (possessio naturalis).

À simples detenção em direito romano não era concedida protecção alguma salvo ao precarista, ao credor pignoratício e ao sequestrário, embora haja quem sustente que os interditos eram independentes do “animus sibi habendi”.

Os direitos canónico e germânico concederam ao detentor a acção de esbulho e os códigos civis francês e italiano só à posse legítima – deter a coisa ou gozar um direito real como próprio “animus possidendi” era concedida a defesa possessória; mas já se concede a acção de esbulho a quem detém uma coisa “animo detenendi”.

O Código da Saxónia, de 1863, inicia outro sistema. Mantém ainda as duas categorias: posse e detenção, mas atribuía a defesa possessória à detenção (§ 208º) quando esta tivesse por objecto uma coisa com o fim de gozo ou de garantia.

O Código alemão e depois o suíço suprimiram a distinção entre posse e detenção.

O Código Civil português, no seu art.1251º diz que “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”; por outro lado o art.1253º reza que: “São havidos como detentores ou possuidores precários: a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem”

A detenção engloba, no dizer do Prof. Oliveira Ascenção, (in Direitos Reais, pag. 254) as situações em que, embora haja exercício de facto, não se constitui a relação jurídica de posse.

Por força do disposto neste artigo deve considerar-se como simples detenção – e não como posse – todo o poder de facto que se exerce sobre as coisas sem o “animus possidendi”.

O que se retém da factualidade apurada é que o recorrente após o decesso do pai do A (em 1981) até à celebração das partilhas em 1994 o recorrente (como bem se refere nas contra-alegações do presente recurso) não exerceu, neste período de pré-partilha, uma verdadeira posse pessoal e exclusiva sobre qualquer parcela da Quinta das EE.

De acordo com o art.1255º do CC “por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa”. A transferência da posse verifica-se por mero efeito da lei e com a abertura da herança não se iniciando nova posse. A posse do sucessor (ou sucessores) forma um todo com a do “de cujus”, havendo apenas uma alteração subjectiva.

Com a morte de seu pai o recorrente passou a ser, juntamente com os demais herdeiros, co-possuidor do direito de propriedade sobre a Quinta das EE. E esta posse não é uma posse exercida a título pessoal e exclusivo.

Com as partilhas celebradas em 1994 a quinta em apreço foi adjudicada a FF em preenchimento do seu quinhão hereditário e ao A. foram adjudicados os bens que constituíam as verbas n.º 13, 14, 15, 19, 20 e 21, uma quota nominal de 600 000,00 escudos e uma quota no valor nominal de 225 000,00 escudos. O A. aceitou e recebeu tornas no valor de 16 600 566,00 escudos do seu irmão FF.

O A, ora recorrente, dispunha, como os demais herdeiros, de uma quota ideal a qual, por natureza, é indeterminada. Só assim não seria se o recorrente tivesse invertido o título de posse, relativamente às árvores da Quinta das EE, perante os seus irmãos, co-herdeiros, nos termos do art.1265º do CC, o que não está provado nem alegado.

Após partilha, até data não posterior a 2005, o A, conforme bem se diz no acórdão recorrido, continuou a explorar as árvores da Quinta das EE, já referidas por mera tolerância dos sucessivos titulares do direito real. O A deteve uma posse precária o que significa que praticou actos com o consentimento (pelo menos tácito) dos proprietários mas sem que estes pretendessem atribuir um direito ao beneficiário. Com a sua tolerância até, pelo menos a 2005, a, ora, titular do direito de propriedade apenas quis significar que não fez oposição, que não reagiu contra actos incompatíveis ou contrastantes do seu direito. Mas não limitou tal direito: este conservou toda a sua licitude de onde deriva que a autora da tolerância (a reconvinte, aqui recorrida) se reservou a faculdade de, em qualquer momento, pôr fim à actividade tolerada.

A pretendida usucapião alegada pelo A não procede em primeiro lugar porque antes da partilha aquele era apenas co-possuidor de uma quota ideal da Quinta das EE e após a partilha teve apenas uma posse precária tolerada pelos sucessivos titulares do direito de propriedade respectivo.

Mesmo que se entendesse que o recorrente teria invertido o título de posse (o que não entendemos por falta de prova nesse sentido) quando começou a fazer uso das árvores da Quinta das EE em 1991 tempo decorrido até à partilha foi de três anos. Se projectássemos a inversão do título de posse (o que a factualidade apurada não permite) ao momento em que sucedeu a seu pai teriam apenas decorrido treze anos (entre 1981 e 1994), manifestamente insuficiente para a aquisição por usucapião a qual nos termos do art.1296º do CC só poderia acontecer ao fim de 15 anos se de boa-fé ou de 20 anos se de má-fé.

Não podemos dizer que à posse pré-partilha se juntou a posse pós-partilha, em primeiro lugar porque pré-partilha não deteve o recorrente uma posse autónoma, exclusiva, individual e, em segundo lugar porque pós-partilha foi um mero detentor.

Também não há lugar à acessão da posse por via analógica como invoca o recorrente. Não existe lacuna na lei que permita o recurso à analogia. As situações de acessão estão contempladas no art.1256º do CC e a factologia apurada não é subsumível à provisão normativa do citado artigo.

Por um lado, mesmo que se entendesse que pré-partilha havia uma posse exclusiva do recorrente e que pós-partilha este detinha uma nova posse estas não seriam contíguas uma vez que intercaladas pela posse de seu irmão (FF) ao qual foi adjudicada, em sede de partilha, a propriedade plena da Quinta das EE. Por outro lado, o instituto da acessão da posse só aplicado em situações de aquisição derivada da posse o que não é o caso. A posse do A, a existir, sempre seria uma posse originária e não derivada.

Assim, não assiste razão ao recorrente não podendo o seu recurso deixar de naufragar.



Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça, em negar revista confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 23 de Junho de 2016


Orlando Afonso (Relator)

Távora Victor

António da Silva Gonçalves