Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
932/17.7T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
RECURSO DE APELAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
CONSTITUCIONALIDADE
DIREITO AO RECURSO
Data do Acordão: 05/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Em regra, não é admissível recurso de revista de acórdão da Relação que não admita o recurso de apelação.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. AA intentou acção declarativa de condenação contra Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.,

I. — pedindo que a Ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., seja condenada a pagar ao Banco BPI, S.A., o montante necessário e suficiente, para liquidação do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 9 de Março de 2006;

II. — requerendo a intervenção principal provocada de BB (seu pai), de CC (sua irmã) e de Banco BPI, S.A.


2. A Ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.


3. Invocou a nulidade e, subsidiariamente, a anulabilidade do contrato de seguro por falsas declarações.


4. Em 8 de Janeiro de 2021, o Tribunal de 1.ª instância julgou a acção improcedente.


5. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância foi do seguinte teor:

Em razão do exposto julgo verificada a nulidade do contrato de seguro em lide, que declaro, e em consequência:

a) Absolvo a Ré do pedido formulado nos autos.

b) Condeno a Ré a restituir à Autora AA e Aos Intervenientes/Autores BB e CC as quantias correspondentes a todos os prémios de contrato de seguro que foram pagos, acrescidas de juros de mora à taxa legal civil desde a citação, a liquidar em incidente.

c) Condeno a Autora AA e dos Intervenientes/Autores BB e CC no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido à primeira.


6. A Autora AA interpôs recurso de apelação.


7. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

a) A Ré Allianz Portugal juntou documentos à sua contestação (documentos 4 e 5);

b) A recorrente veio requerer o desentranhamento de tais documentos, por requerimento de 06/04/2017, com a ref.ª: ...55;

c) Requerimento este indeferido no douto despacho proferido em sede de audiência prévia de fls. … (15/03/2018);

d) De tal indeferimento veio a A. recorrente apresentar recurso de apelação para esse Tribunal da Relação;

e) No qual foi proferido Acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação e determinou o seguinte:

“i. Declara-se nulo o consentimento prestado pela mãe da autora no boletim de adesão de fls. 30-31, nos termos do qual: «Autorizo os médicos ou qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado a fornecer à Allianz Portugal sempre que esta solicitar todas as informações relacionada com o meu pedido de adesão ou com um eventual sinistro»;

ii. Ordena-se a produção de prova tendo em vista apurar se os documentos em causa foram entregues por vontade expressa do viúvo, que se limitou a responder aos pedidos de documentação médica para análise do sinistro, devendo posteriormente o tribunal a quo decidir sobre a (in) suficiência da actuação dos familiares que vier a ser apurada.”

f) Em consequência foi reaberta a audiência para: tomada de declarações da aqui recorrente; prestação de depoimento de parte dos intervenientes BB e CC, e inquirição de duas testemunhas indicadas pela Ré recorrida;

g) Foi proferida sentença que, julgando improcedente o pedido da A. deu como provados os factos já transcritos e que aqui se dão por reproduzidos;

h) Entende a recorrente que o Tribunal a quo fez uma interpretação errada da Lei, do Acórdão proferido por esse Tribunal da Relação e dos factos;

i) Conforme o doutamente ordenado pela Relação, o Tribunal a quo deveria produzir prova quanto à vontade e consciência do viúvo, o interveniente BB, aquando da entrega dos documentos em causa, no sentido de tentar apurar se este tinha consciência que (i) ao entregar os tais documentos facultava informação que devassava a intimidade e a vida privada da falecida e (ii) que tinha o direito de recusar entregar tal documentação ou se, pelo contrário, (iii) entregou tais documentos duma forma acrítica e quase automática em cumprimento dos pedidos do banco;

j) Deveria ainda o Tribunal a quo produzir prova acerca da autorização, consentimento e conhecimento que as restantes herdeiras da falecida, a recorrente e a interveniente CC, haviam prestado e tido ou não quanto aos documentos entregues, primeiramente ao Banco e após à Ré

k) Tal prova foi produzida e registada conforme acta da sessão de julgamento de 07/10/2019 e, entende a recorrente, que a aludida prova deveria ter levado à inclusão nos Factos Provados dos seguintes:

1) Os documentos em causa foram entregues por vontade expressa do viúvo, que se limitou a responder aos pedidos de documentação médica para análise do sinistro, e;

2) Os restantes familiares da falecida – recorrente AA e interveniente CC - não tinham conhecimento dos documentos e respectivo teor, entregues ao banco e Ré seguradora e nunca consentiram ou autorizaram a sua entrega;

l) Encontrando-se afastada a possibilidade de utilização dos elementos clínicos por via da declaração de nulidade do consentimento prestado pela falecida DD – cfr. Acórdão nos autos de 18/09/2018 –, importava agora ao Tribunal a quo produzir prova tendente a apurar se actuação dos familiares / herdeiros da falecida teria sido a bastante – “(in) suficiência” – para legitimar a utilização desses mesmos dados clínicos;

m) O Tribunal a quo reabriu a audiência, tendo da sessão de 07/10/2019 resultado, no que para o presente importa no entendimento da recorrente, o  seguinte: […]

n) Ora, parece manifesto que, perante a prova produzida e supra transcrita, o Tribunal a quo deveria ter dado como assente dois factos essenciais:

1 – Que o viúvo se limitou a responder aos pedidos de documentação médica formulados pelo Banco, de forma automática e acrítica, sem que, alguma vez, tenha sido informado acerca dos seus direitos, nomeadamente, do direito de recusar a sua entrega;

2 – Que as restantes familiares / herdeiras, a aqui recorrente AA e a interveniente CC, filhas da falecida DD, (i) não tinham qualquer conhecimento da documentação entregue ao Banco, quer quanto ao seu conteúdo quer quanto à sua origem, (ii) jamais consentiram na sua entrega e (iii), pelo menos no que respeita à recorrente AA, vieram a opor-se à divulgação dos dados clínicos da falecida DD;

o) Ao invés de retirar conclusões de facto do doutamente ordenado por essa Relação, o Tribunal a quo limitou-se a cumprir, de forma, o disposto no Acórdão de 18/09/2019 – ordenando a produção de prova – sem que dessa formalidade, que cumpriu, haja retirado qualquer conclusão.

p) Ora, como é óbvio, não era esse o sentido do citado Acórdão.

q) Antes pretendendo que se apurassem factos que permitissem concluir se os documentos clínicos acerca da falecida DD, podiam ou não ser utilizados para fundamentar a decisão do Tribunal a quo;

r) Afastado que foi o consentimento da falecida DD, pela nulidade declarada, conjugado com a prova inequívoca acerca dos procedimentos do viúvo BB – que se limitou a aceder sucessivamente aos pedidos do Banco, sem qualquer sentido crítico sem qualquer consciência do alcance do seu procedimento e do total e absoluto conhecimento e falta de consentimento das filhas da falecida restantes herdeiras -, deveria o Tribunal a quo ter decidido pelo não conhecimento dos documentos em causa e, portanto, dar como não provados os pontos 16, 20 a 23 e 25 a 27, dos factos provados;

s) O que deve acontecer;

t) Também em consequência dessa mesma prova produzida, deverá constar do ponto 19. da matéria assente que a recorrente AA e a interveniente CC, embora conhecedoras da participação do sinistro feita pelo seu pai, o interveniente BB, desconheciam em absoluto os termos dessa participação, os documentos que a  ela foram juntos, os que foram entregues posteriormente e qual o seu teor;

u) Em clara contradição com o Acórdão dessa Relação, o Tribunal a quo, deu como provado que a falecida DD havia subscrito a seguinte declaração: “Autorizo os médicos ou qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado a fornecer à Allianz, Portugal sempre que esta solicitar todas as informações relacionadas com o pedido de adesão ou com um eventual sinistro.”;

v) Tal matéria consta do ponto 8 da Fundamentação de Facto e viola, frontalmente, o decidido no Acórdão de 18/09/2019, que, expressamente, a declarou nula;

x) Como tal, o Tribunal a quo conheceu de matéria que já não podia conhecer, o que importa a nulidade da decisão recorrida, atento o disposto no art.º 615.º ,n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil;

z) A eliminação dos documentos em causa e dos elementos clínicos relativos à falecida DD, retira qualquer fundamento à sentença recorrida para a manutenção dos pontos da matéria assente cuja eliminação se requer, ou seja os pontos 16, 20 a 23 e 25 a 27, dos factos provados, dando-os como não provados;

aa) E, retirados tais pontos da matéria de facto, não só não é possível concluir que o óbito ocorreu por doença pré existente à apólice, bem como não é possível concluir que a falecida haja prestado falsas declarações que permitam fundamentar a nulidade do contrato de seguro;

bb) O que levaria, necessariamente, à procedência da acção;

cc) Atenta a sentença recorrida, a actuação do interveniente BB seria legitimada por força do disposto no art.º 71.º n.º 2 do Cód. Civil;

dd) Entende a recorrente que a interpretação dada pelo Tribunal a quo é precisamente a inversa daquela que a situação em causa impõe;

ee) Por um lado, porque o interveniente BB não actuou na defesa dos direitos de personalidade da falecida DD mas antes contribuiu para a devassa da sua vida privada, divulgando dados clínicos e relativos à sua saúde, por outro lado foi a própria recorrente que procurou atenuar os efeitos da “ofensa já cometida” (art.º 70.º n.º 2 do Cód. Civil), tentando impedir a manutenção e aumento da devassa da intimidade de sua falecida mãe opondo-se à divulgação e  entrega dos dados clínicos.

ff) Daí que, se alguém foi merecedor do conforto jurídico facultado pelo disposto no art.º 71.º do Cód. Civil essa pessoa seria a recorrente AA e não o interveniente BB.

gg) Consequentemente, a interpretação aduzida pelo Tribunal a quo é – obviamente, no entendimento da recorrente – desadequada e errada face à situação concreta em apreço.

hh) Refere ainda o Tribunal a quo que o interveniente BB actuou de forma voluntária;

ii) Tal elemento nada importa para a pretensão da recorrente, que reside no facto de, ela própria, pretender ser ouvida e consentir ou autorizar, a divulgação dos dados privados relativos à sua falecida mãe;

jj) O que jamais sucedeu;

ll) Razão pela qual irreleva a natureza – voluntária ou não – da actuação do interveniente BB;

Termos em que, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que condene a R. no pedido se fará a devida justiça!

           

8. A Ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.


9. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. - O prazo para apresentação das alegações pela Apelante não está suspenso desde 22 de Janeiro de 2021, face aos efeitos previsto no Artigo 4 da Lei 4-B/2021, pois o presente acto processual não é urgente e não implica actos presenciais, preenchendo-se a previsão do n. 5 do mesmo Artigo, devendo o presente recurso ser rejeitado.

2. - A matéria de facto foi correctamente julgada e não se verifica qualquer vício, pois, o Mmº Juiz, tendo em vista o disposto no artº 607º nº 5 do C.P.C., que consagra o princípio da livre apreciação da prova, conjugou e ponderou toda a prova, justificando as respostas dadas, através da competente e correcta fundamentação.

3. - A Apelante parece esquecer-se que para além da problemática da junção dos documentos 4 e 5 juntos com a contestação, havia que apreciar e produzir prova em sede de julgamento de outras questões, nomeadamente as levantadas pela Recorrida em matéria de excepção na sua contestação.

4. - A sentença interpretou correctamente e o Mmo Juíz baseou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas Drª EE, Drª FF e Drª GG que descreveram a doença de que a falecida DD padecia e que acabou por levar à sua morte.

5. - A Sentença não enferma de qualquer nulidade pois não está em contradição com o Acórdão da Relação que foi observado judiciosamente.

6. - A matéria que consta do Ponto 8 da fundamentação tem a ver com documento nº 1 junto com a contestação da Recorrente, ou seja, o Boletim de Adesão que foi julgado válido e que, a não ser assim, não teríamos contrato de seguro, pelo que o Mmo Juíz se pronunciou como estava obrigado, ao contrário do que defende a Apelante, não se verificando qualquer nulidade.

7. - A referida Mãe da Apelante e o Interveniente BB, aquando da contratação do seguro, preencheram o Boletim de Adesão mas não declararam, com exactidão as circunstâncias de saúde que conheciam e que se mostravam significativas para a apreciação do risco a garantir.

8. - A falecida Mãe da Apelante sabia o seu real estado de saúde e optou por omitir essas informações essenciais, o que demonstra o caracter doloso e intencional da omissão.

9. - A falecida Mãe da Apelante declarou no Boletim de Adesão, o que não foi sequer beliscado pelo invocado Ac. Da Relação nestes autos:

“Declaro não estar sob observação médica ou em tratamento médico regular, não ter interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos 5 anos, a minha actividade laboral por motivos de saúde, não ter sido operado ou internado num estabelecimento hospitalar, não ter fármaco dependência ou toxicomania, não ter alguma deficiência física ou funcional e não ter sido objecto de recusa ou agravamento de prémio aquando da subscrição do seguro de vida”.

10. - Na data da adesão ao seguro, a falecida Mãe da Apelante, sabia que era portadora da doença poliquística renal que lhe tinha sido diagnosticada na adolescência e que omitiu à Apelada, e que não poderia ter sido ocultada.

11. - Atendendo à prova mencionada, encontra-se necessariamente preenchida a previsão do artº 5.3 das Condições Gerais da Apólice, o artº 429º do Código Comercial e artº 24º do RJCS.

12. - Pelo exposto, havendo omissão de factos expressamente perguntados no boletim de adesão, andou bem o tribunal quando interpretou tais omissões como relevantes para a apreciação do risco que o segurado pretendia garantir, não merecendo qualquer censura a Douta Sentença e devem manter-se como provados os pontos 16, 20 a 23 e 25 a 27 .

13. - A Apelante não pode prevalecer-se do direito de reserva da vida privada aplicável às informações médicas da falecida DD anteriores ao seguro, e, dessa forma, ficar a Apelada impedida de fazer prova da sua matéria de excepção.

14. - Os documentos em causa foram entregues pelo marido da falecida BB e que os juntou aquando do accionamento do seguro dos autos, como consta do depoimento de Parte do Interveniente BB ...20, sessão de 07/10/2019, de que atrás se transcrevem partes mais expressivas.

15. - Assim, tais documentos foram entregues por vontade expressa e iniciativa do marido da falecida, também segurado que se limitou a responder aos pedidos de documentação médica, para análise do sinistro, cf. prevê a Apólice – cláusula 13.2 e aceitou a decisão de recusa.

16. E até fica bem claro que o Viúvo BB e a Filha do casal CC se conformaram com a justeza da douta sentença recorrida e até sofrem algum ataque na alegação da filha e irmã AA, cf. Alªs ee) e ff) das conclusões,

17. - A participação do sinistro não tem de ser efectuada por todos os herdeiros, e no caso presente era o viúvo, também segurado, que, em melhor posição estava para participar o sinistro, pelo não colhe a argumentação da Apelante de que o Pai, Interveniente BB, carecia de autorização e consentimento das restantes Herdeiras, a ora Apelante e a Irmã.

18. É que o viúvo actuou com toda a legitimidade, como cabeça de casal, administrador da herança por morte de sua Mulher, nos termos do artº 2079º do Cód. Civil, o que a Apelante parece esquecer.

19. Além de que, pelo menos uma das filhas do casal, a ora Apelante AA até era menor ao tempo e, portanto, também como seu representante legal, cf artº 1877º e segtes. do Cód. Civil que a Apelante também parece ignorar.

20. - De qualquer modo, a partir do momento em que a Apelante exigiu judicialmente da Apelada o capital do seguro, está obrigada a colaborar com o tribunal e para a boa administração da justiça, devendo praticar todos os actos que se revelem necessários à justa composição do litígio, nomeadamente, autorizar todos os actos que o tribunal lhe solicite com respeito ao sinistro dos autos.

21. - Não podemos aceitar a possibilidade da Apelante invocar a reserva da vida privada para, em consequência, impedir, por não serem desmontáveis, as falsas declarações e omissões de doenças pré-existentes, pela falecida DD, para com isso vir a obter uma vantagem patrimonial ilegítima.

22. - Assim, o artº 80º do C.C. não pode ser interpretado como um direito absoluto e ignorando, por completo, também os legítimos interesses probatórios da Apelada.

23. - A matéria assente dada como provada nos pontos 16, 20 a 23 e 25 a 27 da douta sentença recorrida estão bem julgados e fundamentados como se demonstrou e assim se deve manter.

24. - A Sentença recorrida não padece de qualquer nulidade e merce inteira confirmação.

Nestes termos e nos doutamente supridos por V. Ex.as, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida para se fazer JUSTIÇA.


10. O Tribunal da Relação não tomou conhecimento do objecto do recurso, por extemporaneidade.


11. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Em face de tudo o supra exposto, [a]cordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA, em, não conhecer da apelação de AA, porque para todos os efeitos interposta extemporaneamente.


12. Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista.


13. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

a) O presente recurso de Revista é interposto do Acórdão que julgou extemporânea a Apelação interposta pela recorrente.

b) O acórdão sob recurso viola o n.º 1 do artigo 6.º B da Lei 4-B/2001 e faz errada interpretação da excepção consignada no n.º 5 da mesma disposição legal.

c) Atentos os elementos literal, teleológico e histórico desta norma, é evidente que o entendimento do Tribunal recorrido, ao julgar o recurso extemporâneo, é totalmente desprovido de razão.

d) Do ponto de vista literal, a norma impõe a suspensão geral de todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem (n.º 1).

e) As excepções a esta norma constam do n.º 5 e reconduzem-se, no essencial, à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes e a que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso.

f) No caso em apreço, o processo não tramitava nos tribunais superiores e não foi proferida decisão final na vigência da citada Lei.

g) Em consequência, tendo a sentença sido proferida em 8 de Janeiro de 2021, portanto, antes da entrada em vigor da lei, não lhe pode ser aplicável o regime previsto na alínea em referência.

h) A Lei é bem expressa ao aludir “[a] que seja proferida decisão final”, o que nos remete para a prolação das decisões após a vigência da lei: se o legislador pretendesse abarcar todas as decisões proferidas, quer antes quer após a entrada em vigor da lei, é evidente que teria utilizado um diferente enunciado linguístico.

i) Uma interpretação literal da norma deixa bem claro que, o processo se suspendeu com a entrada em vigor da Lei em causa – pelo que, o recurso foi interposto em prazo.

j) Uma interpretação teleológica aponta precisamente no mesmo sentido, com efeito, o fim da Lei e da suspensão de prazos judiciais por ela determinada, radica em razões de saúde pública e da prevenção de contágios, por meio da redução de contactos sociais e de deslocações – sendo que a decisão e o acto de recorrer de uma sentença, que não é uma decisão unilateral do Advogado, implica, um sem número de diligências, contactos sociais, deslocações, que, no contexto em que a Lei foi produzida, eram precisamente o que se pretendia evitar.

k) Por fim, o elemento histórico diz-nos que aquando do primeiro confinamento geral em Março de 2020, a Lei 1-A/2020, de 19 de Março, determinou a suspensão generalizada dos processos judiciais não urgentes, sem as excepções prevista na nova Lei 4-B/2021.

l) Assim, ao interpretar esta, impõe-se considerar a que a antecedeu e daí extrair a conclusão que, o que o legislador pretendeu foi restringir um pouco o âmbito da suspensão, designadamente, não abarcando a tramitação processual nos Tribunais superiores e não obstando a que fossem proferidas sentenças, desde que o tribunal entenda não ser necessária a realização de novas diligências (o que como é evidente implicava a necessidade de despacho fundamentado nesse sentido), caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso.

m) Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa: assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da atividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento legislativo (n.º 1) – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do mesmo artigo).

n) Para a correta fixação do sentido e alcance da norma, deve presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º).

o) Visando a aplicação prática do direito, «a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica», por isso que o jurista «há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor corresponda a estas necessidades, e, portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela».

p) Tendo a sentença sido proferida em 8 de Janeiro de 2021, portanto, antes da entrada em vigor da lei, não lhe pode ser aplicável o regime previsto na alínea em referência.

q) Acresce que, não sendo aplicável qualquer outra exceção prevista no artigo 6.º-B, a situação só pode subsumir-se à regra geral prevista no n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, a suspensão do prazo para a prática de atos processuais que devam ser praticados no âmbito de processos que correm termos nos tribunais judiciais.

r) De tudo quanto se deixou exposto, impõe-se concluir que o Acórdão sob recurso não encontra correspondência no texto da norma, não obedece aos fins que quer a norma geral (suspensão de prazos), quer as excepções, visam proteger e alcançar e não leva em consideração o elemento histórico, que teve o seu início com a suspensão generalizada de prazos ocorrida em Março de 2020.

s) A interpretação seguida no Acórdão recorrido, ao pugnar pela aplicabilidade da excepção prevista no n.º 5 do citado artigo 6º B do citado diploma, viola a Lei e viola princípios fundamentais de direito com ASSENTO CONSTITUCIONAL, como os PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE (artigo 20º da CRP), DA SEGURANÇA E DA CONFIANÇA JURÍDICA.

t) Trata-se de uma interpretação ab-rogante ou revogatória e não extensiva, na medida em que se traduz na negação de sentido e valor a uma disposição legal.

u) A qual apenas é concebível em casos extremos, nomeadamente em casos de contradição intra-sistemática inultrapassável – o que manifestamente não é o caso.

v) A única interpretação admissível é, pois, a de que: estando o processo ainda ser tramitado processualmente em 1.ª instância e tendo a sentença sido proferida em data anterior a 22/1/2021 e tendo o prazo de recurso de iniciado antes dessa data, não é aplicável o disposto no n.º 5, do citado artigo 6.º-B, designadamente as alíneas a) e d), pelo que face ao disposto no n.º 1 do mesmo artigo, o prazo de recurso suspendeu-se em 22 de janeiro de 2021, e retomou o seu curso em 6 de Abril de 2021.

w) Assim, o Acórdão recorrido, ao não admitir o recurso, violou, o disposto no artigo 6.º-B, n.ºs 1 e 5, da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro.

x) Sendo que, a interpretação dada pelo Acórdão em causa, ao art.º 6.º-B, n.ºs 1 e 5, al. a), da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, pelo Tribunal, segundo a qual a excepção ali consignada abrange decisões já proferidas, é inadmissível, representando uma violação do direito ao recurso em situação que a lei não impede.

y) A previsão da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, ao aludir "a que seja proferida decisão final", só pode reportar-se a situações em que foi proferida decisão final após a sua entrada em vigor, assim tendo de ser interpretada.

z) Neste sentido, o douto acórdão proferido em 03-05-2021, no âmbito dos autos n.º 476/18.0T9ENT-A.E1, da Presidência do Tribunal da Relação de Évora, onde se sumariou: “A previsão da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, ao aludir "a que seja proferida decisão final", só pode reportar-se a situações em que foi proferida decisão final após a sua entrada em vigor.”.

Nestes termos, deve ser revogado o Acórdão sob recurso e, em consequência, deve o recurso de Apelação ser admitido, dele se conhecendo, assim se fazendo justiça!


14. A Ré, agora Recorrida, Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


14. Em 22 de Março de 2022, foi proferido o despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil.


15. A Autora AA respondeu ao despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil, pugnando pela admissibilidade do recurso.


16. Fê-lo nos seguintes termos:

Nos presentes autos, em 11/10/2021, o Sr. Juiz Desembargador da Tribunal da Relação de Lisboa, concedeu à recorrente o prazo de 5 dias para exercer o contraditório relativamente às alegações da apelada Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., que nas respectivas contra-alegações, veio suscitar a QUESTÃO PRÉVIA da extemporaneidade da Apelação interposta por AA.

Em cumprimento de tal convite, a recorrente pronunciou-se, em 18/10/2021, pugnando pela admissibilidade da Apelação.

Em 20/10/2021 o processo foi inscrito em tabela, sem que, porém, se vislumbre qualquer despacho do Sr. Relator apreciando essa mesma questão prévia.

Em 04/11/2021 foi proferido o acórdão do qual a recorrente veio a apresentar o competente recurso de Revista.

Este acórdão da Relação de Lisboa de 04/11/2021 foi, assim, a primeira e única decisão jurisdicional sobre a matéria em causa (a eventual extemporaneidade da Apelação).

Não tendo sido precedido de qualquer decisão singular.

Deste modo, a eventual decisão desse Supremo Tribunal de julgar o recurso inadmissível, traduzir-se-ia numa negação do direito a um segundo grau de jurisdição.

Decisão de todo inadmissível no nosso ordenamento jurídico – desde logo porque violadora do disposto nos artigos 13.º (princípio da igualdade) e 20.º, n.º 1 (acesso ao direito e aos tribunais) e, ainda, dos artigos 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ex vi art. 8.º da Lei Fundamental).

O recurso apresentado foi-o ao abrigo do disposto no artigo 652.º n.º 5 do CPC, uma vez que, a decisão a sindicar se trata de um verdadeiro acórdão proferido pela conferência da Relação.

Razão pela qual e por ser a primeira decisão judicial sobre a questão em causa, à recorrente outra alternativa não restava que não a de interpor a competente Revista.

Como decidiu a mesma secção do Tribunal da Relação de Lisboa, nos autos que ali correram termos sob o n.º 3896/18.6T8LSB.L2, acerca de questão precisamente igual à aqui em causa, o recurso para esse Venerando Supremo Tribunal deverá ser admitido ao abrigo do disposto nos artigos 627.º, 631.º n.º 1, 638.º, n.º 1, 652.º, n.º 5, alínea b), 671.º, n.º 4, do CPC.

Sendo que também esse mesmo Venerando Supremo Tribunal, nesse mesmo processo (2ª secção), se pronunciou nos seguintes termos:

“…Assim e começando por indagar da admissibilidade da presente reclamação, importa ter em conta o disposto no art. 652º, nº 3 do CPC, o qual dispõe que « Salvo o disposto no nº 6 do artigo 641º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária ».

Daqui decorre, com bastante clareza, que a decisão singular proferida pelo Sr. Juiz Desembargador relator que não admitiu o recurso de apelação interposto pela autora da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, por ser extemporâneo admite que seja convocada a conferência.

Só assim não será relativamente ao despacho do relator que não admite recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido no Tribunal da Relação, caso em que não há reclamação para a respetiva conferência, como se ressalva nº 3 do citado art. 652, sendo, então, de deduzir a reclamação para o STJ, nos termos do disposto no art. 643, nº 3, do CPC.

Ora, o que ressalta com bastante evidência dos factos supra descritos nos nºs 5 e 6 é que, contrariamente ao afirmado pelo Sr. Juiz Desembargador relator no despacho supra referido no nº 8, a reclamação apresentada pela recorrente reporta-se à decisão singular que não admitiu, por considerar extemporâneo, o recurso de apelação interposto pela autora da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, não se estando, por isso, perante uma decisão “de não admissão do recurso de revista”.

E sendo assim, manifesto se torna a concluir estar vedada a este Supremo Tribunal a possibilidade de se pronunciar sobre a admissibilidade, ou não, do recurso de apelação.

Termos em que, pelo exposto, não se conhece do objeto da presente reclamação, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação, a fim de aí ser dado cumprimento ao disposto no art. 652º, nº 3 do CPC.”.

Como decidido por esse Supremo Tribunal em 16-12-2021, no processo n.º 292/15.0T8VLN-H.G1-A.S1, da 6.ª SECÇÃO:

“…. Sumário:

I – As decisões proferidas singularmente no Tribunal da Relação não são susceptíveis de imediata interposição de recurso de revista, sendo sempre necessário que o recorrente reclame previamente para a Conferência de modo a provocar a prolação de um acórdão, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 3, e nº 5, alínea b, do Código de Processo Civil, o que não fez.”.

Ou seja, vedado está o recurso à sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça das decisões singulares proferidas na Relação.

O mesmo não se passando com os acórdãos por estas proferidos, atento o disposto no citado artigo 652.º n.º 5 do CPC.

Ainda para mais quando tal acórdão é a primeira e única decisão judicial a apreciar uma questão fundamental na defesa dos direitos da recorrente.

Bem andou a Relação da Lisboa nos autos supra citados quando, na sequência da decisão colectiva preferida no âmbito da Reclamação apresentada pela ali recorrente, decidiu:

“…. Admito o recurso de Revista interposto pela Autora e Recorrente, para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo – artigos 627.º, 631.º n.º 1, 638.º, n.º 1, 652.º, n.º 5, alínea b), 671.º, n.º 4, do CPC.”.

Vedar o direito ao recurso à ora recorrente seria, pois, uma injustificada, infundamentada e ilegal desigualdade de tratamento, em questões precisamente iguais e apreciadas nos mesmos tribunais.

Nestes termos, deve julgar-se admissível a Revista apresentada.


17. A Ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA respondeu ao despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil, pugnando pela inadmissibilidade do recurso.     


18. Fê-lo nos seguintes termos:

O presente recurso de Revista é interposto, pela A., do Acórdão que julgou extemporânea a Apelação interposta pela recorrente, sem julgar de mérito, mas apenas teve por objeto questão processual.

Na verdade,

O art. 671º. nº 1, do Código de Processo Civil dispõe que "cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da lª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

A regra do art. 671º nº.1, tem como corolário que, em regra, não é admissível recurso de revista de acórdão da Relação que não admita o recurso de apelação.

Citando, com a devida vénia, o Dr. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 643º C.P.C. 0 in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 6.'ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 224-232 (229) — chamando a atenção para que "jamais esteve consagrada a possibilidade de intervenção regular do Supremo numa questão em torno da admissibilidade do recurso de apelação”.

E o mesmo Ilustre Magistrado já dizia em 2013, a fls 143 do seu livro referido, que: “Já o Acórdão que seja proferido pela Relação não admite recurso de revista , uma vez que não se inscreve no âmbito delimitado pelo artº 671º”

E este princípio tem sido adoptado por este Supremo Tribunal. Vejam-se entre outros

O Acórdão do S.T.J. de 09-12-2021 2290/09.4TJPRT-B.P1.S1 Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO Relator: CATARINA SERRA

I. Da decisão de não admissão do recurso de apelação proferida no Tribunal de 1.ª instância cabe reclamação para o Tribunal da Relação, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, e, depois, da decisão sobre esta reclamação cabe reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, do CPC.

II. Do Acórdão proferido pela conferência que confirma a decisão de não admissão do recurso de apelação não cabe, porém, nem reclamação nem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, excepto nos casos em que o recurso é sempre admissível.

III. Quando o reclamante se limita a pedir que sobre a matéria recaia um acórdão e a conferência adere in totum à decisão singular é suficiente confirmar esta decisão e remeter para a respectiva fundamentação.

O Acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2015 — processo 3175/07.4TBVCT- B.G1-A.S1 —" I ….II…..III…….. IV - Não cabe recurso de revista de um acórdão da Relação que, por sua vez, indeferiu uma reclamação apresentada contra um despacho de não admissão do recurso de apelação (n.º 1 do art. 671.º do NCPC (2013).”

Trata-se de um recurso interposto de uma decisão de não admissão de recurso, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho do relator, que não admitira a apelação. Não cabe, assim, no n º 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil vigente, aplicável por força do disposto no nº 1 do artigo 7º da Lei nº 41/2013: o acórdão de que foi interposto o recurso foi proferido depois da entrada em vigor da mesma lei, não tendo qualquer relevo que a acção tenha sido proposta antes de 1 de Janeiro de 2008, porque não está em causa o obstáculo à admissibilidade de revista previsto no nº 3 do artigo 671º (dupla conforme). Aliás, se coubesse, então o valor da causa impedi-la-ia, por não ser superior à alçada da Relação (embora seja manifestamente superior à alçada da 1ª instância) e por não ocorrer nenhum dos casos de admissibilidade de recurso de revista independentemente do valor da causa (artigo 629º, nºs 1 e 2);

O Acórdão S.T.J. de 23-03-2018, PROCESSO N.º 2834/16.5T8GMR-A.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT

I. Os acórdãos proferidos pela Relação podem encerrar decisões que são material ou processualmente finais, a par daquele outros que apreciam decisões que, não tendo recaído sobre a relação controvertida, recai unicamente sobre a relação processual, impondo-se distinguir, por um lado, se o acórdão de que se recorre de revista, conheceu do mérito da causa ou teve por objeto questão processual que absolveu da instância os réus, enquanto decisão formalmente final para efeitos do n.º 1 do art.º 671º do Código de Processo Civil, por outro lado, se o acórdão sob escrutínio apreciou decisão interlocutória da Instância, necessariamente não decidida nos termos finais a que se refere o mencionado art.º 671º n.º 1 do Código Processo Civil, e, dentro desta decisão interlocutória da Instância, precisar se está em causa a ponderação de uma intercorrência processual conhecida em 1ª Instância, ou se apreciou decisão interlocutória da própria Relação, anotando-se que no primeiro caso, a Relação conheceu de uma questão que já fora julgada pela 1ª Instância, enquanto que no segundo caso conheceu de uma questão nova naquele processo, o que, de resto, a Doutrina e a Jurisprudência apelidam de decisão interlocutória velha e decisão interlocutória nova, respetivamente.

II. Estando em causa uma decisão que não tenha posto termo ao processo, mas antes uma decisão que recaiu sobre intercorrência processual (verbi gratia, admissão do pedido reconvencional), a mesma só é suscetível de revista nas hipóteses das alíneas a) e b) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil.


Sobre o assunto, decidiram, ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 3 de Novembro de 2020 processo n.º1560/13. ITBVRLN.GI.SI, in www.dgsi.pt:

1. A possibilidade de recurso prevista no art.º 652.º, n.º 5, al. b), do CPC pressupõe que estejam verificados todos os pressupostos de recorribilidade, com especial destaque, no que respeita à revista, do que está previsto no art.º 671.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código.

2. Não admite recurso de revista o acórdão da Relação que confirme o despacho do relator que rejeite o recurso de apelação, por ilegitimidade do apelante, terceiro num procedimento cautelar. (sublinhado nosso)


Veja-se ainda o Ac STJ de 10/12/2019 Revista n.º 4154/15.3T8LSB-C.L1.S2 - 7.ª Secção Nuno Pinto Oliveira (Relato in www.dgsi.pt

I - Em regra, não é admissível recurso de revista de acórdão da Relação que confirme o despacho do juiz de 1.ª instância que não admita o recurso de apelação.

II. - Exceptua-se os casos em que o recurso seja sempre admissível, por estar preenchida alguma das previsões excepcionais do art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

III. - O recurso apresentado por meio não previsto no art. 144.º do Código de Processo Civil não deve, sem mais, ser rejeitado.

IV. - Quando a que a irregularidade não esteja coberta por um justo impedimento, a parte faltosa deverá ser condenada nas custas do incidente processual — e, desde que estejam preenchidos os pressupostos das alíneas c) ou d) do art. 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, poderá ser condenada como litigante de má fé.


Assim, tal como constado douto despacho de V. Exª., o acórdão da Relação dos autos que não admite o recurso de apelação não é um acórdão que conheça do mérito da causa e também não põe termo ao processo, "absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

Trata-se de acórdão interlocutório, sem julgar de mérito, mas apenas teve por objeto questão processual.

Face ao exposto, deve ser indeferido o recurso de revista interposto pelo A. e mantido o douto acórdão que não admite o mesmo.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


19. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

3.1. - A Autora é filha de DD e do Interveniente BB.

3.2.- DD faleceu no dia 16 de Agosto de 2013, no Hospital ..., em Lisboa, sendo seus herdeiros habilitados: BB, cônjuge sobrevivo, CC, filha, e AA, filha.

3.3. - A Ré celebrou com “Banco BPI, S.A.”, na qualidade de tomador, um contrato de seguro de vida para garantia de crédito habitação, Apólice n.º ...00 do ramo Vida, com o n.º de adesão ...53 para o capital de €47.884,60, tendo como pessoas seguras BB e DD, com adesão a 25/10/2001 e entrada em vigor a 28/11/2001.

3.4. - O BPI recebeu a proposta assinada pelos mutuários que remeteu aos Serviços da Ré, onde, após aceitação, nos termos descritos na proposta, foi emitida a Apólice.

3.5. - O indicado contrato de seguro encontrava-se conexo com o contrato de mútuo com hipoteca, no montante de €47.884,60, celebrado por DD e BB, com “Banco BPI, S.A.”, para obras de beneficiação do prédio urbano sito na Praça ..., ..., freguesia ... (actualmente União das Freguesias ..., ..., ... e ... ), concelho ..., descrito na CRP sob o n.º ...03/..., inscrito na matriz sob o artigo urbano ...80º (antigo artigo 644º) da referida freguesia, que consiste na casa de morada de família.

3.6. - O Beneficiário do indicado contrato de seguro em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva era “Banco BPI, S.A.”.

3.7. - Para a celebração do seguro de vida é necessário o preenchimento prévio do boletim de adesão instruído com uma declaração de saúde das pessoas seguras onde os aderentes declaram quais as doenças de que padecem ou padeceram.

3.8. - No “Boletim de Adesão” subscrito por BB e DD, constante como documento n.º 1 anexo à contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta no ponto 7 o seguinte:

“A Declaração de Saúde, não sendo necessários quaisquer exames médicos, será suficiente nas seguintes condições:

– Para capitais seguros junto da Allianz iguais ou inferiores a € 75.000.

Declaro não estar sob observação médica ou em tratamento médico regular, não ter interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos 5 anos, a minha actividade laboral por motivos de saúde, não ter sido operado ou internado num estabelecimento hospitalar, não ter fármaco dependência ou toxicomania, não ter alguma deficiência física ou funcional e não ter sido objecto de recusa ou agravamento de prémio aquando da subscrição do seguro de vida”.

Tomo conhecimento das Condições Contratuais e que as coberturas desta Apólice só terão efeito a partir do dia da escritura ou da data da transferência, na condição da Proposta de Seguro ter sido aceite pela Allianz Portugal, desde que não me encontre em estado de incapacidade nessa data e que qualquer omissão ou falsa declaração pode anular a minha adesão ao contrato. Autorizo os médicos ou qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado a fornecer à Allianz Portugal sempre que esta solicitar todas as informações relacionadas com o pedido de adesão ou com um eventual sinistro.”

3.9. - No questionário de saúde Ponto 8, consta:

“Preencher somente para capitais seguras junto da Allianz superiores a € 75.000,00 ou se não se enquadrar nas Condições previstas na Declaração de Saúde”.

3.10.- BB e DD nada apontaram no indicado ponto 8 do questionário de saúde.

3.11. - Consta, designadamente, no ponto 9. do indicado “Boletim de Adesão”:

“ Declaramos:

a) que são correctas e se aplicam a nós as afirmações indicadas na Declaração de Saúde, no caso de não termos respondido ao Questionário de Saúde; (…) “.

3.12. - BB e DD nunca corrigiram ou alteraram as declarações realizadas, mantendo-se o questionário médico em branco, sem quaisquer respostas no questionário de saúde.

3.13. - A “Informação à Pessoa Segura” constante como documento n.º 3 anexo à contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, referente à apólice dos autos, foi entregue a BB tendo sido o funcionário bancário do BPI que o atende que lhe entregou tal documento.

3.14. - O risco e o prémio inicial do contrato de seguro foram calculados com base nas respostas ao questionário médico do boletim de adesão, assinado por BB e DD.

2.15. - Em face do óbito, o viúvo e Interveniente BB solicitou à Ré que efectuasse o pagamento a “Banco BPI, S. A.” o capital seguro.

3.16. - No âmbito da participação do sinistro por morte de DD a Ré recepcionou dois relatórios médicos, constantes como documentos nºs 4 e 5 anexos à contestação (fls. 56/57 do processo físico) e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3.17.- Os referidos relatórios foram entregues voluntariamente, em resposta a pedidos de documentação médica pela Ré para análise de sinistro, por BB ao “Banco BPI”, que os remeteu para a Ré.

3.18. - BB pediu tais documentos aos médicos.

3.19. - AA e CC tinham conhecimento que BB efectuara a participação do sinistro referida em 15) e 16).

3.20. - DD sofria de doença poliquística renal autossómica dominante 16p13.3- PKD1, com poliquitos e renal, hepática e múltiplos aneurismas cerebrais e morreu em consequência dessa doença e suas complicações.

3.21. - A patologia referida atrás obrigou a falecida a realizar transplante renal, por lesão renal terminal.

3.22. -Devido à patologia de base e complicações, DD veio a apresentar doença cerebrovascular múltipla, sequelar, com múltiplos acidentes vasculares isquémicos transitórios, 2 acidentes vasculares e 3 acidentes vasculares hemorrágicos.

3.23. - Desde datas não concretamente apuradas quanto ao seu início, mas não posteriores a 15 de Junho de 2005, DD era medicada cronicamente para as patologias com anti-hipertensores, imunossupressores, imunomodeladores, ansiolíticos, antidislipidémicos, anti-anémicos e multivitaminicos.

3.24. - A Ré comunicou ao “Banco BPI”, em data não concretamente apurada, a recusa em efectuar o pagamento referido em 15).

3.25. - O diagnóstico de Doença Renal Crónica foi realizado na adolescência de DD.

3.26. - O programa crónico de hemodiálise iniciou-se em 18 de Maio de 2004 e o transplante renal ocorreu a 15 de Junho de 2005.

3.27. - DD não ignorava que sofria de insuficiência renal crónica desde a adolescência, devido a doença renal poliquística quando fez a declaração de saúde no boletim de adesão.

3.28. - A Ré só dispensa a realização de exames médicos e pedido de análises nos seguros de vida, dentro de certos limites de capital e desde que o proponente não indique doenças de que padeça e/ou tenha padecido, apenas exigindo o preenchimento da "Declaração de Saúde”.

3.29. - A Ré não mandou proceder a exames e análises, em virtude de DD nada ter declarado de anormal quanto à sua saúde.

3.30. - À data do indicado óbito o valor em dívida do citado contrato de mútuo com hipoteca era de €32.702,99; e no dia de 7 de Março de 2018 era de €30.751,38, sendo: €29.684,21 de capital, €20,69 de juros (de 31/01 a 07/03/2018 – taxa de 0.726), €0,83 de imposto de selo e €1.045,65 (de prestações vencidas e não pagas).


20. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

3.31 - No contrato de seguro, em caso de morte da pessoa segura, os herdeiros legais fossem beneficiários de capital remanescente.

3.32 - A assinatura de DD no “Boletim de Adesão” foi abonada/conferida pelos Serviços do BPI SA e na presença do colaborador do mesmo Banco que a atendeu.

3.33 - BB e DD nunca levantaram qualquer dúvida às perguntas do boletim de adesão.

3.34 - DD deliberadamente omitiu o seu estado de saúde.

3.35 -Que as condições gerais do seguro à data de celebração do contrato sejam as constantes como documento n.º 2 anexo à contestação da Ré (fls. 53/54 do processo físico).

3.36 -A Ré comunicou ao tomador na data de 16 de Dezembro de 2014 que, em face das falsas declarações apuradas, a Apólice é nula e de nenhum efeito.

3.37 - AA e CC conheciam o concreto teor dos documentos referidos em 2.17 dos factos provados.

3.38 - Se a Ré tivesse tido conhecimento das doenças que a falecida padecia à data da adesão, não teria aceite o seguro proposto.

3.39 - Após o óbito as prestações do crédito hipotecário foram feitas conjuntamente pelo Autora e pelos Intervenientes BB e CC.


 O DIREITO


21. A Autora, agora Recorrente, AA começa por alegar que “[b]em andou a Relação da Lisboa nos autos supra citados quando, na sequência da decisão colectiva preferida no âmbito da Reclamação apresentada pela ali recorrente, decidiu:

‘…. Admito o recurso de Revista interposto pela Autora e Recorrente, para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo – artigos 627.º, 631.º n.º 1, 638.º, n.º 1, 652.º, n.º 5, alínea b), 671.º, n.º 4, do CPC.’.

Vedar o direito ao recurso à ora recorrente seria, pois, uma injustificada, infundamentada e ilegal desigualdade de tratamento, em questões precisamente iguais e apreciadas nos mesmos tribunais”.


22. Ora a doutrina e a jurisprudência, incluindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, têm considerado constantemente que “a apreciação genérica e tabelar por parte do relator dos aspectos formais relacionados com a admissibilidade ou com o regime do recurso não produz efeitos de caso julgado formal, não precludindo a possibilidade de posterior pronúncia em sentido diverso” [1].


23. Como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 16 de Outubro de 2003 — processo n.º 03B2797 —, “O despacho do Relator de admissão do recurso no tribunal superior é sempre de carácter provisório, por ser livremente modificável pela conferência, por iniciativa do próprio Relator, dos seus Adjuntos e até das próprias partes, sem que tal represente postergação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional […] ou violação do princípio do caso julgado formal […]”.


24. Esclarecida a improcedência do argumento deduzido do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, deverá apreciar-se a questão da admissibilidade do recurso de revista atendendo essencialmente ao art. 671.º do Código de Processo Civil.


25. O art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil determina que “cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.


26. Ora a regra do art. 671.º, n.º 1, tem como corolário que, em regra, não é admissível recurso de revista de acórdão da Relação que não admita o recurso de apelação [2].


27. O caso típico é o do recurso de revista contra um acórdão da Relação que confirme o despacho proferido pelo Relator de não admissão do recurso de apelação: em primeiro lugar, o acórdão da Relação que indefere uma reclamação contra um despacho do relator que não admite o recurso de apelação não é um acórdão que conheça do mérito da causa e, em segundo lugar, não é um acórdão que ponha termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos” [3] [4].


28. Entre os casos em que não é admissível recurso dos acórdãos da Relação que “ponham termo ao processo” por razões formais estão “os casos despoletados a partir da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de apelação proferido pelo relator na Relação”, e a que nunca se consagrou a possibilidade de, a partir da reclamação contra o despacho, “se projectar a interposição de recurso de revista” [5].


29. O raciocínio procede a pari para os acórdãos da Relação que não admitem o recurso de apelação, ainda que não tenham sido “despoletados” a partir da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de apelação proferido pelo relator na Relação — o facto de não ter sido proferido um despacho pelo Relator não faz com que o acórdão da Relação que não admite o recurso de apelação conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.


30. A Autora, agora Recorrente, alega que há uma diferença entre os casos em que o acórdão da Relação tenha e os casos em que o acórdão da Relação não tenha sido determinado por uma reclamação contra o despacho de não admissão de recurso de apelação.

Enquanto, no primeiro caso, teria sido garantido o duplo grau de jurisdição — atendendo a que a questão foi apreciada pelo Relator e, como corolário da reclamação, foi apreciada pela Conferência —; no segundo caso, não teria sido garantido o duplo grau de jurisdição — atendendo a que a questão foi, tão-só, apreciada pela Conferência.


31. O argumento não procede por, pelo menos, duas razões:


32. Em primeiro lugar, o art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil convoca o critério do conteúdo da decisão impugnada, desvalorizando a circunstância de a questão da admissibilidade ou da inadmissibilidade do recurso ter sido apreciada por duas vezes — pelo Relator e pela Conferência — ou por uma vez, e só por uma vez — pelo Colectivo.


32. Em segundo lugar, a circunstância de a questão da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso ter sido apreciada por duas vezes — pelo Relator e pela Conferência — é irrelevante para efeitos de ter ou de não ter sido garantido o duplo grau de jurisdição.


33. Entre os pontos mais ou menos consensuais está o de que a reclamação para a conferência não é, ou não é essencialmente, uma forma de impugnação da decisão singular:

“mais do que … uma forma de impugnação da decisão singular, trata-se na reclamação para a conferência de uma instrumento que visa a substituição dessa decisão singular por uma outra, com intervenção do colectivo” [6].


34. Finalmente, o facto de não ser admissível recurso de revista do acórdão da Relação que não admita o recurso de apelação não significa que o Supremo Tribunal de Justiça não possa nunca pronunciar-se sobre a interpretação das disposições legais relevantes.


35. Em desvio à regra do art. 671.º, n.º 1, é admissível recurso de revista de acórdão da Relação que não admita o recurso de apelação, desde que esteja preenchida alguma das previsões excepcionais do art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.


36. Entre as previsões excepcionais do art. 629.º, n.º 2, está a previsão da alínea d): 

“[…] é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme” [7].


37. O recorrente terá, em todo o caso, o ónus de indicação do fundamento específico de recorribilidade.


38. O art. 637.º, n.º 2, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

“O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.


39. Ora, em concreto, a Autora, agora Recorrente, AA não indicou nenhum fundamento específico de recorribilidade — não indicou, p. ex., nenhuma contradição jurisprudencial relevante para efeitos do art. 629.º, n.º 2, alínea d).


40. A Autora, agora Recorrente, alega que

“… a eventual decisão desse Supremo Tribunal de julgar o recurso inadmissível, traduzir-se-ia numa negação do direito a um segundo grau de jurisdição.

Decisão de todo inadmissível no nosso ordenamento jurídico – desde logo porque violadora do disposto nos artigos 13.º (princípio da igualdade) e 20.º, n.º 1 (acesso ao direito e aos tribunais) e, ainda, dos artigos 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ex vi art. 8.º da Lei Fundamental)”.


41. O Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça têm chamado constantemente a atenção para que “o legislador dispõe de ampla margem de conformação do regime de recursos” [8] e para que “a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de actos jurisdicionais” [9].


42. Ora a conformação legislativa do direito de recurso, em termos de não admitir recurso de revista de decisões que não conhecem do mérito da causa ou não põem termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”, ou de só admitir o recurso de revista desde que esteja preenchida alguma das previsões excepcionais do art. 629.º, n.º 2, e desde que o recorrente indique qual das previsões excepcionais do art. 629.º, n.º 2,, cumprindo o ónus do art. 637.º, n.º 2, não é nem uma redução arbitrária, nem uma redução intolerável do conteúdo do direito ao recurso [10].


III. — DECISÃO

Face ao exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso.

Custas pela Recorrente AA.


Lisboa, 5 de Maio de 2022


Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_______

[1] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 652.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 6.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 287-306 (288).

[2] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 643.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 6.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 224-232 (229) — chamando a atenção para que “jamais esteve consagrada a possibilidade de intervenção regular do Supremo numa questão em torno da admissibilidade do recurso de apelação”.

[3] Cf. acórdãos do STJ de 19 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 3175/07.4TBVCT-B.G1-A.S1 —, de 21 de Fevereiro de 2019 — processo n.º 27417/16.6T8LSB-A.L1.S2 —, de 10 de Dezembro de 2019 — processo n.º 4154/15.3T8LSB-C.L1.S2 —, de 25 de Fevereiro de 2021 — processo n.º 12884/19.4T8PRT-B.P1-A.S1 —, de 28 de Outubro de 2021 — processo n.º 2743/17.0T8GMR-D.G1.S1 — e de de 9 de Dezembro de 2021 — processo n.º 2290/09.4TJPRT-B.P1.S1.

[4] Em termos semelhantes, vide o acórdão do STJ de 3 de Novembro de 2020 — processo n.º 1560/13.1TBVRL-N.G1.S1: “Não admite recurso de revista o acórdão da Relação que confirme o despacho do relator que rejeite o recurso de apelação, por ilegitimidade do apelante, terceiro num procedimento cautelar”.

[5] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 671.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 347-376 (353 — nota n.º 507).

[6] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 652.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 6.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 287-306 (302).

[7] Cf. designadamente acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 3175/07.4TBVCT-B.G1-A.S1.

[8] Cf. acórdão do STJ de 6 de Junho de 2019 — processo n.º 143/11.5TBCBT.G1.S2. [9] Cf. acórdão do STJ de 26 de Novembro de 2019 — processo n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1.

[10] Cf. acórdão do STJ de 6 de Junho de 2019 — processo n.º 143/11.5TBCBT.G1.S2.