Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3009/15.6TPRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
RESOLUÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
LUCRO CESSANTE
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
BOA FÉ
EXPETATIVA JURÍDICA
CONTRATO DURADOURO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA, REPRISTINANDO A DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Celebrado um contrato de arrendamento rural, que por força da lei, tem um prazo contratual mínimo de 7 anos, e tendo ocorrido resolução do mesmo antes do prazo mínimo (ao fim de 2 anos), resolução considerada justificada, discute-se se existe direito a indemnização por dano contratual positivo ou apenas negativo.

II. De acordo com a jurisprudência, em casos excecionais, é admissível o ressarcimento pelos danos positivos em casos de resolução do contrato, o que implica uma análise casuística, à luz do princípio da boa-fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado, e não uma afirmação generalizada.

III. Na situação concreta destes autos em que as partes pretenderam celebrar o contrato apenas por um ano, não obstante a cessação prematura do contrato se ter ficado a dever a um incumprimento definitivo e culposo dos Recorrentes do conteúdo precetivo do contrato, não se vislumbra, qualquer expetativa jurídica da Recorrida quanto à duração prolongada do contrato.

IV. Admitir, no caso, que a resolução se compagine com o interesse contratual positivo na vertente dos lucros cessantes introduziria uma nota de desequilíbrio na relação de liquidação atentatória dos ditames da boa-fé, na medida em que na relação contratual duradoura que foi estabelecida nenhuma confiança da contraente adimplente resultou frustrada.

V. Em alternativa à resolução sempre podia ter sido pedido o cumprimento do contrato.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


           

I. Relatório

1. QSV - Sociedade Agrícola, S.A. instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e marido, BB [ambos falecidos na pendência da causa e representados pelos seus sucessores, devidamente habilitados, CC, DD, EE e FF], pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €137 649,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 20/12/13 até integral reembolso.

Alega, em síntese, que:

- Em 30/11/11, celebrou com os réus, por escrito, contrato de arrendamento rural, mediante o pagamento da renda anual de € 11 000,00, do prédio rústico denominado Quinta..., situado em ..., ..., incluindo a adega aí existente e todos os equipamentos e utensílios existentes no locado, com vista à produção vitivinícola;

- Dedica-se à atividade vitivinícola com o escopo lucrativo, apenas tendo celebrado o referido contrato porque as condições contratadas lhe permitiam a obtenção de lucro;

- Os terrenos e as vinhas dadas de arrendamento encontravam-se em mau estado de tratamento e conservação fitossanitária, o que exigiu à Autora, logo após a outorga do contrato, investimento e despesa diversos, com o objetivo de, no futuro, recuperar o investimento feito;

- Por imperativo legal, o contrato tinha o prazo mínimo de duração de 7 anos;

- Os Réus receberam e fizeram seus os subsídios/apoios públicos à exploração do prédio que se destinavam à Autora, permitiram ameaças à integridade física do legal representante da Autora e dos empregados desta, impediram o acesso da Autora ao locado, e não lhe entregaram a chave da adega, o que a impediu de produzir vinho, assim sofrendo significativa perda de rendimento;

- Os Réus permitiram que terceiro utilizasse os equipamentos e utensílios existentes no locado, assim causando prejuízos à Autora;

- Por carta de 2/07/13, os Réus comunicaram à Autora a resolução do contrato, e passaram a impedir a sua utilização pela Autora, resolução que não cumpriu os formalismos legalmente impostos;

- Não obstante, os Réus foram continuando a receber a renda contratualmente acordada, acabando por, por cartas de 1/08/13 e 8/11/13 comunicar à Autora a denúncia do contrato, que pretendiam eficaz a 30/11/13, a qual é ineficaz por não respeitar o prazo de 7 anos nem o pré-aviso de 1 ano e por a obrigatoriedade de restituição apenas operar no fim do ano agrícola em curso;

- A partir desse momento, a Autora foi totalmente impedida de utilizar o locado;

- Tendo notificado os Réus para o cumprimento do contratado, e face à manutenção da posição destes, foi a Autora a comunicar a resolução do negócio, exigindo o pagamento de indemnização por danos causados;

- A Autora executou tarefas no locado, suportou despesas e realizou investimentos – que discriminou e quantificou – com vista à obtenção da melhor produção possível, investimentos cujo retorno previa que ocorrer nos anos subsequentes, tendo dele sido privado pela conduta dos Réus.

- Os Réus formularam pedido de arresto sem qualquer fundamento, com o que causaram prejuízos à autora, “que terão de ser liquidados em execução de sentença”.

2. Citados os Réus, vieram contestar, impugnando os factos alegados pela Autora, designadamente, alegando, em síntese:

- As partes tiveram a intenção de celebrar um arrendamento de campanha, pelo prazo de 1 ano, renovável por períodos idênticos;

- Em finais de 2013, tomaram conhecimento que o locado se encontrava em mau estado de conservação e limpeza, designadamente não tinham sido executados diversos trabalhos – que descrevem –, o que prejudicou a capacidade agrícola do arrendado e as colheiras futuras;

- No momento da entrega do locado, este encontrava-se em bom estado de conservação, tendo recentemente sido realizada a integral replantação e enxertia do americano;

- Por carta de 11/04/13, e ao longo do mês de maio de 2013, os Réus interpelaram a autora no sentido do cumprimento das suas obrigações contratuais, mas a autora não alterou a sua conduta;

- Comunicaram a denúncia do contrato após a comunicação da resolução, por mera cautela, respeitando o pré-aviso contratualmente fixado;

- A 8/12/13, interpelaram a Autora para pagar o prejuízo causado pela sua conduta, o que aquela recusou;

- Em outubro de 2013, a Autora realizou a vindima do arrendado, fazendo seu o respetivo produto e abandonando o locado, deixando este mal tratado e com sinais evidentes de falta de manutenção, danos para cuja reparação os Réus se viram obrigados a suportar diversos custos, e que se irão refletir nos próximos anos de colheita.

Deduziram ainda reconvenção, pedindo a condenação da Autora e de GG – que interveio no contrato na qualidade de fiador da Autora e cuja intervenção principal pediram – a pagar-lhes a quantia de €10 625,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral reembolso.

Como fundamento do pedido reconvencional, reafirmaram que a Autora recebeu o locado, em 2011, em bom estado de conservação e o restituiu, em 2013, degradado e mal tratado, alegando que tal originou um decréscimo de produção de 25%, lesando a capacidade produtiva do locado; alegaram, ainda que executaram diversos trabalhos de manutenção, em substituição da Autora.

3. A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção.

4. Foi admitida a intervenção principal provocada de GG.

O interveniente apresentou articulado próprio, invocando a inadmissibilidade legal da intervenção e a sua ilegitimidade, alegando que a fiança foi dada apenas quanto à obrigação de pagamento da renda e declarando fazer seus os articulados da autora.

5. Os Réus pronunciaram-se sobre as exceções suscitadas pelo interveniente.

6. A reconvenção foi admitida e foi fixado à ação o valor de € 148 274,00.

7. No despacho saneador, foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias de inadmissibilidade da intervenção e de ilegitimidade processual do interveniente.

8. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que:

I - Julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou os Réus a pagarem à Autora os custos por esta suportados com a exploração dos terrenos da “Quinta...” que não tenham sido necessários às colheitas dos anos de 2012 e 2013, com o limite de € 53 703,71, quantia a liquidar em decisão ulterior;

II - Julgou a ação improcedente na parte restante;

III - Julgou a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo na íntegra os reconvindos do pedido contra si formulado pelos reconvintes.

9. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....

10. O Tribunal da Relação ... veio a proferir Acórdão, com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se, em parte, a sentença recorrida e, em consequência: - Condenam-se os réus a pagarem à autora a quantia a liquidar, correspondente ao lucro líquido que aufeririam de 01.01.14 a 30.11.18, proveniente da exploração dos terrenos da “Quinta...”, com o limite de € 96.500,00 (noventa e seis mil e quinhentos euros); - Mantém-se o mais que foi decidido.”

11. Inconformados com tal decisão, vieram os Réus interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

A) Afirma o acórdão recorrido que a sentença recorrida transitou em julgado na parte em que concluiu pela aplicação ao contrato de arrendamento rural celebrado entre a autora e os réus do prazo contratual mínimo de 7 anos imposto por lei, pelo que o contrato manter-se-ia em vigor até 30.11.18, período durante o qual a autora exploraria os terrenos da “Quinta...”, vendendo as colheitas de uva e daí retirando o respectivo lucro, com fez em 2012 e 2013.

B) O Acórdão recorrido desconsidera ter resultado provado que “No acordo referido em 1- expressamente consta que a natureza do contrato é o de campanha, sendo indicado 1 ano como prazo do contrato, o que correspondia à vontade das partes.” (facto 5) e que A autora, antes de assinar o contrato referido em 1-, sabia que os réus não pretendiam dar de arrendamento os terrenos da “Quinta...” por prazo superior a 1 ano.

C) Do que antecede em B e sendo a Recorrida uma sociedade Agrícola, a sua expectiva era a de poder explorar os terrenos da “Quinta...” pelo prazo de um ano, renovável, tal como era essa a expectativa dos pais dos Recorrentes primitivos Réus.

D) O facto deste tipo de contrato de arrendamento - cultura perenes - ter prazo imperativo de 7 anos não muda que a expectativa de negócio da Recorrida, porque é muito claro o que as partes negociaram e quiseram e que foi condição da celebração deste contrato.

E) Percorridos os autos resulta muito claro que a Recorrida só se lembrou de invocar a imperatividade da lei – contra o que expressamente havia negociado – quando se desentendeu com os pais dos Recorrentes e resolveu o contrato.

F) Provada que era esta a expectativa de duração do negócio (1 ano), a decisão recorrida não tem fundamento para afirmar que à recorrida assiste o direito à indemnização por lucros cessantes até ao limite dos 7 anos previstos na lei.

G) Em consonância com a real expectativa da Recorrida quanto ao prazo de duração do contrato, resulta clara dos factos provado sob os números 26 a 34 cotejados com as obrigações assumidas na cláusula 6 do contrato de arrendamento, o fraco investimento que a Recorrida fez na Quinta... ao longo dos 2 anos de duração do contrato (2012 e 2013). O que estava ao nível da expectativa anual que negociara e contratara.

H) Não podendo por isso a Recorrida, beneficiar da tutela pelo interesse contratual positivo.

I) Sem prescindir, se no caso concreto, for sufragado o entendimento da possibilidade de condenação no pagamento de lucros cessantes então o novo limite absoluto será de 96.500,00€ e não de 96.500,00€ a título de lucros cessantes, mais o limite de 53.703,71€ a título de reintegração das despesas de investimento (que não tenham sido necessárias à obtenção da produção de 2012 e 2013).

J) Pela decisão da primeira instância Réus terão de reintegrar a Autora pelos custos incorridos que extravasem os necessários à exploração de 2012 e 2013, ditos de investimento; pelo Acórdão os Réus, terão também de indemnizar pelo montante “que deve corresponder ao lucro líquido que a autora auferiria durante período temporal acima definido, ou seja, ao valor obtido com a venda da produção de uva deduzida das despesas e encargos tidos com essa produção, até ao limite de 96.500,00, ...”.

K) Ou bem que a Recorrida recebe o lucro cessante líquido absoluto, ie, [Proveitos – (custos correntes + custos de investimento)] de 01.0.2014 a 30.11.2018; Ou bem que é reintegrada pelas despesas efectivamente realizadas que não possam ser consideradas necessárias para a obtenção da produção nos dois anos que o contrato efectivamente durou.

L) No caso concreto ocorre impossibilidade cumulação da indemnização pelo interesse contratual negativo e positivo, pois tal redundaria em enriquecimento da Recorrida.

M) Deve por isso ficar claro que o Acórdão recorrido deve ser entendida como obrigação de pagamento Apenas do lucro líquido absoluto = [proveitos – (custos correntes + custos de investimento)] de 01.0.2014 a 30.11.2018.

N) Embora o Acórdão afirme decidir pela admissibilidade de cumulação dos interesses contratuais negativo e positivo, materialmente a opção tomada foi a de obrigar os Recorrentes a indemnizar apenas pelo interesse contratual positivo. O que deve ser declarado.

O) A obrigação de pagamento dos custos suportados pela Recorrida com a exploração que não tenham sido necessários às colheitas dos anos de 2012 e 2013, com o limite de € 53.703,71, acrescida do lucro líquido = (proveitos – custos correntes), redundando em enriquecimento ilegítimo da Recorrida, permitindo-lhe ser reintegrada pelas despesas de investimento a que se comprometeu pelo contrato e que eram as necessárias para que a vinha mantivesse a capacidade produtiva que tinha no início do contrato.

12. A Autora contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª A decisão de primeira instância já transitou em julgado no que concerne à natureza e ao prazo de 7 anos do contrato;

2.ª E também já transitou em julgado o entendimento de que o contrato foi válida e eficazmente resolvido pela Autora/Recorrida, face ao incumprimento definitivo e doloso praticado pelos Réus/Recorridos;

3.ª Tal entendimento conduziu à condenação dos Réus/Recorrentes, em primeira instância, no pagamento à Autora/Recorrida dos custos suportados no locado, em referência aos cinco anos remanescentes do contrato em que não pôde usufruir desses mesmos gastos, face ao incumprimento contratual;

4.ª E, dessa decisão, os Réus/Recorrentes não interpuseram recurso;

5.ª Portanto, os Réus/Recorrentes admitem danos emergentes da Autora/Recorrida relativamente aos cinco anos remanescentes da duração do contrato, mas, apenas porque aqui lhes convém, já não concebem que, se a Autora/Recorrida investiu no locado tendo em vista esse período, teria como expectativa a obtenção de lucros para o mesmo período;

6.ª Entendimento que é, no mínimo, incoerente, para não dizer oportunista;

7.ª E, se está assente a celebração de um contrato de arrendamento rural pelo período de 7 anos, tem a Autora/Recorrida direito a uma indemnização que a cautele os danos emergentes e os lucros cessantes, única via de garantir equilíbrio contratual, perante o incumprimento contratual doloso levado a cabo pelos Réus/Recorrentes;

8.ª A indemnização pelo interesse contratual negativo, ou seja, indemnização que abarque os danos emergentes, não é sequer objecto de recurso nem de discussão entre as partes

9.ª Os Recorrentes, em boa verdade até demonstram concordar com a decisão da Recorrida ser ressarcida pelo interesse contratual positivo, relativa aos lucros cessantes;

10.ª O legislador não impede a indemnização em caso de resolução do contrato pelo interesse contratual positivo;

11.ª E só mediante o direito a essa compensação é que tem a credora (Autora/Recorrida) a real possibilidade de resolver o contrato face ao incumprimento imputável aos devedores (Réus/Recorrentes), sem que tal signifique uma renúncia aos lucros frustrados pelo não cumprimento;

12.ª Tendo as partes celebrado um contrato de arrendamento rural pelo período de 7 anos, e tendo a Autora/Recorrida gasto uma determinada importância em despesas tidas por necessárias para todo esse período temporal, em vista à obtenção de um certo lucro pelo mesmo período, não se vislumbra motivo para apenas poder pedir o quantitativo dessas despesas, e não também o lucro cessante positivo;

13.ª Só mediante a cumulação do interesse contratual negativo e do interesse contratual positivo na indemnização a atribuir à Autora/Recorrida é que é possível aquela ver-se integralmente ressarcida dos danos sofridos, ponderado o equilíbrio contratual e o princípio da boa fé;

14.ª Pois que, em contrário, estariam então os Réus/Recorrentes a obter um benefício injustificado, podendo mesmo dizer-se que o incumprimento contratual lhes compensou;

15.ª E não se admite o entendimento desmedido invocado pelos Réus/Recorrentes quando alegam que a condenação, por um lado, nos gastos já investidos no locado (danos emergentes) e, por outro, naquilo que a Autora/Recorrida deixou de auferir pela impossibilidade de manutenção do contrato (lucros cessantes), geraria um enriquecimento ilegítimo à Autora/Recorrida;

16.ª A Autora/Recorrida, consequência do incumprimento contratual imputável aos Réus/Recorrentes, viu frustrados os gastos investidos no locado pelo período remanescente de duração do contrato (cinco anos). A tutela do interesse contratual negativo abrange, assim, os danos emergentes, e justifica-se na medida em que tem a Autora/Recorrida o direito (e os Réus/Recorrentes o dever) a ser restituída das quantias despendidas e às quais não pôde dar qualquer utilidade, cfr. artigos 801º, 433º e 289º do Código Civil;

17.ª Por seu turno, não fosse o incumprimento contratual dos Réus/Recorrentes que resultou numa cessação do contrato celebrado, pela exploração do locado, a Autora/Recorrida iria obter respetivos lucros nos cinco anos que faltavam para o termo do contrato, o que não logrou por ação dolosa praticada pelos Réus/Recorrentes. Neste panorama, a tutela contratual positiva engloba lucros cessantes e justifica-se no sentido de colocar a Autora/Recorrida em situação idêntica à que se encontraria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido pelos Réus/Recorrentes, cfr. artigos 562º e 564º do Código Civil;

18.ª A perfilhar-se o entendimento dos Recorrentes, os infractores (os agora Recorrentes) são beneficiados, em comparação com a lesada, gerando uma situação de que o crime compensa.

19.ª A vencer essa posição, na prática de ora em diante, a imperatividade de duração do contrato de arrendamento rural, passa a ser uma miragem, na medida em que, a segurança que o arrendatário necessita para investir e trabalhar numa actividade duradoura pode a todo o tempo terminar, porquanto, o senhorio pode a todo o tempo pôr ilicitamente fim ao contrato, uma vez que, na pior das hipóteses só tem de pagar as despesas de investimento que o arrendatário fez.

E, nesse caso, se o Senhorio (aqui recorrentes) só tem de ressarcir as despesas de investimento, então, na verdade, incumpre mas não tem qualquer sanção, uma vez que as despesas de investimento que terá de pagar, estão e fazem parte integrante do locado e o Senhorio vai delas beneficiar nos anos vindouros.

Este, entendimento, tem assim o condão de esvaziar a segurança jurídica da imperatividade dos 7 anos de duração do contrato de arrendamento agrícola, protege o infractor em detrimento do lesado e gera uma situação de enriquecimento sem causa dos Recorrentes.

20.ª Na prática, tal entendimento, reconduz as consequências da violação e resolução de um contrato vinculado a 7 anos de duração a um mero contrato de prestação de serviços.

21.ª Da tese dos Recorrentes resulta que, se os mesmos tivessem contratado a terceiros a prestação dos mesmos serviços que a Recorrida efectuou na “Quinta...” iria pagar o mesmo ou mais dinheiro do que a indemnização que tem de pagar à Recorrida por ter incumprido com o contrato. Isto porque,na realidade essa posição limita (a nosso ver errada e ilicitamente) o ressarcimento dos danos da Recorrida às despesas de investimento que a mesma teve no locado.

21.ª Na prática se os Recorrentes durante dois anos tivessem explorado diretamente a propriedade tinham que pagar as mesmíssimas despesas e de que beneficiam hoje e nos anos vindouros.

22.ªOqueseriageradordeumenormedesequilíbrioemfavordolesanteeemprejuízodolesado

23.ª Essa posição coloca injustificadamente o credor aqui Recorrida, que com fundamento no contrato (no caso um contrato de arrendamento vinculado por 7 anos) pensava ter assegurado o lucro que resultaria do cumprimento e que foi frustrado pelo inadimplemento dos Recorrentes, perante uma alternativa limitativa, injusta, desproporcional e até contrária à boa-fé e à segurança jurídica (que contradiz a liberdade de vinculação e a fidelidade contratual).

24.ª É exactamente a possibilidade da Recorrida ser ressarcida também pelos lucros cessantes, que evita um desequilíbrio do vínculo contratual em resultado do incumprimento dos Recorrentes e, não a posição seguida pelos Recorrentes.

25.ª A Autora tem, assim, direito a danos emergentes e a lucros cessantes, figuras totalmente distintas e a liquidar autonomamente;

26.ª Não é sequer decifrável o facto de os Réus/Recorrentes conceberem a cumulação da indemnização pelo interesse contratual positivo e negativo, mas, nesse caso, peticionarem um resultado prático mais lesivo à Autora/Recorrida e mais vantajoso aos Réus/Recorrentes do que aquele que lograriam em caso de condenação exclusiva pelo interesse contratual negativo;

27.ª Se a lógica dos Réus/Recorrentes fosse percorrida pelo tribunal ad quem, tal significaria que a Autora/Recorrida nem iria ser sequer ressarcida pelo interesse contratual negativo;

28.ª É patente, pois, que a tese dos Recorrentes conduziria a um empobrecimento ilegítimo da Recorrida, em detrimento de um enriquecimento ilegítimo dos Recorrentes.

29.ª Ao contrário do que alegam os Recorrentes, a Recorrida, não só pode, como deve ser acautelada, também, pelo interesse contratual positivo, devendo os Recorrentes ser condenados no pagamento das quantias que se vierem a liquidar, autonomamente, em relação aos danos emergentes, por um lado, e aos lucros cessantes, por outro, só assim se assegurando equilíbrio contratual e inteira justiça, face ao incumprimento definitivo e culposo dos Recorrentes quanto ao contrato de arrendamento rural que, por imperativo legal, deveria ter tido a duração de, pelo menos, sete anos!

30.ª Por conseguinte, não merece qualquer crítica a decisão recorrida, sendo a mesma sã jurisprudência, e, na qual nos louvamos.

E conclui pela improcedência do recurso.

13. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Réus / ora Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão:

- Do direito de indemnização da Recorrida pelos lucros cessantes integrantes do interesse contratual positivo.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. Por escrito datado de 30.11.11, a autora, a ré AA, e o falecido BB, celebraram contrato de arrendamento rural pelo qual os segundos deram de arrendamento à autora, mediante o pagamento da renda anual de € 11.000,00, o prédio rústico denominado “Quinta...”, situado na ..., ..., incluindo a adega e todos os equipamentos e utensílios que se encontravam no arrendado. [artigos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 9.º a 14.º, 22.º, 23.º, 24.º, 27.º, 28.º, 29.º, 71.º e 74.º da contestação]

1.2. A “Quinta...” tem vinhas, e o acordo referido em 1- destinou-se ao exercício pela autora da actividade de produção vitivinícola, incluindo o respectivo cultivo e colheita. [artigos 3.º e 17.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 29.º e 128.º da contestação]

1.3. A autora pagou todas as rendas devidas no âmbito do contrato referido em 1-. [artigos 6.º e 69.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 30.º e 128.º da contestação]

1.4. A autora decidiu outorgar o contrato referido em 1- porque pretendia exercer a actividade (a que a autora se dedica) de produção vitivinícola na “Quinta...” por forma a gerar lucro, com livre acesso aos terrenos agrícolas dos senhorios destinados à actividade de viticultura, e o uso e fruição exclusivo das máquinas agrícolas descritas no contrato. [artigos 7.º a 9.º da petição inicial; matéria parcialmente aceite no artigo 129.º e parcialmente impugnada no artigo 136.º, ambos da contestação]

1.5. No acordo referido em 1- expressamente consta que a natureza do contrato é o de campanha, sendo indicado 1 ano como prazo do contrato, o que correspondia à vontade das partes. [artigo 16.º da petição inicial; artigos 15.º a 18.º e 143.º a 160.º da contestação]

1.6. Nas culturas perenes, como é o caso da vinha, o plantio faz-se e aguarda-se que a planta atinja a maturidade e produção, o que não acontece antes dos 4 anos, até lá sendo necessário realizar um conjunto de trabalhos agrícolas, cujo integral retorno apenas ocorre ao fim de anos. [artigo 20.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

1.7. Em meados de 2013 o filho dos senhorios comunicou à autora que havia um interessado na aquisição do imóvel arrendado, mas a existência de um contrato de arrendamento rural poderia inviabilizar a venda. [artigo 26º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

1.8. Em meados de 2013 o acesso à “Quinta...”, e aos terrenos objecto do acordo referido em 1-, foi por mais de uma vez encerrado (nomeadamente com correntes), com o objectivo de impedir a entrada da autora. [artigos 33.º e 34.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

1.9. Designadamente, a 15.07.13, porque estava a ser impedida de aceder ao locado, e com receio pelo estado de exaltação que então apresentava o caseiro dos autores, HH, a autora chamou a GNR ao local. [artigo 34.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

1.10. Nas alturas referidas em 8- e 9- a autor teve custos com a sua deslocação, e com a deslocação de trabalhadores, ao local. [artigo 36.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

1.11. Apesar de a autora ter informado os representantes dos senhorios (designadamente o filho destes DD) do referido em 8- e 9-, estes nada fizeram. [artigos 38.º e 39.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

1.12. A autora jamais teve acesso à adega do locado, espaço que a autora não pode utilizar para armazenar, transformar e/ou comercializar produtos. [artigos 40.º, 41.º e 52.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

1.13. O caseiro dos réus, HH, em diversas ocasiões utilizou os equipamentos existentes no locado. [artigos 45.º e 46.º da petição inicial; matéria impugnada nos artigos 137.º e 212.º da contestação]

1.14. Por carta datada de 02.07.13, os réus comunicaram à autora a resolução do contrato referido em 1-, com efeito imediato. [artigo 48.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 97.º e 128.º da contestação; documentos que constam de fls. 84 e 85 e 264].

1.15. A autora respondeu por carta datada de 09.07.13, negando incumprimentos da sua parte, suscitando a ilegalidade da actuação dos réus e opondo-se à resolução do negócio. [artigo 51.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação; documento que consta de fls. 40 a 43].

1.16. Mesmo após a comunicação referida em 14- os réus continuaram a receber a renda da autora. [artigo 53.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 30.º e 128.º da contestação].

1.17. Por cartas datadas de 01.09.13 e 08.11.13, os réus comunicaram à autora a denúncia do contrato referido em 1-, com efeito a 30.11.13. [artigo 54.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 105º a 110º da contestação; documentos que constam de fls. 86 a 88 e 265, verso, a 269].

1.18. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 20.12.13, a autora comunicou aos réus a resolução do contrato de arrendamento referido em 1-, e exigiu dos réus pagamento de indemnização no valor global de € 63.999,71. [artigo 63.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 115.º e 116.º da contestação; documento que consta de fls. 74 a 77]

1.19. A actividade agrícola tem calendário de actividades que se vão efectuando ao longo do ano, e conforme o que as condições atmosféricas permitem. [artigo 73.º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação].

1.20. No período em que explorou os terrenos da “Quinta...”, a autora aí levou a cabo:

a. manutenção e reparação das máquinas indicadas no acordo referido em 1-;

b. limpeza dos valados;

c. limpeza das vinhas;

d. poda das vinhas;

e. enxertia em cerca de 5500 pés de vinha;

f. aplicação de herbicidas;

g. esticou arames e colocou postes;

h. tratamentos fitossanitários, adubações, correcções e outros;

i. preparação da “retancha” da vinha para plantação de bacelos já enxertados. [artigos 75.º, 82.º, 83.º e 85.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação].

1.21. Na pendência do contrato referido em 1- a autora colheu, nos terrenos da “Quinta...”, em 2012, cerca de 100 toneladas de uva, e, em 2013, cerca de 75 toneladas de uva. [artigo 78.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação].

1.22. Com os trabalhos referidos em 20- a autora gastou, pelo menos, € 43.532,00. [artigo 86.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação].

1.23. Com a reparação de máquinas indicadas no acordo referido em 1- (designadamente tractor da marca ... e o pulverizador) a autora despendeu a quantia global de € 1.124,71. [artigo 87.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

1.24. Os réus formularam em juízo, contra a autora, pedido de arresto para garantia de € 8.200,00, que correu termos sob o nº 691/13.... pela instância local ... da comarca ..., tendo sido deferido sem audiência prévia da aqui autora, arresto de que os réus desistiram após dedução de oposição pela aqui autora. [artigo 96.º da petição inicial; matéria expressamente reconhecida nos artigos 233.º a 235.º da contestação].

1.25. A autora, antes de assinar o contrato referido em 1-, sabia que os réus não pretendiam dar de arrendamento os terrenos da “Quinta...” por prazo superior a 1 ano. [artigo 21.º da contestação]

1.26. Em Junho de 2013 a autora não havia realizado a totalidade da replantação e enxertia necessárias nos terrenos da “Quinta...”, trabalhos que não chegou a executar. [artigos 37.º, 43.º, 48.º e 49.º da contestação]

1.27. Em Junho de 2013 pelo menos algumas das arribadas dos terrenos da “Quinta...” não estavam roçadas, pelo menos alguns dos rebentos de americano à volta das cepas encontravam-se por limpar, e uma parcela apresentava falta de magnésio. [artigos 38.º, 40.º e 251.º da contestação]

1.28. Todos os anos parte das videiras plantadas vão morrendo, deixando o respectivo espaço livre, pelo que, para que a vinha mantenha a mesma produtividade, torna-se necessário substituir plantas mortas por plantas novas (“retancha”), e proceder à enxertia das plantas que se encontram boas. [artigos 61.º a 63.º da contestação]

1.29. Sem enxertia a videira não produz uvas aptas para a vindima e para a produção de vinho. [artigo 66.º da contestação]

1.30. Os réus, através do seu filho DD, a 11.04.13 remeteram à autora a comunicação electrónica cuja cópia consta de fls. 260, onde é transmitida preocupação pela não realização, ou realização indevida, de tratamentos nos terrenos da “Quinta...”. [artigo 83.º da contestação].

1.31. Os réus, através do seu filho DD, a 30.05.13 remeteram à autora a comunicação electrónica cuja cópia consta de fls. 263, verso, na qual comunicam a falta e trabalhos como enxertia, reposição e limpeza de arribadas. [artigo 89.º da contestação]

1.32. Após Dezembro de 2013 os terrenos da “Quinta...” incluídos no contrato referido em 1- tinham parcelas com grande quantidade de plantas infestantes. [artigo 250.º da contestação].

1.33. Em Dezembro de 2013, e no decurso do ano de 2014, os réus contrataram terceiro para proceder à colocação de paus para apoio dos arames dos esteios, que se encontravam caídos, replantar e enxertar americano, e repor bacelo. [artigos 261.º a 264.º da contestação]

1.34. Com o que suportaram um custo de € 5.000,00 [artigos 266.º e 267.º da contestação].

2. E deram como não provados os seguintes factos:

2.a. a autora, ao celebrar o contrato referido em 1-, tenha pretendido utilizar a adegada do locado; [artigo 7º da petição inicial; matéria impugnada pela versão dos factos invocada na contestação, globalmente considerada]

2.b. no momento da entrega dos terrenos da “Quinta...” à autora, os terrenos que compunham esta estivessem em mau estado de tratamento e de condições fitossanitárias (vinhas infectadas pela escoriose, míldio, oídio e traça); e que tal tenha exigido à autora, logo após a celebração do negócio, grande esforço inicial de investimento e despesa (com mão-de-obra; tratamentos; correcções dos solos; intervenções; reparações de máquinas agrícolas; valados e muros de sustentação; podas; sulfatações; e pulverizações); [artigo 11.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.c. as colheitas pela autora feitas nos terrenos da “Quinta...” tenham atingido registos muito superiores aos que a quinta produzia antes de ter sido arrendada à autora; [artigo 13.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.d. na altura da comunicação referida em 7- a autora não tenha aceite a ideia de cessação do contrato referido em 1- caso a “Quinta...” viesse a ser vendida; [artigo 27.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.e. os réus tenham indevidamente recebido subsídios/apoios comunitários à exploração (medidas agro-ambientais e para manutenção de socalcos no Douro) que deveriam ter sido recebidos pela autora; [artigos 28.º e 29.º da petição inicial; matéria impugnada nos artigos 137.º e 163.º a 174.º da contestação]

2.f. por força dos factos referidos em 8- e 9- a autora tenha sido impedida de realizar tratamentos na vinha que era importante efectuar nessas alturas; [artigo 36.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.g. por força do referido em 8- e 9-, a autora (o seu administrador e pessoal), tenham passado a ter receio de ir trabalhar no locado; [artigo 37.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.h. por força do referido em 12- a autora tenha sofrido perda de rendimento ou tenha suportado custos acrescidos; [artigos 42.º e 88.º a 92.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.i. a autora apenas tenha decidido não produzir vinho com as uvas colhidas nos terrenos da “Quinta...” por não lhe ser permitido o acesso à adega; [artigo 43.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação];

2.j. os réus tenham autorizado, conhecido ou consentido que o seu caseiro HH utilizasse todos os equipamentos e utensílios existentes no locado; [artigos 45.º e 46.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.k. antes da comunicação referida em 14- os réus não tenham interpelado a autora para alterar ou corrigir o que quer que seja; [artigo 49.º da petição inicial; matéria expressamente impugnada nos artigos 83.º a 95.º da contestação]

2.l. após o referido em 14- a autora tenha deixado de ter livre acesso aos terrenos da “Quinta...” e às máquinas e utensílios do locado; [artigo 52.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.m. a autora tenha feito aos réus qualquer outra interpelação além do referido em 11- e 18-; [artigo 63.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.n. a limpeza referida em 20- tenha sido da totalidade da vinha; que a poda referida em 20- tenha sido da totalidade da vinha; e que a enxertia referida em 20- tenha abrangido 6 000 ou 7 000 enxertos e sido de mais de 50% dos pés existentes; [artigos 75.º e 87.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.o. no ano imediatamente anterior à celebração do contrato referido em 1- os réus praticamente não tenham tido produção de uvas devido a falta de manutenção das vinhas; e que estas, na mesma altura, se encontrassem em fracas condições fitossanitárias (infectadas pela escoriose, míldio, oídio e traça); [artigo 77.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.p. o custo dos trabalhos de investimento na “vinha do ...” (terreno incluído na “Quinta...”, com poda de formação e 6 000 enxertos, tenha ascendido a € 9.050,00; [artigo 87.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação];

2.q. por força do referido em 13- a autora tenha suportado um custo global de € 1.875,00; [artigo 87.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]

2.r. por força da cessação do contrato a autora tenha deixado de auferir, entre 2014 e 2018, € 115.800,00 ou € 96.500,00; [artigo 93.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação];

2.s. o referido em 24- tenha causado má imagem à autora e prejudicado a relação desta com a banca e fornecedores; [artigo 97.º da petição inicial; matéria impugnada nos artigos 137.º e 236.º da contestação]

2.t. em 2011 os réus tenham procedido à substituição da totalidade das plantas mortas (“retancha”) nos terrenos dados de arrendamento à autora; e que tivessem procedido à integral enxertia do americano; [artigos 25.º, 72.º e 241.º da contestação];

2.u. em Junho de 2013 os terrenos locados à autora se encontrassem em péssimo estado de conservação e limpeza; [artigos 36.º e 42.º da contestação]

2.v. em Junho de 2013 os paus e esteios existentes nos terrenos locados à autora se encontrassem caídos, em estado de abandono; e que os tractores se encontrassem abandonados, com as revisões por fazer, com o óleo por mudar e com pneus furados; [artigos 39.º e 41.º da contestação]

2.w. a não realização das enxertias referida em 26- não pudesse ser posteriormente colmatada; e que tal tenha afectado a produtividade, as plantações e as colheitas da “Quinta...” nos anos subsequentes; [artigos 53.º a 58.º da contestação]

2.x. o trabalho referido em 28- tenha necessariamente de ser feito no máximo de 2 em 2 anos; [artigos 59.º e 64.º da contestação]

2.y. a não realização do trabalho referido em 28- impeça, no ano subsequente, a enxertia; [artigo 65.º da contestação]

2.z. o número de plantas mortas não substituídas pela autora tenha atingido 10% do total da vinha; [artigo 67.º da contestação]

2.aa. após 11 de Abril e ao longo do mês de Maio de 2013, os réus, através do seu filho DD, tenham contactado a autora pedindo o cumprimento do contrato referido em 1-; [artigos 86º a 88º da contestação]

2.bb. em resposta à comunicação referida em 31- a autora tenha admitido os problemas e incumprimentos apontados e os tenha considerado inadmissíveis; e que tenha declarado comprometer-se a resolvê-los o mais rapidamente possível; [artigos 90.º e 91.º da contestação]

2.cc. apenas após a comunicação referida em 14- a autora se tenha apressado a realizar alguns trabalhos de limpeza e a colocar alguns postes novos; e que tenha dado instruções a trabalhadores por si contratados para actuarem com a maior urgência; [artigo 102.º da contestação]

2.dd. após o início de Outubro de 2013 a autora e os seus trabalhadores não mais tenham aparecido nos terrenos locados; [artigo 120.º da contestação]

2.ee. o administrador da autora tenha dito a terceiros que «não fazia a replantação e a enxertia porque era muito caro e não tinha dinheiro», referindo-se aos terrenos da “Quinta...”; [artigo 125.º da contestação]

2.ff. a 30.11.11 os terrenos da “Quinta...” não apresentassem falhas de videira (plantas mortas); [artigo 242.º da contestação]

2.gg. durante o ano de 2011 os réus tenham promovido, nos terrenos da “Quinta...”, tratamentos fitossanitários por forma a evitar ataques de míldio ou de oídio; que, nesse ano, os réus tenham efectuado adubação aos mesmos terrenos com adubo orgânico e químico; e que os réus, nos anos anteriores a 2011, sempre tenham realizado tais trabalhos; [artigos 244.º e 245.º da contestação]

2.hh. a autora não tenha realizado qualquer “retancha” ou enxertia em 2012 e 2013; [artigo 252.º da contestação]

2.ii. do referido em 33-, os paus tenham sido 150, a replantação tenha abrangido 6350 plantas e a enxertia tenha sido feita em 5900 pés; [artigos 261.º a 263.º da contestação]

2.jj. pela diminuição da capacidade produtiva dos terrenos da “Quinta...”, em consequência da actuação da autora, os réus tenham deixado de auferir € 5.625,00; [artigos 273.º a 282.º da contestação]

2.kk. em 2009 e 2010 os terrenos da “Quinta...” tenham tido fortes ataques de míldio e de oídio; [artigo 18.º da réplica]

3. Apreciação do recurso

Os Recorrentes começam por contestar a atribuição à Recorrida do direito à indemnização por lucros cessantes, aduzindo que o acórdão sob censura, ao ter considerado que a decisão da 1.ª instância transitou em julgado na parte em que concluiu pela aplicação ao contrato de arrendamento rural celebrado do prazo contratual mínimo de 7 anos imposto por lei, desconsiderou os factos atinentes à vontade real das partes no sentido de que o convénio em análise tivesse a duração de 1 ano.

Como observa a Recorrida na sua resposta, a decisão da 1.ª instância transitou em julgado no que concerne à qualificação do contrato celebrado entre as partes e à sujeição deste ao prazo de 7 anos – pontos que não foram disputados pelos Recorrentes (então Recorridos) em sede de apelação (através da apresentação do competente recurso independente ou de requerimento de ampliação do objeto do recurso), que com os mesmos se conformaram.

Adquirida que se encontra, igualmente, a validade da resolução operada pela Recorrida a 20 de dezembro de 2013, enfrentemos a questão nuclear do presente recurso, que se prende com a possibilidade de a Recorrida obter ressarcimento pelos lucros cessantes, isto é, pelo interesse contratual positivo.

O tópico em discussão convoca o tema – não isento de controvérsia - do conteúdo da indemnização cumulável com a resolução do contrato: deve a Recorrida ser colocada na situação em que estaria se o contrato de arrendamento não tivesse sido concluído (sendo ressarcida, tão-só, pelo interesse contratual negativo) ou, ao invés, deve aquela ser colocada na situação em que se encontraria se o convénio fosse pontualmente cumprido (sendo tutelado o seu interesse contratual positivo)?

A decisão da 1.ª instância considerou que, no quadro da resolução operada pela Recorrida na sequência do incumprimento definitivo dos Recorrentes, se encontrava vedado à Recorrida exigir da contraparte o pagamento dos lucros que auferiria caso o contrato se mantivesse em vigor até 2018, perfilhando o entendimento tradicional de que, em caso de resolução do negócio, a indemnização respetiva se cinge à tutela do interesse contratual negativo.

Já o Tribunal da Relação ..., louvando-se (também) em jurisprudência deste Supremo Tribunal, inclinou-se “no sentido da admissibilidade da cumulação da indemnização pelo interesse contratual negativo com a indemnização pelo interesse contratual positivo no caso de resolução do contrato, por ser o que melhor permite o ressarcimento integral dos danos, ponderando o equilíbrio contratual e o princípio da boa-fé.” Seguindo este entendimento, o tribunal “a quo” atribuiu à Recorrida o direito à indemnização por lucros cessantes provenientes da exploração dos terrenos da “Quinta...”, cujo concreto “quantum”, com o limite de €96 500,00, decidiu remeter para posterior incidente de liquidação.

Vejamos.

Os danos a que respeita a condenação sindicada – lucros que se alcançariam caso o contrato fosse pontualmente cumprido - integram-se na órbita do interesse contratual positivo.

- (Na mesma linha, considerou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/03/2018, processo n.º 30903/15.1T8PRT.P1.S2, que “O lucro decorrente de uma atividade comercial – que seja dependente do cumprimento de um contrato, por parte do outro contraente –, em caso de incumprimento por parte deste último, constitui para o primeiro contraente, em princípio, um dano contratual positivo.”) –

 Há, pois, que dilucidar se esta modalidade indemnizatória se mostra compatível com a circunstância de o contrato ter sido objeto de resolução.

Preceitua o artigo 801.º do Código Civil que “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. 2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”, consagrando o artigo seguinte que “1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos o credor mantém o direito à indemnização.”

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2020 (processo n.º1590/16.7T8LSB.L1.S1): “20. O problema suscitado pelos arts. 801.º, n.º 2, e 802.º, n.º 1, relaciona-se com o conteúdo da indemnização cumulável com a resolução do contrato: O devedor há-de colocar o credor na situação em que estaria se não tivesse concluído o contrato ou deve colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido?; deve indemnizar o devedor pelo interesse contratual negativo ou deve indemnizá-lo pelo interesse contratual positivo?; deve indemnizar pelo dano da confiança ou deve indemnizá-lo pelo dano do (não) cumprimento?  21. O primeiro termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual negativo — destinar-se-ia a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido concluído. O segundo termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual positivo — destinar-se-á a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido. O problema está em que colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido pode conseguir-se através de uma indemnização calculada de acordo com a teoria da sub-rogação ou da troca ou através de uma indemnização calculada de acordo com a teoria da diferença — a teoria da sub-rogação (Surrogationstheorie) ou teoria da troca (Austauschstheorie) diz-nos que o credor da obrigação não cumprida tem o encargo ou o ónus de realizar a sua contraprestação em espécie para conseguir uma indemnização em dinheiro correspondente ao valor da prestação não realizada; a teoria da diferença (Differenztheorie), diz-nos que a o credor da obrigação não cumprida não tem o ónus de realizar a sua contraprestação em espécie para conseguir uma indemnização em dinheiro corresponde à diferença entre o valor da contraprestação e o valor da indemnização dos danos causados pela não realização da prestação pelo devedor [1].”

Em caso de resolução contratual, o entendimento doutrinário clássico e generalizado advogava, efetivamente, que a tutela se cingia ao interesse contratual negativo, que visa compensar o credor pelas perdas conexionadas com a mera celebração do contrato (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, p. 58; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., Coimbra, Almedina, pág.109), esconjurando a cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, isto é, o ressarcimento do prejuízo que o contraente fiel não sofreria se o negócio houvesse sido integralmente cumprido pela contraparte. A este respeito mobilizam-se argumentos atinentes ao efeito retroativo da resolução (artigo 434.º, n.º1, do Código Civil) e à ideia de incoerência detetada na posição do credor que, não obstante ter optado por extinguir o contrato pela resolução, pretende prevalecer-se de uma indemnização correspondente ao interesse no seu cumprimento.

Contudo, a jurisprudência mais recente abriu a porta, em casos excecionais, ao ressarcimento pelos danos positivos em casos de resolução do contrato. Exemplo disso mesmo é o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/02/2009 (processo número 08B4052).

A mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido de que a questão vertente deverá ser sempre analisada de forma casuística (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.02.2018, processo n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1, que afirma que “II. No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.

III. No atual panorama da jurisprudência sobre tal problemática, afigura-se mais curial prosseguir por via dessa ponderação de caso a caso, sem a condicionar, de forma apriorística, ao critério abstrato de regra-exceção.

IV. Para tanto, é de considerar, em síntese, que:

a) – Do preceituado no artigo 801.º, n.º 2, do CC, no respeitante à ressalva do direito a indemnização, em caso de resolução de contratos bilaterais, nenhum argumento interpretativo substancialmente decisivo se pode extrair no sentido de excluir o direito de indemnização pelos danos positivos resultantes do incumprimento definitivo desde que não se encontrem cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações que eram devidas;

b) – Por isso mesmo, impõe-se equacionar a solução na perspetiva da finalidade e função da resolução, enquadrada no plano mais latitudinário do programa negocial, multidimensional, envolvente e da relação de liquidação em que, por virtude dessa resolução, se transfigura a relação contratual originária (…), sendo de rejeitar a existência de um critério abstrato de regra-exceção. Entendeu-se, neste conspecto, que “V - A resolução do contrato é compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo, que só não será admitida quando revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado à luz do princípio da boa-fé, hipótese em que se indemnizará antes pelo interesse contratual negativo.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2018 (processo n.º 567/11.8TVLSB.L1.S2).

- cf., ainda, Acórdão do STJ, de 28/09/2021 (processo n.º344/18.5T8AVR.P1.S1), segundo o qual “(…) IV – Sendo de considerar admissível a cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo, impõe-se sempre uma ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa-fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.” -

Os argumentos avançados para considerar superado o entendimento de que a resolução do contrato era tão-só cumulável com a indemnização pelo interesse contratual negativo foram condensados pelo já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2020 (processo n.º 15940/16.7T8LSB.L1.S1): “24. O art. 562.º do Código Civil consagra o princípio de que “quem estiver obrigado a reparar um dano há-de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”; ora, o evento que obriga à reparação consiste no não cumprimento de uma obrigação; logo, quem estiver obrigado a reparar o dano há-de reconstituir a situação que existiria se a obrigação tivesse sido cumprida [3] [4].  25. Em favor do cúmulo, depõem dois desenvolvimentos recentes:   26. Em 23 de Julho de 2020, foi aprovada para adesão a Convenção das Nações Unidas sobre a venda internacional de mercadorias de 11 de Abril de 1980 — e, de acordo com os arts. 75.º e 76.º da Convenção, a indemnização cumulável com a resolução do contrato é uma indemnização pelo interesse contratual positivo [5].  27. Em 20 de Maio de 2019, foi publicada a Directiva 2019/771/UE, sobre a venda de bens de consumo — e, de acordo com o considerando 61 da Directiva, a indemnização “deverá repor a situação em que o consumidor se encontraria se o bem estivesse em conformidade” [6].  Os termos em que está redigido o considerando 61 aplicam-se a toda a indemnização, incluindo à indemnização cumulável com a resolução do contrato de compra e venda.”

Nesta mesma linha, no Acórdão do STJ, proferido no processo n.º3609/17.0T8AVR.P1.S1, foi entendido que “(…) VI - No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado (…) VII - A indemnização prevista no art. 801.º, n.º 2, do CC poderá visar, não apenas o interesse contratual negativo, mas igualmente o interesse contratual positivo, sendo calculada de acordo com a teoria da diferença.”

Também a doutrina tem admitido, de forma prevalente, a tutela do interesse contratual positivo em caso de resolução por incumprimento: desde logo, Paulo Mota Pinto realça que a posição que veda a possibilidade ao credor resolvente do contrato de exigir uma indemnização por não cumprimento se encontra quase isolada no plano do direito comparado, não sendo imposta, no plano jurídico-positivo, pelo Código Civil (em especial pelo artigo 801.º, n.º2) - Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, volume II, Coimbra,  Coimbra Editora, 2008, pp. 1638 e 1644.

 Menezes Cordeiro considera que a posição contrária traduz um pensamento puramente formal e conceitual - Tratado de Direito Civil Português - Direito das Obrigações, IX, , 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 946-949;

Nuno Pinto Oliveira advoga que a indemnização pelo interesse contratual positivo cumulável com a resolução deve calcular-se de acordo com a teoria da diferença - Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra, Coimbra Editora, 1.ª edição, 2011, p. 890;

Brandão Proença, manifestando-se favorável à cumulação do direito à resolução com o crédito indemnizatório pelo interesse contratual positivo, não deixa de sublinhar as dificuldades concernentes à delimitação do segundo (especialmente no que toca ao cálculo dos lucros cessantes), apelando à flexibilização de critérios por referência aos interesses em presença;

 De resto, já Baptista Machado chamava à atenção para o facto de a resolução por incumprimento não fazer desaparecer a relação contratual, antes a transmutando – o que explica que também nos casos em que a resolução desencadeia direitos e deveres de restituição a resolução não exclua o direito à indemnização pelo interesse de cumprimento - A resolução por incumprimento e a indemnização, Obra dispersa, vol. I, pp. 209-211.

Numa análise integrada do sistema, teleologicamente orientada à salvaguarda da função reintegradora dos interesses do lesado que se encontra inerente à responsabilidade civil contratual, perfilhamos o entendimento de que, em caso de resolução do contrato bilateral por incumprimento da contraparte, o conteúdo da obrigação de indemnização poderá, em tese, abranger, para além do interesse contratual negativo, o interesse contratual positivo.

No caso, é de reafirmar tal posição de princípio, tendo em conta que no contrato em causa nos presentes autos - de execução continuada - a resolução não apresenta efeito retroativo (artigo 434.º, n.º2 do Código Civil). Resta, pois, avançar para o crivo das particularidades do caso concreto para dilucidar se a indemnização poderá ser computada pelo interesse contratual positivo na ajuizada situação.


Os Recorrentes foram condenados, em sede de 1.ª instância, a pagar os custos suportados pela Recorrida com a exploração dos terrenos da “Quinta...” que não tenham sido necessários às colheitas dos anos de 2012 e 2013, com o limite de €53 703,71, tendo, em 2.ª instância sido condenados a pagar à Recorrida a quantia a liquidar, correspondente ao lucro líquido que aufeririam de 1/01/14 a 30/11/18, proveniente da exploração dos terrenos da “Quinta...”, com o limite de €96 500,00.

Entendeu a decisão recorrida a este respeito o seguinte: “Por causa do incumprimento culposo dos réus, a autora sofreu um prejuízo evidente, que consistiu na perda daqueles ganhos que a execução do contrato lhe poderia proporcionar, o que constitui um lucro cessante que deve integrar a indemnização (artigos 562.º e 564.º do CC). No caso, o equilíbrio contratual e o princípio da boa-fé impõem aquela integração, justificando-se a cumulação da indemnização pelo dano contratual negativo com a indemnização pelo dano contratual positivo. Atente-se em que, com a resolução do contrato que haviam celebrado com a autora, os réus passaram a poder dispor livremente do seu prédio, a poder explorá-lo directamente ou a arrendá-lo de novo, de uma forma ou de outra passando a poder obter ganhos. Ou seja, se os réus não pagassem à autora os ganhos que esta deixou de auferir durante o tempo em que o contrato ainda vigoraria, estariam a obter um benefício injustificado, podendo mesmo dizer-se que o incumprimento contratual lhes compensou. Por outro lado, não se provou que, após a resolução do contrato, a autora tenha arrendado outros terrenos para exploração, ou que, sem justificação razoável, tenha deixado de os arrendar – o que, de qualquer forma, é mais incerto e inseguro do que a possibilidade que a autora tem de explorar os terrenos de que é proprietária.”

Insurgem-se os Recorrentes contra esta condenação dúplice, pelo interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, afirmando redundar a mesma num enriquecimento ilegítimo da Recorrida. Aduzem que “ou bem que a Recorrida recebe o lucro cessante líquido absoluto, ie, [Proveitos – (custos correntes + custos de investimento)] de 01.0.2014 a 30.11.2018; Ou bem que é reintegrada pelas despesas efectivamente realizadas que não possam ser consideradas necessárias para a obtenção da produção nos dois anos que o contrato efectivamente durou.”, concluindo que “deve por isso ficar claro que o Acórdão recorrido deve ser entendida como obrigação de pagamento Apenas do lucro líquido absoluto = [proveitos – (custos correntes + custos de investimento)] de 01.0.2014 a 30.11.2018.”

O âmbito das duas indemnizações é reconhecidamente diverso: reportando-se a períodos temporalmente distintos, a primeira visa ressarcir danos emergentes, a segunda, lucros cessantes. Enquanto que da condenação em 1.ª instância - mantida pelo Tribunal da Relação ... e não disputada pelos Recorrentes - resulta para estes a obrigação de ressarcir a Recorrida das despesas de exploração que excedam as despesas necessárias às colheitas dos anos de 2012 e 2013, a condenação do Tribunal da Relação desenha-se por referência ao “lucro líquido” que seria obtido no período temporal decorrente entre 1/01/2014 a 30/11/2018, subsequente à resolução do convénio.

A Recorrida alegou na sua petição inicial dispor de um lucro líquido médio anual de €19 300 a €23 500€/ano de venda de uva, encontrando-se cristalizado que a mesma não logrou provar ter sofrido danos em decorrência da impossibilidade de utilização da adega.

No caso, resultou adquirido que a Recorrida tomou de arrendamento o prédio rústico “Quinta...” para produção vitivinícola, incluindo o respetivo cultivo e colheita (pontos 1 e 2 dos factos provados), tendo, no período em que decorreu a exploração, levado a cabo os seguintes trabalhos: manutenção e reparação de máquinas, limpeza dos valados, limpeza das vinhas, poda das vinhas, enxertia em cerca de 5500 pés de vinha, aplicação de herbicidas, esticamento de arames e colocação de postes;  tratamentos fitossanitários, adubações, correções e outros; preparação da “retancha” da vinha para plantação de bacelos já enxertados, trabalhos nos quais a recorrida gastou, pelo menos, €43 532,00 (pontos 20 e 22 da factualidade assente).

Ficou, por outro lado, provado que com a reparação de máquinas existentes no local arrendado (designadamente trator da marca ... e o pulverizador), a Recorrida despendeu a quantia global de €1 124,71 (ponto 23 dos factos provados).

Não obstante nas culturas perenes, como é o caso da vinha, ser necessário que, após o plantio, se aguardar que a planta atinja a maturidade e produção - o que não acontece antes dos 4 anos -, até lá sendo necessário realizar um conjunto de trabalhos agrícolas cujo integral retorno apenas ocorre ao fim de anos (ponto 4 dos factos assentes), ficou assente que a vontade real das partes era no sentido de que o contrato vigorasse por 1 ano (ponto 5 dos factos provados). Foi nesta pressuposição que a Recorrida desenvolveu os trabalhos que acima se descreveram, tendo colhido nos terrenos da “Quinta...”, em 2012, cerca de 100 toneladas de uva, e, em 2013, cerca de 75 toneladas de uva (ponto 21 dos factos provados).

Analisando a relação contratual complexa estabelecida entre as partes – e se olharmos para o contrato, não apenas como ato de autonomia de vontade criador de normas de comportamento, mas igualmente, como observa Carneiro da Frada, como elemento de confiança e estabilização de expectativas (Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, reimpressão da edição de 2004, Coimbra, Almedina, p. 666) -  alcança-se que, ante a sua demonstrada vontade real quanto à duração do convénio (elemento que foi desconsiderado pelo Tribunal da Relação no raciocínio empreendido para reconhecer o direito pelo interesse positivo), a atribuição à Recorrida de um crédito indemnizatório positivo correspondente aos lucros cessantes introduz, a nosso ver, um desequilíbrio grave nos deveres de prestação secundária inerentes à relação de liquidação em que se transmutou a relação originária de prestação, proporcionando uma vantagem injustificada à Recorrida que nunca apresentou qualquer expetativa juridicamente tutelável de exploração do local arrendado por 7 anos. A reforçar a bondade desta conclusão está a circunstância de a Recorrida não ter realizado no locado trabalhos nem investido valores que se apresentem desproporcionais relativamente ao período de 2 anos em que o contrato vigorou. Com efeito, a maioria dos trabalhos de manutenção e reparação de máquinas, de limpeza e poda, tratamentos fitossanitários e adubações (com exceção da enxertia em pés de vinha), atenta a sua natureza, teriam, presumivelmente, de ser repetidos ao longo dos anos (com o custo inerente), não esgotando certamente o investimento a realizar no locado.

O custo de tais trabalhos, que se computou em €43 532,00, acabou por ter um retorno, já que a recorrida colheu 175 toneladas de uvas no período em que explorou a “Quinta...” -  sendo que a mesma já será ressarcida pelo montante que despendeu e que não se mostrou necessário às colheitas dos anos de 2012 e 2013, ou seja, pelo montante, como sintetizou a decisão da 1.ª instância, “a cujo retorno a autora legitimamente aspirava com as colheitas dos anos de 2014 a 2018.”

Numa outra formulação: a consideração latitudinária da relação contratual permite concluir que, da parte da Recorrida, nunca poderia ter existido qualquer confiança subjetiva que se afigure objetivamente fundada em explorar o locado pelo período de 7 anos. Isto porque, na linha do que as partes fizeram constar do documento que formalizou o contrato, a sua vontade real era no sentido de que o convénio tivesse a duração de apenas 1 ano, sabendo a Recorrida antes de assinar o contrato que os Recorrentes não pretendiam dar de arrendamento os terrenos da “Quinta...” por prazo superior àquele (ponto 25 dos factos provados). Ora, ainda que um investimento tivesse sido realizado contando com a possibilidade de exploração do terreno por 7 anos, a posição da Recorrida sempre será acutelada através da indemnização pelos danos emergentes.

Com efeito, o lucro cessante consubstancia a frustração de uma utilidade que o lesado iria adquirir se não fosse a lesão (segunda parte do n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil). Como nota Menezes Leitão, “em relação aos lucros cessantes, tem-se entendido que os mesmos só se verificam se o lesado, no momento da lesão, for titular de uma expectativa jurídica que lhe permitisse a aquisição de um benefício, tendo deixado essa aquisição de se verificar em consequência da lesão. Não basta, porém, uma mera hipótese de aquisição desse ganho, tendo que existir uma probabilidade quase em termos de certeza de que essa aquisição ocorreria” (Direito das Obrigações, vol. I, 14ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, pp. 327-328).

Na ajuizada situação, não obstante a cessação prematura do contrato se ter ficado a dever a um incumprimento definitivo e culposo dos Recorrentes do conteúdo precetivo do contrato, não se vislumbra, como se pretendeu demonstrar, qualquer expetativa jurídica da Recorrida quanto à duração prolongada do contrato. Admitir, no caso, que a resolução se compagine com o interesse contratual positivo na vertente dos lucros cessantes introduziria uma nota de desequilíbrio na relação de liquidação atentatória dos ditames da boa-fé, na medida em que na relação contratual duradoura que foi estabelecida nenhuma confiança da contraente adimplente resultou frustrada.

Retorque a Recorrida que a posição que ora se adota torna a imperatividade de duração do contrato de arrendamento rural numa miragem, “na medida em que, a segurança que o arrendatário necessita para investir e trabalhar numa actividade duradoura pode a todo o tempo terminar, porquanto, o senhorio pode a todo o tempo pôr ilicitamente fim ao contrato, uma vez que, na pior das hipóteses só tem de pagar as despesas de investimento que o arrendatário fez.”

Sem razão: basta pensar que, caso a Recorrida tivesse optado, não pela resolução do contrato, mas por exigir o seu cumprimento, poderia prevalecer-se daquele prazo alargado. A denegação de indemnização dos lucros cessantes no caso prende-se com as suas concretas especificidades - em particular, com os factos que resultaram provados relativamente à vontade concordante das partes quanto à duração do contrato. A circunstância de esta vontade real não ser operativa, à luz do prazo mínimo imperativo previsto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, para efeitos de regular o período de duração do contrato de arrendamento agrícola, não significa que não possa ser valorada no âmbito dos deveres de prestação secundários que encorpam a relação de liquidação subsequente à resolução do mesmo, na ponderação concreta do seu justo equilíbrio, à luz do programa contratual projetado pelas partes.

Por outro lado, não se crê existir uma injustificada beneficiação dos Recorrentes com a solução propugnada, não obstante estes terem incumprido culposamente o contrato. E isto porque a cessação antecipada do convénio acaba por não gorar qualquer expetativa da Recorrida quanto à sua duração, que antes da celebração do acordo já estava ciente de que os Recorrentes não pretendiam dar de arrendamento os terrenos por prazo superior a 1 ano.

Finalmente, não se vê como a circunscrição do crédito indemnizatório ao dano emergente cause, tal como afirmado pelo Tribunal da Relação ..., um empobrecimento ilegítimo da Recorrida, já que esta, a partir do ano 2014, poderia ter alocado os seus recursos à produção vitivinícola num outro local.

De todo o modo, e a título de argumentação subsidiária, há que sublinhar que a pretensão ressarcitória da Recorrida dificilmente poderia obter vencimento, uma vez que a própria existência de lucros cessantes - que, constituindo um dano futuro, têm de avultar como previsíveis (artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil) – não se retira da materialidade fáctica provada, não podendo ser extraída, como fez a decisão recorrida, do mero facto de nos anos de 2012 e 2013 a Recorrida ter vendido as colheitas de uva. Ao invés, os demonstrados factos de, em junho de 2013, a Autora não ter realizado a totalidade da replantação e enxertia necessárias nos terrenos e de, nessa data, algumas arribadas dos terrenos não estarem roçadas, de alguns dos rebentos de americano à volta das cepas se encontrarem por limpar e de uma parcela apresentar falta de magnésio (pontos 26 e 27 dos factos provados) suscita fundadas dúvidas acerca da previsibilidade de um lucro futuro da atividade de produção vitivinícola a levar a cabo na “Quinta....”


Deste modo, o recurso tem de proceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em julgar procedente a revista, e, consequentemente, em revogar o Acórdão recorrido e repristinar a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Custas pela Recorrida.



Lisboa, 15 de fevereiro de 2022


Pedro de Lima Gonçalves (relator)

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães