Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8543/10.1TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CUMULAÇÃO
VÍCIO DE CONSTRUÇÃO
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
PRESUNÇÃO DE CULPA
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
CONTRATO DE LOCAÇÃO
DIREITO PESSOAL DE GOZO
PROPRIETÁRIO
MANDATO COM REPRESENTAÇÃO
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
EDIFICAÇÃO URBANA
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 06/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / OBRIGAÇÕES DO LOCADOR.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 584-586;
- Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 539 e ss., 591-593;
- Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, Cascais, 2017, p. 244-245;
- Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil - Temas Especiais, 2015, p. 69 e ss.;
- Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Almedina, Coimbra, 2015, p. 306 e ss.;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. VII – Direito das Obrigações, Almedina, Lisboa, 2014, p. 656-657; Tratado do Direito Civil, Vol. VIII – Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, p. 589.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 492.º, N.º 1, 1031.º, ALÍNEA B) E 1032.º
REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO (RJUE): ARTIGOS 62.º, N.º 1 E 100.º-A.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 28-05-1998;
- DE 25-06-2002, IN CJSTJ, ANO X, TOMO II, P. 128;
- DE 13-03-2007, PROCESSO N.º 07A96, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-12-2007, PROCESSO N.º 07A3836;
- DE 20-10-2011, PROCESSO N.° 428/07.5TBFAF.G1.SI, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.° 632/2001.GL.SI, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-11-2012, PROCESSO N.º 9014/04.0TBOER.L1.S1, IN SJ CÍVEL, WWW.STJ.PT;
- DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 506/07.0TBSJM.P1.S1, IN SJ CÍVEL, WWW.STJ.PT;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.° 436/11.1TBRGR.L1.SI, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.° 99/12.7TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.° 1166/10.7TBVCD.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-01-2016, PROCESSO N.º 1021/11.3TBABT.E1.SI;
- DE 26-01-2016, PROCESSO N.º 2185/04.8TBOER.L1.S1;
- DE 28-01-2016, PROCESSO N.° 7793/09.8T2SNT.LI.SI, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 7895/05.0TBSTB.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-04-2016, PROCESSO N.° 237/13.2TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-11-2016, PROCESSO N.º 6/15.5T8VFR.P1.S1;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.° 37/13.0TBMTR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-03-2017, PROCESSO N.º 294/07.0TBPCV.C1.S1;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 868/10.2TBALR.E1.S1;
- DE 08-06-2017, PROCESSO N.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S1;
- DE 08-06-2017, PROCESSO N.º 2567/09.0TBABF.EL.SL.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


- DE 08-05-2014, PROCESSO N.º 227/09.0TBRSD.P113.
Sumário :
I - Existe cumulação de fundamentos de responsabilidade civil, contratual e extracontratual, do proprietário do edifício e seu locador num caso em que estando a autora, filha do locatário que com este habitava, a sacudir um tapete na varanda do 1º andar da moradia, a guarda de protecção da varanda, devido a um vício de construção, se partiu, caindo aquela de uma altura de cerca de três metros e sofrendo lesões físicas.

II - Tal responsabilidade, na vertente contratual, decorre do facto do réu em causa (1º réu) ter colocado no mercado de arrendamento a habitação sem obtenção da respectiva licença de utilização prevista no art. 62.º, n.º 1, do RJUE e da violação do dever de garantir a segurança da coisa locada previsto no arts. 1031º, al. b), e 1032º, ambos do CC; por sua vez, a responsabilidade extracontratual decorre da violação do art. 492º, nº 1, do CC que constitui uma das hipóteses de deveres de segurança no tráfego ou deveres de prevenção do perigo, no caso, relativamente ao proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir.

III - O regime do art. 492º, nº 1, do CC, não se aplica, contudo, ao 2º réu que assumiu o planeamento e direcção de execução de construções na qual se inclui a moradia e que actuou como representante do 1º réu na celebração do contrato de arrendamento, uma vez que não é titular de direito real sobre a vivenda, nem seu possuidor, nem tampouco – admitindo uma interpretação extensiva do âmbito subjectivo do referido regime – é titular de um direito pessoal de gozo sobre a coisa, não podendo ser violado o princípio geral de direito segundo o qual a responsabilização de outrem por danos próprios carece de um título legal de imputação.

IV - Não pode o 2º réu ser responsabilizado com recurso à figura do mandato com representação, considerando a sua intervenção como representante do 1º réu na celebração do contrato de arrendamento – conforme fez a Relação –, uma vez que, embora esteja provado que actuou como mandatário do 1º réu, com poderes representativos, as exigências legais para a prática de actos jurídicos – em concreto, a exigência de licença de utilização – dirigem-se à pessoa do representado e não à do representante. Além disso, não é seguro que a intervenção do 2º réu no processo de construção da vivenda possa ser qualificada como mandato sem representação, mas, ainda que assim fosse, tal não permitiria, por si só, responsabilizá-lo perante terceiros, em sede de responsabilidade delitual, por danos causados por coisa pertencente ao mandante, ainda que conexa com a execução do mandato.

V - A insuficiência dos factos alegados não permite imputar ao 2º réu responsabilidade com outro fundamento, não podendo sequer convocar-se o amplíssimo regime de responsabilidade civil dos intervenientes nas operações urbanísticas, consagrado no actual art. 100º-A, do RJUE (adoptado pelo DL nº 136/2014, de 9 de Setembro), na medida em que a construção da vivenda remonta ao ano de 1990.

VI - Não é de censurar o valor de € 100.00,00 fixado pela Relação, com base na equidade, a título de indemnização pela incapacidade geral permanente de 60% sofrida pela autora em consequência do referido em I.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB e CC, pedindo a condenação dos RR. a pagar à A.:

1) € 500.000,00, a título de ressarcimento de todos os danos físicos sofridos pela A. com o acidente;

2) € 500.000,00, a título de ressarcimento de todos os danos morais sofridos pela A. com o acidente;

3) € 500.000,00, a título de indemnização decorrente da IPP de 70%, a que se viu votada, em consequência do acidente, onde se inclui a perda da capacidade de ganho, até aos 70 anos de idade (por ter ficado inválida, sem conseguir trabalhar);

4) A importância relativa ao diagnóstico para determinação dos danos físicos efectivamente sofridos e ao custo dos tratamentos necessários à reparação dos danos causados, cuja liquidação se relega para execução de sentença;

5) Àquelas importâncias devem acrescer os juros legais, contados desde a data da citação, até integral pagamento.

Para tanto, alegou a A., em síntese, que: vive com seu pai, DD, numa moradia sita na Rua ..; o pai da A. celebrou, em 31/01/2006, com o 1º R., contrato de arrendamento para habitação da referida moradia, figurando aquele como inquilino, e este como senhorio; a mencionada moradia foi edificada pelo 2º R., e é propriedade do 1º R.; no dia 02/12/2007, quando a A. se encontrava a sacudir um tapete na varanda do 1º andar da moradia arrendada pelo 1º R., a guarda de protecção da varanda cedeu e partiu-se, o que provocou a queda da A. do 1º andar, de uma altura de cerca de três metros; em consequência da queda, a A. sofreu lesões físicas de que resultaram danos patrimoniais e danos não patrimoniais que discrimina. Alega ainda que: a queda se deu em consequência directa e necessária do colapso da varanda do 1º andar da identificada moradia; a moradia referida não tem licença de habitação; a deficiente construção da guarda de protecção da varanda da referida moradia foi causa directa, em termos de causalidade adequada, da queda da A. da varanda do 1º andar para o pavimento em tijoleira do rés-do-chão; a queda da A. foi devida a culpa dos RR. que construíram, mais a mais sem a adequada licença camarária, a moradia dos autos, arrendando-a, sem cuidarem de verificar se a mesma, designadamente ao nível das guardas das varandas, tinha adequadas condições de habitabilidade e segurança; os danos descritos foram consequência directa e necessária da conduta dos RR.

Os RR. contestaram, por excepção, invocando a ilegitimidade do 2º R. e a prescrição do direito da A.; e por impugnação, alegando, em síntese, que: a moradia identificada nos autos foi construída num terreno adquirido pelo 1º R.; o 2º R. não foi o construtor da moradia identificada nos autos, este sempre agiu na qualidade de “procurador” do 1º R., limitando-se a representá-lo junto do construtor e fornecedores de materiais, fazendo os respectivos pagamentos em seu nome; foi nessa qualidade que o 2º R. tratou de todos os assuntos respeitantes ao contrato de arrendamento, celebrado pelo pai da A.; ao sacudir o tapete, a A. fez um uso indevido da guarda da varanda, provocando vibrações na estrutura, o que provocou a ruptura dos balaústres. Concluem pela improcedência da acção.

A fls. 323 foi proferida sentença do seguinte teor:

"Pelo exposto, atentos os factos, as normas e os princípios supramencionados, decido:

a) Condenar os réus BB e CC, a pagarem, solidariamente, à autora AA, as seguintes quantias:

- A indemnização no valor de € 70.000,00 a título de ressarcimento de todos os danos físicos sofrido pela A..

- A indemnização de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais:

- A indemnização de € 100.000,00 pela incapacidade permanente geral de 60%, que lhe foi arbitrada.

- As quantias referentes a despesas que a A. venha a suportar de futuro, necessárias à sua reabilitação, onde se incluem despesas médicas, medicamentosas e todos os tratamentos necessários, incluindo fisioterapia.

b) Absolver os Réus do demais peticionado.

Custas a cargo da autora e Réus, sendo 1/8 (um oitavo) a cargo da autora e 7/8 (sete oitavos a cargos dos réus – art.ºs 527º e 607º, nº 6 do CPC.”

Inconformados, os RR. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 419 foi proferida, com um voto de vencido, a seguinte decisão:

“Pelo exposto e de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se:

(i) Conceder parcial  provimento ao  recurso  de   facto, elimina-se o facto n° 13 e alteram-se os factos n°s 35 e 36, como se deixou explanado, mas sem qualquer impacto na decisão de fundo;

(ii) negar provimento ao recurso quanto à matéria de fundo, mantendo por isso a decisão recorrida.

(iii) conceder provimento ao recurso na parte que fixou a responsabilidade por custas, alterando a decisão por forma a que da mesma passa a constar "Custas na proporção do decaimento".


2. Vêm os RR. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“1ª - Constitui matéria de direito, situada dentro dos poderes de cognição do Supremo, a questão do excesso ou exorbitância na fixação da matéria de facto;

2ª - O Facto n° 5 exorbita claramente a matéria alegada pelas partes;

3ª - Devendo, pois, ser eliminado da Matéria Assente;

4ª - Tanto mais que o Facto 5 é essencial, uma vez que a procedência da pretensão da A. depende da sua prova;

5ª - Ora, os factos essenciais só podem ser dados como provados caso tenham sido alegados pelas partes;

6ª - Mesmo que o Facto em causa fosse complemento ou concretização de outros factos alegados, só seria lícito ao Julgador incluí-lo na Matéria de Facto Provada caso tivesse sido dada hipótese às partes de se pronunciarem sobre a possibilidade dessa inclusão e sobre os meios de prova que a fundamentam;

7ª - Dando-lhe igualmente a possibilidade de carrear para os autos provas que a pudessem contrariar;

8ª - O que, no caso vertente, não aconteceu, por não ter sido comunicado pelo Tribunal às partes que pretendia considerar tal facto na Matéria Assente;

9ª - A concluir-se que não deve ser suprimido, deverá, pelo menos, ser reformulada a sua redação, passando a ser consentânea com o alegado pelas partes:

"O 2º Réu actuou em nome do 1º Réu no acompanhamento da execução da construção feita no lote 139, sito na Rua ..., nomeadamente procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro de 1990.";

10ª - Os Factos 34, 35 e 37 não são mais do que reproduções do Relatório Pericial junto aos autos;

11ª - Não constituindo verdadeiros factos, mas meras opiniões, pareceres e observações de natureza técnica;

12ª - A opinião de técnicos, sendo livremente apreciada pelo Julgador, não pode ser "erigida" à categoria de Facto;

13ª - Sendo que, por outro lado, não correspondem minimamente à matéria alegada pelas partes, designadamente a A;

14ª - Os factos em apreço não são mero complemento ou concretização de outros que as partes tenham alegado, mas sim factos essenciais, porque deles depende a pretensão da A.;

15ª - Ainda que se tratassem de factos complementares ou concretizadores, não podiam ser acrescentados à matéria assente sem antes se conceder aos RR. a oportunidade de sobre eles se pronunciarem;

16ª - 0 que não aconteceu, por o Tribunal não ter dado a conhecer às partes que pretendia ampliar a Matéria de facto nesses termos;

17ª - Assim, devem os Factos 34, 35 e 37 ser eliminados da Matéria Assente;

18ª - A A., apesar de a isso se encontrar obrigada, não logrou provar o primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil: a ilicitude;

19ª - O Acórdão recorrido - à semelhança do que se verificava em relação à decisão da 1ª Instância - não identifica as normas jurídicas que, tendo sido violadas, pudessem ter estado na origem da ruína do edifício dos autos e dos danos sofridos pela A.;

20ª - A falta de licença de utilização não pode constituir o facto ilícito relevante para efeitos de responsabilização do 1º R:

21ª - Muito menos ainda pode servir para responsabilizar o 2º R., que não tinha qualquer obrigação de obter a licença de habitação de um imóvel do qual não era proprietário;

22ª - O art. 492° do C. Civil não exime quem dele se queira aproveitar de provar os pressupostos da responsabilidade civil, incluindo a ilicitude, pelo que não pode constituir, ele próprio, a base da ilicitude;

23ª - O dano patrimonial futuro só poderá ser indemnizado (para além do dano biológico e dos danos morais complementares) quando o lesado passe a sofrer de incapacidade permanente absoluta ou, pelo menos, de incapacidade para a profissão habitual;

24ª - Não resultou provado que, em resultado do sinistro, a A. passasse a sofrer de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual;

25ª - Assim, não deveria ter sido concedida à A. indemnização por incapacidade permanente geral;

26ª - Conforme consta do voto de vencido do Acórdão recorrido, "as indemnizações fixadas cumulativamente a título de perda da capacidade de ganho e de "lesões físicas" assentam basicamente numa única e mesma realidade - que igualmente se mistura e confunde com a matéria relativa ao ressarcimento de danos morais (artigo 496°, n° 1 do Código Civil) -constituindo duplicação de montantes indemnizatórios sem a adequada justificação substantiva";

27ª - Tendo a A. sido compensada a título de dano biológico, não lhe podia ser arbitrada uma indemnização por incapacidade permanente geral, sob pena de duplicação;

28ª - Não pode, pois, haver lugar a condenação dos RR. no pagamento à A. da "indemnização de € 100.000,00 pela incapacidade permanente geral de 60%, que lhe foi arbitrada";

29ª - Quando assim se não entenda, tal indemnização não poderá ser superior a €41.778,45, calculada com base na RMMG de 403,00 €, na incapacidade de 60% arbitrada à A. e na presunção de que teria uma vida ativa até aos 70 anos;

30ª - Conforme consta do voto de vencido, com referência ao 2º R., "o proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos";

31ª - O 2º R., ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, não pode ser responsabilizado com base num mandato sem representação (por ter agido em nome próprio);

32ª - A matéria de facto dada como provada, não permite, de forma alguma, retirar a conclusão de que o 2º R., no que ao lote dos autos (n.°139) diz respeito, tenha agido em nome próprio;

33ª - Não lhe é, pois, aplicável o regime do mandato sem representação;

34ª - De qualquer modo, a prova de que o 2º R. agiu em nome próprio nunca seria suficiente para configurar este tipo de mandato;

35ª - Para isso sempre seria necessária a demonstração dos seguintes pressupostos: a) Interesse de certa pessoa na realização de certo negócio sem intervenção pessoal própria ou por intermédio de representante; b) A interposição de outra pessoa para esse efeito por incumbência não aparente do titular daquele interesse; c) A celebração do negócio pela pessoa interposta com exclusão de qualquer referência ao verdadeiro interessado na produção dos efeitos conseguidos por essa pessoa; d) A transmissão para o mandante dos direitos adquiridos pelo mandatário;

36ª - 0 que, no caso dos autos, não se verifica;

37ª - De qualquer modo, mesmo que fosse aplicável o art. 1180° do CC, o 2º R. nunca poderia ser condenado no pagamento da indemnização arbitrada à A.;

38ª - A construção da moradia dos autos não foi executada pelo 2° R., mas sim por outros executantes (cfr. Facto 5), pelo que o 2º R. (mandatário) não poderia nunca, atendendo ao disposto no art. 1183° do C. Civil, ser responsabilizado pelo eventual não cumprimento das obrigações da pessoa com quem tenha contratado;

39ª - Ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, não resulta dos factos provados que o 2° R. tivesse um interesse (na construção da moradia dos autos) próprio e suficiente para que a sua conduta pudesse integrar um mandato de interesse comum;

40ª - Igualmente ao contrário do que se decidiu no Acórdão recorrido, não era o 2º R. que tinha de provar que não se encontrava obrigado a obter a licença de utilização da moradia dos autos;

41ª - Sendo à A. que incumbia provar que essa obrigação recaía sobre o 2º R;

42ª - Resulta do regime do mandato que todos os atos do mandatário - lícitos ou ilícitos - se refletem na esfera jurídica do mandante;

43ª - Desse modo, a haver um responsável por quaisquer danos, nunca seria o 2°R;

44ª -A A. também não provou que o 2º R. tivesse agido com culpa;

45ª - Por tudo, pois, o 2º R. não pode deixar de ser absolvido do pedido;

46ª - Não decidindo assim, o Acórdão recorrido violou os arts. 5º e 607° n.5, do CPC; 3º, 4º, 7º e 8º da Portaria 377/2008; e 258°, 389°,483°, 492°, 562°, 566°, 1170°, 1180° e 1183° do C. Civil.

Termos em que, com os mais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o acórdão recorrido”


         A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

“1. Vem o recurso interposto do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente a apelação e confirmou a Sentença Recorrida.

2. Aliás, cuja total falta de fundamento e razão consta e está devidamente provada, fundamentada e decidida, através do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e da Sentença proferida no Tribunal "a quo",

3. Por não se verificarem os pressupostos alegados, pretendidos pelos Recorrentes, por continuarem a fazer uma errada fundamentação e interpretação da matéria e aplicação do direito, à matéria que defendem, no seu Recurso de Revista,

4. Ao que a Recorrida, oferece o merecimento dos Autos em geral, em resposta a toda a matéria, alegada pelos Recorrentes em sua defesa e para os devidos efeitos.

5. Também a Recorrida, por mero dever de Patrocínio, nas suas Contra-Alegações, em síntese:

i. Com os fundamentos e termos previstos no n.° 3 do art.° 671.° do C.P.C. "Dupla Conforme" em virtude das decisões já proferidas nas Instâncias serem idênticas

ii. Sem qualquer desconformidade, questão de direito ou ainda de fundamentação essencialmente diversa.

iii. Por não se verificarem os pressupostos alegados, pretendidos pelos Recorrente

6. De onde resulta, que não deve ser reconhecida a prestação de caução de €:220.000,00, como garantia parcial do valor da indemnização a que os Recorrentes, foram condenados,

7. Que os Recorrentes se obrigaram a prestar por meio de hipoteca, prestada e registada, em nome da Recorrida,

8. Mas sucedeu que os Recorrentes sendo proprietários de vários prédios, sem ónus e encargos, registaram a garantia, num desses prédios, precisamente onde já tinham registado anteriormente uma outra hipoteca da mesma importância, a favor de FF, de Nacionalidade ..., (Doc.1) Prédio urbano, correspondente ao Lote de terreno n.° 139.° com moradia composta de cave, r/ch., com 1.° andar, para habitação, Descrito e registado na Ficha 3659/19890126, na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito na respetiva matriz sob o art ° 13537, da União de Freguesia de... e ...,

9. Ficando o referido prédio sub onerado, no total de €:440.000,00, quando o seu valor patrimonial que consta na respetiva matriz já atualizada é apenas de €:148.940,00, (Doc.2)

10. Verificando-se a garantia por "inexistente", não podendo servir para os efeitos pretendidos, pelos Recorrentes,

11. Sendo o valor da garantia actualmente, nunca inferior a €:270.000,00, assim discriminados, €:220.000,00 referente à indemnização e €:50.000,00 referente aos diversos tratamentos, cirurgias e sessões de fisioterapia, que a Recorrida tem sido sujeita e ainda terá de sujeitar, por sua conta,

12 Vêm ainda os Recorrentes, por em crise a matéria de facto fixada pelas Instâncias, constante no Facto 5, alegando e defendendo a respectiva "Sindicância da Matéria de facto" fixada palas Instâncias e a "Irresponsabilidade", referente ao 2.° Recorrente CC,

Facto n.° 5:

O 2.° Réu actuou em seu nome, em nome do 1. ° Réu e de GG, no planeamento e direcção das execuções das construções feitas nos lotes 138. 139 e 140. sitos na Rua ..., nomeadamente, escolhendo os executantes e procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos afls. 63 a 70 realizados em Abril e Novembro de 1990.

13. Quando na matéria, que se oferece o merecimento dos Autos, Sentença do Tribunal da 1.ª Instância e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa resulta, consta claramente, de forma equilibrada e consistente a confirmação, não só da matéria constante do facto n.° 5, como também da responsabilidade solidária do 2.° Recorrente CC,

14. Ao contrário do que alegam, defendem e sustentam os Recorrentes, através de meras interpretações dos factos e conclusões, que não correspondem à realidade dos factos, matéria dada como provada e constantes nos Autos, não podendo merecer qualquer relevância jurídica,

15. Tanto assim que não houve reclamação por parte dos Recorrentes, não podem vir agora, pôr em crise a fixação da matéria de facto, por ser extemporâneo, ao abrigo do disposto no art.° 596.° do C.P.C.,

16. Nem, quanto à matéria de direito, em relação à Responsabilidade Solidária, nomeadamente em relação à posição do 2.° Recorrente CC, como erradamente defendem e sustentam, através do artigo 258.°, de mera "Representação",

17. Atendendo que o 1.° Réu BB, dono da obra, ausente, não residente em Portugal, (...), incumbiu e delegou no 2.° Recorrente que este assumiu, quis, aceitou e exerceu o cargo, controlo e responsabilidade, para edificar entre outras a moradia no Lote de terreno n.° 139, objecto dos presentes Autos,

18. Com plenos poderes e direitos, entre outros: escolha, contratação orientação do pessoal, Empreiteiro, assumiu a direção e orientação técnica, fiscalização e decisão sobre a execução da mesma,

19. Tendo no decurso da referida obra, legalmente aprovada, decido executar alterações abusivas, desconformes e ilegais, que não foram aceites pelo Empreiteiro por si contratado,

20. E, tendo-se recusado a prática tal ilegalidade, veio a ser demitido, pelo 2.° Recorrente, (Doc.3 e 4)

21. Tendo este retomado, executado e terminado as referidas obras por sua responsabilidade, nomeadamente contratando operários para o efeito, entre outros, EE, mesmo sabendo, tendo conhecimento e consciência da ilicitude que estava a praticar e praticou, (Doc.5)

22. Que não foram aprovadas pelos Serviços Competentes da Câmara Municipal de Cascais, precisamente, por violar as regras mais elementares: urbanística, da segurança e estabilidade da construção, (Doc.6)

23. Mais grave, pelo facto desta obra se destinar à Habitação e sabendo e conhecendo dessa ilegalidade, vícios e defeitos de construção, omitindo tudo isto,

24. O 2.° Recorrente CC, veio a dar de arrendamento a referida obra, celebrando contrato de arrendamento, assumindo todas as responsabilidades, sobre a mesma, verificando-se assim a responsabilidade solidária dos Recorrentes, entre outros, nos termos do art.° 483.°, 486.°, do n.° 2 do art.° 492.° e do n.° 1 do art.° 493.° todos do C.C., (Doc. 7)

25. Condenados os Recorrentes a pagar a Recorrida a seguinte Indemnização:

"- A indemnização no valor de €:70.000,00 a título de ressarcimento de todos os danos físicos sofridos pela A.

- A indemnização de €:50.000,00 a título de danos Patrimoniais.

- A indemnização de €: 100.000,00 pela incapacidade permanente geral de 60% que lhe foi atribuída.

- As quantias referentes a despesas que a A., venha a suportar de futuro, necessárias à sua reabilitação, onde incluem despesas médicas, medicamentosas e todos os tratamentos necessários, incluindo fisioterapia."

26. Vêm agora, alegar e a pôr em crise os cálculos da Indemnização por Incapacidade Permanente Geral,

27. Não tendo os Recorrentes, reclamado da referida matéria, nem por em crise a fixação da matéria de facto, por ser extemporâneo, nomeadamente, ao abrigo do art.° 596.° do C.P.C.,

28. Também a total falta de fundamento, decorre desde logo da matéria já provada e decidida, constante nos Autos, quer através da Sentença e confirmação da mesma pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,

29. De onde resulta, consta claramente, de forma equilibrada e consistente, não se verifica, qualquer fundamento essencialmente divergente, ao contrário do que defendem os Recorrente

30. O que só se admite, devido à incorreta interpretação que os Recorrentes retiram dos factos e conclusão dos mesmos face aos pareceres e Relatórios técnicos, nomeadamente do INML e a insuficiente aplicação do direito, quer da Portaria 377/2008, quer dos artigos: 492.°, 562.° e 566.° todos do C.C., referidos pelos Recorrentes,

31. Quando a Indemnização por Incapacidade Permanente Geral, é calculada e atribuída em conformidade com os pareceres e Relatórios técnicos nomeadamente do INML, e os respetivos preceitos Legais,

32. Recorrendo-se o Tribunal da Portaria 377/2008, apenas para orientação, dos valores por aquela determinados para a fixação da indemnização,

33. Quando os critérios da Portaria são, conforme já amplamente discutido pela Doutrina, meros indicadores, pelo que os Tribunais não estão vinculados a esta, uma vez que nem sequer tem a força de Lei, sendo uma mera Portaria,

34. Tendo sido a Indemnização de Incapacidade Geral, devidamente, analisada, aceite e decidida em conformidade e dentro das suas competências e pelo Tribunal da 1.° Instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos da Portaria 377/2008 de 26 de Maio e nos termos do n.° 1 e 3 do art.° 496.°, 497.°, 507.°, 562.°, 565.° e 566.° todos do C.C.,

35. Por fim, vêm agora os Recorrentes, alegar que apenas concordam parcialmente com a referida indemnização a que foram condenados,

36. Alegando e defendendo, em concreto, que se verifica uma "Duplicação de Indemnizações", por ter sido atribuído uma Indemnização por danos físicos/biológicos, no montante de €:70.000,00 (setenta mil euros),

37. Cuja total falta de fundamento dos Requerentes, apenas se justifica, devido à incorreta análise e conclusão que fazem dos factos e conclusões dos mesmos, face à aplicação ao direito,

38. Quando na verdade, não existe qualquer tipo de duplicação uma vez que os €:70.000,00 euros, estão estritamente ligados com o Dano "pela ofensa à integridade física e psíquica", uma vez que este dano é autónomo, da perda de dano de ganho, daí a sua autonomização face aos danos patrimoniais e à incapacidade permanente que a Recorrida padece,

39. Logo têm de ser avaliadas diferentemente, e não como os Recorrentes alegam e defendem,

Como refere a Doutrina:

Não se deve confundir diminuição de capacidade de trabalho com diminuição de capacidade de ganho, conforme refere:

Juiz Desembargador da Relação de Lisboa Sr. Joaquim de Sousa Dinis-Comunicação feita em 27/05/1997 no Centro de Estudos Judiciários:

É vulgar os Advogados das seguradoras confundirem propositadamente ou não, a diminuição de capacidade de ganho com a diminuição da capacidade de trabalho, para concluírem "por conveniência "

 E a Jurisprudência: Ac. da R.C. de 4/4/1995

"este acórdão decide atribuir uma indemnização com base numa diminuição de 100% da capacidade de ganho - o lesado nunca poderá vir a exercer aquela profissão e o vencimento perdido é tudo o que poderia vir a auferir. Sendo a diminuição da capacidade de trabalho 35%."

40. Como assim decorre desde logo pela matéria já decidida e provada, constante nos Autos, quer da Sentença, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, a que se faz oferecimento dos autos à matéria para os devidos efeitos”

Termina pugnando pela inadmissibilidade do recurso ou pela sua improcedência.


3. A fl. 697 foi proferido despacho de admissão do recurso, considerando que, tendo o acórdão recorrido confirmado a decisão da 1ª instância (salvo quanto à decisão sobre custas), com voto de vencido, fica descaracterizada a situação de dupla conforme (cfr. art. art. 672º, nº 3, do Código de Processo Civil); e atribuindo ao recurso, nos termos do art. 676º do CPC, efeito devolutivo.


4. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1 - A Autora nasceu em Lisboa, em 10.02.1952 e é filha de DD.

2. Vive com seu pai na moradia sita na Rua ... (também designado por 403), ....

3. A referida moradia foi edificada, sobre um lote de terreno para construção, designado por lote 139, descrito na CRP de Cascais sobre o número 3659.

4. O identificado lote mostra-se inscrito a favor do 1º R, através Ap. 52 de 04.08.2000.

5 - O 2º Réu actuou em seu nome, em nome do 1º Réu e de GG, no planeamento e direcção da execução das construções feitas nos lotes 138, 139 e 140, sitos na Rua ..., nomeadamente, escolhendo os executantes e procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro de 1990.

6. A dita moradia não tem licença de utilização.

7. Por escrito denominado "Contrato de Arrendamento para habitação...", o 1º R. representado pelo 2º R, declarou dar de arrendamento a DD, pai da Autora, um imóvel, para habitação.

8. Esse imóvel correspondente à moradia de rés-do-chão e primeiro andar, sita na Rua ... (também designado por 403), Bairro ...

9. No dia 02.12.2007, pelo final da manhã, a Autora encontrava-se na varanda do primeiro andar da referida moradia, quando a respectiva guarda de protecção se partiu, caindo a A. do 1º andar da moradia, de uma altura de cerca de três metros.

10. Em consequência da queda, a Autora sofreu, além do mais, escalpe com ferida frontal, afagamento do murmúrio à esquerda no tórax, hematoma epidural laminar perifracturário temporal esquerda, fractura da parede lateral da órbita esquerda, fractura da arcada zigomática, fractura do punho esquerdo e direito, fractura do primeiro arco costal à esquerda e da asa menor do esfóide junto à fossa cerebral médio. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

11. Sofreu ainda, fractura do redobro externo da órbita, fractura do corpo de D12 e corpo anterior de LI, fractura de ambos os punhos, fractura do primeiro arco costal E, hemopneumotorax esquerdo drenado e fractura da coluna dorso-lombar (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

12. A Autora sofreu igualmente feridas diversas profundas em todo o corpo (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

13. [Facto eliminado pela Relação por vir repetido no facto n° 22.]

14. Em consequência dos referidos ferimentos, a A. foi submetida, até à data, a quatro dolorosas intervenções cirúrgicas (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

15. A autora tem sido submetida a tratamentos diversos de fisioterapia em regime de ambulatório, desde a data do acidente, até hoje. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

16. Presentemente, apresenta ainda uma situação motora de dificuldades de locomoção e mobilidade dos membros superiores e inferiores, para além de alterações do humor e comportamento, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

17. Necessitando de apoio permanente de terceira pessoa para orientação e estimulação de todas as suas actividades, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

18. As lesões sofridas pela A., foram directa e exclusivamente causadas pela queda de 2-12-2007 (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

19. Em consequência da queda, a Autora esteve internada em hospitais de 02.12.2007 a 24.12.2007 (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

20. Não estão excluídas novas intervenções cirúrgicas ao punho esquerdo da A...(cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

21. Em consequência da queda, a Autora esteve de baixa por doença, entre 02.12.2007 a 10.08.2010 (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

22. Em consequência do acidente, a Autora passou a depender de terceiros, durante as 24 horas do dia, para se vestir, lavar, alimentar e transportar (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

23. Em consequência da queda, a Autora ficou com uma incapacidade permanente geral de 60%.(cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

24. Em consequência do acidente, a Autora deixou de poder conduzir quaisquer viaturas, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

25. Ainda hoje, a Autora apresenta sequelas do acidente, em termos de visão, mobilidade, em termos respiratórios e de estabilidade mental e emocional, etc. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

26. Em consequência directa e necessária do acidente, a Autora carece hoje de adequado acompanhamento oftalmológico, neurológico, ortopédico, psiquiátrico, fisiátrico e em sede de cirurgia plástica (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

27. Os ferimentos causados à Autora, foram de tal forma graves, que ainda hoje, lhe provocam muitas dores nos membros superiores esquerdos, pernas, cabeça e coluna vertebral, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

28. Para além da mobilidade que perdeu, a Autora sofreu muitas dores, depois do acidente, durante e após os tratamentos (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

29. Ainda hoje, praticamente não faz movimentos com os membros superiores esquerdos, tem muitas dores na coluna, nos joelhos, nas pernas, nos braços e na cabeça, dificuldades respiratórias, visão turva, depressões recorrentes, que motivam regulares deslocações aos serviços de urgência dos hospitais e ao Centro de Saúde. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

30. Em consequência da queda, a A. necessita da supervisão de terceira pessoa para se lavar, vestir, comer, andar e frequentar hospitais (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

31. E, apesar dos seus 55 anos, a Autora nunca mais voltou a andar, mover todos os seus membros e ver como dantes (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

32. Fruto do acidente, a autora vive também em permanente depressão, estando permanentemente triste, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

33. O casamento da Autora foi dissolvido por divórcio em ... 2010.

34. A varanda em causa nos autos, com a forma semicircular possui uma guarda composta por balaustradas em pedra moleanos, sobrepostos por pedras corridas em moleanos colocadas nos topos dos balaustres e interligando-os.

35. O sistema de colagem e fixação das peças verticais (balaustradas) na guarda horizontal é de baixa rigidez (leia-se resistência) a esforços horizontais. Tais dificuldades poderiam ser obviadas se tivessem sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaústres, como existem bases, para garantir o seu travamento. O material de colagem empregue revelou-se sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em 'escamas'. [alterado pela Relação]

36. A Autora, com apenas 55 anos à data do acidente, não padecia de qualquer das doenças relatadas como consequência do acidente a que os autos aludem. [alterado pela Relação]

37. Em relação à varanda referida em 9), resulta do laudo de peritagem de fls. 113 a 131, cujo teor se dá por reproduzido, que: "...devido a erros graves na sua montagem em obra, revela-se instável e completamente incapaz de cumprir a sua função para que foi destinada de guarda-corpos."', e que "...a fixação das peças verticais na guarda horizontal é muito deficiente... deviam ter sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaustres...para garantir o seu travamento. O mais grave foi no entanto que o material de colagem empregue se revelou sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em "escamas".


Foram dados como não provados os seguintes factos:

1 - Que em consequência do acidente, a Autora perdeu o emprego.

2 - Que em consequência do acidente, a Autora perdeu o marido, que a abandonou por não conseguir viver ao lado de uma mulher em permanente sofrimento, inválida e dependente de terceiros, para tudo.

3 - Que o marido da A. tivesse vendido bens, para custear as despesas de saúde da A., decorrentes do acidente.


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos delimita-se pelas conclusões dos mesmos. Assim, no presente recurso, estão em causa as seguintes questões:

- Eliminação do facto provado 5, ou, subsidiariamente, alteração da sua redacção;

- Eliminação dos factos provados 34, 35 e 37;

- Falta de ilicitude da conduta do 1º R.;

- Não atribuição de indemnização por incapacidade permanente geral da A. ou, subsidiariamente, redução da mesma para quantia não superior a € 41.778,45;

- Inexistência de fundamento para responsabilizar o 2º R.


As questões serão apreciadas pela seguinte ordem de precedência:

- Eliminação do facto provado 5, ou, subsidiariamente, alteração da sua redacção;

- Eliminação dos factos provados 34, 35 e 37;

- Falta de ilicitude da conduta do 1º R.;

- Inexistência de fundamento para responsabilizar o 2º R.

- Não atribuição de indemnização por incapacidade permanente geral da A. ou, subsidiariamente, redução da mesma para quantia não superior a € 41.778,45.


6. Antes de proceder à apreciação das questões objecto do recurso, considera-se conveniente fazer o seu enquadramento, tendo presentes os termos em que as instâncias decidiram.

         No caso sub judice está em causa um acidente de que foi vítima a A. quando, encontrando-se na varanda do 1º andar da moradia dos autos a sacudir um tapete, a guarda de protecção da varanda se partiu, caindo a A. de uma altura de cerca de três metros e sofrendo lesões físicas de que decorreram os danos dados como provados. A moradia era propriedade do 1º R., tendo sido dada de arrendamento ao pai da A., com a qual esta última habitava.

Quanto ao 2º R., foi dado como provado ter ele assumido o planeamento e direcção da execução da construção da mesma moradia, em conjunto com outras construções, ainda que esteja em aberto a qualificação da natureza jurídica dessa sua intervenção. Além disso, foi dado como provado que actuou como representante do 1º R. na celebração do contrato de arrendamento com o pai da A.

   A sentença de 1ª instância considerou os RR. solidariamente responsáveis pelo sucedido, com base no regime do art. 492º, nº 1, do Código Civil, por, tendo sido provada a existência de vício ou defeito de construção da guarda da varanda, ser a sua culpa presumida em virtude da aplicação de tal regime; e ainda com base na falta de licença de utilização da habitação dos autos, o que configura uma violação do regime do art. 62º, nº 1, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, falta de licença que era do conhecimento de ambos os RR.

E condenou-os a pagar à A.:

- Indemnização no valor de € 70.000,00, a título de ressarcimento dos danos físicos sofridos pela A.;

- Indemnização de € 50.000,00, a título de danos não patrimoniais da A.;

- Indemnização de € 100.000,00 pela incapacidade permanente geral de 60%, que foi arbitrada à A.;

- As quantias referentes a despesas que a A. venha a suportar de futuro, necessárias à sua reabilitação, onde se incluem despesas médicas, medicamentosas e todos os tratamentos necessários, incluindo fisioterapia.

A Relação manteve a decisão de responsabilizar ambos os RR., fundando-a, essencialmente, no desrespeito pela exigência legal da licença de utilização da moradia dos autos. E considerando ainda que: (i) No que respeita ao 1º R., a responsabilidade funda-se também na aplicação do regime do art. 492º, nº 1, do CC; (ii) No que respeita ao 2º R.: quanto à actividade de construção da moradia dos autos, qualifica a sua relação com o 1º R. como de mandato sem representação, entendendo não estar o 2º R. dispensado de cumprir a legislação relativa à licença de utilização; quanto à celebração do contrato de arrendamento, considera que, tendo o 2º R. actuado no âmbito de um mandato com representação de interesse comum, não podia ignorar a falta da licença.

        A final, manteve a condenação dos RR. a pagar à A. a indemnização fixada pela sentença.


7. Invocam os Recorrentes ter ocorrido violação da disciplina processual relativa à decisão da matéria de facto, o que, nos termos do art. 674º, nº 1, alínea b), do CPC, constitui fundamento do recurso de revista, do qual se passa a conhecer.


7.1. Relativamente ao facto provado 5, pretendem os Recorrentes, em primeira linha, eliminá-lo da matéria de facto, concluindo, no essencial: “O Facto n° 5 exorbita claramente a matéria alegada pelas partes;Devendo, pois, ser eliminado da Matéria Assente”; “Tanto mais que o Facto 5 é essencial, uma vez que a procedência da pretensão da A. depende da sua prova”; “Mesmo que o Facto em causa fosse complemento ou concretização de outros factos alegados, só seria lícito ao Julgador incluí-lo na Matéria de Facto Provada caso tivesse sido dada hipótese às partes de se pronunciarem sobre a possibilidade dessa inclusão e sobre os meios de prova que a fundamentam”.

Não se concluindo pela eliminação do facto, pretendem os Recorrentes que a sua redacção ser alterada para: "O 2º Réu actuou em nome do 1º Réu no acompanhamento da execução da construção feita no lote 139, sito na Rua ..., nomeadamente procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro de 1990."


Vejamos.

         É o seguinte o teor do facto provado 5:

“O 2º Réu actuou em seu nome, em nome do 1º Réu e de GG, no planeamento e direcção da execução das construções feitas nos lotes 138, 139 e 140, sitos na Rua ..., nomeadamente, escolhendo os executantes e procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro de 1990.”


            Tal facto foi impugnado em sede de apelação, com o mesmo fundamento de exorbitar dos factos alegados, questão que a Relação apreciou nos termos que aqui se reproduzem:      

“Quanto ao facto n° 5

Os RR. pretendem que o facto n°5 seja reformulado, por ser excessivo, passando a ter a seguinte redacção "o segundo R. actuou em nome do 1ºR. no acompanhamento da execução da construção feita no lote 139, sito na Rua ..., nomeadamente procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro de 1990".

Concomitantemente os RR. entendem que o art° 3º da P.I. deve ser levado aos factos não provados.

O facto n° 5 tem o seguinte teor

5 - O 2º Réu actuou em seu nome, em nome do 1º Réu e de GG, no planeamento e direcção da execução das construções feitas nos lotes 138, 139 e 140, sitos na Rua ..., nomeadamente, escolhendo os executantes e procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro dei 990.

Na motivação da Exma. Julgadora quanto a este facto consta nomeadamente que o mesmo resultou provado, pela conjugação do depoimento da testemunha GG, que contou que o próprio, o 1º e o 2ª RR. compraram, cada um, um lote de terreno para construção, referentes aos lotes 138, 139 e 140 da Rua .... A testemunha e o 1º R., aquando da construção da moradias que segundo a testemunha foram construindo em conjunto (porque seria mais económico), encontravam-se na ...  e foi  o  2º R. que encontrando-se em Portugal lhe disse que tinha um construtor (apesar de não saber o nome desse construtor) que trataria da obra e a testemunha ia enviando ao 2º R. o dinheiro que este fosse pedindo, à medida que a obra avançava, sendo que a testemunha só regressou a Portugal, quando o 2°R. lhe comunicou que a obra estava concluída. Daqui resulta que o 2º R. escolheu o executante da obra e procedeu ao pagamento dos trabalhos à medida que os mesmos iam sendo realizados (documentos de fls. 63 a 70, pagamentos que fez ao executante EE)".

Esta factualidade é corroborada em parte pelo art° 6º da contestação.

Por outro lado, e em reforço do acima expendido, cotejando os documentos de fls. 63 a 70 (execução de trabalhos de construção nos lotes 138, 139 e 140, resulta que os referidos trabalhos foram realizados entre Abril e Novembro de 1990, coincide com o prazo da prorrogação da licença de construção, junta à fls. 82, donde se retira que a mesma caducava em 29 de Novembro de 1990".

Assim, face aos termos da fundamentação da Mma julgadora, este facto não vem consistentemente posto em causa. A relevância da alusão a lotes que ninguém discute que não são, de facto, propriedade do 1º R., prende-se com a análise do contexto e da amplitude do mandato do 2º R. no contexto da relação contratual entre ambos estabelecida, naturalmente circunscrita ao lote da propriedade do 1º R.. Por isso, afigura-se-nos que não existe qualquer excesso no mesmo indicado facto. Pelo contrário, a ausência da alusão criticada poderia levar a uma captação deficitária da relação contratual entre os RR..” [negritos nossos]


         O juízo da Relação não merece censura. Com efeito, compulsados os articulados, verifica-se que:

- Na contestação foi alegado: “De facto, o 2º R. actuou sempre como simples Procurador do 1º R. tanto nos contratos celebrados para a construção da moradia, bem como, na celebração do contrato de arrendamento” (artigo 3º) e “O 2º R. actuou sempre como simples procurador e, nessa qualidade, representou o 1º R. junto do construtor e fornecedores de materiais do Lote 139, efectuando os pagamentos das facturas e recibos passados em nome do 1º R.” (artigo 6º);

- Na réplica foi alegado: “O 2º R. é parte legítima, porquanto, construiu, arrendou, auferiu e aufere os proventos dos arrendamentos, tudo no interesse dele e do 1º R.” (artigo 1º) e “Entre ambos vigora uma sociedade (de facto) nos termos da qual, ambos investem na compra dos prédios e na construção de fogos para habitação, repartindo, depois os respectivos rendimentos, quer do arrendamento, quer da venda” (artigo 2º).


         A matéria era pois controvertida, tendo sido objecto de produção de prova, designadamente testemunhal e documental, com base na qual a 1ª instância deu como provado o facto 5, com a fundamentação que consta da sentença, a fls. 331-332. Sendo que parte do teor do facto 5 (“O 2º Réu actuou em seu nome, em nome do 1º Réu e de GG, no planeamento e direcção da execução das construções (…) nomeadamente, escolhendo os executantes e procedendo ao pagamento (…)”) se encontra na órbitra dos factos alegados; e que a outra parte do mesmo facto (“(…)construções feitas nos lotes 138, 139 e 140, sitos na Rua do Farol, Bairro do Rosário, Cascais, nomeadamente, escolhendo os executantes e procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro de 1990.”) assenta em prova documental.

        Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão dos Recorrentes de eliminação ou de alteração do facto provado 5.


7.2. Pretendem também os Recorrentes que sejam eliminados os factos provados 34, 35 e 37, alegando, por um lado, que: “Sendo que (…) não correspondem minimamente à matéria alegada pelas partes, designadamente a A”; “Os factos em apreço não são mero complemento ou concretização de outros que as partes tenham alegado, mas sim factos essenciais, porque deles depende a pretensão da A.”; “Ainda que se tratassem de factos complementares ou concretizadores, não podiam ser acrescentados à matéria assente sem antes se conceder aos RR. a oportunidade de sobre eles se pronunciarem”; “0 que não aconteceu, por o Tribunal não ter dado a conhecer às partes que pretendia ampliar a Matéria de facto nesses termos”. E, por outro lado, que: “Os Factos 34, 35 e 37 não são mais do que reproduções do Relatório Pericial junto aos autos”; “Não constituindo verdadeiros factos, mas meras opiniões, pareceres e observações de natureza técnica”.


         Vejamos.

         É o seguinte o teor dos factos em causa:

34. A varanda em causa nos autos, com a forma semicircular possui uma guarda composta por balaustradas em pedra moleanos, sobrepostos por pedras corridas em moleanos colocadas nos topos dos balaustres e interligando-os.

35. O sistema de colagem e fixação das peças verticais (balaustradas) na guarda horizontal é de baixa rigidez (leia-se resistência) a esforços horizontais. Tais dificuldades poderiam ser obviadas se tivessem sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaústres, como existem bases, para garantir o seu travamento. O material de colagem empregue revelou-se sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em 'escamas' [alterado pela Relação]

37. Em relação à varanda referida em 9), resulta do laudo de peritagem de fls. 113 a 131, cujo teor se dá por reproduzido, que: "...devido a erros graves na sua montagem em obra, revela-se instável e completamente incapaz de cumprir a sua função para que foi destinada de guarda-corpos."', e que "...a fixação das peças verticais na guarda horizontal é muito deficiente... deviam ter sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaustres...para garantir o seu travamento. O mais grave foi no entanto que o material de colagem empregue se revelou sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em "escamas".


         Tais factos foram também impugnados em sede de apelação, com os mesmos fundamentos invocados no presente recurso de revista. A Relação apreciou a questão nos seguintes termos:

         “Quanto aos factos 34°, 35° e 37°

Os RR. questionam estes factos argumentado que os mesmos, além de se traduzirem em reprodução do relatório pericial (facto 37), exprimem meras opiniões, pareceres ou observações técnicas, não correspondendo ao que a A. alega e acrescentam que esta se limita a alegar, nos termos dos artigos 32°, 58° e 61°.

São do seguinte teor os supra enunciados factos:

"34. A varanda em causa nos autos, com a forma semicircular possui uma guarda composta por balaustradas em pedras moleanos, sobrepostos por pedras corridas em moleanos colocadas nos topos dos balaústres e interligando-os ". "35. O sistema de colagem e fixação das peças verticais (balaustradas) na guarda horizontal é muito deficiente, tornando baixa a sua rigidez a esforços horizontais. Deviam de ter sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaústres, como existem bases, para garantir o seu travamento. O mais grave foi que o material de colagem empregue se revelou sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em 'escamas' " . "37. Em relação à varanda referida em 9), resulta do laudo de peritagem de fls. 113 a 131, cujo teor se dá por reproduzido, que, "... devido a erros graves na sua montagem em obra, revela-se instável e completamente incapaz de cumprir a sua função para que foi destinada de guarda-corpos', e que '... a fixação das peças verticais na guarda horizontal é muito deficiente ... deviam ter sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaústres ... para garantir o seu travamento. O mais grave foi no entanto que o material de colagem empregue se revelou sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em 'escamas'".

Por seu turno o segmento da P.I. convocado pelos RR. tem o seguinte teor:

- Art. 32º: "A deficiente construção da guarda de protecção da varanda da referida moradia foi causa directa, em termos de causalidade adequada da queda a Autora, da varanda do primeiro andar, para o pavimento em tijoleira do rés do chão ";

- Art. 58°: "A queda da Autora, foi devida a culpa dos RR. que, construíram, mais

a mais sem a adequada licença camarária, a moradia dos autos, arrendando-a, sem cuidarem de verificar se a mesma, designadamente ao nível das guardas das varandas, tinha adequadas condições de habitabilidade e segurança ";

- Art. 61 °: "sendo, mais a mais, inequívoco que a guarda da identificada varanda,

não era adequada, como não foi, a proteger pessoas que sobre ela se debruçassem, sem se partir, como se partiu ".

É patente, mais uma vez, a sem razão dos RR., visto que, vindo alegada a deficiente construção, a alusão às condições em que se encontravam os balaústres em razão da sua construção, apenas concretiza os factos articulados pela A., o que cabe plenamente na literalidade do artigo 572º do CPC, não vindo sequer posto em causa (como não podia deixar de ser, face ao que resulta dos autos) que a mesma factualidade resulta da instrução da causa e sobre ela os RR. tiveram oportunidade de se defender.

Note-se que os n°s 34° e 37° contêm matéria de índole meramente factual e que resulta da observação directa dos peritos (n° 34°) e do tribunal (facto n° 37 - leitura do relatório).

O que poderia ser duvidoso é o segmento do n° 35 em que consta que “Deviam de ter sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaústres, como existem bases, para garantir o seu travamento. O mais grave foi que o material de colagem empregue se revelou sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em 'escamas ".

Porém a expressão "deviam ter", que se traduz num juízo de valor - é verdade - quando lido no sentido de que "Tais dificuldades poderiam ser obviadas se tivessem", perde a sua carga normativa.

O mesmo se diga da expressão "O mais grave foi que", expressão que na realidade se torna inútil já que o juízo sobre a gravidade resulta do encadeamento dos factos descritos e da experiência comum.

Note-se que os factos descritos, com ressalva do segmento conclusivo/valorativo enquadram-se plenamente dentro da amplitude da alegação da A. "construção deficiente" e "guarda da varanda não adequada".

Assim e visto o n° 4 do art. 607°, do CPC, a contrario sensu, altera-se o n° 35 dos factos para que o mesmo passe a ter a seguinte redacção:

35. O sistema de colagem e fixação das peças verticais (balaustradas) na guarda horizontal é de baixa rigidez (leia-se resistência) a esforços horizontais. Tais dificuldades poderiam ser obviadas se tivessem sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaústres, como existem bases, para garantir o seu travamento. O material de colagem empregue revelou-se sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em 'escamas'.

Assim, e com ressalva do que em parte se altera nos n°s 35 e 37, improcede a pretensão dos RR. quanto à matéria de facto.” [negritos nossos]


         Também nesta parte o acórdão recorrido não merece censura.

         Com efeito, constata-se que os factos 34, 35 e 37 concretizam os factos essenciais alegados, tendo resultado da produção de prova, sendo, por isso, admissíveis nos termos do art. 5º, nº 2, alínea b), do CPC.

         Além disso, nos termos do art. 389º do Código Civil, “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”, pelo que o tribunal de 1ª instância podia fazer suas, como fez, as conclusões do relatório pericial, quer na formulação dos factos 34 e 35, quer na do facto 37 (que aliás repete, em parte, o teor do facto 35), o que veio a ser confirmado pela Relação.

        Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão de eliminação dos factos provados 34, 35 e 37.


8. Relativamente à questão da alegada falta de ilicitude da conduta do 1º R., concluem os Recorrentes: “O Acórdão recorrido - à semelhança do que se verificava em relação à decisão da 1ª Instância - não identifica as normas jurídicas que, tendo sido violadas, pudessem ter estado na origem da ruína do edifício dos autos e dos danos sofridos pela A.”; “A falta de licença de utilização não pode constituir o facto ilícito relevante para efeitos de responsabilização do 1º R:”; “O art. 492° do C. Civil não exime quem dele se queira aproveitar de provar os pressupostos da responsabilidade civil, incluindo a ilicitude, pelo que não pode constituir, ele próprio, a base da ilicitude”.


         Relevam os seguintes factos provados:

3. A referida moradia foi edificada, sobre um lote de terreno para construção, designado por lote 139, descrito na CRP de Cascais sobre o número 3659.

4. O identificado lote mostra-se inscrito a favor do 1º R, através Ap. 52 de 04.08.2000.

5 - O 2º Réu actuou em seu nome, em nome do 1º Réu e de GG, no planeamento e direcção da execução das construções feitas nos lotes 138, 139 e 140, sitos na Rua ..., nomeadamente, escolhendo os executantes e procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro de 1990.

6. A dita moradia não tem licença de utilização.

7. Por escrito denominado "Contrato de Arrendamento para habitação...", o 1º R. representado pelo 2º R, declarou dar de arrendamento a DD, pai da Autora, um imóvel, para habitação.

8. Esse imóvel correspondente à moradia de rés-do-chão e primeiro andar, sita na Rua ... (também designado por 403), ....

9. No dia 02.12.2007, pelo final da manhã, a Autora encontrava-se na varanda do primeiro andar da referida moradia, quando a respectiva guarda de protecção se partiu, caindo a A. do 1º andar da moradia, de uma altura de cerca de três metros.

34. A varanda em causa nos autos, com a forma semicircular possui uma guarda composta por balaustradas em pedra moleanos, sobrepostos por pedras corridas em moleanos colocadas nos topos dos balaustres e interligando-os.

35. O sistema de colagem e fixação das peças verticais (balaustradas) na guarda horizontal é de baixa rigidez (leia-se resistência) a esforços horizontais. Tais dificuldades poderiam ser obviadas se tivessem sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaústres, como existem bases, para garantir o seu travamento. O material de colagem empregue revelou-se sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em 'escamas'. [alterado pela Relação]

37. Em relação à varanda referida em 9), resulta do laudo de peritagem de fls. 113 a 131, cujo teor se dá por reproduzido, que: "...devido a erros graves na sua montagem em obra, revela-se instável e completamente incapaz de cumprir a sua função para que foi destinada de guarda-corpos."', e que "...a fixação das peças verticais na guarda horizontal é muito deficiente... deviam ter sido montados ferrolhos nos topos superiores dos balaustres...para garantir o seu travamento. O mais grave foi no entanto que o material de colagem empregue se revelou sem a mínima aderência entre as pedras, desligando-se completamente em "escamas".


         Sobre a questão da ilicitude da conduta do 1º R., pronunciou-se a Relação em sentido afirmativo, fundamentando a decisão nos seguintes termos:

Quanto à alegada falta de Ilicitude

Entendem os RR. que da sentença não constam as normas de segurança que supostamente terão por eles sido violadas, daí retirando que, sem normas jurídicas violadas, não poderá falar-se em ilicitude.

Todavia e ao contrário do afirmado pelos RR. a sentença referencia o estatuído no artigo 62/1 do RGUE, aprovado pelo DL 555/99, de 16.12, na redacção da Lei 60/2007, ao referir a licença municipal obrigatória, destinada a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições de licenciamento ou da comunicação prévia.

E em torno desta carência a MMa julgadora desenvolve o raciocínio demonstrativo da ilicitude dos RR.

E na realidade assim é visto que à data do acidente (02.12.2207) ainda permaneciam por cumprir as disposições referentes ao licenciamento para utilização - conduta que se foi prolongando no tempo, sem que os RR. tenham vindo invocar responsabilidade exclusiva de qualquer outro terceiro.

Note-se que à luz do artigo 98° do citado diploma a falta de licença de utilização constitui contraordenação e, como tal, punível, mas sem prejuízo da responsabilidade civil que possa haver - como é o caso.

E se é verdade que quanto ao primeiro R. a ilicitude deriva também do artigo 492° CC, que integra os fundamentos da decisão sob crítica, quanto ao 2º R. deriva, do nosso ponto de vista, precisamente do enquadramento daqueles normativos.” [negritos nossos]


Vejamos.

A verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do 1º R., enquanto proprietário do edifício e locador do mesmo, é indubitável, existindo mesmo cumulação de fundamentos de responsabilidade, contratual e extracontratual.

Nos termos da segunda parte, do nº 1, do art. 483º, do Código Civil, está em causa a “violação de uma norma legal destinada a proteger interesses alheios”, a saber, a exigência legal de licença de utilização prevista no art. 62º, nº 1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (aprovado pelo Decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, e sucessivamente alterado). Encontram-se reunidos os requisitos da violação de norma de protecção (cfr., por exemplo, Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, págs. 539 e segs.): verificar-se o desrespeito por norma legal; destinar-se a norma à protecção de interesses particulares, entre os quais, no caso dos autos, avulta o interesse da segurança dos utentes do imóvel a licenciar; ter o dano ocorrido no âmbito de protecção da norma, o que, no caso dos autos (ruína da guarda de uma varanda), é por demais evidente.

Assim, ao colocar no mercado de arrendamento a habitação dos autos sem obtenção da respectiva licença de utilização, o 1º R. actuou ilicitamente. É certo que esta “segunda forma” de ilicitude, por violação de normas de protecção, não implica, por si só, a presunção de culpa do 1º R. Contudo, há que ter presente que, na qualidade de locador e nos termos do art. 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 160/2006, de 8 de Agosto, o mesmo 1º R. estava adstrito à seguinte exigência:

Só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização.”

O não cumprimento desta obrigação em sentido técnico-jurídico está sujeito ao regime da presunção de culpa do art. 799º, nº 1, do CC, regime do qual pode beneficiar não apenas o locatário (no caso dos autos, o pai da A.) como a própria A. Com efeito, de acordo com a construção dogmática do contrato com eficácia de protecção para terceiros, que tem vindo a ser aceite pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, encontram-se abrangidos no âmbito de protecção do contrato de locação aqueles terceiros que se encontram numa situação de especial proximidade em relação ao locatário (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. VII – Direito das Obrigações, Almedina, Lisboa, 2014, págs. 656-657), como é o caso dos respectivos familiares ou de outras pessoas que com ele habitam ou convivem. Deste modo, podem estes terceiros – entre os quais a A. se conta, quer enquanto filha do locatário, quer enquanto pessoa que com ele habitava no locado – demandar directamente o proprietário/locador, tanto pela violação da obrigação de obtenção da licença de utilização, como pela violação do dever de garantir a segurança da coisa locada (cfr. art. 1031º, alínea b), e art. 1032º, ambos do CC), beneficiando do regime de presunção de culpa da responsabilidade obrigacional.

Além do mais, e tal como entenderam as instâncias, é também convocável o regime do art. 492º, nº 1, do CC, no qual se dispõe:

O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos”.

Trata-se de uma das hipóteses em que, tal como as previstas nos arts. 491º, e 493º, nºs 1 e 2, do CC, se consagram os denominados deveres de segurança no tráfego (“Verkehrssicherungspflicten”) ou deveres de prevenção de perigo, que permitem concretizar a responsabilidade civil por omissões, na medida em que neles se consubstancia a exigência do art. 486º, do CC, de que, para além dos requisitos gerais da responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, exista o dever de praticar o acto omitido.

Tradicionalmente, tanto a doutrina (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, cit., págs. 591-593; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 584-586), como a jurisprudência nacionais (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22/11/2012 (proc. n.º 9014/04.0TBOER.L1.S1) e de 04/07/2013 (proc. nº 506/07.0TBSJM.P1.S1), consultáveis em sumários da jurisprudência cível, in www.stj.pt) entendem que o regime do art. 492º, nº 1, do CC, consagra uma presunção de culpa do proprietário ou possuidor de edifício ou obra que ruir por vício de construção ou defeito de conservação, sendo que se vem também afirmando que essa presunção é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil, Vol. VIII – Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 589; Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, Cascais, 2017, págs. 244-245). Cfr., neste sentido, – ainda que a respeito do dever de segurança no tráfego consagrado no art. 493º, nº 2, do CC, mas em termos que se afiguram essencialmente válidos para os demais deveres de segurança no tráfego – os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2007 (proc. nº 07A96) e de 07/04/2016 (proc. nº 7895/05.0TBSTB.E1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt

No caso dos autos, tendo sido dado como provado que a ruína da guarda da varanda resultou de vício de construção (factos 34, 35 e 37), com a consequente violação do direito à integridade física da A., presume-se a culpa do proprietário da moradia dos autos, o aqui 1º R.

Conclui-se pela responsabilização do 1º R. pelos danos sofridos pela A.


9. A questão do fundamento para responsabilizar o 2º R. afigura-se bem mais complexa do que a do fundamento da responsabilidade do 1º R., razão pela qual, precisamente, o acórdão recorrido foi proferido com voto de vencido quanto à condenação daquele 2º R.

         Para além do mais, relevam especificamente os seguintes factos provados:

5 - O 2º Réu actuou em seu nome, em nome do 1º Réu e de GG, no planeamento e direcção da execução das construções feitas nos lotes 138, 139 e 140, sitos na Rua ..., nomeadamente, escolhendo os executantes e procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro de 1990.

7. Por escrito denominado "Contrato de Arrendamento para habitação...", o 1º R. representado pelo 2º R, declarou dar de arrendamento a DD, pai da Autora, um imóvel, para habitação.


         Recorde-se que a sentença não distinguiu a situação jurídica do 2º R. em relação à do 1º R., tendo condenado aquele com os mesmos fundamentos que este.

Quanto ao acórdão da Relação, é a seguinte a fundamentação da decisão da questão em apreciação:

“E se é verdade que quanto ao primeiro R. a ilicitude deriva também do artigo 492° CC, que integra os fundamentos da decisão sob crítica, quanto ao 2º R. deriva, do nosso ponto de vista, precisamente do enquadramento daqueles normativos.

Entende-se existir aqui uma situação de mandato sem representação, precisamente pelo facto de o segundo R. ter agido em nome próprio.

Com efeito, ele foi a pessoa que interveio na construção da obra em seu próprio nome designadamente na fase do planeamento, direcção e execução, escolhendo os executantes e procedendo ao pagamento dos trabalhos (factos n°s 3º e 5º).

A actuação entre os RR. denota vantagens patrimoniais manifestas em virtude de, em vez de construção individualizada, a construção de três lotes - segundo a experiência comum - ser passível de embaratecer os custos da construção.

Assim, faz sentido considerar o presente contrato de mandato sem representação como mandato de interesse comum (artigo 1180° CC). Todavia, ainda que actuando no interesse e por conta do mandante, o mandatário não pode considerar-se dispensado do cumprimento da legislação pertinente no âmbito do seu mandato.

Ora, o segundo R. não demonstrou, bem pelo contrário, que tenha cumprido a legislação em matéria de obtenção da respectiva licença de utilização (vide facto n° 6).

E não podia ignorar tal omissão no âmbito do mandato com representação, quando agiu em nome do primeiro R. aquando da outorga do contrato de arrendamento do locado ao pai da A. que com este residia no mesmo.

Assim sendo, afigura-se-nos que não é aceitável colocar em dúvida o juízo de que a conduta de ambas os RR. se considera ilícita.” [negritos nossos]


Por sua vez, quanto a esta questão, é o seguinte o teor do voto de vencido:

“1 - A responsabilidade do 2º Réu, CC, só seria configurável no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, não podendo assentar, exclusiva e praticamente, na figura do mandato sem representação genericamente previsto para o plano da responsabilidade meramente contratual no artigo 1180° do Código Civil (preceito, aliás, a meu ver, totalmente inaplicável in casu face à concreta matéria de facto dada como provada e ao tipo de responsabilidade que se discute).

2 - A presente acção não contém a factualidade mínima necessária que permita a responsabilização deste Réu, atenta a sua participação nos factos dados como provados, não se enquadrando a sua conduta na previsão do artigo 492°, do Código Civil (seu n°s 1 e 2). Os autos não fornecem igualmente factualidade susceptível de responsabilizar este Réu no âmbito da previsão do artigo 493°, do Código Civil.” [negritos nossos]


Vejamos.

  Perante a gravidade das lesões sofridas pela A., com os consequentes danos patrimoniais e não patrimoniais de vulto, compreende-se a preocupação das instâncias em não a deixar desprotegida. Contudo, tal não poderá ser feito sem respeitar o princípio geral de direito segundo o qual a responsabilização de outrem por danos próprios carece de um título legal de imputação. No caso dos autos, o problema está em apurar se, perante a escassez de factos alegados e provados (e que não incluem factos que a agora Recorrida invoca nas conclusões 19 a 23 das contra-alegações, supra transcritas), existe título legal que permita imputar ao 2º R. os danos suportados pela A. lesada.

         O fundamento delitual invocado pela sentença – regime do art. 492º, nº 1, do CC – não tem aqui cabimento. Com efeito, o 2º R. não se enquadra no âmbito subjectivo daquela norma (proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir”), uma vez que não é titular de direito real sobre a vivenda dos autos, nem seu possuidor, nem tampouco – admitindo uma interpretação extensiva do âmbito subjectivo do referido regime (cfr. Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 306 e segs.) – é titular de um direito pessoal de gozo sobre a coisa. Não pode também ser-lhe aplicável o regime do art. 493º, nº 1, do CC, pois não foram alegados e provados factos que permitam equacionar ter o 2º R. a qualidade de “vigilante” da coisa imóvel aquando da ruína da guarda da varanda.

        Também a Relação afastou a responsabilidade extracontratual, convocando dois fundamentos alternativos de natureza contratual:

- Por um lado, qualificando a intervenção do 2º R. no processo de construção da moradia do 1º R. (“O 2º Réu actuou em seu nome, em nome do 1º Réu e de GG, no planeamento e direcção da execução das construções feitas…”) como uma relação de mandato sem representação, de interesse comum, com base na qual o 2º R. também seria susceptível de ser responsabilizado pelo não cumprimento da obrigação de obtenção da licença de utilização;

- Por outro lado, qualificando a intervenção do 2º R. na celebração do contrato de arrendamento da moradia dos autos (“Por escrito denominado "Contrato de Arrendamento para habitação...", o 1º R. representado pelo 2º R, declarou dar de arrendamento a DD, pai da Autora, um imóvel, para habitação”) como ocorrendo ao abrigo de uma relação de mandato com representação e considerando que o representante (2º R.) não podia ignorar a falta de licença de utilização.

         O que dizer?

        Não oferece dúvidas que, no que à celebração do contrato de arrendamento dos autos respeita, o 2º R. actuou como mandatário, com poderes representativos, do 1º R. (art. 1178º, do CC). Porém, de acordo com os princípios gerais que regem a representação voluntária, as exigências legais para a prática dos actos jurídicos – em concreto, a exigência de licença de utilização – dirigem-se à pessoa do representado e não do representante. Por isso, a este título não pode o 2º R. ser responsabilizado por violação de norma legal de protecção.

         Quanto à natureza jurídica da intervenção do 2º R. no processo de construção da vivenda do 1º R., é muito discutível que possa ser qualificada como mandato sem representação, mas, ainda que o fosse, tal não permitiria, por si só, responsabilizar o 2º R. em sede de responsabilidade delitual para com terceiros. Com efeito, do regime dos arts. 1180º e segs. do CC, poderia extrair-se a responsabilidade do mandatário por eventuais dívidas (obrigações em sentido estrito) contraídas diante de terceiros durante o exercício do mandato, mas não por danos causados a terceiros por coisa pertencente ao mandante, ainda que conexa com a execução do mandato.

        Assim, não se afigura possível, com base nos incipientes factos alegados e provados, responsabilizar o 2º R. pelos danos sofridos pela A. com outro fundamento. É certo que o mesmo 2º R. teve intervenção relevante no processo de construção da vivenda dos autos, de tal forma que poderia aqui convocar-se o amplíssimo regime de responsabilidade civil dos intervenientes nas operações urbanísticas, consagrado no actual art. 100º-A, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação. Contudo, remontando a construção da vivenda ao ano de 1990, tal regime (adoptado pelo Decreto-Lei nº 136/2014, de 9 de Setembro), não pode ser aplicável ao 2º R.

         Conclui-se, assim, pela não responsabilização do 2º R.


10. Por último, apreciemos a questão da não atribuição de indemnização por incapacidade permanente geral da A. ou, subsidiariamente, da redução da mesma para quantia não superior a € 41.778,45.

        Recorde-se que a A. peticionou uma indemnização com as seguintes componentes:

1) € 500.000,00, a título de ressarcimento de todos os danos físicos sofridos pela A. com o acidente;

2) € 500.000,00, a título de ressarcimento de todos os danos morais sofridos pela A. com o acidente;

3) € 500.000,00, a título de indemnização decorrente da IPP de 70%, a que se viu votada, em consequência do acidente, onde se inclui a perda da capacidade de ganho, até aos 70 anos de idade (por ter ficado inválida, sem conseguir trabalhar);

4) A importância relativa ao diagnóstico para determinação dos danos físicos efectivamente sofridos e ao custo dos tratamentos necessários à reparação dos danos causados, cuja liquidação se relega para execução de sentença;

5) Juros de mora sobre as importâncias anteriores.


         A sentença, após tecer brevíssimas considerações de ordem geral (a fls. 333 verso e 334), limitou-se a declarar:

“Os danos sofridos pela autora foram muito extensos e graves, pelo que entendemos justa e adequada:

- A indemnização no valor de € 70.000,00 a título de ressarcimento de todos os danos físicos sofrido pela A.;

- A indemnização de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais;

- A indemnização de € 100.000,00 pela incapacidade permanente geral de 60%, que lhe foi arbitrada.

O montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais foi objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do art.º 566.° do Código Civil.

Improcede, parcialmente, o pedido feito em 2) [rectius: 4)], em primeiro lugar, por já ser do conhecimento da A., aquando da entrada da PI em Juízo, dos montantes até então gastos na recuperação da A., que os não indicou, não se tratando de uma situação que possa ser relegada para liquidação em execução de sentença, conforme resulta do disposto no art. 609°, nº 2 do CPC. Não os tendo indicado, nem alegado, não poderá reclamá-los no pedido nos termos referidos. Contudo, procede em relação aos custos necessários que a A. ainda terá, com todos os tratamentos que necessitar futuramente, para recuperar as lesões que ainda apresenta, onde se incluem gastos com despesas médicas, medicamentosas e todos os tratamentos necessários à reabilitação da A., que sejam consequência das lesões resultantes da queda a que se reportam os autos.” [negritos nossos]


        Em sede de apelação os RR. contestaram as parcelas indemnizatórias atribuídas à A. a título de reparação de danos físicos, de danos não patrimoniais e pela incapacidade geral permanente de 60% da A.

A Relação confirmou os montantes indemnizatórios fixados pela 1ª instância, mas com um voto de vencido que, a este respeito, afirmou: “As indemnizações fixadas cumulativamente a título de perda da capacidade de ganho e de “lesões físicas” assentam basicamente numa mesma e única realidade – que igualmente se confunde com a matéria relativa ao ressarcimento de danos morais (artigo 496º nº 1, do Código Civil) -, constituindo duplicação de montantes indemnizatórios sem a adequada justificação substantiva.”

         Os RR. Recorrentes vêm agora impugnar a decisão de atribuir à A. a quantia de € 100.000,00, por incapacidade geral permanente, alegando, no essencial: que não foi dado como provado que, à data do acidente, a A. exercesse qualquer profissão; e que, tendo sido fixada indemnização de € 70.000,00, por “dano biológico”, se verifica uma duplicação da indemnização.

Quando assim se não entenda, tal indemnização por incapacidade geral permanente da A. não poderá ser superior a € 41.778,45, calculada com base na remuneração mínima de € 403,00, pela incapacidade de 60%, e na presunção de que a lesada teria uma vida activa até aos 70 anos.


Vejamos.

        Compulsado o acórdão da Relação, na perspectiva da alegada duplicação de parcelas indemnizatórias, considera-se necessário ter em conta os termos em que se encontra fundamentada a decisão de confirmação de cada um das três parcelas impugnadas na apelação:

Quando aos danos físicos

Os RR. discordam da autonomização da condenação em indemnização pelos designados danos físicos, por entenderem que tal se cifra numa indevida duplicação da indemnização e, quando muito, devem ser indemnizados como dano não patrimonial.

No segmento decisório em causa lê-se que:

"Pelo exposto, atentos os factos, as normas e os princípios supramencionados, decido:

a) Condenar os réus BB e CC, a pagarem, solidariamente, à autora AA, as seguintes quantias:

- A indemnização no valor de € 70.000,00 a título de ressarcimento de todos os

danos físicos sofrido pela A..

(...)

Não nos revemos na pretensão dos RR..

Com efeito, tem-se vindo a entender que as lesões geradoras de incapacidades permanentes, com ou sem repercussão na esfera patrimonial do lesado, integram o conceito de dano biológico.

Em ordem a fixarem-se "os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto -Lei n. ° 291/2007, de 21 de Agosto, veio a ser aprovada a Portaria n.° 377/2008 de 26 de maio, entretanto atualizada pela Portaria n.° 679/2009 de 25/6, pela qual se diferencia o "dano patrimonial futuro" (casos de dano corporal - art. 3.° n.° 1 al. a) da mencionada Portaria), da compensação devida por violação do direito à integridade física e psíquica, de que resulte ou não perda de capacidade de ganho, identificada aí como "dano biológico" (art. 3º al. b) da mesma Portaria).

Nesta Portaria fixaram-se critérios distintos para determinação da indemnização por "danos morais complementares" (art. 4º e anexo I), por "danos patrimoniais futuros" (art. 7.° e anexo III) e, finalmente, para o "dano biológico" (art. 8º e anexo IV). Neste caso, o primeiro e o último são tratados como "danos não patrimoniais" e o segundo como "dano patrimonial".

Tem também dito, que: "a autonomização do dano biológico ou corporal deriva da tutela do direito à saúde, concretizado numa situação de bem-estar físico e psíquico, enquanto direito fundamental de cada indivíduo, constitucionalmente consagrado nos arts 24° n° 1, 25° n° 1 da CRP que estabelecem o carácter inviolável da vida e integridade física e moral da pessoa humana e no 70° do C. Civil que protege a ofensa ilícita à personalidade física ou moral de cada um.

Este "direito à saúde" quando afectado, enquanto direito fundamental de cada um, dá lugar à obrigação de indemnizar que não pode ser limitada aos casos em que as lesões se repercutem sobre a capacidade de ganho do lesado".

Em reforço do entendimento de que os danos biológicos se podem projectar, quer a nível patrimonial, quer não patrimonial, pronunciou-se, inter alia, o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac de 25-05-2017, onde se escreveu que:

II - A afectação da integridade fisico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado "dano biológico ") pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais.


Conforme se extracta do mesmo acórdão, em idêntico sentido se havia pronunciado o acórdão do Supremo Tribunal de 28/01/2016 (proc. n° 7793/09.8T2SNT.LI.SI), in www.dssi.pt, retomando o entendimento dos acórdãos de 07/04/2016 (proc. n° 237/13.2TCGMR.G1.S1), e de 14/12/2016 (proc. n° 37/13.0TBMTR.G1.S1), in www.dgsi.pt, "A afectação da integridade fisico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado "dano biológico") pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. n° 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. n° 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. n° 436/11.1TBRGR.L1.SI), de 10 de Outubro de 2012 (proc. n° 632/2001.Gl.SI), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. n° 428/07.5TBFAF.G1.SI), todos em www.desi.pt.)".

Afirma-se (...) no acórdão de 28/01/2016, que vimos citando: "Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis  de   ganhos   materiais.   Trata-se  das   consequências patrimoniais  do denominado "dano biológico", expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil - Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: "a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão fisico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flasrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. "

Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.

"A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado -constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais" (acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.). ".

Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual.


Poderemos, assim, dizer que, neste âmbito é abrangida a afectação da capacidade para actividades de natureza pessoal, tenham ou não um cunho económico, mas tê-lo-ão seguramente quando, pelo grau de incapacidade e em função das específicas lesões, haja necessidade de contratar a ajuda de terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, designadamente do auto-cuidado.

Em suma: embora não se desconheça entendimento diverso, o dano biológico, traduz-se numa categoria que, segundo a doutrina e a jurisprudência tanto pode dar origem a danos patrimoniais como não patrimoniais e que dá origem a uma indemnização que não se pode confundir com aquela que é atribuída quando há perda da capacidade de ganho. A autonomia da indemnização pelo dano biológico radica na afectação do direito à saúde que pode originar outras perdas e ou despesas acrescidas, tanto de natureza patrimonial como não patrimonial.

Os RR. questionam também o montante a este título arbitrado

Opinam que o mesmo é excessivo: quando muito deveria ter sido fixado em € 50.000,00.

Para aferição sobre se no caso em apreço foram ou não excedidos os indicados critérios gerais de cálculo, importa ter em conta os danos sofridos pela A. a este nível e que, por comodidade de leitura, aqui se voltam a descrever:

10. Em consequência da queda, a Autora sofreu, além do mais, escalpe com ferida frontal, afagamento do murmúrio à esquerda no tórax, hematoma epidural laminar perifracturário temporal esquerda, fractura da parede lateral da órbita esquerda, fractura da arcada zigomática, fractura do punho esquerdo e direito, fractura do primeiro arco costal à esquerda e da asa menor do esfóide junto à fossa cerebral médio. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

11. Sofreu ainda, fractura do redobro externo da órbita, fractura do corpo de Dl2 e corpo anterior de LI, fractura de ambos os punhos, fractura do primeiro arco costal E, hemopneumotorax esquerdo drenado e fractura da coluna dorso-lombar. (cfr, Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

12. A Autora sofreu igualmente feridas diversas profundas em todo o corpo. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

14. Em consequência dos referidos ferimentos, a A. foi submetida, até à data, a quatro dolorosas intervenções cirúrgicas, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

15. A autora tem sido submetida a tratamentos diversos de fisioterapia em regime de ambulatório, desde a data do acidente, até hoje. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

16. Presentemente, apresenta ainda uma situação motora de dificuldades de locomoção e mobilidade dos membros superiores e inferiores, para além de alterações do humor e comportamento, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

17. Necessitando de apoio permanente de terceira pessoa para orientação e estimulação de todas as suas actividades, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

18. As lesões sofridas pela A., foram directa e exclusivamente causadas pela queda de 2-12-2007. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

19. Em consequência da queda, a Autora esteve internada em hospitais de 02.12.2007 a 24.12.2007. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

20. Não estão excluídas novas intervenções cirúrgicas ao punho esquerdo da A... (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

21. Em consequência da queda, a Autora esteve de baixa por doença, entre 02.12.2007 a 10.08.2010. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

22. Em consequência do acidente, a Autora passou a depender de terceiros, durante as 24 horas do dia, para se vestir, lavar, alimentar e transportar, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

23. Em consequência da queda, a Autora ficou com uma incapacidade permanente geral de 60% (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

24. Em consequência do acidente, a Autora deixou de poder conduzir quaisquer viaturas (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

25. Ainda hoje, a Autora apresenta sequelas do acidente, em termos de visão, mobilidade, em termos respiratórios e de estabilidade mental e emocional, etc. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

26. Em consequência directa e necessária do acidente, a Autora carece hoje de adequado acompanhamento oftalmológico, neurológico, ortopédico, psiquiátrico, fisiátrico e em sede de cirurgia plástica (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

27. Os ferimentos causados à Autora, foram de tal forma graves, que ainda hoje, lhe provocam muitas dores nos membros superiores esquerdos, pernas, cabeça e coluna vertebral (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

28. Para além da mobilidade que perdeu, a Autora sofreu muitas dores, depois do acidente, durante e após os tratamentos (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

29. Ainda hoje, praticamente não faz movimentos com os membros superiores esquerdos, tem muitas dores na coluna, nos joelhos, nas pernas, nos braços e na cabeça, dificuldades respiratórias, visão turva, depressões recorrentes, que motivam regulares deslocações aos serviços de urgência dos hospitais e ao Centro de Saúde (cfr. resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

30. Em consequência da queda, a A. necessita da supervisão de terceira pessoa para se lavar, vestir, comer, andar e frequentar hospitais (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

31. E, apesar dos seus 55 anos, a Autora nunca mais voltou a andar, a mover todos os seus membros e ver como dantes (cfr. Resposta aos quesitos na perícia defls. 284 verso e 285).

36. A Autora, com 55 anos à data do acidente, não padecia de qualquer das doenças relatadas como decorrência do acidente.


Importa ter em mente que, neste tipo de situações, o período a ponderar neste cálculo não se referencia ao tempo de vida activa (até aos 70 anos). Diversamente, há que ponderar a esperança média de vida (fixada em cerca de 83 anos para as mulheres).

Mais, não se poderão ter em conta, os valores da remuneração como contrapartida da actividade laboral concreta de um trabalhador, para efectuar os respectivos cálculos, visto que estamos no domínio de uma das vertentes do direito à saúde que, como tal, deverá ter um tratamento equitativo para todos os cidadãos.

Depois, como referência é corrente lançar mão da remuneração mínima garantida (muito embora se note um crescendum na ponderação da remuneração média em função da etiologia deste tipo de dano e da finalidade da respectiva indemnização), a qual, à data do acidente, era de € 403,00 (x l4 meses) e, bem assim, os factores que delimitam os contornos do caso concreto (como sejam nomeadamente, neste caso, os 60% de incapacidade permanente geral que foram fixados à A.).

Neste domínio, a A. ficou a precisar da supervisão de uma terceira pessoa para garantir as tarefas da vida diária: para se vestir, lavar, alimentar e transportar. Isto é, irá ter despesas que, se não fosse o acidente, previsivelmente não teria.

Ora, se tivermos em conta os valores a que a Mma julgadora chegou, nenhum excesso detectamos, ainda que na operação do cálculo lancemos mão das fórmulas da tabela utilizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2007, no Proc. 07A3836, igualmente adoptada no Acórdão da Relação do Porto de 08.05.2014, no Proc. 227/09.0TBRSD.P113.

Nestes casos a jurisprudência tem levado em linha de conta alguns ajustes no rendimento nominal em função nomeadamente da inflação.

Assim, tomando por base o rendimento anual da A. reportado a 14 meses (€ 403 x 14 meses x 28 anos), a incapacidade permanente geral, que lhe foi fixada em 60%, a taxa de juro nominal da ordem dos 4%, um período de vida previsível de 28 anos (com referência ao ano do acidente), uma taxa anual de crescimento da prestação na ordem dos 2% e uma redução de 1/3 do capital assim apurado a título de compensação pela antecipação do capital, e, bem assim, a ponderação da necessidade de cuidados por terceira pessoa (para as tarefas comuns da vida diária) e atendendo a que deixou de poder conduzir quaisquer viaturas, diminuindo assim a empregabilidade em termos gerais, face aos factores de cálculo acima indicados, submetidos a critérios de equidade, não se mostra que a indemnização de € 70.000,00 seja, de algum modo, excessiva para reparar o dano biológico sofrido pela A.


Danos patrimoniais por incapacidade permanente geral

Muito embora, como vimos, se trate de uma realidade que não pode confundir-se com a anteriormente tratada, a verdade é que tem com a mesma fortes pontos tangenciais.

Neste âmbito, importa basicamente ponderar os mesmos factos, salientando-se, nomeadamente as dificuldades de que a A. passou a padecer como decorrência do acidente dos autos, podendo, mais uma vez por comodidade de leitura, resumir-se assim:

10. Em consequência da queda, a Autora sofreu, além do mais, escalpe com ferida frontal, afogamento do murmúrio à esquerda no tórax, hematoma epidural laminar perifracturário temporal esquerda, fractura da parede lateral da órbita esquerda, fractura da arcada zigomática, fractura do punho esquerdo e direito, fractura do primeiro arco costal à esquerda e da asa menor do esfóide junto à fossa cerebral médio. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

11. Sofreu ainda, fractura do redobro externo da órbita, fractura do corpo de Dl2 e corpo anterior de LI, fractura de ambos os punhos, fractura do primeiro arco costal E, hemopneumotorax esquerdo drenado e fractura da coluna dorso-lombar. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

16. Presentemente, apresenta ainda uma situação motora de dificuldades de locomoção e mobilidade dos membros superiores e inferiores, para além de alterações do humor e comportamento, (cfr. resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

17. Necessitando de apoio permanente de terceira pessoa para orientação e estimulação de todas as suas actividades, (cfr. resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

22. Em consequência do acidente, a Autora passou a depender de terceiros, durante as 24 horas do dia, para se vestir, lavar, alimentar e transportar, (cfr. resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285),

23. Em consequência da queda, a Autora ficou com uma incapacidade permanente geral de 60%. (cfr. resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

24. Em consequência do acidente, a Autora deixou de poder conduzir quaisquer viaturas, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

25. Ainda hoje, a Autora apresenta sequelas do acidente, em termos de visão, mobilidade, em termos respiratórios e de estabilidade mental e emocional, etc. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

29. Ainda hoje, praticamente não faz movimentos com os membros superiores esquerdos, tem muitas dores na coluna, nos joelhos, nas pernas, nos braços e na cabeça, dificuldades respiratórias, visão turva, depressões recorrentes, que motivam regulares deslocações aos serviços de urgência dos hospitais e ao Centro de Saúde. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

30. Em consequência da queda, a A. necessita da supervisão de terceira pessoa para se lavar, vestir, comer, andar e frequentar hospitais, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

31. E, apesar dos seus 55 anos, a Autora nunca mais voltou a andar, mover todos os seus membros e ver como dantes, (çfr. resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

32. Fruto do acidente, a autora vive também em permanente depressão, estando permanentemente triste, (cfr. resposta aos quesitos na perícia de fls.. 284 verso e 285).


Fundamentalmente com base nos apontados critérios, mas tendo em conta o tempo de vida activa de 15 anos (até aos 70), mantendo-se ainda o valor da retribuição mínima mensal garantida, uma vez que não se provou a remuneração efectivamente auferida pela A., com base num cálculo paralelo, temperado pela equidade, em que ponderam factores como a circunstância de não ser tida em conta a inflação e sua repercussão nos salários, a ausência de possibilidade de progressão na carreira, entendemos não ser excessivo o valor de € 100.000,00 fixado a título de indemnização por danos patrimoniais em razão da incapacidade geral de ganho.


Quanto aos danos não patrimoniais

Os RR. sustentam que o montante de € 50.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais é manifestamente exagerado para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela A..

Argumentam com base no valor referência do direito à vida que entendem ser de € 50.000,00; nos dados de estudo comparativo de recentes decisões e na circunstância de não haver qualquer dolo por parte dos RR. (dispensando-nos aqui de referenciar os argumentos já afastados aquando do conhecimento das anteriores questões, relativas a ausência de ilicitude e nexo de causalidade).

A decisão recorrida teve por referência o quadro normativo pertinente (artigo 496º, 1 e 3 e 494°, CC),

Nos termos do artigo 496.° do Código Civil na fixação da indemnização são atendíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Foram ponderados neste caso "O mal estar permanente decorrente das dores que sentiu e as resultantes das intervenções cirúrgicas a que foi submetida (e que se submeterá no futuro), a lenta recuperação, o tempo em que esteve internada e acamada, as depressões recorrentes, a perda de autonomia (para deslocar, para se vestir, lavar, comer), deixou de conduzir (...), o dano estético".

Também correcta é a o alinhamento da sentença com a jurisprudência que tem vindo a entender que a indemnização deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista, mas significativa, a fim de responder actualizadamente ao comando do art.° 496.° do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória (cf. Acs. do STJ de 25/6/2002, in CJ - STJ - ano X, tomo II, pág. 128 e de 28/5/98, aí citado)

Relembremos, então, mais uma vez por comodidade de leitura, os factos a este respeito provados:

10. Em consequência da queda, a Autora sofreu, além do mais, escalpe com ferida frontal, afagamento do murmúrio à esquerda no tórax, hematoma epidural laminar perifracturário temporal esquerda, fractura da parede lateral da órbita esquerda, fractura da arcada zigomática, fractura do punho esquerdo e direito, fractura do primeiro arco costal à esquerda e da asa menor do esfóide junto à fossa cerebral médio. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

11. Sofreu ainda, fractura do redobro externo da órbita, fractura do corpo de Dl2 e corpo anterior de LI, fractura de ambos os punhos, fractura do primeiro arco costal E, hemopneumotorax esquerdo drenado e fractura da coluna dorso-lombar. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

12. A Autora sofreu igualmente feridas diversas profundas em todo o corpo. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

13. Em consequência do acidente, a A. passou a depender de terceiros, durante as 24 horas do dia, para se vestir, lavar, alimentar e transportar.

14. Em consequência dos referidos ferimentos, a A. foi submetida, até à data, a quatro dolorosas intervenções cirúrgicas, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

15. A autora tem sido submetida a tratamentos diversos de fisioterapia em regime de ambulatório, desde a data do acidente, até hoje. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

16. Presentemente, apresenta ainda uma situação motora de dificuldades de locomoção e mobilidade dos membros superiores e inferiores, para além de alterações do humor e comportamento, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

17. Necessitando de apoio permanente de terceira pessoa para orientação e estimulação de todas as suas actividades, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

18. As lesões sofridas pela A., foram directa e exclusivamente causadas pela queda de 2-12-2007. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

19. Em consequência da queda, a Autora esteve internada em hospitais de 02.12.2007 a 24.12.2007. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

20. Não estão excluídas novas intervenções cirúrgicas ao punho esquerdo da A...(cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

21. Em consequência da queda, a Autora esteve de baixa por doença, entre 02.12.2007 a 10.08.2010. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

22. Em consequência do acidente, a Autora passou a depender de terceiros, durante as 24 horas do dia, para se vestir, lavar, alimentar e transportar, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

23. Em consequência da queda, a Autora ficou com uma incapacidade permanente geral de 60%. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

24. Em consequência do acidente, a Autora deixou de poder conduzir quaisquer viaturas, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

25. Ainda hoje, a Autora apresenta sequelas do acidente, em termos de visão, mobilidade, em termos respiratórios e de estabilidade mental e emocional, etc. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

26. Em consequência directa e necessária do acidente, a Autora carece hoje de adequado acompanhamento oftalmológico, neurológico, ortopédico, psiquiátrico, fisiátrico e em sede de cirurgia plástica, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

27. Os ferimentos causados à Autora, foram de tal forma graves, que ainda hoje, lhe provocam muitas dores nos membros superiores esquerdos, pernas, cabeça e coluna vertebral, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

28. Para além da mobilidade que perdeu, a Autora sofreu muitas dores, depois do acidente, durante e após os tratamentos, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

29. Ainda hoje, praticamente não faz movimentos com os membros superiores esquerdos, tem muitas dores na coluna, nos joelhos, nas pernas, nos braços e na cabeça, dificuldades respiratórias, visão turva, depressões recorrentes, que motivam regulares deslocações aos serviços de urgência dos hospitais e ao Centro de Saúde. (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

30. Em consequência da queda, a A. necessita da supervisão de terceira pessoa para se lavar, vestir, comer, andar e frequentar hospitais, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

31. E, apesar dos seus 55 anos, a Autora nunca mais voltou a andar, mover todos os seus membros e ver como dantes, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

32. Fruto do acidente, a autora vive também em permanente depressão, estando permanentemente triste, (cfr. Resposta aos quesitos na perícia de fls. 284 verso e 285).

36. A Autora, com apenas 55 anos à data do acidente, não padecia de qualquer doença. [Nota 15: Alterado nos termos infra consignados, passando a ter a seguinte redacção: 36. A Autora, com apenas 55 anos à data do acidente, não padecia de qualquer das doenças relatadas como consequência do acidente a que os autos aludem.]


Ora, esta factualidade é de molde a permitir concluir que o sofrimento psíquico da A. plasmado nas dores, na depressão, na privação da vida pelos períodos de internamento e pelas limitações de que passou a padecer, incluindo a perda de autonomia e o dano estético, justifica o montante que lhe foi atribuído.

Ainda que se tomasse como referência o bem vida, a verdade é que tal valor tem vindo a ser corrigido pela jurisprudência, estando manifestamente desactualizado o valor indicado pelos RR..

Com efeito o mesmo situa-se, hoje, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000,00 e € 80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00.

A este título, citamos, entre muitos outros, o Ac. S.T. J. proferido na Revista n.° 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, de 08.06.2017, relatado pela Excelentíssima Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, onde se escreveu que:

"É exacto que o direito à vida é o mais valioso de todos os direitos, os valores indemnizatórios que os tribunais vêm atribuindo por morte - [...] na maioria dos casos oscilam entre os 50.000,00 €e os 80.000,00 €."

Idêntica informação se deixou plasmada no Ac. S. T. J. proferido na Revista 2567/09.0TBABF.El.Sl, de 08.06.2017, também relatado pela mesma Ilustre Conselheira Maria dos Prazeres Beleza.

No sentido da fixação em 80.000,00 € do montante indemnizatório pela perda do direito à vida, pronunciou-se também o Ac. S. T. J. proferido na Revista 294/07.0TBPCV.C1.S1, de 16.03.2017, relatado pela Excelentíssima Conselheira Maria da Graça Trigo.

Também no Ac. S. T. J. proferido na Revista 6/15.5T8VFR.P1.S1, de 03.11.2016, rei. pelo Exc. Cons. Joaquim Piçarra, escreveu-se que:

"A reparação do dano morte é hoje inquestionável na jurisprudência, situando-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50,000,00 e € 80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00"'

Por conseguinte, não se nos afigura argumento razoável que implique a contrariedade do valor encontrado pela Mm.a Juíza, o argumento dos RR. baseado no valor do bem vida.

No que aos danos não patrimoniais toca, importa ter presentes os padrões indemnizatórios seguidos recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça:

• Acórdão de 04.06.2015, no Proc. 1166/10.7TBVCD.PLSI: jovem de 17 anos, vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6, e grave culpa da condutora do veículo causador do acidente - indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: €40.000,00;

• Acórdão de 21.01.2016, no Proc. 1021/11.3TBABT.E1.SI: jovem de 27 anos, múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos; incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita - indemnização arbitrada por danos não patrimoniais; € 50.000,00;

• Acórdão de 26.01.2016, no Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1: jovem de 20 anos, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético - indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 45.000,00;

• Acórdão de 28.01.2016, no Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1: quantum doloris de grau 5, sujeição a quatro operações, internamento por longos períodos, mais

duas operações a que ainda teria de se sujeitar, vários tratamentos de reabilitação, dano estético de grau 4 - indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: €40.000,00; e,

• Acórdão de 07.04.2016, no Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1: jovem de 22 anos de idade, défice funcional permanente de 8%, quantum doloris de grau 4, sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares, dano estético de grau 3, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 e diversas sequelas psicológicas -indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 50.000,00.

• Acórdão de 25 de Maio de 2017, no Proc. 868/10.2TBALR.E1.S1: a[o]acidente ocorreu quando o A. tinha 19 anos de idade, sendo sujeito a quatro cirurgias, a 125 sessões de fisioterapia e tendo alta cerca de dois anos e meio depois do acidente, com 627 dias de incapacidade temporária absoluta e 312 de incapacidade temporária parcial. Ficou afectado de sequelas que implicaram a perda do seu posto de trabalho e a incapacidade permanente para a sua profissão habitual. O quantum doloris foi de grau 4 (mima escala de 1 a 7), o dano estético é igualmente de grau 4, o défice permanente de integridade físico-psíquica é de 7 pontos, sendo de admitir danos futuros, a repercussão nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3 e na actividade sexual de grau 2. Por outro lado, o A. ficou dependente economicamente da mãe e de um irmão, o que lhe causa complexos (naturais), sente tristeza, isola-se e padece de depressão, carecendo de apoio psicológico.


Neste caso há alguns parâmetros de gravidade mais acentuada expressa na incapacidade para a profissão habitual da A. e a repercussão nas actividades quotidianas, ficando a carecer permanentemente da supervisão de uma terceira pessoa.

Está, pois, também em causa uma perda própria (incluindo de autonomia), sentida pela pessoa do lesado em si mesmo.

Além disso, é uma perda de vulto (avaliada em 60%), a par dos subjectivos dolorosos e da depressão de que a A. passou a sofrer.

Assim e face ao quadro depressivo de que a A. ficou a padecer entendemos equitativa a indemnização de € 50.000,00.” [negritos nossos]


         Que juízo fazer?

Importa atentar nos seguintes aspectos:

- Tendo a A. alegado na p.i. que o acidente a levou a “perder o emprego”, não logrou provar tal facto (facto não provado 1), o que, naturalmente, veio a ter repercussões ao nível da indemnização atribuída pelas instâncias;

- Com efeito, tendo a A. peticionado, no que agora importa, uma indemnização tripartida (por danos físicos, por danos não patrimoniais e por incapacidade permanente para o trabalho), veio a sentença a atribuir – com escassa fundamentação – parcelas indemnizatórias por danos físicos (€ 70.000,00), por danos não patrimoniais (€ 50.000,00) e por incapacidade geral permanente (€ 100.000,00);

- Deste modo, a sentença atribuiu à A. um montante indemnizatório por danos físicos e outro montante indemnizatório por incapacidade geral permanente (para além do montante indemnizatório por danos não patrimoniais), não sendo possível esclarecer cabalmente, a partir da brevíssima fundamentação, como foi feita a repartição dos concretos danos da A. por tais categorias;

- Tendo os RR. apelado, impugnando aquelas três parcelas indemnizatórias, a Relação confirmou os valores atribuídos com fundamentação que, com o devido respeito, se afigura não ser inteiramente rigorosa;

- Com efeito, na enumeração dos factos relevantes para cada uma das referidas parcelas, ocorrem sobreposições mais ou menos extensas, o que – porém – só por si, não permite concluir pela duplicação de indemnização, porque, como é evidente, os mesmos factos podem ser ponderados em perspectivas distintas;

- Além disso, tal como se encontra fundamentada, a indemnização por danos físicos corresponde ao que se tem vindo a convencionar como consequências patrimoniais do dano biológico, não se distinguindo de forma nítida dos termos em que vem fundamentada a indemnização por incapacidade geral permanente;

- A que acresce não se afigurar que, a propósito da indemnização por danos físicos, seja de convocar o regime da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, relativa à proposta extrajudicial de indemnização por acidente de viação; tanto por, no caso dos autos, não estar em causa um acidente deste tipo, como, sobretudo, pelas dúvidas acerca do que deva entender-se por dano biológico para os efeitos do art. 3º, alínea b), da Portaria, e respectivo Anexo IV.


        Ainda que se reconheça terem os Recorrentes alguma razão quanto à falta de rigor da fundamentação do acórdão recorrido, no que à compartimentação das parcelas indemnizatórias respeita, não pode concluir-se, sem mais, que possa proceder a pretensão dos mesmos Recorrentes de não atribuição à A. lesada do montante indemnizatório de € 100.000,00, ou, em alternativa, de redução desse montante.

Na verdade, do teor da fundamentação do acórdão recorrido supra transcrito, resulta ter a Relação ponderado a multiplicidade e gravidade dos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos pela A., concluindo que o montante global indemnizatório arbitrado pela sentença (€ 220.000,00) – para além da condenação no pagamento das despesas médicas e medicamentosas futuras que não foi impugnada pelos apelantes – não poderia ser reduzido.  

Conclusão que não merece censura.

Vejamos porquê.

Estão em causa essencialmente as consequências danosas das graves lesões físicas sofridas pela A.

Quanto aos danos não patrimoniais (sofrimentos, dores e demais danos morais da A.), a sua indemnização ou compensação tem sempre de ser fixada equitativamente, nos termos do arts. 496º do CC, conjugado com a parte final do art. 494º do mesmo Código.

No caso dos autos, também a indemnização por danos patrimoniais tem se ser feita segundo juízos de equidade, uma vez que não é possível provar o valor exacto dos danos (art. 566º, nº 3, do CC), afastando-se assim a aplicação da teoria da diferença do nº 2 do mesmo preceito. Estão em causa, essencialmente, por um lado, a perda de capacidade geral de ganho da A., e, por outro lado, os custos, directos ou indirectos, com a ajuda de terceira pessoa de que a A. ficou a carecer de forma (praticamente) permanente. Esclareça-se que, por perda de capacidade geral de ganho, não estamos a considerar a perda de rendimentos por actividade laboral da A. pois não foi feita prova de que esta a tivesse à data do acidente. Está-se sim a considerar que a grave incapacidade geral permanente de que a A. ficou a padecer (60%) teve como consequência necessária a afectação das possibilidades de obtenção de ganhos em actividade profissional que a A. pudesse vir a exercer caso não tivesse sofrido o acidente, bem como a afectação das suas possibilidades de obtenção de ganho em actividades económicas alternativas, devendo para o efeito considerar-se como relevante não a idade previsível da reforma da A., mas antes a sua esperança média de vida.

Assim, em linha com a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de lesões físicas de elevada gravidade, entende-se que o montante indemnizatório a atribuir à A. (para além do reconhecimento do direito a indemnização pelas despesas médicas e medicamentosas futuras, que transitou em julgado com a sentença de 1ª instância) não poderá ser inferior ao valor confirmado pela Relação.

Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão dos Recorrentes de não atribuição ou de redução do montante indemnizatório de € 100.000,00, arbitrado pelas instâncias a título de indemnização por incapacidade geral permanente, independentemente do rigor de qualificação de cada categoria de danos da A.


11. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, decidindo-se:

a) Absolver o 2º R., CC, do pedido;

b) No mais, manter a decisão do acórdão recorrido.


Custas na acção pelo 1º R., BB, em 1/2 do respectivo decaimento, e na parte sobrante pela A.

Custas nos recursos, pelo R. Recorrente BB e pela A. Recorrida, em ½ cada.


Lisboa, 14 de Junho de 2018



Maria da Graça Trigo (Relatora)


Rosa Tching


Rosa Ribeiro Coelho