Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
399/19.5Y9PRT.P1-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DE FACTOS
REJEIÇÃO
Apenso:
Data do Acordão: 03/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Da qualificação como extraordinário do recurso para fixação de jurisprudência decorre a exigência de uma interpretação que obste a que possa transformar-se em mais um recurso ordinário, contra decisões transitadas em julgado.

II - Exigência que se repercute, especialmente, na verificação da oposição dos julgados e a identidade das questões fáctico-jurídicas decididas. Entendendo-se que são insuscetíveis de «adaptação», que poderia pôr em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei.

III - Ao pressuposto da mesmidade da questão jurídica, a jurisprudência do STJ aditou a identidade da questão de facto.

IV - Identidade que pressupõe circunstancialismo fáctico ou processual similar ou inequivocamente equivalente do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos.

V - As diferenças na fundamentação entre os dois arestos acerca da extensão das restrições ao direito da/o arguida/o a não ser obrigada/o a contribuir para a autoincriminação e, sobretudo, do princípio da proporcionalidade imanente ao processo justo e à atuação leal dos órgãos do Estado e das entidades administrativas e policiais, não legitimam, só por si, a admissão de recurso extraordinário de fixação de fixação de jurisprudência

VI - A evidenciada dissemelhança da situação de facto e processual sobre que incidiram os acórdãos recorrido e fundamento justifica bem o antagonismo das duas decisões.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:

A - RELATÓRIO:

A Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território/IGAMAOT), instaurou processo de contraordenação contra a arguida:

- M..., S.A., com os demais sinais dos autos,

e, por decisão administrativa de 1.12.2019, condenou-a na coima de €12.000,00, pela prática de uma contraordenação ao disposto no n.º 1 do art.º 13.º, punida pelo art.º 28.º n.º 2 al.ª b), ambos do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, conjugado com o art.º 22.º n.º 3 al.ª b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.

A arguida, inconformada impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa.

O Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., julgando parcialmente procedente o recurso reduziu o montante da coima para €6.000,00.

Irresignada a arguida recorreu para o Tribunal da Relação .... Que, por acórdão de 23 de junho de 2021, julgou improcedente o recurso.

Acórdão confirmatório que transitou em julgado em 3 de setembro de 2021 – cfr. certidão junta.

1. o recurso extraordinário:

A arguida, convocando o disposto nos artigos 437.º e sgs. do CPP, interpôs, em 13/09/2021, o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Remata a alegação com as seguintes conclusões:

I. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem aplicação, no âmbito contraordenacional, nos termos dos artigos 437.º a 448.º, todos do Código de Processo Penal, aplicáveis por força do n.º 1 do artigo 41.º do RGCOC.

II. É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que a lei processual faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência “(…) da existência de determinados pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial (…)”, enumerando entre os primeiros: “- a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido; a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso; a identificação do acórdão-fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição, indicando-se o lugar da sua publicação, se estiver publicado; o trânsito em julgado de ambas as decisões.”

III. Entre os segundos, conta-se: “- a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência; a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões.”

IV. Segundo a doutrina seguida no Supremo Tribunal de Justiça, os requisitos substanciais ocorrem quando: “as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; as decisões em oposição sejam expressas; as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões idênticas.”

V. Entre os requisitos de ordem formal contam-se também a legitimidade da Recorrente que é restrita ao Arguido, ao Assistente, às Partes Civis e ao Ministério Público, nos termos do n.º 5 do artigo 437.º do CPP.

VI. Atendendo à qualidade de Arguida, assiste à Recorrente o direito de interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do n.º 5 do artigo 437.º do CPP, razão pela qual verifica-se, no caso sub judice, a legitimidade da Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 437.º do CPP.

VII. Estabelece o n.º 1 do artigo 438.º do CPP que “O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.”

VIII. O Acórdão Recorrido de fls. foi proferido pelo Tribunal da Relação ... em 23.06.2021, pelo que, tendo sido a respetiva notificação eletrónica elaborada e enviada, via Citius, em 25.06.2021, a Recorrente, presume-se notificada “no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”, nos termos do n.º 12 do artigo 113.º do CPP, ou seja, no dia 28.06.2021.

IX. Não sendo legalmente admissível recurso de revista dos acórdãos das Relações, que decidam em processos contraordenacionais, o trânsito do acórdão ocorre decorridos os 10 dias do prazo geral para arguição de nulidades.

X. O Acórdão Recorrido transitou em julgado em 09.07.2021, uma vez que o dia 08.07.2021 foi o último dia para a Recorrente arguir nulidades, motivo pelo qual é forçoso concluir que o presente recurso para fixação de jurisprudência vem interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido, ou seja, o presente recurso [foi] tempestivamente interposto.

XI. Ainda que fosse considerado transitado em julgado no dia da notificação (28.06.2021) – o que não se concebe nem concede – o presente recurso também seria igualmente interposto dentro do sobredito prazo de 30 dias.

XII. O Acórdão Recorrido de fls. acima referido está em oposição com o decidido no Acórdão Fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.04.2012, no âmbito do processo n.º 594/11.5TAPDL, publicado e disponível em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (dgsi.pt), cuja cópia se junta como Documento n.º 1.

XIII. Pelo que expressamente se invoca, para os devidos e legais efeitos, como fundamento do presente recurso, a oposição entre o Acórdão Recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação ... a 23.06.2021 e o Acórdão Fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 17.04.2012.

XIV. O Acórdão Recorrido de fls., proferido nos presentes autos, em 23.06.2021, pelo Tribunal da Relação ..., transitou em julgado em 09.07.2021, verificando-se também o trânsito em julgado relativamente ao Acórdão Fundamento, de 17.04.2012 – conforme certidão que se protesta juntar – proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.04.2012, no âmbito do processo n.º 594/11.5TAPDL, disponível em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (dgsi.pt), e cuja cópia se junta como Documento n.º 1.

XV. A Recorrente apresenta o presente recurso acompanhado da respetiva motivação, de forma a expor as razões de facto e de direito que demonstram a contradição do julgado nos acórdãos Recorrido e Fundamento.

XVI. Estão reunidos os pressupostos formais para a admissão do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, interposto pela Recorrente.

XVII. A questão fundamental de direito que se pretende ver uniformizada consiste na questão de saber se a entrega de elementos autoincriminatórios sem qualquer advertência e em momento prévio à instauração de um processo de contraordenação, e enquanto únicos elementos de prova passíveis de conduzir à condenação, configura (como decidido no Acórdão Fundamento) ou não (como decidido no Acórdão Recorrido) uma violação do princípio «nemo tenetur ipsum se accusare», e, consequência, se constitui (como decidido no Acórdão Fundamento) ou não (como decidido no acórdão recorrido) um método proibido de prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 122.º, n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 126.º do CPP, aplicáveis ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCOC.

XVIII. Importa determinar se tal princípio basilar do Estado de Direito Democrático, que surge como uma emanação do catálogo dos direitos de defesa consagrados para os ilícitos contraordenacionais no n.º 10 do artigo 32.º n.º 10 da CRP, deve ser comprimido, como se decidiu no Acórdão fundamento, ou se, como se determinou no Acórdão recorrido, não deve ser objeto de restrição.

XIX. Verifica-se, in casu, que a oposição invocada é entre dois Acórdãos das Relações, não tendo o Acórdão Recorrido decidido de acordo com jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 437.º do CPP.

XX. Em concreto, a Recorrente indica o Acórdão do Tribunal da Relação ..., de 23.06.2021, proferido nos presentes autos (o designado Acórdão Recorrido) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.04.2012, proferido no âmbito do processo n.º 594/11.5TAPDL (o designado Acórdão Fundamento).

XXI. As normas de onde decorre e é acolhido pela nossa ordem jurídica, no âmbito contraordenacional, o princípio «nemo tenetur ipsum se accusare» (artigo 32.º, artigo 18.º, n.º 1 e artigo 20.º, n.º 4, todos da CRP).– e em que a Recorrente ampara a pretensão uniformizadora de jurisprudência, assim como, em termos de consequências jurídicas, o n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 126.º do CPP, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCOC, não foram alteradas, designadamente, no período temporal sobre que incidiram os acórdãos respetivamente recorrido e indicado como fundamento.

XXII. É indispensável para se verificar a oposição de julgados que: “- as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; - as decisões em oposição sejam expressas; as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões idênticos.”

XXIII. É necessário verificar-se que as afirmações antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito “consagrar soluções diferentes (e não apenas contraposição de fundamentos ou de afirmações) para a mesma questão fundamental de direito”.

XXIV. A questão fundamental de direito consiste [em] saber se a entrega de elementos autoincriminatórios sem qualquer advertência e em momento prévio à instauração de um processo de contraordenação, no cumprimento de uma obrigação legal e enquanto únicos elementos de prova passíveis de conduzir à condenação, configura (como decidido no Acórdão Fundamento) ou não (como decidido no Acórdão Recorrido) uma violação do princípio «nemo tenetur ipsum se accusare», e, consequência, se constitui (como decidido no Acórdão Fundamento) ou não (como decidido no acórdão recorrido) um método proibido de prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 122.º, n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 126.º do CPP, aplicáveis ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCOC.

XXV. Para além das afirmações antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito “consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito”, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é ainda necessário que “as decisões em oposição sejam expressas”, pelo que, sem necessidade de mais considerações, as decisões acima referidas estão clara e evidente oposição, não estando em causa julgamentos implícitos ou posições implícitas em oposição.

XXVI. Exige-se também que as decisões em oposição sejam expressas e, tendo por objeto núcleo factual similar ou equivalente, se contrariem ou colidam entre si, na decisão sobre a mesma questão fundamental de direito, verificando-se, no presente recurso, que a questão jurídica nuclear apreciada e decidida nos dois acórdãos conflituantes tenha a mesma incidência fáctico-normativa.

XXVII. As decisões que foram proferidas nos dois processos, tiveram por base a entrega de elementos autoincriminatórios, em cumprimento de obrigações legais, sem qualquer advertência e em momento prévio à instauração de um processo de contraordenação, e enquanto únicos elementos de prova passíveis de conduzir à condenação, sendo forçoso concluir que os factos são idênticos nos dois processos, com o sentido de equivalentes.

XXVIII. A posição tomada no Acórdão recorrido, quando à questão de direito em apreço, seria a que o mesmo julgador tomaria - atendendo à perspetiva mais restrita do princípio «nemo tenetur ipsum se accusare» adotada pelo mesmo – se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento.

XXIX. E vice-versa: a posição tomada no Acórdão Fundamento, quando à questão de direito em apreço, seria a que o mesmo julgador tomaria se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no Acórdão Recorrido.

XXX. Para idênticas situações de facto, ambos os Acórdão formularam decisões de mérito absolutamente distintas.

XXXI. Os presentes autos têm origem num processo de contraordenação, no âmbito do qual a Recorrente impugnou judicialmente a decisão proferida em 01.12.2019, pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante IGAMAOT) que condenou a Recorrente na coima de € 12.000,00 e em € 75,00 de custas, pela prática de uma Contraordenação por alegada violação do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, prevista e punida pela alínea b) do n.º 2 do artigo 28.º Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, conjugado com a alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.

XXXII. O presente recurso vem interposto do Acórdão do Tribunal da Relação ..., de 23.06.2021, que negando provimento ao recurso de apelação interposto pela Recorrente, manteve a decisão proferida, em primeira instância, pelo Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., que tinha julgado o recurso de impugnação judicial parcialmente procedente e parcialmente provado e, em sequência, tinha condenado a Recorrente, pela prática de uma contraordenação, pela violação do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, prevista e punida pela alínea b) do n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, conjugado com a alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na coima de € 6.000,00.

XXXIII. A condenação em primeira instância teve por base o Relatório de ensaio elaborado pela empresa “...” de fls., que a Recorrente entregou, em momento prévio à instauração de um processo de contraordenação, e no cumprimento de obrigações legais.

XXXIV. Por essa razão, a Recorrente fundamentou o seu recurso de apelação, para o Tribunal da Relação ..., com base na violação do princípio da proibição da autoincriminação decorrente do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual veio a dar origem ao Acórdão recorrido.

XXXV. No Acórdão Recorrido, considerou-se que o princípio da proibição da autoincriminação poderia ser restringido, o que constitui, na ótica da Recorrente, um erro gravíssimo, que tem, de facto, vindo a inquinar algumas decisões judiciais, impondo-se a interpretação uniformizadora deste Supremo Tribunal de Justiça.

XXXVI. Este princípio deve ter aplicação penal, conforme decidiu o Acórdão fundamento, que analisa a questão tendo por base o quadro legal e constitucional mais adequado e com base na melhor doutrina e jurisprudência.

XXXVII. Tanto a decisão condenatória proferida pela IGAMAOT, como a Sentença e o Acórdão recorrido nos presentes autos, tiveram apenas por base – no que diz respeito à contraordenação em causa – o Relatório de ensaio elaborado pela empresa “...”, que a Recorrente, de boa-fé e no cumprimento dos seus deveres legais de colaboração, entregou juntamente com um conjunto de documentação solicitada por esta entidade administrativa. 

XXXVIII. O processo de contraordenação apenas foi instaurado após e com base na entrega deste elemento – o Relatório de ensaio elaborado pela empresa “...” – que, por demonstrar o incumprimento de limites legais de ruído, serviu ainda de base às condenações que foram proferidas nos presentes autos.

XXXIX. No entanto – tendo sido apresentado o Relatório de ensaio elaborado pela empresa “...” com elementos autoincriminatórios – não ficou provado, nos presentes autos, pela IGAMAOT e pelo MP, que foi efetuada a advertência de que, procedendo a Recorrente à entrega de quaisquer elementos autoincriminatórios e reveladores de qualquer facto passível da punição como crime ou contraordenação estes poderiam ser utilizados contra a Recorrente em processos de natureza contraordenacional ou penal.

 XL. De facto, e em conformidade com o que resulta da conjugação dos n.ºs 8 e 9 do artigo 13.º, alínea a) do artigo 26.º e n.º 1 do artigo 34.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, a Recorrente tinha, à data dos factos, a obrigação legal de efetuar uma avaliação acústica e entregar a mesma à entidade coordenadora do licenciamento.

XLI. O Relatório de ensaio elaborado pela empresa “...” de fls., contratada pela Recorrente para efetuar a avaliação acústica a que a mesma está legalmente obrigada, e que a Recorrente entregou de boa-fé à IGAMOT no cumprimento dos seus deveres de colaboração, é o único meio de prova que baseou o Auto de notícia ... e o Relatório de inspeção n.º 673/2016.

XLII. Nenhum Arguido pode ser obrigado a entregar elementos que possam comprometê-lo ou incriminá-lo, sob pena de violação do princípio da não autoincriminação e tanto princípio da transparência como o respeito pelos direitos do Arguido exigiriam, pelo menos, que a Recorrente fosse advertida de que o relatório de ensaio em apreço poderia servir para a instrução de um processo de contraordenação.

XLIII. Neste sentido, decidiu o Acórdão Fundamento que a entidade administrativa, ao não ter efetuado qualquer advertência, (…)recolheu elementos de prova de uma forma que não pode deixar de se reputar de ilegítima e pouco transparente, sendo exigível de acordo com o Princípio da Transparência e com o respeito pelos direitos do arguido, que, no mínimo, a S... tivesse sido informada de que os elementos que a mesma sujeitou a registo poderiam vir a servir para a instrução de um processo de contra-ordenação.”

XLIV. E na ausência de qualquer comunicação ou advertência acima referida de que o relatório de ensaio em apreço poderia servir para a instrução de um processo de contraordenação a Recorrente – tal como sucedeu no Acórdão fundamento – foi, pois, levada a pensar que estava a fornecer elementos estritamente para o efeito da supervisão, o único para o qual, efetivamente, tinha esse dever, sem saber que os mesmos poderiam vir a ser – como foram (!) – utilizados para efeitos de instrução do processo contraordenacional.

XLV. Tal como se entende no Acórdão Fundamento e no Acórdão Recorrido, o direito ao silêncio tem vindo a ser reconhecido pela legislação processual penal da maioria dos ordenamentos jurídicos dos Estados de Direito modernos e o mesmo encontra também consagração expressa em instrumentos jurídicos internacionais (cfr. artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos civis e políticos da ONU).

XLVI. O princípio “nemo tenetur se ipsum accusare” é, de facto, uma marca irrenunciável do processo penal de estrutura acusatória, visando garantir que o Arguido não seja reduzido a mero objeto da atividade estadual de repressão do crime, devendo antes ser-lhe atribuído o papel de verdadeiro sujeito processual, armado com os direitos de defesa e tratado como presumível inocente.

XLVII. Não obstante o princípio nemo tenetur – seja na sua vertente de direito ao silêncio do arguido, seja na sua dimensão de “privilégio” do arguido contra uma autoincriminação – não estar expressa e diretamente plasmado no texto constitucional, a doutrina e a jurisprudência portuguesas são unânimes, não só quanto à vigência daquele princípio no direito processual penal português, como quanto à sua natureza constitucional.

XLVIII. O Acórdão Fundamento e o Acórdão Recorrido admitem que os direitos à não autoincriminação e ao silêncio têm fundamento imediato nas garantias processuais que a CRP impõe (artigo 32.º) e na exigência constitucional de um processo penal equitativo (artigo 20.º, n.º 4) e que as garantias de defesa são extensíveis a qualquer processo onde possam ser aplicadas sanções de carácter punitivo, incluindo não penal.

XLIX. Contrariamente ao Acórdão Fundamento, o Acórdão Recorrido entende que o nemo tenetur deve ser restringido na situação em apreço, de molde a dar guarida à postura e comportamento da entidade administrativa.

L. É consabido que o direito à não autoincriminação não é um direito absoluto, nos presentes autos, e à semelhança do Acórdão Recorrido, por muito importantes que sejam para a sociedade as finalidades perseguidas por cada área do ilícito de mera ordenação social, não se encontra um argumento – atentos que são os factos subjacentes – que possa, por si só, legitimar a compressão do direito à [não] autoincriminação.

LI. Depois [de] ter ocorrido, ao nível legal, um agravamento [d]as sanções aplicadas neste ramo do direito, em especial relativamente às pessoas coletivas, através de um alargamento do leque das sanções acessórias e de um aumento considerável dos montantes das coimas, esta componente garantística conferida pelo nemo tenetur é indispensável para buscar o equilíbrio necessário, sem o qual se violará o n.º 2 do artigo 18.º da CRP.

LII. Na verdade, tanto no Acórdão Recorrido como no Acórdão Fundamento, as entidades administrativas dispunham de outros meios de obtenção de prova que lhe permitiam exercer cabalmente os seus poderes sancionatórios, pelo que, não constitui – nem pode constituir – motivo válido para comprimir o direito à não autoincriminação a ausência de meios pela administração ou a simples inércia da autoridade administrativa competente, sendo absolutamente desproporcional tal restrição.

LIII. Sendo que, no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento, não foram efetuadas quaisquer diligências adicionais de prova, bastando-se com as provas obtidas pelas Arguidos de modo pouco transparente e na fase de supervisão.

LIV. A supervisão e poderes sancionatórios são âmbitos distintos que deverão ser claramente demarcados tal como defende o Acórdão Fundamento.

LV. Não poderá ter aplicação o segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da “árvore envenenada”, na medida em que não resultam elementos suficientes nos autos que permitam concluir, com segurança, que uma outra atividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado.

LVI. Tal como concluiu o Acórdão Fundamento, a supressão do direito à não auto­incriminação da Recorrente violou o princípio da proporcionalidade, na sua vertente de necessidade, já que aquela autoridade administrativa optou pelo meio de prova mais lesivo para os direitos fundamentais da arguida, sem curar de ponderar e optar por outros meios de obtenção de prova.

LVII. Os elementos que forem obtidos deste modo na fase de supervisão estão cobertos por uma proibição de valoração e, nessa medida, não podiam ter sido utilizados como prova os elementos fornecidos pela Recorrente.

LVIII. Na senda do Acórdão Fundamento, são nulas as provas consubstanciadas no Relatório de ensaio elaborado pela empresa “...” e que baseou o Auto de notícia ... e o Relatório de inspeção n.º 673/2016, bem como sustentou a decisão condenatória proferida pela IGAMAOT e, bem assim, a Sentença proferida em primeira instância e o Acórdão Recorrido, nos termos e para os efeitos do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 126.º do CPP, aplicável ex vi do artigo 41º, n.º 1 do RGCOC, e no n.º 2 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 18.º, bem como pela aplicação do n.º 8 do artigo 32.º da CRP.

LIX. Atento o exposto, e nos termos do disposto nos artigos 441.º e 445.º do CPP deve este Supremo Tribunal Justiça verificar e declarar a existência da contradição entre o Acórdão Recorrido e Acórdão Fundamento, tal como invocada e demonstrada pela Recorrente; decidir a questão controvertida no sentido de que a entrega de elementos autoincriminatórios pelo Arguido, no cumprimento de uma obrigação legal, em momento prévio à instauração de um processo de contraordenação sem qualquer advertência da autoridade administrativa de que os elementos entregues podiam servir para a instauração de um processo de contraordenação, e enquanto únicos elementos de prova passíveis de conduzir à condenação, configura uma violação desproporcional ao princípio «nemo tenetur ipsum se accusare», e, consequência, constitui um método proibido de prova no processo de contraordenação instaurado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 122.º, n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 126.º do CPP, aplicáveis ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCOC e, por fim, determinar a anulação do Acórdão Recorrido, procedendo-se ao reenvio dos autos ao Tribunal da Relação para revisão da decisão recorrida em conformidade com a jurisprudência que for fixada.

Peticiona que se reconheça a alegada contradição de julgados entre os acórdãos Recorrido e Fundamento quanto à questão fundamental de direito indicada e se fixe jurisprudência no sentido adotado no acórdão fundamento “e, consequentemente, a anulação do acórdão recorrido, pelas razões aduzidas, procedendo-se ao reenvio dos autos ao Tribunal da Relação para revisão da decisão recorrida (…), nos termos e em cumprimento dos artigos 441.º e 445.º do CPP”.

2. resposta do Ministério Público:

O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação ..., respondendo, defendeu a existência de oposição de julgados e a admissão da fixação de jurisprudência.

3. parecer do Ministério Público

O Digno Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, pronuncia-se pela rejeição do recurso nos termos do art. 441º nº1 do CPP, sustentando não se verificar o “pressuposto (substancial) previsto no artigo 437.º, n º 1, do CPP, [consistente na] oposição de julgados”.

Dando por verificados os pressupostos formais, argumenta, em síntese:

“a viabilidade do recurso de fixação de jurisprudência pressupõe que estejam em causa soluções de direito dadas a situações de facto idênticas.

“(…) a pretensão do recorrente não pode proceder.

No caso concreto, perante a questão colocada, no sentido de saber se estamos perante um método proibido de prova, o recorrente invoca a norma da alínea a), do nº 2, do art.º 126º do CPP, aplicável ex vi do nº 1 do art.º 41º, do RGCO.

No que a isto diz respeito, o acórdão recorrido refere o seguinte:

«In casu, estamos perante prova meramente documental (Relatório de Ensaio Acreditado de Medição de Ruído para o Exterior) que foi junto aos autos, no qual se investigou e apurou a contra-ordenação pela qual a recorrente foi condenada.

Estamos, pois, a falar de documentos que existem independentemente da colaboração da recorrente, tendo em conta a obrigatoriedade desta os remeter para vários organismos, não tendo havido, salvo melhor opinião, uso de qualquer método proibida de prova, nos termos do artigo 126º, nº s 1 e 2, do CPP.

Ademais, não será despiciendo referir que não está cabalmente demonstrado que a recorrente (os seus representantes legais) tenha sido constrangida de modo efectivo a colaborar com a inspecção uma vez que não consta dos autos que a recorrente, que sabia terem existido denúncias contra si, haja invocado, como podia, a recusa de cooperar com a inspecção.

Dito de outro modo, a questão do direito a não se autoincriminar só se coloca se os documentos em causa foram fornecidos pelo inspeccionado de forma coactiva, e não voluntária, o que não resulta dos auto.

Finalmente, ainda que se entenda ser proibida a valoração da prova obtida nesses termos - artigo 126º, nº 2, alínea a), do CPP – sempre se dirá que será de chamar à colação o chamado efeito à distância das provas inválidas, conforme explicado no Acórdão do STJ, de 20-02-2008, publicado em www.dgsi.pt, e para o qual se remete voluntária, o que não resulta dos autos. (…)

Ora, cremos que é o caso dos autos, uma vez que os documentos obtidos durante a inspecção administrativa, em caso de não ocorrer colaboração da recorrente, sempre seriam obtidos através das entidades a quem a recorrente, obrigatoriamente tem de os remeter, como legalmente imposto (entre outros, o nº 4 do artigo 8º, alínea d) do nº 2 do artigo 10º, ambos 77 do DL 194/2000 de 21/8).»

O acórdão fundamento refere o seguinte:

«No caso dos autos, os elementos fornecidos pela própria arguida, foram obtidos sem que lhe tivesse sido transmitido pelo INAC que tinha o direito ao silêncio e à não auto-inculpação, desde logo, porque se vislumbra que o mesmo parece entender que, no âmbito deste processo, a arguida não tem esses direitos. (…)

Na perspectiva do que acaba de se expender, a arguida foi, pois, levada a pensar que estava a fornecer elementos estritamente para o efeito da supervisão, o único para o qual, efectivamente, tinha esse dever, sem saber que os mesmos poderiam vir a ser, e foram, utilizados para efeitos de instrução do processo contra-ordenacional.

Desta forma, impõe-se concluir que a utilização destes meios enganosos, através dos quais se obteve a prova junto da arguida, perturbou a liberdade de os seus representantes decidirem, pelo que são ofensivos da integridade moral das pessoas, sendo, por isso, nulas as provas consubstanciadas no Relatório de Execução nº 4 do Trimestre de 2004 pela mesma apresentado.»

Ou seja, quanto à norma do art.º 126º do CPP, a definição que ambos os acórdãos têm do seu sentido é idêntica, não existindo, portanto, qualquer divergência na sua interpretação.

Na verdade, o que sucede é que estamos perante um quadro factual diverso, do que decorre, necessariamente, que o tribunal tenha proferido decisão diferente em conformidade com um enquadramento jurídico, igualmente diferenciado.

Efectivamente, no acórdão recorrido, entendeu-se que não ficou demonstrado que a recorrente tenha sido constrangida de modo efectivo a colaborar com a inspecção na medida em que não houve qualquer perturbação da liberdade da arguida. Aliás, esta não invocou qualquer recusa de cooperação com a inspecção, ainda que estivesse ciente de haviam sido apresentadas denúncias contra si. Acresce que, na decisão se salienta o facto de o documento em causa existir, independentemente da colaboração da recorrente, tendo em conta a legal obrigatoriedade desta, os remeter a vários organismos.

Já no acórdão fundamento, considerou-se que a falta de informação determinou o uso de um meio enganoso que perturbou a liberdade da arguida) tendo-se decidido, que, por isso, o mesmo é ofensivo da integridade moral.

Ou seja, em face de situações diferentes, o acórdão recorrido, entendeu que não se estava perante uma proibição de prova, afastou a aplicação do art.º 126º nº 2 alª a) do CPP e considerou a prova existente válida; já o acórdão fundamento, entendeu que se estava perante uma prova proibida, face do art.º 126º, nº 2 alª a) do CPP, e, em consequência, considerou a prova nula.


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Dispensados os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre verificar da admissibilidade do recurso e se não for rejeitado pela não verificação de algum dos respetivos pressupostos de natureza formal, ajuizar da invocada existência –ou não -, de oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o julgado no acórdão recorrido e no acórdão indicado como fundamento – art. 440º n.º 3 do CPP – e, consequentemente, decidir.

B - FUNDAMENTAÇÃO:

1. o direito:

a) pressupostos:

O artigo 437.º do CPP, estabelece os “fundamentos do recurso” extraordinário para fixação de jurisprudência, dispondo:

1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5. O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

São, assim, pressupostos substantivos deste recurso extraordinário:

(i) inexistência de jurisprudência fixada sobre a mesma questão de direito;

(ii) dois acórdãos do STJ tirados em processos diferentes;

(iii) ou um acórdão da Relação que não admite recurso ordinário e que não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ;

(iv) proferidos no domínio da mesma legislação;

(v) assentes em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os requisitos materiais ocorrem quando:

- as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;

- as decisões em oposição sejam expressas;

- as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões[1].

A contradição das decisões definitivas (transitadas em julgado) tem de ser efetiva e explícita, não apenas tácita.

Os julgados contraditórios têm de incidir sobre a mesma questão de direito. Isto é, a mesma norma ou segmento normativo foi aplicada/o com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes.

Entende-se que assim sucede quando nos dois acórdãos foi decidida uma mesma matéria de direito, “ou quando esta matéria constar de fundamentos que condicionam, de forma essencial e determinante, a decisão proferida[2].

Têm de aplicar a mesma legislação, o que sucede sempre que, entre os momentos do seu proferimento, não se tenha verificado qualquer modificação legislativa com relevância para a resolução da questão de direito apreciada. Esta identidade mantém-se ainda que não seja o mesmo o diploma legal do qual consta a legislação aplicada[3].

E julgar situações de facto idênticas. Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá de tratar-se de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com o aspeto jurídico do caso[4].

E o artigo 438º (interposição e efeito) do CPP estabelecendo os requisitos de forma, dispõe:

1. O recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2. No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

São pressupostos formais[5]:

(i) a legitimidade do recorrente;

(ii) o trânsito em julgado dos acórdãos conflituantes;

(iii) interposição no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido;

(iv) a invocação, e junção de cópia, do acórdão fundamento;

(v) justificação, de facto e de direito, do conflito de jurisprudência.

Exigia-se ainda que o recorrente propusesse o sentido da jurisprudência a fixar –cfr.  Assento n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27.05.2000. Exigência que foi eliminada pela jurisprudência fixada no Acórdão (AUJ) n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série-A, de 6.06.2006, no qual, reexaminando e reputando ultrapassada a jurisprudência daquele Assento, estabeleceu-se:

No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar «o sentido em que deve fixar-se jurisprudência» (artigo 442.º, n.º 2).

Assim, nesta fase do presente recurso, o recorrente não tinha de indicar o sentido da jurisprudência a fixar.

b) finalidade:

A finalidade da uniformização da jurisprudência não é prioritariamente dirigida à justiça do caso concreto, mas sim ao objetivo latitudinário de evitar a propagação do erro de direito judiciário pela ordem jurídica[6]. Visa a uniformização da resposta jurisprudencial, contribuindo para uma interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais, a igualdade, a certeza e a segurança jurídica no momento de aplicar o mesmo direito a situações da vida que são idênticas.

Trata-se de um recurso de carácter normativo destinado unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento jurídico  penal ou processual je, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei.

Não está em causa a reapreciação da bondade da decisão (da aplicação do direito ao caso) proferida no acórdão recorrido (já transitado em julgado). Trata-se apenas de verificar, partindo evidentemente de uma factualidade equivalente, se a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento, e vice-versa. 

Por outro lado, como se assinala no Acórdão de 19/04/2017[7] deste Supremo Tribunal: “o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários”, obstando a que possa transformar-se em mais um recurso ordinário, contra decisões transitadas em julgado.

Exigência que se repercute com intensidade especial na verificação dos dois pressupostos nucleares: a oposição dos julgados; e a identidade das questões decididas. Entendendo-se que são insuscetíveis de «adaptação», que poderia pôr em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei[8].

Mas também se repercute na constatação dos demais pressupostos substantivos e bem assim dos requisitos formais.

Como se referiu e é entendimento jurisprudencial uniforme[9], a oposição, expressa, tem de aferir-se pelo julgado e não pelos fundamentos em que assentou a decisão.

E a questão de direito só será a mesma se houver identidade das situações de facto contemplados nas duas decisões[10].

c) no caso:

Vejamos se no vertente recurso estão preenchidos os pressupostos para que possa ser concedida a pretendida fixação de jurisprudência:

1. verificação dos pressupostos:

i. formais:

Da legitimidade: a recorrente, em razão da sua qualidade de arguida no processo em que foi proferido o acórdão recorrido, assiste o direito de interpor os recursos legalmente admitidos, entre os quais se inclui o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência –art. 437º n.º 5 do CPP, aplicável ex vi do art.º 41º do DL n.º 433/82 de 17 de outubro.

Acórdão transitado: o acórdão recorrido foi tirado pelo Tribunal da Relação ... em recurso interposto pela arguida, impugnando a sentença que confirmou, ainda que in mellius, a decisão administrativa que condenou a recorrente em coima pela prática de uma contraordenação. O acórdão recorrido, datado de 23.06.2021, notificado à recorrente em 20.06.2021, não admitia recurso ordinário – arts.432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª e) do CPP.

Podia ser visado com a arguição de nulidades, admitia pedido de correção de erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades que não importassem modificação essencial da decisão (ao abrigo do art. 380.º, n.º 1, al.ª b) aplicável por força do art. 425.º, n.º 4).

Não prescrevendo a lei prazo especial para o pedido de correção a que alude a norma do art. 380º citado, vem a jurisprudência deste Supremo Tribunal entendendo que é de 10 dias, conforme prevê o art. 105.º, n.° 1 do CPP.

Podia ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional, também no prazo de 10 dias a contar da notificação ao recorrente – art.º 75º n.º 1 da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro

Como a arguida não lançou mão de qualquer dessas vias, o acórdão recorrido transitou em julgado em 8 de julho de 2021.

Prazo: verifica-se que o recurso foi interposto em 13/09/2021, vigésimo dia posterior ao trânsito em julgado. Foi, assim, interposto dentro do prazo legalmente estabelecido – art. 438º n.º 1 do CPP.

 Acórdão fundamento: a recorrente alega que o decido no acórdão recorrido está em oposição com o decidido no acórdão que invoca como fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17.04.2012, – há cerca de 10 anos -, tirado no processo n.º 594/11.5TAPDL28. Juntou cópia e indicou o site onde pode consultar-se (www.dgsi.pt).

Motivação: O requerimento de interposição de recurso inclui motivação, na qual vêm detalhadamente expostas as razões de facto e de direito que, no entendimento da recorrente, demonstram a contradição do julgado no acórdão recorrido com o decidido no acórdão invocado como fundamento.

No caso estão, pois, reunidos os pressupostos formais para a admissão do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

ii. substanciais:

Vejamos se o mesmo sucede com os pressupostos substantivos.

Dois acórdãos de diferentes tribunais superiores: a recorrente, ademais de identificar, naturalmente, o acórdão recorrido, proferido pela Relação ... no processo em epígrafe, fundamenta a sua pretensão num acórdão anterior, transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação ....

Definiu a questão jurídica que pretende ver uniformizada, a qual, na sua formulação, consistente em “saber se a entrega de elementos autoincriminatórios sem qualquer advertência e em momento prévio à instauração de um processo de contraordenação, e enquanto únicos elementos de prova passíveis de conduzir à condenação, configura (como decidido no Acórdão Fundamento) ou não (como decidido no Acórdão Recorrido) uma violação do princípio «nemo tenetur ipsum se accusare», e, consequência, se constitui (como decidido no Acórdão Fundamento) ou não (como decidido no acórdão recorrido) um método proibido de prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 122.º, n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 126.º do CPP, aplicáveis ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCOC”.

Não existe jurisprudência fixada sobre essa mesma questão de direito.

Idêntica questão jurídica: exige-se que a questão jurídica nuclear apreciada e decidida nos dois acórdãos colocados em confronto tenha a mesma incidência fáctico-normativa.

Similitude ou equivalência da facticidade: ao pressuposto da identidade da questão jurídica, a jurisprudência deste Supremo aditou a identidade de factos, entendida esta, “não como uma identidade absoluta entre dois acontecimentos históricos mas que eles se equivalham para efeitos de subsunção jurídica a ponto de se poder dizer que, pese embora a solução jurídica encontrada num dos processos assente numa factualidade que não coincide exatamente com a do outro processo, esta solução jurídica continuaria a impor-se para o subscritor mesmo que a factualidade fosse a do outro processo”[11].

Segundo Baptista Machado, não é possível determinar a existência de um conflito de decisões sem uma referência bipolar, simultânea, às questões de direito e às situações da vida[12].

Como salienta a jurisprudência, não pode haver oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos os pressupostos de facto em que assentaram as respetivas decisões.

Identidade que pressupõe circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico ou equivalente do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos, não sendo defensável a exigência da mesmidade, de uma identidade fáctica absoluta. Os acontecimentos da vida humana, influenciados como são pelas condições internas e exógenas, mesmo que repetidos na mesma cena, logo que tenham atores diferentes apresentam inelutavelmente diferenças factuais. Diferenças que muitas vezes não interferem com a identidade do aspeto jurídico dos casos. Interessa, mas é também suficiente que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas[13].

Oposição de julgados: exige-se que as decisões em oposição, tiradas no domínio de vigência da mesma legislação, sejam expressas e, tendo por objeto núcleo factual similar ou equivalente, se contrariem ou colidam entre si, na decisão sobre a mesma questão fundamental de direito.

Oposição que tem de ser expressa, sendo irrelevantes divergências de fundamentação.

iii. as duas situações de facto e processuais:

Concorrendo os demais parâmetros é indispensável cotejar comparativamente aqueles dois acórdãos colocados em confronto pela recorrente, de modo a contrastar se incidiram sobre igual questão de facto e processual e, na hipótese de assim ter sucedido, se a questão de direito, sendo a mesma, foi antagonicamente decidida num e no outro. Exame e apreciação que haverá de resultar do cotejamento dos dois acórdãos colocando-os lado a lado.

ª. no acórdão invocado como fundamento:

A situação de facto era a seguinte: ---------------

A S... S. A., adjudicatária do Contrato de Concessão de Serviços Aéreos Regulares na rota .../.../..., celebrado com o Estado Português, em cumprimento das obrigações decorrentes dessa concessão, apresentou ao INAC o Relatório de Execução do 4º Trimestre de 2004.   

O INAC, com base nos documentos assim fornecidos pela concessionária, instaurou-lhe processo de contraordenação, por diversas infrações p. e p pelos art.ºs 6°, n.ºs 1 e 3 e 23º n.º 1 al.ª a) do Decreto-Lei n.º 138/99 de 23 de Abril (Regula a fixação de obrigações de serviço público e as ajudas do Estado relativamente a serviços aéreos para regiões insulares, periféricas ou em desenvolvimento), por ter incumprido, no 4° trimestre de 2004, com as obrigações modificadas de serviço público impostas às rotas .../... por não ter atingido os mínimos impostos pela comunicação da comissão quanto aos lugares oferecidos nas semanas de 11 a 17 de Outubro e de 25 a 31 de Outubro, por não ter efetuado a frequência diária de ida e volta, entre as 8.00 e as 21.00 horas, na rota .../.../... e, ainda, por ter havido infração do parâmetro horário..

Com base em tais elementos a autoridade administrativa deu como provado e o tribunal de 1ª instância confirmou, entre outros, os seguintes factos:

4 - No que se refere parâmetro "capacidade mínima a oferecer" na rota .../..., verificou-se que durante o mês de Outubro de 2004 a S...... incumpriu as obrigações modificadas de serviço público.

5 - Não cumprimento do mínimo semanal de 7.700 lugares impostos pela Comunicação da Comissão (2001/C 271/03) na semana de 11 a 17 de Outubro, e na semana de 25 a 31 de Outubro, a saber:

Ø na semana de 11 a 17 de Outubro 7.368 lugares (- 332 lugares);

Ø na semana de 25 a 31 de Outubro 7.498 lugares (- 202 lugares).

9 - A S... ... tinha perfeito conhecimento que com aquelas suas condutas violava as obrigações de serviço público a que estava legalmente obrigada a cumprir, sabia de antemão que o seu comportamento preencheria um tipo legal de contra-ordenação, sendo que tal não a impediu de empreender a sua conduta.

O INAC condenou a S... S. A. na coima única de € 12.500,00, pela prática dos factos e das contra-ordenações imputadas.

A S... impugnou a decisão administrativa.

Não impugnou a factualidade constante da decisão recorrida “sendo certo que essa mesma factualidade decorre do teor dos diversos documentos juntos aos autos, designadamente os "relatórios de verificação do cumprimento das obrigações modificadas de serviço público" e relativos ao último semestre de 2004.” – cfr sentença ali recorrida – apud acórdão invocado como fundamento

O tribunal de 1ª instância, por sentença, julgando parcialmente procedente o recurso, manteve a condenação da recorrente pela prática de duas contra-ordenações previstas no artigo 6.°, nº 1 e 3, do Decreto-Lei nº 130/99, de 23 de Abril, por referência às obrigações assumidas e previstas na Comunicação da Comissão (2001/C 271/03), atenta a violação do parâmetro "capacidade mínima semanal oferecida garantida" nas semanas de 11 a 17 e de 25 a 31 de Outubro de 2004, na coima de € 2.500 por cada uma delas e,  em cúmulo jurídico, condenou-a na coima única de € 3.500 (três mil e quinhentos euros), mantendo a não aplicação da sanção acessória e no mais revogou a decisão recorrida.

A arguida, irresignada, recorreu para o Tribunal da Relação ....

Que, por acórdão de 17 de abril de 2012, considerando ter sido violado o direito da arguida à não auto-incriminação, declarou nulas as provas consubstanciadas nos diversos documentos juntos aos autos, designadamente os "relatórios de verificação do cumprimento das obrigações modificadas de serviço público", relativos ao último semestre de 2004.

Em conformidade, julgou não provada a facticidade levada aos pontos 4 e 5 e 9 da decisão em matéria de facto.

Em consequência, absolveu a arguida das duas contra-ordenações por que vinha condenada.

Apreciando a questão da violação do princípio da não auto-incriminação, resultante, no caso, da utilização pelo INAC, como prova contra a arguida, dos elementos pela mesma fornecidos, entendeu que foram recolhidos “de uma forma ilegítima e pouco transparente.

Exigia-se-lhe que, no mínimo, tivesse referido à arguida que os elementos que a mesma sujeitou a registo podiam vir a servir para a instrução de um processo de contra-ordenação.

Depois de ter tido acesso ao relatório fornecido pela S... Internacional, o INAC interpretou-o como entendeu, utilizando esses elementos para demonstrar, exclusivamente, a sua perspetiva do comportamento da arguida.

Se o INAC tem o poder de deliberar no sentido de exigir o cumprimento das obrigações de serviço público, também (…) a S... goza do estatuto de arguido, no âmbito do qual se encontram os direitos constitucionalmente consagrados ao silêncio e à não autoincriminação, que não sendo absolutos, todavia, devem prevalecer sobre o direito de utilizar elementos fornecidos, (…) no caso, pela arguida, (…).

O INAC, para o cabal prosseguimento das suas atribuições, não necessita de utilizar "meios enganosos" para instruir, investigar e decidir processos contra-ordenacionais, pois não só possui todos os poderes associados à regulação e previstos, entre outros, nos seus Estatutos, como dispõe dos poderes previstos no Regime Geral das Contra-Ordenações.

Tem competência para, diretamente ou através de pessoas ou entidades qualificadas, por si credenciadas, proceder às necessárias inspeções, exames e verificações (cfr. art.º 10°, n.º 2 dos respetivos Estatutos …).

O INAC dispunha de outros meios de obtenção de prova que lhe permitiam exercer cabalmente os seus poderes sancionatórios.

Concluiu que “a supressão do direito à não auto­incriminação da S..., S.A. violou o princípio da proporcionalidade (cfr. art.º 18°, n.º 2 da CRP), na sua vertente de necessidade, já que aquela autoridade administrativa optou pelo meio de prova mais lesivo para os direitos fundamentais da arguida, sem curar de ponderar e optar por outros meios de obtenção de prova.

Por conseguinte, não podiam ter sido utilizados como prova para fundamentar a decisão condenatória, elementos fornecidos pela própria arguida no âmbito do cumprimento de um dever enquanto supervisionada, sem que a mesma tivesse sido previamente advertida de que (…) poderiam vir a servir para a instrução de um processo de contra-ordenação.

Deverão ser aplicáveis as proibições de prova previstas no art.º 126º do CPPenal.
A arguida foi, pois, levada a pensar que estava a fornecer elementos estritamente para o efeito da supervisão, o único para o qual, efectivamente, tinha esse dever, sem saber que os mesmos poderiam vir a ser, e foram, utilizados para efeitos de instrução do processo contra-ordenacional.

Conclui-se que a utilização destes meios enganosos, através dos quais se obteve a prova junto da arguida, perturbou a liberdade de os seus representantes decidirem, pelo que são ofensivos da integridade moral das pessoas, sendo, por isso, nulas as provas consubstanciadas no Relatório de Execução do 4º Trimestre de 2004 pela mesma apresentado.
O que, desde logo, decorre, não só do disposto no art.º 126º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do CPPenal, ex vi do art.º 41º, n.º 1 do Regime Geral das Contra Ordenações, e nos art.ºs 32º, n.º 2 e 18º, n.º 1 da CRP., mas também da aplicação do art.º 32º, n.º 8 da CRP.
Por sua vez, nos termos do Art.º 122º, n.º 1 do CPPenal, também ex vi do art.º 41º, n.º 1, do Regime Geral das Contra Ordenações, as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar.

b. no acórdão recorrido:

A situação fáctica e processual é a seguinte (em síntese e com sublinhados para realçar): na sequência de inspeção às instalações industriais onde labora a “M..., S.A.”, os inspetores da IGAMAOT solicitaram à inspecionada documentação, tendo a mesma apresentado entre outros, o Relatório de ensaio da medição do ruido elaborado, a seu pedido, pela empresa certificada “dWawe.1”. Relatório que a “M... S. A.” esta estava obrigada a enviar à entidade licenciadora – a “Direção-Geral do Ambiente” - para controlar a monitorização das emissões do ruído impostas na licença ambiental de que beneficiava.

Como base nos elementos então obtidos, os inspetores elaboraram auto de notícia imputando à arguida aqui recorrente a infração inicialmente identificada ao Regulamento Geral do Ruído. Instaurado, assim, processo de contraordenação, veio a ter o desenvolvimento e o resultado acima indicado.

No processo em causa, na parte que aqui releva, resultou provada a seguinte facticidade: -----

2. No dia 11 de Outubro de 2016, pelas 09.30 horas, foi efectuada uma acção inspectiva por parte da IGAMAOT, Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, ao estabelecimento denominado “M... – E..., SA” (... - ...), sito na Estrada ..., ..., ....

3. Da mencionada acção inspectiva resultou a elaboração do Auto de notícia ... e relatório de inspecção n.º 673/2016.

4. O operador procedeu à monotorização do ruído para o exterior de acordo com o ponto 2.2.3 da LA n.º 386/2010 – ver em anexo fls. 14 verso e 15 do Relatório a fls 23 vs e 24 do processo físico - e a última monotorização - anterior a RIEI 673/2016 e Auto de Notícia ...16 ambos de 11-10-2016 - foi efectuada (…) em 9 pontos de medição e apresentou o relatório acústico com a ref. LABRV/000044.R2/16, de 02/06/16 (em anexo a fls. 32-46 do processo físico)

5. Foram efectuadas medições em 9 pontos da envolvente da empresa “M...”. Estes pontos identificados pela empresa “MREF”, constituem os locais potencialmente mais afectados pelas fontes de Ruído pertencentes à “M...”. (…).

6. Os pontos onde se realizaram as medições estão identificados nas fls. 35 e 36 em anexo ao auto de notícia e relatório com a ref. LABRV/000044.R2/16.

10.    O relatório conclui que “o funcionamento da empresa M..., (…), não cumpre integralmente os requisitos sonoros legais aplicáveis à emissão de ruído para a envolvente, impostos pelo Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Dec.-Lei 9/07, uma vez que estas originam níveis sonoros acima dos valores regulamentares, juntos dos receptores sensíveis mais próximos, nos pontos 1, 2, 5 e 6” –cfr. fls. 15 do relatório da “...” (fls. 28 dos autos).

Da motivação da decisão judicial sobre a fixação da matéria de facto provada consta queem virtude da inspecção efectuada pela IGMAOT à sociedade arguida, a mesma apresentou, além de outros documentos, o relatório elaborado pela empresa “D...”, empresa acreditada e cujos resultados não foram impugnados, a qual foi contratada pela própria arguida para efectuar as medições de ruído impostas por lei.

E, conforme resulta do dito relatório, a actividade da arguida apresentava na data das referidas medições de ruído valores superiores aos legalmente permitidos.

Por outro lado, da prova produzida, maxime a documental junta aos autos, entende-se que se encontra perfeitamente delimitado que o ruído analisado ou valores excedidos respeitam à sociedade arguida, sozinha ou em conjunto com as demais empresas do grupo e não a qualquer outra empresa.

E, face ao conjunto da prova produzida, entende-se que a mesma não é suficiente para pôr em causa os resultados do referido relatório, sendo certo que resultou até do depoimento das duas últimas testemunha de defesa ouvidas que após as medições de ruído a que se referem os autos foram efectuadas pelo menos mais duas medições de ruído (mais recentes) e não obstante as diversas soluções técnicas no sentido de mitigar o ruído, só após a última dessas medições, acabaram as desconformidades a nível de ruído”.

No acórdão recorrido – que alterou alguns segmentos de alguns pontos da decisão em matéria de facto -, a questão em reapreciação, na parte com relevância para o presente recurso extraordinário, consistiu em saber se a entidade administrativa e os tribunais podem utilizar ou não no processo de formação da sua convicção sobre juízo de verificação ou não de facto(s) jurígena(s) de responsabilidade contra-ordenacional - in casu ambiental por violação de limites máximos de ruído produzido para o exterior - como «meio de prova» uma «declaração de ciência» - in casu o «Relatório de Ensaio de Medição de Ruído para o Exterior» - providenciada pelo(a) agente ou operador(a) - in casu M... - E..., SA - inclusive junto de terceiro especialista com acreditação - in casu a empresa «... acoustic engeneering» - e entregue à «Administração» no cumprimento de uma «obrigação legal declarativa» sob pena de não concessão ou não renovação de licença que caducará para o exercício de uma actividade ou in extremis até a autoria material de uma contra-ordenação omissiva pura ou própria.

Motivando a decisão de julgar improcedente o recurso da arguida, expendeu-se no acórdão recorrido, sobre a questão aqui em apreço, que não é “inequívoca (…) a proibição da utilização num «processo sancionatório» – contra-ordenacional ou mesmo criminal / penal - dos dados - in casu das medições reportados no REMERE III –obtidos – do agente ou operador - pela «Administração» num «processo de regulação» ou num «processo de supervisão» - sob pena das invocadas (i)legalidade e (in) constitucionalidade.

“No presente caso, (…) é indubitável que a legislação supra mencionada prevê a obrigação do inspecionado prestar diversa informação, designadamente documental, aos serviços de inspecção. Essa obrigação, face ao princípio nemo tenetur, gera um conflito de finalidades processuais (por um lado, a descoberta da verdade material que legitima e exige o restabelecimento da paz jurídica e a segurança da comunidade na eficácia das normas protectoras dos bens jurídico-criminais; e, por outro lado, o direito do arguido a um processo justo, equitativo, como tal aceite constitucionalmente no artigo 32º, da CRP, irradiando para os princípios da presunção da sua inocência e direito a ser ouvido e ao contraditório).

Mesmo considerando que os direitos à não auto-incriminação e ao silêncio têm fundamento imediato nas garantias processuais que a CRP impõe (artigo 32º) e na exigência constitucional de um processo penal equitativo (artigo 20º, nº4) e que as garantias de defesa são extensíveis a qualquer processo onde possam ser aplicadas sanções de carácter punitivo, incluindo não penal, esta vigência alargada não impede que tais direitos possam ser legalmente restringidos no âmbito do ordenamento jurídico.

Ora, tais restrições existem justamente no quadro do desempenho pelo Estado, via Administração Estadual, através, in casu, da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território – IGAMAOT, com funções inspectivas no que respeita ao direito ambiental, atento o carácter primordial dessa vigilância-fiscalização e simultaneamente, a repercussão na esfera colectiva (actividade ruidosa das empresas) e individual (de cada um dos cidadãos), tendo em conta as directivas europeias.

In casu, estamos perante prova meramente documental (Relatório de Ensaio Acreditado de Medição de Ruído para o Exterior) que foi junto aos autos, no qual se investigou e apurou a contra-ordenação pela qual a recorrente foi condenada.

Estamos, pois, a falar de documentos que existem independentemente da colaboração da recorrente, tendo em conta a obrigatoriedade desta os remeter para vários organismos, não tendo havido, salvo melhor opinião, uso de qualquer método proibida de prova, nos termos do artigo 126º, nº 1 e 2, do CPP.

Ademais, não será despiciendo referir que não está cabalmente demonstrado que a recorrente (os seus representantes legais) tenha sido constrangida de modo efectivo a colaborar com a inspecção uma vez que não consta dos autos que a recorrente, que sabia ter existido denúncias contra si, haja invocado, como podia, a recusa de cooperar com a inspecção.

Dito de outro modo, a questão do direito a não se auto-incriminar só se coloca se os documentos em causa foram fornecidos pelo inspecionado de forma coactiva, e não voluntária, o que não resulta dos autos.

Finalmente, ainda que se entenda ser proibida a valoração da prova obtido nesses termos - artigo 126º, nº 2, alínea a), do CPP – sempre se dirá que será de chamar à colação o chamado efeito à distância das provas inválidas, conforme explicado no Acórdão do STJ, de 20-02-2008, publicado em www.dgsi.pt, e para o qual se remete.

Conforme resulta daquele Acórdão, são três as hipóteses em que o referido efeito à distância se não projecta, isto é, os casos em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar, por não verificação da árvore venenosa: a chamada limitação da fonte independente a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula.

O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da “árvore envenenada“ tem lugar quando se demonstre que uma outra actividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado, ou seja, quando inevitavelmente, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado.

Ora, cremos que é o caso dos autos, uma vez que os documentos obtidos durante a inspecção administrativa, em caso de não ocorrer colaboração da recorrente, sempre obtidos através das entidades a quem a recorrente, obrigatoriamente tem de os remeter, como legalmente imposto (entre outros, o nº 4 do artigo 8º, alínea d) do nº 2 do artigo 10º, ambos do DL 194/2000 de 21/8).»

A final e em suma: os «dados objectivos» do REMERE III podem e devem ser valorados pela «Administração» e seguidamente pela «Jurisdição», no processo de formação de sua convicção quanto a factos a julgar «provados», uns, «não provados», outros, como o Tribunal a quo valorou, porque os resultados objectivos das medições acústicas no REMERE III dos Técnicos de Ruído - reportados na nota de rodapé 67 e que foram reflectidos no RIEI dos Inspectores Ambientais - se podem constituir o «tipo objectivo» da contra-ordenação ambiental sub judice, não consubstanciam directa ou imediata - muito menos inexoravelmente - o «tipo subjectivo» correlativo daquele, por à responsabilidade ambiental contra-ordenacional se ter de firmar um juízo positivo - que não consta no REMERE III - de «dolo directo ou intencional» / «dolo necessário» / «dolo eventual» e – quando punível - «negligência consciente» / «negligência inconsciente» ut art 8-1 do RGCOC conforme o qual «Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência», por inexistir responsabilidade contra-ordenacional objectiva, pelo que inexiste violação do princípio nemo tenetur ipsum se accusare e do direito à não auto-incriminação e do direito ao silêncio neste processo contra-ordenacional por que não foram violados os artigos invocados pela Recorrente, sob pena do absurdo jurídico do «cumprimento da lei (na fase de supervisão) acabar … por impedir o cumprimento da lei (na fase sancionatória)».”

iv. dissemelhança das situações:

Sintetizando, na situação de facto e processual sobre que versou o acórdão invocado como fundamento, a autoridade administrativa, no caso, o INAC, unicamente com os dados recolhidos no Relatório de Execução do 4º Trimestre de 2004, que lhe foi enviado pela S... S. A., em cumprimento das obrigações decorrentes do Contrato de Concessão de Serviços Aéreos Regulares na rota .../.../... celebrado com o Estado Português, instaurou processo de contraordenação e sem outras diligência de descoberta e recolha de provas, apenas com o que constava do referido relatório recebido enquanto entidade de supervisão, julgou provados os pontos 4), 5) e 9) da matéria de facto, que considerou assente e condenou a ali arguida em coima pela prática das contraordenações que lhe imputava.

O tribunal de 1ª instância, também com base nos mesmos elementos de prova, confirmou, no que para aqui pode interessar, a decisão em matéria de facto, reduzindo as consequências jurídicas, incluindo a medida da coima aplicada.

O acórdão invocado como fundamento, verificando que a prova dos factos vertidos nos pontos 4), 5) e 9) se fundou unicamente no referido relatório de execução que a S..., em cumprimento dos deveres contratuais de concessionária, enviou ao INAC, declarou nula tal prova porque obtida por métodos proibidos. Isto é, sem prévia advertência à concessionária, arguida, de que poderia servir para a incriminar.

Declarou também que a entidade administrativa fez uma utilização abusiva dos seus poderes funcionais de supervisão para perseguir e punir a arguida, sem previamente a ter advertido de que o relatório que estava obrigada a enviar-lhe poderia ser utilizado como prova para a incriminar.

Em parte alguma do acórdão invocado como fundamento se refere ou inculca que a S... solicitava a entidade externa credenciada a elaboração dos Relatórios trimestrais de execução da concessão e que os enviava a outras entidades diferentes do INAC.

Do acórdão invocado como fundamento também não se extrai que a entidade administrativa e, mormente, o tribunal de 1ª instância tenham ouvido ou inquirido outros elementos de prova sobre a facticidade vertida nos referidos pontos da matéria assente.

Não foi assim que, como se expôs, foi instaurado o processo de contraordenação sobre que versou o acórdão recorrido e que, nas instâncias intervenientes, se julgou e decidiu a matéria de facto provada e não provada.

Desde logo, o processo de contraordenação “nasceu” de uma inspeção efetuada pela entidade administrativa às instalações da sociedade aqui arguida.

Depois, o relatório de ensaio foi – como tinha, legalmente, de ser – elaborado a pedido da empresa (do conjunto de empresas que à data laboravam no local), por uma entidade externa acreditada, no caso, a empresa “...

Se é certo que o referido relatório foi o elemento de prova nuclear no processo – como tinha de ser pela sua tecnicidade -, no processo foram produzidas outros elementos de prova sobre os factos, com inquirição dos dois inspetores, do representante legal da arguida e de testemunhas de defesa.

Por outro lado, enquanto no primeiro caso a relação substancial administrativa da qual emergiam as obrigações é somente um contrato de concessão e as infrações, em substância, decorrem do incumprimento de clausulado contratualizado (com mais ou com menos liberdade das partes), no caso dos autos, as infrações estão tipificadas em lei prévia, geral e abstrata – o Regulamento Geral do Ruído.

Dissemelhança também, e decisivamente, ao nível da diversidade das funções das entidades administrativas intervenientes.

No primeiro caso – o do acórdão invocado como fundamento - a autoridade administrativa acumulava as funções de supervisor - a quem a concessionária tinha de enviar o relatório de execução -, e os poderes de perseguição e punição de infrações administrativas que detetasse terem sido cometidas pela ali arguida no âmbito da execução do mesmo contrato de concessão.

No caso sobre que versou o acórdão recorrido, as entidades, licenciadora (a Direção Geral do Ambiente/DGA  - art.ºs 2º n.º 1 al. c) e 5º do DL n.º 194/2000 de 21 de agosto) e a quem a “M..., S.A.” tinha de enviar os relatórios de medição do ruido (a Direção Regional do Ambiente/DRA – art.ºs 8º n.ºs 4 e 3 e 10º n.º 2 al.ª d) do mesmo DL), são funcionalmente diversas da entidade com os poderes de instaurar, tramitar e decidir o processo de contraordenação (a IGAMAOT), à qual a arguida não estava obrigada a enviar o mesmo relatório. Entidade que nem sequer o teria em seu poder aquando da inspeção. De outro modo, não o teria solicitado, nessa ocasião, à inspecionada.

Se no caso do acórdão fundamento, o INAC, como entidade supervisora, podia informar a tutela e promover a resolução do contrato de concessão em causa, já no caso do acórdão recorrido, era a DGA a entidade competente para condicionar e cancelar a licença ambiental. O envio à DGA de relatório de monitorização das emissões de ruido, impostas na licença, era / é condição necessária da renovação e manutenção da licença ambiental concedida.

Para que a situação de facto, a situação processual pudesse considerar-se com alguma identidade à decidida no acórdão invocado como fundamento, o vertente processo de contraordenação haveria de ter sido instaurado pela DGA ou pela DRA simplesmente como base no relatório do ensaio da monitorização do ruído enviado pela “M... R... S. A.”. O que, evidentemente, não se verificou.

Sendo incontestável o antagonismo das duas decisões, todavia conclui-se que assim sucede porque a situação de facto e processual sobre que uma incidiu não é idêntica à que foi apreciada na outra, conforme se expôs.

As diferenças na fundamentação entre os dois arestos acerca da extensão das restrições ao direito da/o arguida/o a não ser obrigada/o a contribuir para a autoincriminação e, sobretudo, do princípio da proporcionalidade imanente ao processo justo e à atuação leal dos órgãos do Estado e às suas entidades administrativas e policiais, não legitimam, só por si, a admissão de recurso extraordinário de fixação de fixação de jurisprudência. É indispensável que o diferente entendimento doutrinário se tenha projetado em decisão antitética sobre a mesma questão de facto ou processual. Segundo requisito que aqui não se verifica.

Não fora a diversidade das circunstâncias apontadas e então o processo haveria de prosseguir para a fixação de jurisprudência.

Não havendo identidade ou equivalência da situação de facto e processual ainda que se note diferença na conceção da extensão dos direitos da arguida a não contribuir para a sua autoincriminação e, mormente, sobre a restrições que ao mesmo podem ser estabelecidas pelo funcionamento do princípio da proporcionalidade, evidentemente que, como se advertiu, a solução dada a mesma questão jurídica em ambos haveria de ser, naturalmente diversa.

Conclui-se, assim, pela não oposição de julgados, que é um dos requisitos substanciais do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.

Em consonância com o exposto impõe-se rejeitar o vertente recurso, nos termos do art.º 441º nº 1 do CPP.

C. DECISÃO:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª secção criminal, de conformidade com o exposto, acorda em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pela recorrente – 441º n.º 1, do CPP.


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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs – arts. 513º n.º 1 do CPP, 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

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Lisboa, 9 de março de 2021


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)


Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto)

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[1] Ac. STJ de 9-10-2013, 3ª sec., proc. 272/03.9TASX, www.dgsi.pt/jstj.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, Sobre a constitucionalidade da conversão do valor dos assentos - apontamentos para uma discussão, 1996, pag. 56.
[3] M. Teixeira de Sousa, ob. e loc. cit.
[4] Ac. STJ de 28-05-2015, 5ª sec. proc. 6495/12.2TBBRG.G1-A.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[5][5] Atinentes ao tempo e ao modo.
[6] Ac. STJ de 23/07/2016, proc n.º 2023/13.0TJLSB.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[7] 3ª secção, proc. 175/14.1GTBRG.G1-A.S1, www.dgsi.pt.
[8] Ac. STJ de 6/4/2016, Proc. 521/11.0TASCR.L1-A.S1
[9] Ac. STJ de 11/01/2017, proc. 133/14.6T9VIS.C1-A.S1, www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido Ac. STJ de 12/1/2017, proc. 427/13.GAARC.P1-A.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[11] Ac. STJ de 26.06.2014, proc. n.º 1714/11.5GACSC.L1.S2.
[12] Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis, p. 224.
[13] Ac. STJ de 30-10-2019, proc. n.º  2701/11.9T3SNT.L1-A.S1, in www.dgsi.pt