Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
531/11.7TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
ACTO INÚTIL
ATO INÚTIL
CONTRATO DE SWAP
NEGÓCIO ALEATÓRIO
JOGO
ESPECULAÇÃO
CAUSA DO NEGÓCIO
ORDEM PÚBLICA
NULIDADE DO CONTRATO
QUESTÃO PREJUDICIAL
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 01/29/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE JUROS / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS - ÂMBITO DE APLICAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS) - SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pp. 261, 262.
- AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pp. 161 e 162.
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- ARMINDO RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, Coimbra, p. 137.
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- CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos II – Conteúdo - Contratos de Troca, Almedina, pp. 135-136; Contratos III - Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Risco, Almedina, pp. 149, 150, 268, 269, 273.
- CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Coimbra, p. 405.
- CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2ª Edição, Lex, pp. 70, 290.
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- JOSÉ LUÍS CARAMELO GOMES “O Juiz Nacional e o Direito Comunitário”, Almedina, p. 157.
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- PAULO CÂMARA, Manual de direito dos valores mobiliários, 2.ª Ed., Coimbra, p. 202.
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Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º3, 219.º, 223.º, N.º1, 236.º, N.º1, 238.º, N.º1, 280.º, N.º2, 289.º, N.º1, 290.º, 398.º, N.º2, 402.º, 405.º, N.º1, 437.º, 561.º, 939.º, 1245.º, 1246.º, 1247.º.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 480.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 46.º, N.º1, 51.º, N.º1, AL. E).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º4, 137.º, 195.º, N.ºS1 E 2, 608.º, N.º2, 638.º, N.º8, 663.º, N.º2, 665.º, N.ºS 2 E 3, 679.º, 688.º, N.º1.
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGO 2.º, N.º1, 198º E SS..
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 99.º, AL.C).
DECRETO-LEI N.º 28/84 DE 20 DE JANEIRO: - ARTIGO 35.º.
DECRETO-LEI N.º 329-A/95 DE 12 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 17.º, N.º2.
DECRETO-LEI N.º 357-A/2007 DE 31 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 1.º, 4.º.
DECRETO-LEI N.º 422/89 DE 2 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 1.º.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 298/92, DE 31-12: - ARTIGO 199.º-A.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA N.º 2004/39/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 21 DE ABRIL DE 2004 (PUBLICADA NO JOUE DE 30 DE ABRIL DE 2004, L145) RELATIVA AOS MERCADOS DE INSTRUMENTOS FINANCEIROS (USUALMENTE CONHECIDA COMO “DIRECTIVA DOS MERCADOS DE INSTRUMENTOS FINANCEIROS” OU “DMIF”).
REGULAMENTO (UE) N.º 549/2013.
TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 267.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10 DE DEZEMBRO DE 1997, CJSTJ, TOMO III, P. 158.
-DE 7 DE MARÇO DE 2002, C.J.S.T.J., TOMO I, P. 32.
-DE 11 DE JULHO DE 2006, PROCESSO N.º 1277/006 - 6.ª SECÇÃO E SUMARIADO PELA ASSESSORIA CÍVEL DESTE TRIBUNAL EM WWW.STJ.PT/JURISPRUDENCIA/SUMÁRIOS .
-DE 5 DE JUNHO DE 2008 – PROCESSO N.º 551/08 E SUMARIADO PELA ASSESSORIA CÍVEL DESTE TRIBUNAL EM WWW.STJ.PT/JURISPRUDENCIA/SUMÁRIOS .
-DE 17 DE JUNHO DE 2010, PROCESSO N.º 3262/07.9TVLSB.L1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 3 DE MAIO DE 2011 – PROCESSO N.º 536/04.4TBLLE.E1.S1 E SUMARIADO PELA ASSESSORIA CÍVEL DESTE TRIBUNAL EM WWW.STJ.PT/JURISPRUDENCIA/SUMÁRIOS .
-DE 7 DE JUNHO DE 2011 – PROCESSO N.º 906/2001.C1.S2 E ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 4 DE JUNHO DE 2013, PROCESSO N.º 994/05.0TBCNT.C1.S1.
-DE 20 DE JUNHO DE 2013, PROCESSO N.º 178/07.2TVPRT.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10 DE OUTUBRO DE 2013, PROCESSO N.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
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ASSENTO DE 28 DE MARÇO DE 1995, D.R. N.º 114, I SÉRIE-A, DE 17 DE MAIO DE 1995.
ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/10 DE 4 DE FEVEREIRO DE 2010, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, N.º 46 DE 8 DE MARÇO DE 2010.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 15 DE OUTUBRO DE 2013, PROCESSO N.º 2049/12.1TBVIS-A.C1.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
-ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 13 DE FEVEREIRO DE 2013, PROCESSO N.º 2408/10.4TVLSB-B.L1-8, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 21 DE MARÇO DE 2013, PROCESSO N.º 2587/10.0 TVLSB.L1-6, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 13 DE MAIO DE 2013, PROCESSO N.º 309.11.8TVLSB.L1-7, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO CILFIT (DE 6 DE OUTUBRO DE 1982, PROCESSO N.º 283/81) DO ENTÃO DENOMINADO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA COMUNIDADE EUROPEIA - TJCE).
Sumário :

I - Tendo a 1.ª Instância deixado de se pronunciar sobre a resolução dos contratos dos autos por alteração superveniente das circunstâncias por a ter por prejudicada em virtude concluído pela nulidade dos mesmos e tendo a Relação concluído pela sua validade, cabia a este tribunal, em princípio mediante o prévio cumprimento do disposto no artigo 665.º, n.º 3, do NCPC (2013) – o qual constitui uma emanação do princípio do contraditório –, conhecer da questão tida como prejudicada (n.º 2 do mesmo preceito).
II - Tendo, todavia, o recorrente se pronunciado sobre a questão tida como prejudicada, quer nas contestações apresentadas quer, em sede de recurso, mediante a junção de um parecer que abordava essa questão, a prévia auscultação do mesmo constituiria a prática de acto inútil (artigo 130.º do NCPC (2013)), sendo manifestamente dispensável, nesse caso, o cumprimento do contraditório.
III - O contrato de swap de taxas de juro (também denominado interest rate swap) é definível como um acordo de vontades mediante o qual as partes, por referência a um determinado prazo, acordam entre si no pagamento recíproco de quantias pecuniárias as quais são apuradas com base na aplicação de uma taxa de juro (fixa ou variável) a um montante nocional previamente fixado entre aquelas e que não é trocado entre ambas.
IV - O contrato de swap é usualmente qualificado como sendo um contrato a prazo, oneroso, consensual, meramente obrigacional, sinalagmático (em sentido amplo) e encontra-se previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do CVM (em virtude da transposição da Directiva n.º 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004) e, além do mais, nos pontos 5.210 e 5.211 do Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Maio de 2013), sendo, por isso, tido como legalmente nominado e legalmente atípico.
V - O contrato de swap, na modalidade referida em III, é um instrumento financeiro derivado negociado fora dos mercados regulamentados, i.e. over the counter. -, sendo comummente assinaladas àquele três finalidades: a cobertura de um risco financeiro (vg. as oscilações de taxas de juros ou cambiais – também denominado “hedging” –), a especulação e a arbitragem.
VI - Neste contexto, a especulação (também designada por “trading”) pode ser definida como “(…) a exposição deliberada e consciente às incertezas do mercado com a intenção de alcançar um benefício económico (…)”, o que se verifica sempre que se contrate um derivado (…) numa espécie de “vácuo financeiro”, ou seja sem estar envolvido numa relação subjacente que se refira a determinada variável económica (…)”.
VII - Evolando dos factos provados que as partes mantiveram contratos em que o Réu se comprometia, ao longo do prazo acordado em cada um deles e com periodicidade trimestral, a pagar à Autora a taxa de juro Euribor a 3 meses sobre a importância nominal designada em cada um dos contratos, ao passo que esta se vinculava, em contrapartida, a pagar àquele, com a mesma periodicidade e ao longo do mesmo prazo, uma determinada taxa de juro (4,35% num dos contratos e 4,66% nos demais) ou a taxa de juro Euribor a 3 meses, consoante a variação desta taxa se verificasse nos limites estabelecidos no contrato ou abaixo destes não se oferecem quaisquer dúvidas em reconduzir tais ajustes ao contrato de swap de taxa de juro, categorizando-se aqueles como “basis rate swap”, “vanilla swap” e “collar swap”.
VIII - Demonstrando-se que o recorrente cobriu o risco derivado da celebração dos contratos de “swap“ mediante uma operação paralela, de sinal contrário, ajustada com outra entidade financeira é de concluir que interveio como verdadeiro contraparte da recorrida e não que agiu como mero intermediário financeiro.
IX - O contrato de swap de taxas de juros é, à semelhança do jogo e da aposta, um contrato aleatório na medida em que a existência/valor de uma ou de ambas as prestações das partes depende de um facto futuro, incerto e incontrolável pelas partes (as variações da taxa Euribor a 3 meses).
X - O artigo 1245.º do Código Civil apenas declara inválidos os contratos de jogo e aposta cujo desfecho assente exclusivamente na fortuna ou no azar (cfr. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro), fixando aos contratos de jogo e aposta cujo resultado dependa da mestria, perícia ou habilidade o regime das obrigações naturais, ressalvando o artigo 1247.º do mesmo diploma a previsão de normas especiais.
XI - No contrato de swap, a evolução da taxa referida em VIII não depende da actuação das partes, existe um trato sucessivo de prestações recíprocas e não existe qualquer finalidade lúdica, pelo que o mesmo não pode ser assimilável ao contrato de jogo; todavia, dado que as prestações das partes não estão pré-determinadas e dependem da evolução de uma concreta taxa de juro, que existe uma contrapartida associada (e uma correspondente perda) à confirmação/infirmação das expectativas (ou, mais simplesmente, do acerto da previsão) – logicamente inversas e opostas - das partes acerca um facto futuro, incerto e incontrolável pelas partes (a variação dessa taxa) e que se recorre à compensação como forma de extinção das obrigações é possível aproximá-lo do contrato de aposta – que se deve ter por lícita, por não assentar na sorte ou no azar –, não constituindo um óbice a esta conclusão a previsão enunciativa das normas referidas em IV.
XII - Resultando da interpretação dos contratos dos autos e dos factos provados que as partes não visaram cobrir qualquer risco associado a uma ou mais operações financeiras ou a uma carteira de activos ou passivos e que a importância nominal acordada era apenas um mero referencial de cálculo das prestações previstas naqueles ajustes, há que concluir que o risco ínsito nestes swaps era endógeno aos mesmos (o que, por sua vez, também os assemelha a uma aposta), ou seja, foi exclusivamente por eles criado com base num vácuo financeiro, o que, por sua vez, conduz à conclusão - estritamente objectiva - de que as partes se limitaram a especular.
XIII - A tolerância da ordem jurídica à especulação não é irrestrita e importa distinguir entre a especulação tida como proveitosa ao correcto funcionamento da economia e eticamente aceitável e a busca da álea em si mesma e independente de qualquer outro motivo que a sustente ou explique (i.e. com a especulação hasardeuse) e a que se reconduz, no fundo, a correspondente geração de proveitos a partir da simples aplicação de uma determinada taxa vigente num certo momento a um mero valor nocional, não se vislumbrando qualquer razão que legitime uma equivalência entre a finalidade de imunização de um risco pré-existente ao swap ou seu contemporâneo e a tomada independente de um risco gerado por este, tanto mais que tal corresponderia a assumir como aceitáveis e toleráveis, pela sociedade, os enormes riscos sociais e económico associados a essa prática.
XIV - Não se demonstrando que as partes – e, em particular, a autora – procuraram acautelar qualquer risco, fica por comprovar a existência de um “casamento” entre um hedger (que visa, por meio de um swap, prevenir um cenário de risco desfavorável) e um especulador (que formula previsões de sinal contrário e se dispõe a aceitar esse risco mediante o pagamento de uma compensação financeira), o que tornaria economicamente virtuosa (ou, por outras palavras, séria) e, nessa medida, aceitável e legítima a especulação.
XV - Confrontando a pura especulação viabilizada pelos contratos dos autos com os princípios e valores prevalentes na nossa sociedade (ainda que interpretados actualisticamente), ponderando as desutilidades sociais e económicas que aqueles são aptos a gerar e rememorando o que evola do artigo 99.º, al. c) da Constituição da República Portuguesa, facilmente se alcança a sua desvalia face a esses valores cogentes e ao bem comum, o que autoriza que se conclua pela sua contrariedade à ordem pública e, consequentemente, pela sua nulidade (n.º 2 do artigo 280º do Código Civil).
XVI - O simples facto de o contrato de swap de taxa de juro estar legalmente previsto não afasta a hipótese de a sua concreta conformação acordada entre as partes ser desconforme à ordem pública, tanto mais que, como se disse, se trata de um contrato nominado mas não legalmente regulamentado e, por isso, mais exposto à livre autonomia da vontade.
XVII - A constatação de que estamos perante um contrato eminentemente comercial não posterga a aplicação de normas de Direito Civil.
XVIII - Dado que não emergiram dúvidas ou dificuldades que versem sobre a interpretação dos Tratados ou questões relacionadas com a validade de quaisquer actos dimanados de instituições, órgãos ou organismos da União, que a interpretação da Directiva 2004/39/CE e do Regulamento (UE) n.º 549/2013 não suscita dúvidas que tornem premente a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia, que a solução alcançada não se alcandora em normativos emanados de entes comunitários (mas antes no direito interno) e que o mecanismo de reenvio prejudicial não serve o desígnio de confrontar essa resolução com aqueles normativos, não se divisa que se revele útil para a decisão da causa a formulação de um pedido de reenvio prejudicial.
XIX - A nulidade referida em XV tem como efeito a restituição do que as partes reciprocamente prestaram em cumprimento dos contratos de swap, não sendo devidos juros de mora dado que as obrigações em causa devem ser cumpridas simultaneamente.
Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça





I
“AA Lda.” (actualmente denominada “BB, Lda.”) intentou contra “CC S.A.”, acção declarativa constitutiva com processo ordinário, peticionando que fosse resolvido o contrato denominado "Contrato de permuta de taxa de juro" com ele celebrado em 9 de Janeiro de 2007. Esta acção foi distribuída sob o n.º 531/11.
Paralelamente, a Autora intentou contra o mesmo Réu duas outras acções – a que couberam os n.ºs 532/11 e 533/11 – em que formulou idênticos pedidos por reporte a dois outros contratos de permuta de taxa de juro celebrados com aquele em 23 de Julho de 2008, tendo aquelas sido apensadas aos presentes autos (apensos “B” e “A”, respectivamente).
No articulado inicial destes autos, a Autora alegou, em suma, que, em 9 de Novembro de 2007, celebrou com o Réu um contrato de permuta de taxa de juro, com início no dia 12 desse mês e vencimento em 11 de Dezembro de 2012. Tal contrato fora subscrito na modalidade em que as partes realizam a troca periódica de juros vencidos de um empréstimo a taxa fixa por juros vencidos de um empréstimo a taxa variável.
Nesse âmbito, a Autora vinculou-se a pagar ao Réu, trimestralmente, sobre a importância nominal acordada de € 4.500.000,00, a taxa fixa de 4,35% (caso a Euribor a 3 meses - fixada no primeiro dia útil de cada período de cálculo - fosse inferior a 3,80% ou, simultaneamente, igual ou superior a 4,35% e igual ou inferior a 5,05%) e a taxa variável de juros Euribor a 3 meses, caso essa taxa fosse simultaneamente igual ou superior a 3,80% e inferior a 4,35% ou superior a 5,05%.
Por seu turno, o Réu obrigou-se a pagar, trimestralmente, a taxa de juro variável Euribor a 3 meses, sobre a importância nominal, fixada no primeiro dia útil de cada período de cálculo.
Sustenta a Autora que a execução desse contrato nesses moldes gerou, para si, prejuízos que ascendem a € 248.810,13 (valor que correspondente aos montantes pagos ao Réu até 12 de Novembro de 2010 após subtracção dos montantes por este pagos à Autora, até 12 de Fevereiro de 2009) e gerará, até ao seu termo, perdas que estima em € 300.000,00.
Afiança a Autora que tais prejuízos provêm da descida abrupta, inesperada e imprevisível da taxa Euribor a 3 meses, circunstância que atribui à crise do “subprime”, à falência do “Lehman Brothers” e à crise financeira e económica que atravessamos.
Tal descida verificou-se desde o último trimestre de 2008, tendo aquela taxa se mantido em níveis em extremamente baixos (muito inferiores a 3,80% e que chegaram a cifrar-se em 0,71%) que jamais foram previstos pelas partes ao contratarem, o que determina um desequilíbrio brutal do contrato.
Sustenta ainda a Autora que as perdas por si suportadas e os correlativos ganhos do Réu são absolutamente desproporcionais e ofendem claramente a boa fé na formação e execução dos contratos, tanto mais que não têm correspondência em qualquer benefício auferido por si auferido, são excessivamente onerosas e correspondem a um enriquecimento injustificado daquele. Verifica-se, segundo defende, uma drástica e anormal alteração das circunstâncias que nunca foi equacionada pelas partes (e, em particular, pelo Réu, que não transmitiu à Autora que a taxa Euribor seria fixada em níveis que determinassem aquele prejuízo), o que exclui qualquer hipótese das prestações contratuais se reaproximarem e que, não obstante a aleatoriedade que caracteriza o contrato em causa, determina a sua resolução.
Na petição inicial que deu origem ao processo a que foi atribuído o n.º 532/11, alegou, em síntese, a Autora que o contrato de permuta de taxa de juro datado de 23 de Julho de 2008 fora ajustado com o Réu, tendo tido início em 28 de Julho de 2008 e vencimento em 29 de Julho de 2013. A importância nominal acordada cifrava-se igualmente em € 4.500.000,00 e vinculou-se a pagar àquele, trimestralmente, à taxa fixa de 4,66% (caso a Euribor 3 meses fosse inferior a 4,15% ou simultaneamente igual ou superior a 4.66% e igual ou inferior a 5.30%) ou a taxa variável de juros Euribor 3 meses caso essa taxa fosse simultaneamente igual ou superior a 4,15% e inferior a 4,66% ou superior a 5,30%.
Afirmou ainda que a execução deste contrato nesses termos gerou prejuízos para a Autora que ascendem a € 256.504,00 e que continuará a gerar perdas até final da sua execução que calcula em cerca de € 400.000,00.
Na petição inicial com que se iniciaram os autos processados no apenso “B”, a Autora invocou que o outro contrato de permuta de taxa de juro com a data de 23 de Julho de 2008 fora ajustado com o Réu com a “DD, Lda.”, tendo início em 28 de Julho de 2008 e vencimento em 29 de Julho de 2013, cifrando-se a importância nominal acordada em € 4.000.000,00.
Tendo sido cedida à Autora essa posição contratual, ficou a mesma vinculada a pagar àquele, trimestralmente, à taxa fixa de 4,66% (caso a Euribor 3 meses fosse inferior a 4,15% ou simultaneamente igual ou superior a 4.66% e igual ou inferior a 5.30%) ou a taxa variável de juros Euribor 3 meses caso essa taxa fosse simultaneamente igual ou superior a 4,15% e inferior a 4,66% ou superior a 5,30%.
Mais sustenta que a execução deste contrato gerou, para a Autora, prejuízos que ascendem a € 734.705,36 e que, até ao final da sua execução, continuará a gerar perdas que estima em cerca de € 2.250.000,00.
Nestes últimos articulados e no mais, a Autora reiterou as alegações factuais e jurídicas vertidas na petição inicial que deu início a estes autos e que antes se sumariaram.
Nas contestações juntas a cada um dos processos, o Réu invocou que a Autora celebrara consigo (e com outras instituições de crédito) 22 contratos de swap, tendo obtido lucros em 14 deles. Após enquadrar doutrinalmente o contrato e explicitar o seu modo de funcionamento, bem como as vantagens que dele decorriam para as partes - e que, grosso modo, derivavam da oscilação da taxa Euribor -, sustentou que o risco de esta descer para níveis abaixo dos patamares de 3,80% (no primeiro caso) ou de 4,15% (nos demais casos) fora prevenida pelas mesmas, não tendo, pois ocorrido qualquer evento inesperado ou anormal no decurso do programa contratual. Argumentou ainda que as partes previram contratualmente a possibilidade de ser afastado o cumprimento do prazo estabelecido, mediante um custo que correspondia àquele que o Réu suportou para cobrir, junto de bancos de investimento, o risco por si suportado.
Por estes motivos, considera o Réu que o instituto da alteração das circunstâncias é inaplicável. Mais alega que a Autora emitiu livranças caução titulando o risco que assumiu em cada um dos contratos (até, respectivamente, aos limites de € 420.000,00, de € 615.202,00 e de € 1.820.000,00), aceitando, pois, expor o seu património a prejuízos desses montantes e assumindo, nessa medida, um risco determinável, o que se explica pela taxa de juro do “swap” ser fixa.
Impugnou ainda grande parte dos artigos das petições iniciais, concluindo pela improcedência da acção.
Nos processos que, actualmente, constituem os apensos dos presentes autos, a Autora replicou, sustentando, em resumo, que era abusivo retirar quaisquer conclusões da emissão das referidas livranças, posto que tal acto fora imposto pelo Réu e visava apenas o incumprimento dos contratos “sub judice”.
Determinada a apensação de processos, seleccionou-se a factualidade relevante e procedeu-se a julgamento, tendo a Autora, no decurso da audiência de discussão e julgamento, apresentado requerimento em que, em suma, invocou o cariz especulativo dos contratos em causa (o que se traduzia, por um lado, na desvirtuação da função económica àqueles associado – a determinação de uma taxa fixa relativa a financiamentos concedidos à Autora – e, por outro, na realização de apostas sobre a evolução da taxa Euribor a 3 meses) e suscitou o conhecimento oficioso da respectiva nulidade por falta de objecto, requerendo, subsidiariamente, que fosse declarado que os mesmos contratos constituíssem apenas fontes de obrigações civis.
Em resposta, o Réu refutou a natureza especulativa dos contratos em disputa, concluindo pela inviabilidade da pretensão.
A final, proferiu-se sentença em que, ponderando que, no “(…) contrato de 2007, a autora recebeu e por isso deve restituir a quantia de €16.883,00 (ponto 8) e a ré recebeu €406.485,38; relativamente ao contrato de 2008 (ref.6930) a autora recebeu €468,89 e a ré recebeu €426.692,21; relativamente ao contrato de 2008 (ref.6928) a autora recebeu €20.035,56 e a ré recebeu €681.812,82. Desta feita, a autora tem a restituir à ré o total de €37.387,45 e a ré tem que restituir à autora o total de €1.514.990,41.”. (…)” e que “(…) não cumpre apreciar por estar prejudicado o pedido de resolução dos contratos por alteração das circunstâncias. (…)” se decidiu “(…) a) Declarar nulos os contratos de swap celebrados entre A. e R. e identificados nos pontos 3, 17 e 23 dos factos provados.
b) Condenar a autora a restituir à ré a quantia de €37.387,45 e a ré a restituir à autora a quantia de €1.514.990,41, quantias acrescidos de juros, à taxa legal de 4%, desde a notificação desta decisão até à efectiva restituição.”.

Inconformado, o Réu apelou para a Relação de Lisboa, juntando vários pareceres.
No parecer subscrito pelo Exmo. Sr. Prof. Dr. Paulo Mota Pinto, concluiu-se pela licitude dos contratos em causa, pela inviabilidade da sua equiparação ao jogo e aposta, pela sua aptidão para o fito de gestão do risco de variação das taxas de juros, pela inexistência de qualquer ilicitude na função especulativa dos negócios em causa ou de um cariz absolutamente desequilibrado naqueles contratos, devendo ser evitado propiciar a quem, durante certo tempo, beneficiou de proveitos provindos de contratos aleatórios e pretende, quando as coisas deixaram de correr de feição, invocar a sua invalidade.
No parecer da autoria do Exmo. Sr. Prof. Dr. António Pinto Monteiro sustentou-se, em síntese, que a especulação era imprescindível à figura do swap de taxa de juro, que não se pode reconhecer primazia à relação deste com a relação jurídica subjacente, que se gera um equilíbrio entre os efeitos antitéticos da flutuação da taxa de juro que assegura o seu cariz equilibrado, não sendo viável a resolução daquele contrato por alteração anormal das circunstâncias nem a sua recondução, apesar do seu cariz aleatório, à previsão do artigo 1245º do Código Civil.
Respondeu a Autora, juntando parecer assinado pelo Exmo. Sr. Prof. Dr. José Lebre de Freitas em que o mesmo concluiu, em síntese, que a falta de ligação a operações financeiras concretas caracterizava os contratos dos autos como de especulação sobre riscos por ele criados que caíam sobre a alçada do artigo 1245º do Código Civil, o que implicava a respectiva nulidade (que não era contrariada pela previsão legal - interna e comunitária - do contrato de swap), sendo que, em todo o caso, a enorme desproporção entre os riscos assumidos pelas partes e a falta de cumprimento de deveres de informação por parte do Réu conduziria a idêntica solução.

No acórdão recorrido, decidiu-se julgar “(…) parcialmente procedente a apelação, revogando-se a alínea a), da parte decisória da sentença e confirmando-se a alínea b) embora com fundamentos distintos. (…)”.

Ainda irresignado, o Réu interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, rematando as suas profusas alegações com as seguintes conclusões:
1. O tribunal de 1.ª instância deixou de conhecer certa questão (resolução por alteração anormal das circunstâncias) por a considerar prejudicada pela solução dada ao litígio, pelo que a Relação decidiu conhecer daquela questão no seu acórdão.
2. A Relação, portanto, serviu-se – correctamente – do mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 665.º do NCPC e substituiu-se ao tribunal recorrido; no entanto, ao contrário do que dispõe o n.º 3 do artigo 665.º do NCPC, a Relação não ouviu as partes, pelo prazo de 10 dias, sobre a questão prejudicada.
3. Foi precisamente por existir este preceito expresso e inequívoco que o Banco CC, no seu recurso de apelação, se limitou ao objecto do recurso (jogo e aposta), não se tendo pronunciado sobre o pedido de alteração anormal das circunstâncias.
4. A omissão consubstancia uma nulidade que influi no exame da causa, pois não permitiu ao Banco CC tentar influenciar a decisão do Tribunal da Relação.
5. O Banco CC considera que tal omissão consubstancia uma nulidade processual que deve ser arguida perante o próprio tribunal recorrido, porquanto se trata de uma nulidade processual que ocorreu em momento anterior ao acórdão.
6. No entanto, acautelando entendimento diverso, desde já se argui a nulidade por violação do disposto no n.º 3 do artigo 665.º do NCPC, devendo o acórdão ser anulado nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 195.º do NCPC, já que tal decisão, posterior à omissão, depende absolutamente do acto omitido (o acto omitido visava permitir às partes tentar influenciar a decisão a tomar sobre a alteração anormal das circunstâncias), devendo baixar os autos para que as partes se pronunciem, pelo prazo de 10 dias, sobre o pedido de resolução por alteração anormal das circunstâncias, e para que o tribunal da Relação decida tomando em consideração a pronúncia das partes.
Sobre a normalidade da alteração…
7. Ainda que a crise financeira iniciada com a queda da Lehman Brothers tenha algumas características inéditas, a descida acentuada das taxas de juro que se verificou na sua sequência enquadra-se nas variações normais, cíclicas e recorrentes, das taxas de juro.
8. Em todo o caso, a normalidade ou anormalidade de um determinado fenómeno – como é o caso da variação das taxas de juro – é essencialmente uma conclusão de facto que se terá de basear em factos provados.
9. No caso dos autos inexiste qualquer matéria de facto que possa suportar a conclusão de que a descida das taxas de juro que se verificou após Outubro de 2008 foi anormal, inédita, excepcional ou extraordinária.
Sobre o putativo prejuízo da Autora …
10. A descida (ainda que acentuada) das taxas de juro não provocou uma lesão grave à Autora, mas apenas e tão-só um custo de oportunidade – de resto semelhante ao que incorrem todos aqueles que, antes de 2008, celebraram contratos de financiamento a taxa fixa.
11. O que a Autora pagava pelos swaps e respectivos subjacentes, antes e depois da descida das taxas de juro, é o mesmo: é por isso que os swaps em causa nos autos serviam, em parte, para fixar os encargos financeiros da Autora.
Sobre a aplicabilidade do artigo 437.º do Código Civil a contratos aleatórios…
12. Os contratos de swap são contratos aleatórios.
13. A variação – maior ou menor, mais ou menos acentuada – das taxas de juro é, precisamente, o objecto e a causa dos contratos de swap.
14. Resolver os contratos de swap com base em variações do objecto que os mesmos pretendiam regular – a taxa de juro – é uma contradição nos termos.
15. O instituto da resolução por alteração anormal das circunstâncias não se aplica às variações das taxas de juros em contratos de swap, uma vez que essas variações se encontram – precisamente – abrangidas pela finalidade dos contratos de swap, pela sua álea.
Sobre a base negocial objectiva…
16. Inexiste qualquer alteração à base negocial objectiva subjacente aos contratos de swap em causa nos autos.
17. O cenário da descida das taxas de juro foi expressamente previsto e regulado nos contratos de swap.
18. O risco de a taxa de juro descer para níveis muito baixos tinha ademais uma expressa contrapartida financeira: o pagamento pela Autora de uma taxa fixa inferior.
Sobre os riscos próprios do contrato…
19. A descida das taxas de juro está contemplada nos riscos próprios dos contratos em causa nos autos.
20. O Banco CC e a Autora estipularam que o risco da taxa Euribor descer abaixo da taxa fixa contratada correria por conta do Autora.
21. Aliás, caso a Autora não tivesse assumido este risco de descida da Euribor para níveis inferiores à taxa fixa contratada, estes seriam, sem dúvida, contratos de swap únicos no mundo, na medida em que a Autora não teria assumido qualquer risco: uma situação em que, independentemente do que viesse a acontecer, a Autora ganharia sempre e o Banco CC perderia sempre.
22. O facto de a Autora ter assumido que pagaria sempre uma determinada taxa fixa, mesmo que a Euribor descesse abaixo de uma determinada barreira, permitiu que fosse fixada aquela taxa fixa em concreto, e não outra.
23. Com efeito, caso tivesse sido contratualizado um floor, isto é, uma barreira abaixo da qual os contratos deixariam de ter efeito, a taxa fixa acordada nos swaps em causa nos autos teria sido fixada num valor superior.
24. A descida acentuada das taxas de juro não era intolerável ou desrazoável para a Autora: a taxa que a Autora pagava pelos swaps e respectivos subjacentes, antes e depois da descida das taxas de juro, é a mesma, independentemente de a descida ser muito ou pouco acentuada.
25. A descida abaixo ou “muito abaixo” da barreira contratualmente fixada é um risco assumido pela Autora que tem uma contrapartida económica no âmbito do equilíbrio próprio do contrato e da respectiva distribuição de riscos.
26. Por exemplo, se Autora quisesse correr o risco de descida da Euribor até 2%, mas já não abaixo de 2%, teria de negociar um floor de 2%; mas esse floor teria um custo, uma contrapartida económica.
27. A tese do acórdão recorrido equivale, afinal, a conceder gratuitamente um floor a favor da Autora, isto é, uma barreira abaixo da qual o contrato fica sem efeito, o que contraria a distribuição de riscos que foi querida e desejada pelas partes e desfaz o equilíbrio económico do contrato.
28. A descida da taxa de juro para níveis próximos do zero é um risco assumido pela Autora que tem, como equivalente económico, uma protecção que é concedida a quem é materialmente contraparte no swap: quem seja contraparte material no swap pretende precisamente, entre outras coisas, cobrir o risco de a taxa de juro descer para níveis muito baixos.
29. Resolver um contrato de swap devido à descida acentuada das taxas de juro frustraria os objectivos de cobertura integral do risco de variação das taxas de juro da contraparte material (contraparte essa que – ao invés de correr o risco de subida da taxa de juro – corre o risco de descida das taxas de juro).
Sobre como a resolução afectaria os princípios da boa fé…
30. A manutenção dos contratos de swap não afecta gravemente os princípios da boa fé, pois apenas se exige à Autora que pague – pelo conjunto dos swaps e respectivos subjacentes – apenas e tão só aquilo que já pagava antes da descida das taxas de juro.
31. Pelo contrário, a resolução dos contratos de swap – conforme preconiza o acórdão recorrido – afecta gravemente os princípios da boa fé, pois faz com que todo o custo de oportunidade que foi assumido pela Autora seja transformado num prejuízo efectivo a ser suportado pelo Banco CC, em contradição com as regras de distribuição de risco acordadas pelas partes.
32. O Banco CC celebrou contratos simétricos, ou seja, agiu materialmente como mero intermediário financeiro e, como tal, sem beneficiar com a subida ou descida das taxas de juro.
33. Se os contratos entre a Autora e o Banco CC forem resolvidos, o Banco CC ainda assim mantém-se obrigado a cumprir os contratos simétricos que celebrou para cobertura do seu próprio risco, pelo que o custo de oportunidade da Autora passa a ser um custo efectivo do Banco CC.
34. Com a resolução, o Banco CC seria forçado a assumir um prejuízo que é consequência de um risco assumido pela Autora, precisamente aquilo que o que o Banco CC pretendia evitar ao agir como mero intermediário.
(Subsidiariamente) Sobre os efeitos retroactivos da resolução…
35. Os contratos de swap são contratos duradouros de execução periódica ou sucessiva e não de execução instantânea.
36. A resolução de contratos de execução continuada ou periódica não tem efeitos retroactivos, tendo, portanto, apenas efeitos ex nunc, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 434.º do Código Civil.”.
Com as alegações da revista, o Réu juntou novo parecer da autoria do Exmo. Sr. Prof. Dr. Paulo Mota Pinto em que se sustentou, em súmula, que, sendo o objecto do contrato a exposição dos riscos da evolução da taxa de juro, não poderia constituir elemento da base do negócio a sua subsistência sem alterações de monta e que a sua variação, mesmo em consequência de crises económicas, está contemplada nos próprios riscos do contrato previstos e contratualizados pelas partes, o que veda o recurso ao instituto prevenido no n.º 1 do artigo 437.º do Código Civil, tanto mais que, por essa via, se facultaria à Autora o acesso a benefícios injustificados (a liberação da obrigação de pagamento de uma taxa e a redução dos custos do endividamento).

A Autora apresentou contra-alegações em que, de uma forma implícita, impetrou a ampliação do objecto do recurso de molde a que, neste, se apreciasse a nulidade dos contratos ajuizados, rematando aquelas, no que aqui releva, do seguinte modo:
3. O Acórdão recorrido não merece a censura que lhe é assacada pelo recorrente. É, porém, convicção da recorrida que o Acórdão recorrido deveria ter confirmado a Sentença das Varas Cíveis de Lisboa, que julgou nulos os contratos dos autos por os mesmos serem puramente especulativos, carecendo portanto de objecto e se consubstanciarem em verdadeiro jogo e aposta - convicção que se mantém e que, por se tratar de questão de direito e de conhecimento oficioso, se espera que seja apreciada e decidida por V. Exas., formando-se jurisprudência que declare que um contrato de permuta de taxas de juro meramente especulativo é nulo.
4. Em benefício deste pedido, invoca-se a fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Março de 2013 segundo o qual o contrato de swap só o será verdadeiramente se o risco e o objectivo da sua cobertura existir. Inexistindo cobertura de risco (porque não existe nenhum financiamento subjacente cujo risco se pretenda "gerir"), conclui-se que foi contratada outra coisa que não um swap.
5. No caso do swap de taxa de juro que não vise cobrir um risco de variação de valor respeitante a determinada ou determinadas operações, económicas ou puramente financeiras, que pura e simplesmente não existem, há um contrato meramente especulativo, em que a troca mais não serve do que uma finalidade de jogo ou aposta ilícito, devendo ser declarado nulo quer por força do art. 1245.° do Código Civil quer por aplicação directa dos artigos 280.° e 281.° do Código Civil (ilicitude por falta de causa / objecto).”.

A estas conclusões e por interpretar de forma idêntica a posição da Autora, respondeu o Réu em articulado autónomo, sustentando, em resumo, que os contratos em questão foram firmados no âmbito do direito comercial e que, sendo a especulação uma característica típica dos ajustes comerciais e admissível nesse âmbito, não se pode ser posta em causa à luz dos ditames do direito civil. Mais sustentou que, a concluir-se pela nulidade dos contratos em disputa, seria necessário suscitar, junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a questão prejudicial da conformidade desse entendimento com o direito comunitário.
Juntou ainda dois pareceres.
No primeiro, da autoria do Exmo. Sr. Prof. Calvão da Silva, entendeu-se que, em resumo, não poderia subsistir qualquer dúvida sobre a legalidade dos contratos de swap de juros (atento o facto de estarem legalmente enquadrados), teorizou-se sobre a autonomia do swap de taxas de juro face ao empréstimo subjacente (que, no seu entender, constitui um mero referencial para cálculo de juros) e defendeu-se a inaplicabilidade da “excepção do jogo” e as dissemelhanças entre aqueles contratos e os contratos diferenciais. Anotou-se ainda que a função de cobertura da flutuação da taxa de juro arredava a possibilidade de resolução por alteração superveniente das circunstâncias, já que o desequilíbrio funcional gerado pela sua apreciação ou depreciação mais não é do que o prolongamento do desequilíbrio querido e antecipado pelas partes e que a volatilidade da taxa de juro e a inerente aleatoriedade da prestação da parte onerada constituem riscos próprios do contrato. Como tal, o contrato de swap não estaria sujeito à previsão do artigo 437.º do Código Civil, sendo certo que sobre ela prevalece o regime legal ou contratual do risco, que, em todo o caso, as partes assumiram o risco da descida da taxa Euribor para níveis inferiores ao limite mais baixo previsto no contrato e que esse risco era previsível face ao cariz cíclico das crises do sistema capitalista, não se verificando, outrossim, uma lesão enorme e gravemente atentatória da boa fé.
No segundo, subscrito pelo Exmo. Sr. Prof. Dr. Menezes Cordeiro, sustentou-se que o enquadramento da oscilação das taxas de juro era o objectivo prosseguido pelas partes, o que objectava a que o mesmo fosse sensível à alteração das circunstâncias, cujo regime não tem sido aplicado às crises no plano económico e social – atenta a sua natureza cíclica -, sendo, ademais, a descida acentuada das taxas de juro um dos riscos próprios do contrato que cai no regime do risco e cujas consequências não são gravemente atentatórias da boa-fé.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir, posto que não se vislumbram questões que inviabilizem o conhecimento do mérito da revista.

II
Fundamentação de facto
São os seguintes os factos fixados pelas instâncias, dispostos de forma lógica e/ou cronológica:
1. A Autora é uma sociedade que se dedica à fabricação de produtos de papel e alimentares (alínea a) dos factos assentes);
2. O Réu é uma sociedade bancária que, entre outras actividades, se dedica à comercialização de produtos financeiros (alínea b) dos factos assentes);
3. A Autora efectuava com o banco Réu cerca de 60% do total das suas operações bancárias de financiamento (resposta ao artigo 4.º da base instrutória);
4. Todos os cenários macroeconómicos, à data da celebração dos contratos em causa nos autos, apontavam para a estabilização ou ligeira flutuação da taxa Euribor (alínea o) dos factos assentes);
5. O banco Réu dava conta de previsões, como um crescimento económico a nível mundial e o aumento dos salários (resposta ao artigo 2.º da base instrutória);
6. As informações prestadas aos representantes da Autora apontavam no sentido da manutenção da conjuntura económica vigente à data da celebração dos contratos em causa nos autos (alínea p) dos factos assentes);
7. A Autora, antes da celebração dos contratos em causa nos autos, já conhecia este tipo de contratos e, fora os que estão em causa na acção, celebrou com o Réu outros contratos de “permuta de taxa” desde 2005 a 2008 (resposta aos artigos 9.º e 10.º da base instrutória);
8. A Autora celebrou com o banco Réu um contrato epigrafado "CONTRATO DE PERMUTA DE TAXA DE JURO (Interest Rate Swap) / BST Ref.: 5233.001», datado de 9 de Novembro de 2007 (cuja cópia consta de fls. 49 e 25 a 30 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido), contrato com início em 12 de Novembro de 2007 e data de vencimento em 12 de Novembro de 2012 (alínea c) dos factos assentes);
9. Lê-se no acordo referido em 8., exarado a fls. 49 dos autos, que:«(...) Termos do Contrato. O Banco paga ao Cliente no final de cada período entre a Data de Início e a Data de Vencimento, a taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre),calculada sobre a Importância Nominal.
Em contrapartida, o Cliente paga ao Banco no final de cada período trimestral entre a Data de Início e a Data de Vencimento, a seguinte taxa de juro (calculada sobre a Importância Nominal):
- 4.35%, caso a Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre) seja (i) inferior a 3.80%, ou caso seja (ii) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.35%, e (b) igual ou inferior a 5.05%; ou
- A taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), caso essa taxa de juro Euribor 3 Meses seja (i) simultaneamente (a) igual ou superior a 3.80%, e (b) inferior a 4.35%, ou caso seja (iii) superior a 5.05%.
Racional do Contrato
O contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga trimestralmente uma taxa de juro fixa de 4.35%, desde que a Euribor 3 meses não supere 5.05%. Adicionalmente, o cliente beneficia de poder pagar a taxa de juro Euribor 3 Meses nos trimestres que essa mesma taxa seja inferior a 4.35%, mas sujeito a que não seja inferior a 3.80%.
Assim, o cliente registará uma perda com o contrato nos trimestres em que a Euribor 3 Meses seja inferior a 3.80%, mas registará um ganho com o contrato nos trimestres em que a Euribor seja, simultaneamente, superior a 4.35% e inferior a 5.05%. Nos restantes casos, o cliente não registará qualquer ganho ou perda com o contrato nos respectivos trimestres. (...)» (alínea d) dos factos assentes);
10. A importância nominal acordada a que se reporta o ponto anterior, foi de € 4.500.000,00 (alínea e) dos factos assentes);
11. Consta do acordo referido em 8., concretamente no documento de fls. 25 a 30 dos autos, o seguinte: «(...) 3. Resolução Antecipada: Sem prejuízo dos termos previstos no Contrato Quadro, o Banco ou o Cliente poderão resolver, unilateralmente, o presente Contrato no dia 12 de Novembro de qualquer ano, com início em 2008. O exercício do direito de resolução do presente Contrato terá lugar, mediante comunicação escrita dirigida à outra Parte, em carta registada com aviso de recepção ou por fax, a ser efectuada com uma antecedência de, pelo menos, 5 dias úteis face à data relevante para a resolução do Contrato. Sendo exercido o direito de resolução do presente Contrato, o Agente Calculador determinará a quantia a pagar entre as Partes, utilizando o Método do Valor de Mercado, e aplicando os princípios previstos no Contrato Quadro. Dependendo das condições de mercado prevalecentes à data relevante, a quantia, apurada nos termos descritos acima, será devida pelo Cliente ao Banco ou pelo Banco ao Cliente. (...)»(alínea f) dos factos assentes);
12. A Autora entregou ao Réu a livrança - cuja cópia se encontra a fls. 51 e 52 dos autos -, acompanhada do documento epigrafado «TÍTULO DE AUTORIZAÇÃO DE PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA-CAUÇÃO PARA RESPONSABILIDADES ESPECIFICAS COM AVAL» (junto a fls. 53 e 54 dos autos, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido) do qual se destaca: «(...) A livrança remetida destina-se a titular todas e quaisquer responsabilidades emergentes do Contrato de Permuta de Taxa de Juro por nós acordado em 9 de Novembro de 2007 e cujos termos e condições particulares foram confirmadas por Contrato Confirmação com a referência n.º 5233.001, até ao limite de EUR 420,000.00, incluindo o reembolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos devidos. (...)»(alínea ab) dos factos assentes);
13. A sociedade “DD – Comércio de Papel, Lda.” celebrou com o banco Réu um contrato epigrafado «CONTRATO DE PERMUTA DE TAXA DE JURO (Interest Rate Swap) / BST Ref.: 6930.001», datado de 23 de Julho de 2008 (cuja cópia é fls. 117 e 25 a 29 dos autos - do apenso A -, que aqui se dá por integralmente reproduzido), contrato com início em 28 de Julho de 2008 e data de vencimento em 29 de Julho de 2013 (alínea q) dos factos assentes);
14. Lê-se no acordo referido em 13., exarado a fls. 117 dos autos (do apenso A), que: «(...) Termos do Contrato: O Banco paga ao Cliente no final de cada período entre a Data de Início e a Data de Vencimento, a taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), calculada sobre a Importância Nominal.
Em contrapartida, o Cliente paga ao Banco no final de cada período trimestral entre a Data de Início e a Data de Vencimento, a seguinte taxa de juro (calculada sobre a Importância Nominal):
- 4.66%, caso a Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre) seja (i) inferior a 4.15%, ou caso seja (ii) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.66%, e (b) igual ou inferior a 5.30%; ou
- A taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), caso essa taxa de juro Euribor 3 Meses seja (i) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.15%, e (b) inferior a 4.66%, ou caso seja (iii) superior a 5.30%.
Racional do Contrato
O contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga trimestralmente uma taxa de juro fixa de 4.66%, desde que a Euribor 3 meses não supere 5.30%. Adicionalmente, o cliente beneficia de poder pagar a taxa de juro Euribor 3 Meses nos trimestres que essa mesma taxa seja inferior a 4.66%, mas sujeito a que não seja inferior a 4.15%. Assim, o cliente registará uma perda com o contrato nos trimestres em que a Euribor 3 Meses seja inferior a 4.15%, mas registará um ganho com o contrato nos trimestres em que a Euribor seja, simultaneamente, superior a 4.66% e inferior a 5.30%. Nos restantes casos, o cliente não registará qualquer ganho ou perda com o contrato nos respectivos trimestres. (...)»(alínea r) dos factos assentes);
15. A importância nominal acordada a que se reporta o ponto anterior, foi de € 4.000.000,00. (alínea s) dos factos assentes);
16. A sociedade “DD - Comércio de Papel, Lda.”, em 22 de Dezembro de 2008, cedeu para a Autora, então denominada “EE - Transformação de Papel e Produtos Alimentares, Lda.”, a posição contratual que ocupava no contrato referido em 13. (conforme consta do documento cuja cópia é fls. 33 e 34 do apenso A, cujo conteúdo integral se dá aqui por reproduzido) (alínea t) dos factos assentes);
17. A Autora entregou ao Réu a livrança (cuja cópia se encontra a fls. 119 e 120 dos autos do apenso A), acompanhada do documento epigrafado «TÍTULO DE AUTORIZAÇÃO DE PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA-CAUÇÃO PARA RESPONSABILIDADES ESPECIFICAS COM AVAL» (junto a fls. 121 e 122 do mesmo apenso, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido) e do qual se destaca: «(...) A livrança remetida destina-se a titular todas e quaisquer responsabilidades emergentes da Operação Financeira por nós acordado em 23 de Julho de 2008 e cujos termos e condições particulares foram confirmadas por Contrato Confirmação com a referência n.º 6930.001, bem como de quaisquer alterações subsequentes acordadas entre nós e o Banco que modifiquem de alguma forma os termos ou condições desta Operação, e ainda da resolução antecipada da Operação, até ao limite de EUR 615,202,00, incluindo o reembolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos devidos. (...)»(alínea ac) dos factos assentes);
18. A Autora celebrou com o banco Réu um contrato epigrafado «CONTRATO DE PERMUTA DE TAXA DE JURO (Interest Rate Swap) / BST Ref.: 6928.001», datado de 23 de Julho de 2008 (cuja cópia é fls. 118 e 26 a 33 dos autos do apenso B que aqui se dá por integralmente reproduzido), contrato com início em 18 de Julho de 2008 e data de vencimento em 29 de Julho de 2013 (alínea w) dos factos assentes);
19. Lê-se no acordo referido em 18., (exarado a fls. 118 dos autos do apenso B), que: «(...) Termos do Contrato .O Banco paga ao Cliente no final de cada período entre a Data de Início e a Data de Vencimento, a taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), calculada sobre a Importância Nominal.
Em contrapartida, o Cliente paga ao Banco no final de cada período trimestral entre a Data de Início e a Data de Vencimento, a seguinte taxa de juro (calculada sobre a Importância Nominal):
- 4.66%, caso a Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre) seja (i) inferior a 4.15%, ou caso seja (ii) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.66%, e (b) igual ou inferior a 5.30%; ou
- A taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), caso essa taxa de juro Euribor 3 Meses seja (i) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.15%, e (b) inferior a 4.66%, ou caso seja (iii) superior a 5.30%.
Racional do Contrato
O contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga trimestralmente uma taxa de juro fixa de 4.66%, desde que a Euribor 3 meses não supere 5.30%. Adicionalmente, o cliente beneficia de poder pagar a taxa de juro Euribor 3 Meses nos trimestres que essa mesma taxa seja inferior a 4.66%, mas sujeito a que não seja inferior a 4.15%. Assim, o cliente registará uma perda com o contrato nos trimestres em que a Euribor 3 Meses seja inferior a 4.15%, mas registará um ganho com o contrato nos trimestres em que a Euribor seja, simultaneamente, superior a 4.66% e inferior a 5.30%. Nos restantes casos, o cliente não registará qualquer ganho ou perda com o contrato nos respectivos trimestres. (...)» (alínea x) dos factos assentes);
20. A importância nominal acordada a que se reporta o ponto anterior, foi de € 14.000.000,00 (alínea y) dos factos assentes);
21. A Autora entregou ao Réu a livrança (cuja cópia se encontra a fls. 119 e 120 dos autos do apenso B), acompanhada do documento epigrafado «TÍTULO DE AUTORIZAÇÃO DE PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA-CAUÇÃO PARA RESPONSABILIDADES ESPECIFICAS COM AVAL» (junto a fls. 122 e 123 do mesmo apenso, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido) e do qual se destaca: «(...) A livrança remetida destina-se a titular todas e quaisquer responsabilidades emergentes da Operação Financeira por nós acordado em 23 de Julho de 2008 e cujos termos e condições particulares foram confirmadas por Contrato Confirmação com a referência n.º 6928.001, bem como de quaisquer alterações subsequentes acordadas entre nós e o Banco que modifiquem de alguma forma os termos ou condições desta Operação, e ainda da resolução antecipada da Operação, até ao limite de EUR 1,820,000.00, incluindo o reembolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos devidos. (...)» (alínea ad) dos factos assentes);
22. A taxa Euribor a 3 Meses registou, em 2007, um crescimento constante, com uma variação entre os 3,89% e os 4,81% (taxa média mensal), conforme consta dos seguintes quadros:


(alínea i) dos factos assentes);
23. Mercê da insolvência do Lehman Brothers em 15 de Setembro de 2008, e decorrente reacção europeia para reduzir o custo do financiamento, verificou-se a diminuição da taxa Euribor (alínea n) dos factos assentes);
24. A taxa Euribor 3 Meses registou em 2008 um declínio, com uma variação de 4,48% e 3,29% (taxa média mensal), conforme consta dos seguintes quadros:


(alínea j) dos factos assentes);

25. A taxa Euribor 3 Meses registou em 2009 um declínio, com uma variação de 2,45% e 0,71% (taxa média mensal), conforme consta dos seguintes quadros:


(alínea k) dos factos assentes);

26. A taxa Euribor 3 Meses registou em 2010 um declínio, com uma variação de 0,68% e 1,02% (taxa média mensal), conforme consta dos seguintes quadros:


(alínea l) dos factos assentes);

27. Em 2011, a taxa média mensal da Euribor a 3 Meses, foi em Janeiro de 1,01%, e em Fevereiro de 1,08%, conforme consta dos seguintes quadros:


(alínea m) dos factos assentes);

28. A execução do contrato referido em 8., gerou os seguintes resultados económicos:
a) no primeiro semestre de vigência (em 12 Fevereiro de 2008), a Autora, após operada a compensação, recebeu € 2.663,50;
b) no segundo semestre de vigência (em 12 Maio de 2008), a Autora, após operada a compensação, recebeu € 664,00;
c) no terceiro semestre de vigência (em 12 de Agosto de 2008), a Autora, após operada a compensação, recebeu € 5.807,50;
d) no quarto semestre de vigência (em 12 de Novembro de 2008), a Autora, após operada a compensação, recebeu € 7.084,00;
e) no quinto semestre de vigência (em 12 de Fevereiro de 2009), a Autora, após operada a compensação, recebeu € 644,00;
f) no sexto semestre de vigência (12 de Maio de 2009), a Autora, após operada a compensação, pagou € 26.266,13;
g) no sétimo semestre de vigência (12 de Agosto de 2009), a Autora, após operada a compensação, pagou € 34.925,50;
h) no oitavo semestre de vigência (12 de Novembro de 2009), a Autora, após operada a compensação, pagou € 39.859,00;
i) no nono semestre de vigência (12 de Fevereiro de 2010), a Autora, após operada a compensação, pagou € 41.802,50;
j) no décimo semestre de vigência (12 de Maio de 2010), a Autora, após operada a compensação, pagou € 41.029,00;
k) no décimo primeiro semestre de vigência (12 de Agosto de 2010), a Autora, após operada a compensação, pagou € 42.182,00;
l) no décimo segundo semestre de vigência (12 de Novembro de 2010), a Autora, após operada a compensação, pagou € 39.629,00 (alínea g) dos factos assentes);
29. No período referido em 28., o total de ganhos da Autora foi de €16.883,00 e o total de perdas foi de € 265.693,13 (alínea h) dos factos assentes);
30. O contrato referido em 8., após o período mencionado em 28., gerou os fluxos constantes do documento de fls. 231 (cujo teor integral se dá por reproduzido) e, concretamente, os seguintes resultados para a Autora:
a) no período de 12.11.2010 a 14.2.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 38.798,50;
b) no período de 14.2.2011 a 12.5.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 35.409,00;
c) no período de 12.5.2011 a 12.8.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 33.626,00; -
d) no período de 12.8.2011 a 14.11.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 32.958,75;
e) no período de 14.11.2011 a 13.2.2012, após operada a compensação, a Autora pagou € 32.828,25;
f) no período de 13.2.2012 a 14.5.2012, após operada a compensação, a Autora tem a pagar € 37.310,00, quantia que ainda não pagou ao banco;
g) no período de 14.5.2012 a 13.8.2012, após operada a compensação, a Autora tem a pagar € 41.632,50, quantia que ainda não pagou ao banco;
h) no período de 13.8.2012 a 12.11.2012 (data em que findou), após operada a compensação, a Autora tem a pagar € 45.386,25, quantia que ainda não pagou ao banco (resposta ao artigo 1.º da base instrutória);
31. A execução do contrato referido em 13., gerou os seguintes resultados económicos:
a) em 28 de Janeiro de 2009, a Autora, após operada a compensação, recebeu € 468,89;
b) em 28 de Abril de 2009, a Autora, após operada a compensação, pagou € 25.110,00;
c) em 28 de Julho de 2009, a Autora, após operada a compensação, pagou € 34.925,50€;
d) em 28 de Outubro de 2009, a Autora, após operada a compensação, pagou € 37.725,80€;
e) em 28 de Janeiro de 2010), a Autora, após operada a compensação, pagou € 40.163,12;
f) em 28 de Abril de 2010, a Autora, após operada a compensação, pagou € 39.930,00;
g) a 28 de Julho de 2010 a Autora, após operada a compensação, pagou € 40.596,11;
h) em 28 de Outubro de 2010, a Autora, após operada a compensação, pagou € 38.548,00 (alínea u) dos factos assentes);
32. No período referido em 31., o total de ganhos da Autora foi de € 468,89 e o total de perdas foi de € 256.998,53 (alínea v) dos factos assentes);
33. O contrato referido em 13., após o período mencionado em 31., gerou os fluxos constantes do documento de fls. 232 (cujo teor integral se dá por reproduzido) e, concretamente, os seguintes resultados para a Autora:
a) no período de 28.10.2010 a 28.1.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 37.035,12;
b) no período de 28.1.2011 a 28.4.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 36.090,00;
c) no período de 28.4.2011 a 28.7.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 33.356,56;
d) no período de 28.7.2011 a 28.10.2011, após operada a compensação, a autora pagou € 31.126,67; -
e) no período de 28.10.2011 a 30.1.2012, após operada a compensação, a Autora pagou € 32.085,33;
f) no período de 30.1.2012 a 30.4.2012, após operada a compensação, a Autora tem a pagar ao banco € 35.570,89, quantia que ainda não pagou;
g) no período de 30.4.2012 a 30.7.2012, após operada a compensação, a Autora tem a pagar ao banco € 39.837,78, quantia que ainda não pagou; -
h) no período de 30.7.2012 a 29.10.2012, após operada a compensação, a Autora tem a pagar ao banco € 42.850,89, quantia que ainda não pagou;
i) no período de 29.10.2012 a 28.1.2013, após operada a compensação, a Autora tem a pagar ao banco € 45.085,45, quantia que ainda não pagou;
j) após 28.1.2013 e até ao final da sua execução, se a taxa de juros Euribor a 3 meses, se mantiver nos índices registados desde Janeiro de 2009 e constantes do documento de fls. 231 e 232, o contrato gerará para autora a obrigação de pagar juros em montantes da ordem daqueles que pagou desde final de Janeiro de 2009 (resposta ao artigo 7.º da base instrutória);
34. A execução do contrato referido em 18., gerou os seguintes resultados económicos:
a) no primeiro semestre de vigência (em 28 de Outubro de 2008), a Autora, após operada a compensação, recebeu € 10.804,89;
b) no segundo semestre de vigência (em 28 de Janeiro de 2009), a Autora, após operada a compensação, recebeu € 9.230,67;
c) no terceiro semestre de vigência (28 de Abril de 2009), a Autora, após operada a compensação, pagou € 87.885,00;
d) no quarto semestre de vigência (28 de Julho de 2009), a Autora, após operada a compensação, pagou 115.367,78€;
e) no quinto semestre de vigência (28 de Outubro de 2009), a Autora, após operada a compensação, pagou € 133.773,11;
f) no sexto semestre de vigência (28 de Janeiro de 2010), a Autora, após operada a compensação, pagou € 140.570,88;
g) no sétimo semestre de vigência (28 de Abril de 2010), a Autora, após operada a compensação, pagou € 139.755,00;
h) no oitavo semestre de vigência (28 de Julho de 2010), a Autora, após operada a compensação, pagou € 142.086,39;
i) no nono semestre de vigência (28 de Outubro de 2010), a Autora, após operada a compensação, pagou € 134.918,00. (alínea z) dos factos assentes);
35. No período referido em 34., o total de ganhos da Autora foi de € 20.035,56 e o total de perdas foi de € 754.740,92 (alínea aa) dos factos assentes);
36. O contrato referido em 18., após o período mencionado em 34. gerou os fluxos constantes do documento de fls. 232 (cujo teor integral se dá por reproduzido) e, concretamente, os seguintes resultados para a Autora:
a) no período de 28.10.2010 a 28.1.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 129.622,88;
b) no período de 28.1.2011 a 28.4.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 126.315,00;
c) no período de 28.4.2011 a 28.7.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 116.747,94;
d) no período de 28.7.2011 a 28.10.2011, após operada a compensação, a Autora pagou € 108.943,33;
e) no período de 28.10.2011 a 30.1.2012, após operada a compensação, a Autora pagou € 112.298,67; -
f) no período de 30.1.2012 a 30.4.2012, após operada a compensação, a Autora tem a pagar ao banco € 124.498,11, quantia que ainda não pagou;
g) no período de 30.4.2012 a 30.7.2012, após operada a compensação, a Autora tem a pagar ao banco € 139.432,22, quantia que ainda não pagou; -
h) no período de 30.7.2012 a 29.10.2012, após operada a compensação, a Autora tem a pagar ao banco €149.978,11, quantia que ainda não pagou;
i) no período de 29.10.2012 a 28.1.2012, após operada a compensação, a Autora tem a pagar ao banco € 157.799,05, quantia que ainda não pagou;
j) Após 28.1.2013 e até ao final da sua execução, se a taxa de juros Euribor a 3 meses, se mantiver nos índices registados desde final de Janeiro de 2009 e constantes do documento de fls. 232, o contrato gerará para Autora a obrigação de pagar juros em montantes da ordem daqueles que pagou desde final de Janeiro de 2009 (resposta ao artigo 8.º da base instrutória);
37. Nunca foi equacionada pelas partes a alteração do cenário macroeconómico de forma a determinar a redução da taxa de juro Euribor a 3 Meses que se veio a verificar (resposta ao artigo 2.º da base instrutória);
38. O risco para o banco Réu, derivado da celebração dos contratos de “swap“, é coberto por operação paralela, de sinal contrário, com outra entidade financeira (resposta ao artigo 12.º da base instrutória);

iii
As questões a solucionar

Como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso (n.º 3 do artigo 635º e n.ºs 1 e 4 do artigo 639º ambos do Código de Processo Civil e a jurisprudência firme e constante deste Supremo Tribunal).
Sem embargo, importa ainda considerar o que se expôs sobre a ampliação do objecto do recurso e levar em linha de conta que o conhecimento da nulidade de qualquer negócio jurídico com base nos factos demonstrados constitui matéria de excepção peremptória de conhecimento oficioso pelo tribunal (artigos 285º e 286º, ambos do Código Civil, n.º 1 e 3 do artigo 5º, n.ºs 1 e 3 do artigo 576º e artigo 579º, todos do Código de Processo Civil).
Nesta conformidade e por uma ordem de precedência lógica, inventariam-se as seguintes questões solvendas:
· nulidade processual invocada pela recorrente;
· validade substantiva dos contratos em apreço;
· resolução dos contratos submetidos a juízo nos termos previstos pelo artigo 437º do Código Civil;

IV Resolução da primeira questão solvenda

A) Enquadramento Jurídico

Prevêem os n.ºs 2 e 3 do artigo 665º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Regra da substituição ao tribunal recorrido”:
2 – Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 – O relator, antes de ser proferida decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.”.
Da conjugação das citadas normas decorre, em suma, que a Relação, ao concluir pela procedência da apelação, se constatar que a primeira instância deixou de resolver determinada questão por a ter por prejudicada face à solução dada a outra, deve, sem precedência de iniciativa das partes mas com audição prévia das mesmas, conhecer dessa mesma questão, contanto que disponha de elementos para o efeito (assim ABRANTES GERALDES “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, pág. 261, ARMINDO RIBEIRO MENDES “Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007”, Coimbra, pág. 137 e AMÂNCIO FERREIRA “Manual dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, págs. 161 e 162).
A introdução desta disposição deve-se à reforma do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Novembro em cujo preâmbulo se podem discernir os respectivos fundamentos.
Aí se lia que se “(…) consagra expressamente a vigência da regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido, ampliando e clarificando o regime que a doutrina tem vindo a inferir da lacónica previsão do artigo 715º do Código de Processo Civil, por se afigurar que os inconvenientes resultantes da possível supressão de um grau de jurisdição são largamente compensados pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal ad quem.
Neste sentido, estatui-se que os poderes de cognição da Relação incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrido as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu litígio - cumprindo à Relação, assegurado que seja o contraditório e prevenindo o risco de serem proferidas decisões surpresa, resolvê-las, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Temos assim que a necessidade de auscultar as partes constitui uma emanação do princípio do contraditório (cfr. n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil) para a hipótese de as alegações recursórias das partes se terem cingido à decisão recorrida e olvidado a questão cuja apreciação aí se teve por preterida (assim, ABRANTES GERALDES, ob. cit., pág. 262 e, com referência a jurisprudência deste STJ, nota 340 e AMÂNCIO FERREIRA, ob. cit., pág. 162; na jurisprudência deste tribunal, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2008 – relatado pelo Cons. Alves Velho no processo n.º 551/08 e sumariado pela Assessoria Cível deste Tribunal em www.stj.pt/jurisprudencia/sumários –, de 3 de Maio de 2011 – relatado pelo Cons. Fernandes do Vale no processo n.º 536/04.4TBLLE.E1.S1 e sumariado pela Assessoria Cível deste Tribunal em www.stj.pt/jurisprudencia/sumários – e de 7 de Junho de 2011 – proferido pelo Cons. Garcia Calejo no processo n.º 906/2001.C1.S2 e acessível em www.dgsi.pt).
Desde que se possa considerar que a omissão dessa formalidade influiu no exame e decisão da causa, estaremos em presença de nulidade processual (cfr. n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil - neste sentido, além da jurisprudência deste STJ citada por ABRANTES GERALDES, loc. cit. e pelo recorrente, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 2006, relatado pelo Cons. Ribeiro de Almeida no processo n.º 1277/006 - 6.ª Secção e sumariado pela Assessoria Cível deste Tribunal em www.stj.pt/jurisprudencia/sumários).

B) Juízo Subsuntivo

Refira-se, primeiramente, que a nulidade em apreço foi atempadamente arguida (cfr. fls. 923 e ss.) perante o tribunal “a quo” e por este decidida (fls. 1070 e ss.).
Vejamos como enfrentar os argumentos aduzidos pelo recorrente.
Como se extrai do relatório que antecede, as causas de pedir e os pedidos formulados nas petições iniciais que constituem os presentes autos encontravam-se essencialmente enquadradas no regime da alteração superveniente das circunstâncias que fundaram a decisão de firmar os contratos aí aludidos (cfr. artigo 437º do Código Civil).
À argumentação fáctica e jurídica aduzida pela Autora para sustentar as pretensões que deduziu com esse enquadramento respondeu o Réu na respectiva contestação.
Todavia, na primeira instância, concluiu-se pela invalidade dos referidos ajustes, motivo pelo qual se teve por prejudicada a apreciação das pretensões da Autora com base no mesmo enquadramento.
No acórdão recorrido, a Relação de Lisboa dissentiu desse enquadramento e, revogando, nesse segmento, a sentença, apreciou e conheceu, no mesmo passo, das pretensões aduzidas nas petições iniciais (atente-se, em particular, no trecho do mesmo aresto que consta de fls. 905).
Foi, pois, cumprido o que se dispõe no n.º 2 do artigo 665.º do Código de Processo Civil.
Porém, como se observa pela tramitação processual que antecedeu a prolação do dito aresto, não se determinou, previamente a esse momento, o cumprimento disposto no n.º 3 do mesmo preceito.
Importa recordar que a defesa do Réu aduzida até à prolação da sentença teve em vista a resolução dos contratos com base na alteração superveniente das circunstâncias, defendendo-se proficientemente a sua inaplicabilidade.
E se é certo que as alegações recursórias que delimitaram o objecto não continham qualquer menção a essa questão, não é menos verdade que, no douto parecer do Prof. A. PINTO MONTEIRO junto pelo recorrente em sede de apelação, se abordava esse tema, concluindo no sentido defendido por aquele em primeira instância (cfr., em particular, fls. 828 e ss.).
Temos, pois, que o Réu exerceu, efectivamente, o contraditório relativamente a essa questão. E, como se antevê até pela posição adoptada em sede de revista, não é crível que o Réu tenha, nesse entretanto, invertido o seu entendimento.
Daí que se deva concluir que a notificação para que, novamente, o Réu expressasse, uma vez mais, o seu ponto de vista sobre o mérito das pretensões inicialmente formuladas pela Autora representaria, na medida em que constituiria a repristinação de uma oportunidade já concedida e usada pelo Réu, a prática de um acto inútil, o que é legalmente vedado (artigo 130.º do Código de Processo Civil - neste sentido, v. os já citados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2008 e de 7 de Junho de 2011).
Por outras palavras, crê-se ser patente que estamos perante um caso de manifesta desnecessidade de observância do princípio do contraditório de que, como se disse, o comando contido no n.º 3 do artigo 665.º do Código de Processo Civil dimana. Aliás, é de observar que, nas alegações da revista, o Réu debateu longamente a questão.
Assim sendo, não se pode, com propriedade, considerar que a omissão da sobredita audição das partes infrinja o disposto no n.º 3 do artigo 665.º do diploma adjectivo civil.
Mas mesmo que se dissinta deste entendimento, o certo é que o Réu não detalhou em que medida a defesa da sua posição ficou diminuída com a preterição dessa formalidade.
Na verdade, a este respeito apenas se inscreveu que não se “(…) permitiu ao Banco CC tentar influenciar a decisão do Tribunal da Relação (…)”.
Como é bom de ver, tal asserção é manifestamente vaga (não concretiza, v.g. os contributos que o Réu, em virtude da omissão cometida, deixou de prestar para a decisão ou os argumentos que podia ter empregue) para que, com base nela, possamos concluir que a pretensa violação da lei processual cometida na segunda instância influiu, seja em que medida for, no exame e decisão da causa (cfr. n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil).
Ademais e sem embargo, o certo é que, como se disse, no parecer que o recorrente fez juntar aos autos antes da prolação do aresto, se sufragou a posição por ele defendida nas contestações, pelo que é de considerar que, ao proceder dessa forma e sendo inverosímil que desconhecesse o seu conteúdo, o Réu (ainda que, porventura, inadvertidamente) tentou influenciar a decisão a proferir no que tange à resolução dos contratos com base na alteração superveniente das circunstâncias.
Refira-se, aliás, que a norma contida no n.º 3 do artigo 665.º do mesmo diploma visa apenas facultar às partes a oportunidade para se pronunciarem sobre a decisão da questão tida por prejudicada pelo tribunal a quo, sendo apenas nessa estrita medida que se lhes faculta a hipótese de influenciarem a decisão a tomar.
Nestes moldes, há que considerar que não se verifica a nulidade processual arguida, pelo que não há que extrair as consequências pretendidas pelo recorrente (cfr. n.º 2 do artigo 195.º daquele diploma).
Improcedem, nestes termos, as seis primeiras conclusões recursórias.

V
Resolução da segunda questão solvenda

A) Enquadramento Jurídico dos contratos em apreço

Ingressemos agora na apreciação da validade dos contratos ajuizados, questão que, como se disse, por via da ampliação do âmbito do recurso imperfeitamente impetrada pela recorrida e por via do conhecimento oficioso que se impõe ao tribunal, está compreendida no seu objecto.
Tendo o recorrente tido o ensejo de sobre ela se pronunciar em sede de apelação e em requerimento autónomo (produzido ao abrigo do disposto no n.º 8 do artigo 638.º do Código de Processo Civil), é manifestamente desnecessário auscultá-lo previamente.

As instâncias não dissentiram entre si na qualificação dos contratos ajuizados como contratos de “swap” (literalmente, troca ou permuta) de taxas de juro.
Vejamos se o fizeram com propriedade, o que implica que se conceptualize e caracterize este contrato.

A criação do swap remonta aos finais dos anos 70/primórdios dos anos 80 do século passado e constitui uma resposta à crescente incerteza nos mercados de capitais gerada pela crise monetária e energética, despoletada, no início da década de 70, pelo fim da livre convertibilidade do dólar em ouro, pelo fim dos câmbios fixos, pelos choques petrolíferos e pelos desequilíbrios constantes das balanças de pagamentos.
O seu surgimento foi também favorecido pelas maiores exigências de remuneração por parte dos clientes dos bancos, pela redução ou supressão de controlos governamentais sobre taxas de juros e instrumentos financeiros e pelos avanços tecnológicos no tratamento da informação, na informática e na comunicação, o que permitiu o funcionamento contínuo e interligado dos mercados de capitais que crescentemente se foram internacionalizando.
Na sua base, os swaps são enformados por princípios económicos extraídos da teoria das vantagens comparativas no comércio internacional (desenvolvida por DAVID RICARDO com base no estudo do Tratado de Methwen de 1702 entre Portugal e Inglaterra) aplicado ao mercado de capitais (sintetizam-se as lições de MARIA CLARA CALHEIROS, “O contrato de swapin BFDUC “STVDIA IVRIDICA”, n.º 51, págs. 13 a 19, 53 e 54 e de JOÃO CANTIGA ESTEVES “Contratos de Swap Revisitados”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, págs. 71 a 73).
O contrato de swap ajustado, em 1981, entre a “IBM” e o Banco Mundial é comummente referenciado como um marco na história desta figura (assim MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 30 e PEDRO BOULLOSA GONZALEZ “Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, pág. 10), ao passo que o primeiro contrato de swap de taxas de juro (também denominado “interest rate swap”) terá sido celebrado em Londres em 1981 com a permuta de fluxos financeiros indexados a uma taxa variável por fluxos financeiros determinados a uma taxa de juros fixa (assim JOÃO CANTIGA ESTEVES, ob. cit., pág. 72).
Não existe notícia do momento em que, entre nós, foi introduzido o contrato de swap, embora, já em 1995 o Banco CISF detivesse uma carteira de swaps 227 milhões de contos.
Ao nível do direito constituído e embora fosse feita referência ao swap enquanto instrumento financeiro na alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários n.º 2/2002 (publicado no DR, II Série, de 1 de Fevereiro de 2002), tal figura, na vertente que aqui releva, só mereceu consagração legislativa mais expressiva em 2007 (antes existiam referências esparsas e indirectas em domínios de direito público, como se dá nota no Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Maio de 2013, relatado pela Des. Maria do Rosário Morgado no processo n.º 309.11.8TVLSB.L1-7 e acessível em www.dgsi.pt).
Tal sucedeu com a introdução da nova redacção do n.º 1 do artigo 2.º do Código dos Valores Mobiliários.
Aí, sobre a epígrafe “Âmbito de aplicação material”, lê-se
1 – O presente Código regula:
(…) e) As opções, os futuros, os swaps, os contratos a prazo e quaisquer outros contratos derivados relativos a:
i) Valores mobiliários, divisas, taxas de juro ou de rendibilidades ou relativos a outros instrumentos derivados, índices financeiros ou indicadores financeiros, com liquidação física ou financeira;
ii) Mercadorias, variáveis climáticas, tarifas de fretes, licenças de emissão, taxas de inflação ou quaisquer outras estatísticas económicas oficiais, com liquidação financeira ainda que por opção de uma das partes;
iii) Mercadorias, com liquidação física, desde que sejam transaccionados em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral ou, não se destinando a finalidade comercial, tenham características análogas às de outros instrumentos financeiros derivados nos termos do artigo 38º do Regulamento (CE) nº 1287/2006, da Comissão, de 10 de Agosto; (…)”.
Desta inserção, pode-se colher que o swap é um tipo de contrato derivado nominado.
Essa inovação foi operada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 357-A/2007 de 31 de Outubro, sendo que, como se extrai do seu artigo 1º, este diploma transpôs para o direito português, além do mais, a Directiva n.º 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004 (publicada no JOUE de 30 de Abril de 2004, L145) relativa aos mercados de instrumentos financeiros (usualmente conhecida como “Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros” ou “DMIF”).
Tal normativo comunitário incluía o swap na categoria dos instrumentos financeiros (cfr. pontos n.ºs 4, 5, 6, 7 e 10 da secção C do apenso I).
Porém, nenhum dos diplomas atrás citados contém qualquer definição do contrato de swap.
E, na verdade, só em 2013 (cfr. os pontos n.ºs 5.210 e 5.211 do Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Maio de 2013 -relativo ao sistema europeu de contas nacionais e regionais na União Europeia -) o legislador comunitário ousou definir este tipo contratual.
Fê-lo do seguinte modo:
Definição: os swaps são acordos contratuais entre duas partes que acordam na troca, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas, de uma série de pagamentos correspondentes a um valor hipotético de capital, entre elas acordado. As categorias mais frequentes são os swaps de taxas de juro, os swaps cambiais e os swaps de divisas.
(…) Os swaps de taxas de juro consistem na troca de juros de diferentes tipos relativos a um capital hipotético que nunca é trocado. Exemplos de taxas de juro que podem ser objeto de swaps: taxas fixas, taxas variáveis e taxas denominadas numa divisa. Geralmente, os pagamentos ocorrem em numerário no correspondente à diferença entre as duas taxas de juro estipuladas no contrato e que se aplicam ao capital hipotético que foi acordado.”.
Assim, em face do direito legislado, podemos considerar que o swap é concebido como um instrumento financeiro, devendo-se, como tal, entender “(…) qualquer contrato que dê origem, simultaneamente, a um activo financeiro de uma parte e a um passivo financeiro ou instrumento de capital de outra parte, incluindo, no mínimo, os instrumentos referidos na secção C do anexo i da Directiva nº 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril (…)” (cfr. 3.º ponto do artigo 199.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – pode ser localizada uma resenha de definições doutrinais em ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA “Instrumentos Financeiros: Os Swaps”, “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida”, vol. II, Almedina, págs. 39 a 41).
Mais precisamente, o swap está, a par dos futuros e opções, compreendido na noção de derivado i.e. instrumentos cujo valor depende, em maior ou menor medida, do valor de um ou mais activos, instrumentos financeiros ou índices que lhes estão subjacentes (assim JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “Os derivados”, in Cadernos do Mercado de Valores Imobiliários n.º 30, págs. 118 a 119; OLIVEIRA ASCENSÃO - “DerivadosinDireito dos Valores Mobiliários”, vol. IV, pág. 49 define derivados como instrumentos que se “estruturam por referência a uma realidade primária, que está sujeita a oscilação financeira. A essa realidade sujeita a risco chama a lei o activo subjacente (…)”; cfr. ainda o disposto no n.º 1 do artigo 258º do Código dos Valores Mobiliários na redacção original).
Visto o que resulta da lei, busquemos na doutrina mais alguns contributos para a aproximação que projectámos fazer.
Entre nós, a primeira referência doutrinal que se conhece ao contrato de permuta de divisas ou de taxa de juros data de 1996 e consta de um estudo de ANTÓNIO VITORINO (publicado na “Revista da Banca”, n.º 40, pág. 113 e ss..).
O mesmo Autor (ob. cit., págs. 114 e 115) sumariava assim o modo de funcionamento do swap de divisas e de taxas de juros “(…) O mutuário num empréstimo em determinada divisa querendo a aquisição de divisa diferente aceita entregar a outra entidade os montantes mutuados contra a entrega pela outra parte da divisa pretendida. (…) Paralelamente, a mesma fórmula é aplicável na permuta de taxas de juro. Neste caso, as partes têm acesso a financiamentos junto de determinado mercado, a taxas de juro superiores àquelas a que a sua contraparte na permuta de taxa teria nesse mesmo mercado, enquanto esta pretende financiamento em mercado em que a primeira tem a possibilidade de obter financiamento a taxa mais favorável do que ela teria. Assim sendo, aceitam permutar as suas situações activas e passivas. (…)”.
Já no princípio deste século, MARIA CLARA CALHEIROS dedicou maior atenção e desenvolvimento ao tema, tendo adoptado (ob. cit., págs. 126 e 127) a definição de PIERRE-ANTOINE BOULAT e PIERRE-YVES CHABERT segundo a qual “Os swap são uma família de contratos, pelos quais se estabelece entre as partes uma obrigação reciproca de pagar, de acordo com modalidades preestabelecidas, na mesma divisa ou em diferentes divisas, certas quantias de dinheiro calculadas por referência aos fluxos financeiros ligados a activos e passivos monetários, reais ou fictícios, ditos subjacentes” (esta definição foi, ulteriormente, reiterada pela mesma Autora em “O contrato de swap no contexto da actual crise financeira”, in Cadernos de Direito Privado”, nº 42, Abril/Junho 2013, pág. 3 e é usada por HÉLDER MOURATO “O Contrato de swap de taxa de juro”, Almedina, págs. 38 e 39 e ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit., pág. 51, tendo sido também utilizada no Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2013 – proferido no processo n.º 2587/10.0 TVLSB.L1-6 pela Des. Ana Azeredo Coelho, acessível em www.dgsi.pt e, com anotação crítica de CALVÃO DA SILVA, na R.L.J., ano 142.º, n.º 3979, págs. 238 e ss. – e no Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 2049/12.1TBVIS-A.C1 pela Des. Albertina Pedroso).
MARIA CLARA CALHEIROS (ob. cit., pág. 39) sustenta ainda que um swap de taxa de juro consiste num “(…) acordo de pagamento recíproco de juros baseados em diferentes índices, ou de taxa variável/taxa fixa, por certo período de tempo. Os fluxos de pagamentos são ambos efectuados na mesma moeda, sendo o cálculo do montante dos juros realizado a partir de um dado valor de capital subjacente, que não chega a ser trocado. (…)”.
Por seu turno, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA (“Contratos II – Conteúdo - Contratos de Troca”, Almedina, pág. 135) define o contrato de swap como “(…) o contrato pelo qual as partes se obrigam reciprocamente a pagar, em data futura ou em sucessivas datas, o montante das obrigações da outra parte ou o produto da cobrança dos seus próprios créditos, tomando como referência passivos ou activos, reais ou nocionais, assim como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a pagar à outra a diferença em seu desfavor apurada pelo cálculo dos valores daquelas obrigações ou daqueles créditos. (…)”.
JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES (“Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, págs. 647 e 648) sustenta que o contrato de swap é aquele "(…) pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente uma determinada taxa de câmbio ou de juro (…)”(a mesma noção foi subscrita no Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Maio de 2013 já citado, no acórdão recorrido e foi adoptada por LEBRE DE FREITAS no parecer junto aos autos – fls. 682 - e na pág. 5 do artigo “Contrato de swap Meramente Especulativo - Regimes de validade e de alteração de circunstâncias”, acessível em www.oa.pt/upl/%7B24d07a7e-a1e3-4f43-b06a-300e112c9896%7D.pdf). Mais à frente (ob. cit., pág. 651) precisa o mesmo Autor, que, no swap de taxa de juro, “(…) as partes contratantes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou variáveis (...)”.
PAULO CÂMARA (“Manual de direito dos valores mobiliários”, 2.ª Ed., Coimbra, pág. 202) define os swaps como “(…) contratos através dos quais uma parte transfere o risco económico inerente a um activo para outra parte, em troca de uma remuneração. Os contratos de swaps podem envolver liquidação física, dando origem à aquisição de activos (incluindo mercadorias) ou assumir referências meramente nocionais, o que os aproxima dos contratos diferenciais (…)”.
Já PEDRO BOULLOSA GONZALEZ (ob. cit., pág. 14) afirma que um “interest rate swap” na sua forma mais simples (também designada por “plain vanilla swap”) é o “(…) contrato mediante o qual ambas as partes se vinculam reciprocamente, durante período determinado, a realizar prestações pecuniárias periódicas com objectos distintos: assim acontece, num exemplo simples, quando uma das partes, “A” assume a obrigação de pagar à outra, “B” uma taxa de juro (nomeadamente, de tipo fixo, e.g. 3%) e recebe da outra parte uma taxa de juro distinta (que poderá ser de tipo variável, e.g. Euribor a 6 meses), por um período pré-determinado, sobre um montante nocional previamente acordado (…) Na substância, é uma permuta de taxas de juro cujo valor é calculado atendendo a pressupostos distintos mas com referência a um mesmo montante nocional acordado. (…)”.
Em termos similares, JOÃO CANTIGA ESTEVES (ob. cit., pág. 74) refere que o swap de taxa de juro “plain vanilla” consiste num ajuste mediante o qual “(…) um agente económico concorda em pagar um conjunto de fluxos financeiros com base numa pré-determinada taxa de juro fixa e, em paralelo, recebe fluxos financeiros indexados a uma taxa de juro variável (…)”.
Expostos os ensinamentos da doutrina mais autorizada, vejamos como a jurisprudência (para além do que já ficou exposto) tem delimitado a noção de contrato de swap.
Neste Supremo Tribunal, o acórdão de 10 de Outubro de 2013 (proferido no processo n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, relatado pelo Cons. Granja da Fonseca e acessível em www.dgsi.pt) definiu o contrato de swap como “(…) o contrato através do qual uma parte transfere o risco económico inerente a um activo para outra parte, em troca de uma remuneração; concretamente as partes obrigam-se (i) ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, (ii) na mesma moeda ou em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas predeterminadas, (iv) calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente, a uma determinada taxa de juro.” (a mesma noção foi, com ligeiríssimas dissemelhanças, adoptada no Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 2408/10.4TVLSB-B.L1-8 relatado pelo Des. Luís Correia de Mendonça, acessível em www.dgsi.pt e criticamente apreciado por HÉLDER MOURATO “Swap de Taxa de Juro: A Primeira Jurisprudência”, in “Cadernos do Mercado de Valores Imobiliários” n.º 44, págs. 29 e ss.).
No mesmo acórdão entendeu-se que, sendo o contrato de swap de taxa de juro uma das modalidades do seu objecto, aquele consistia num acordo mediante o qual as partes trocavam “(…) entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou variáveis) (…)”.
Nos autos em que foi proferido o citado aresto deste Supremo, já a Relação de Guimarães (acórdão relatado pela Des. Conceição Bucho e acessível em www.dgsi.pt.) sustentara que o “o contrato de swap da taxa de juro é um contrato a prazo, onde as prestações das partes são diferidas para datas futuras, onde podem existir momentos regulares de troca de fluxos financeiros ou existir apenas um só momento de fluxos financeiros no final do prazo.”.
É tempo de concluir este brevíssimo excurso.
Sintetizando o que podemos colher da análise destes contributos, sem quaisquer preocupações dogmáticas e com um fito meramente operacional, cremos estar em condições de considerar que o contrato de swap, na modalidade que nos interessa, consiste num acordo de vontades mediante o qual as partes, por referência a um determinado prazo, acordam entre si no pagamento recíproco de quantias pecuniárias as quais são apuradas com base na aplicação de uma taxa de juro (fixa ou variável) a um montante nocional previamente fixado entre aquelas e que não é trocado entre ambas.

O contrato de swap é usualmente qualificado como sendo um contrato a prazo, oneroso, consensual (artigo 219º do Código Civil), meramente obrigacional, sinalagmático (em sentido amplo, já que apenas no decurso da execução contratual se determina sobre qual das partes e em que montante se concretizam as prestações devidas) e aleatório (ponto que, justificadamente, desenvolveremos adiante), do qual emergem prestações periódicas (assim MARIA CLARA CALHEIROS, “O contrato de swap”, cit., págs. 79 a 91, PEDRO BOULLOSA GONZALEZ, ob. cit., págs. 17 e 22, JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES “Contratos (…)”, págs. 649 e 650, HÉLDER MOURATO “O Contrato..(…)”, págs. 49 a 52 e 54, e ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit., págs. 65 e 66, que, embora enuncie algumas das referidas características, considera, no entanto, que estamos em presença de um contrato comutativo; no sentido do texto, encaminha-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e os Acórdãos das Relações antes citados).
Num outro prisma e como deriva da existência das sobreditas referências legais, o contrato de swap é tido como legalmente nominado, embora não regulamentado ou, se quisermos, legalmente atípico, o que permite nele descobrir um campo propício à actuação da liberdade contratual (cfr. n.º 1 do artigo 405º do Código Civil – neste sentido, v. o douto parecer de PINTO MONTEIRO junto a estes autos – fls. 784 e 785). Não obstante, é frequente o recurso a “master agreement” ou contratos quadro – mormente aquele que foi criado e modificado no seio da International Swaps and Derivatives Association” (ISDA) (a este respeito, v. CALVÃO DA SILVA, ob. cit., págs. 254 a 257) - e cláusulas contratuais gerais, o que constitui uma consequência da crescente intervenção de bancos enquanto contraparte destes contratos.
É, ademais, uniformemente afirmado que os swaps são instrumentos financeiros derivados negociados fora dos mercados regulamentados (cfr. artigos 198º e ss. do Código dos Valores Mobiliários), i.e. over the counter” ou seja um contrato de balcão (sobre esta noção, MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 57; também OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pág. 52 salienta que os swaps são derivados negociados fora de bolsa; sobre as características desta negociação, v. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES “Os derivados”, cit., pág. 108 e 119).
Impõe-se ainda constatar que as prestações pecuniárias das partes, embora sejam apuradas pela aplicação de uma taxa de juro a um determinado montante (à semelhança do que sucede com a obrigação de juros), revestem um cariz principal e não meramente acessório (o que usualmente caracteriza a obrigação de juros – cfr. artigo 561º do Código Civil).
Comummente, assinalam-se aos swaps três finalidades: a cobertura de um risco financeiro (vg. as oscilações de taxas de juros ou cambiais – também denominado “hedging” – para uma exemplificação prática desta finalidade, v. JOÃO CANTIGA ESTEVES, ob. cit., pág. 75), a especulação e a arbitragem.
Neste contexto, a especulação (também designada por “trading”) pode ser definida como “(…) a exposição deliberada e consciente às incertezas do mercado com a intenção de alcançar um benefício económico (…)” (cita-se MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 70 e HÉLDER MOURATO “O contrato (…), pág. 24), o que se verifica sempre que se contrate um derivado (…) numa espécie de “vácuo financeiro”, ou seja sem estar envolvido numa relação subjacente que se refira a determinada variável económica (…)” (cita-se HÉLDER MOURATO, loc. cit.).
No mesmo contexto, a arbitragem deve ser entendida em sentido económico, i.e. “a exploração de diferenças de preços existentes entre dois mercados” (cita-se MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 68; no sentido de que esta finalidade está compreendida na especulação, v. PEDRO BOULLOSA GONZALEZ, ob. cit., pág. 13).
Além do swap de divisas (a que já fizemos referência) e do swap de taxas de juro, a criatividade própria da engenharia financeira tem levado à prática as mais diversas variantes desta espécie contratual.
Assim, sem preocupação de excutir o tema, deparamo-nos com diversas variantes do contrato de swap, como sejam swaps a prazo modificável, swap sobre valores variáveis, swaps com taxa de juro alternativa, swaps com limites (designados como “cap” – limite superior -, “floor” – limite inferior ou colar – com ambos, sendo que estes limites podem ser contratados autonomamente), swaps de combinação múltipla, swap diferido, swap em aumento ou com amortizações, swaps embutidos, swaps relacionados com taxas de câmbio, com eventos relacionados com a concessão de crédito (conhecidos pelo acrónimo em língua inglesa “CDS”), “comodity swaps” e “equity swaps”, etc. (a este respeito, v. MARIA CLARA CALHEIROS, ob. ult. cit., págs. 48 a 50, PEDRO BOULLOSA GONZALEZ, ob. cit., pág. 13, HÉLDER MOURATO, “O Contrato…”, págs. 56 e 57 e JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, ob. cit., pág. 653 e PAULO MOTA PINTO no parecer junto aos autos - fls. 490 e ss.; aquela Autora - “O contrato de swap no contexto…” -, insere estes últimos swaps na categoria de swaps impróprios).
No que respeita à natureza jurídica do contrato de swap, a doutrina não é unânime.
CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA e PEDRO BOULLOSA GONZALEZ (respectivamente, ob. cit., pág. 136, ob. cit., págs. 68 e 69 e ob. cit., pág. 22) propendem a considerar que, caracterizando-se o swap pela existência de obrigações recíprocas durante a sua vigência, se deve qualificá-lo como contrato de permuta ou de troca em sentido estrito (o qual não se encontra actualmente previsto no Código Civil, sendo apenas referidos, no artigo 480.º do Código Comercial, os requisitos da sua comercialidade).
Por sua vez, MARIA CLARA CALHEIROS (ob. ult. cit., págs. 122 a 124) refuta veementemente esta posição, sustentando, ao invés, que estamos perante um contrato sui generis, o que também foi defendido por ANTÓNIO VITORINO (ob. cit. pág. 117) e PAULO MOTA PINTO (no parecer junto aos autos, em particular, fls. 496 e ss.).
É igualmente de excluir qualquer equiparação ao contrato de seguro, já que, no swap, a parte não transfere para a contraparte o risco, antes anula ou mitiga, mediante uma nova exposição ao risco, o risco a que estava inicialmente exposta em virtude de uma posição contratual pré-existente (assim MARIA CLARA CALHEIROS, “O contrato de swap no …”, págs. 5 e 6).
Não é este o espaço para adoptar uma posição definitiva sobre esse tema.
Em todo o caso, sempre se dirá que a assimilação ao contrato de permuta conduziria, por força do disposto no artigo 939.º do Código Civil, à aplicação das regras da compra e venda, o que, ponderando que estamos perante uma permuta meramente financeira (não se transmitindo, pois, quaisquer coisas ou direitos entre as partes e nem sequer o dito valor nocional a que aludimos na noção que demos), se poderia revelar problemático em termos práticos.
Resta fazer uma breve referência ao papel das instituições financeiras no âmbito dos swaps.
Nos primórdios, os bancos assumiram um papel mediador entre as partes, sendo hoje mais relevante a sua intervenção como intermediário (celebrando contratos de swap de sinal oposto com duas entidades distintas numa divisão artificial da operação) ou mesmo como contraparte (a este respeito, v. MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., págs. 134 a 136 e ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit., pág. 51; note-se que, nos EUA, apenas as empresas filiais dos bancos e não estes podem intervir como contrapartes).

Aqui chegados, crê-se estarmos em condições de avaliar a correcção da subsunção efectuada pelas instâncias.
Como evola da valoração conjugada do teor dos pontos n.ºs 8 a 10, 13 a 15 e 18 a 20 do elenco factual, a Autora manteve com o Réu 3 contratos (tendo negociado dois deles e obtido a cedência de posição contratual de uma outra empresa num outro contrato – cfr. ponto n.º 16 do mesmo elenco) denominados de “PERMUTA DE TAXA DE JURO (Interest Rate Swap)”.
Nesses ajustes, o Réu comprometia-se, ao longo do prazo acordado em cada um deles e com periodicidade trimestral, a pagar-lhe a taxa de juro Euribor a 3 meses sobre a importância nominal designada em cada um dos contratos, ao passo que a Autora se vinculava, em contrapartida, a pagar-lhe, com a mesma periodicidade e ao longo do mesmo prazo, uma determinada taxa de juro (4,35% num dos contratos e 4,66% nos demais) ou a taxa de juro Euribor a 3 meses, consoante a variação desta taxa se verificasse nos limites estabelecidos no contrato ou abaixo destes (registando-se uma perda para a Autora sempre que sucedesse este último caso).
Confrontando estes dados factuais com a definição que propusemos e com os elementos que enunciámos, não se nos oferecem quaisquer dúvidas em reconduzir os ajustes que ligaram as partes ao contrato de swap de taxa de juro.
Atentas as suas características, é ainda possível categorizá-los como “basis rate swap” (repare-se que a taxa paga pelo Réu é sempre variável e que as taxas pagas pela Autora podem ser fixas ou variáveis), “vanilla swap” (trata-se do simples pagamento recíproco de juros) e “collar swap” (sobre estas classificações, v. MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., págs. 45 e 49 - em particular, nota 85 - e HÉLDER MOURATO, ob. cit., págs. 55 a 58).
Particularizando e no que respeita aos limites inclusos no swap (a que se refere esta última categoria), há a ter em conta que, como resulta do “racional” de cada um dos contratos e por via do mecanismo da compensação (sobre a importância da compensação enquanto forma de garantia do cumprimento e meio de extinção de obrigações recíprocas no âmbito do contrato de swap, v. MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., págs. 40 - em particular, nota 59 - a 42; sobre o funcionamento do mecanismo, v. PEDRO BOULLOSA GONZALEZ, ob. cit., pág. 15) entre as prestações, a Autora só suportaria perdas quando a variação da taxa Euribor a 3 meses ultrapassasse o limite inferior de 3,80% - no primeiro dos contratos enunciados no elenco dos factos provados – ou 4,15% - nos demais contratos -, ao passo que o Réu apenas registaria perdas quando essa variação se situasse, respectivamente, entre 4,35% e 5,05% ou entre 4,66% ou 5,30% (sendo neutral nas demais situações).
Face aos dados disponíveis (cfr. ponto n.º 38 do elenco factual), parece ainda ser de considerar que o Réu interveio nos contratos como verdadeiro contraparte da Autora. É que, como transparece desse ponto (e, aliás, do enunciado vertido nas contestações de onde proveio – cfr. artigos 104º a 111º da contestação apresentada nestes autos e artigos 115º a 123º e 114º a 122º das contestações apresentadas nos autos apensos), a causa das operações simétricas de sentido contrário aí referidas residiu, precisamente, na contratação dos swaps e no risco a eles associado (efectuando algo assimilável a um resseguro – o que, no entender do Réu, justificava, aliás, o preço a pagar pela resolução – cfr. a cláusula parcialmente transcrita no ponto n.º 11 do mesmo elenco), não se podendo, pois, com propriedade, considerar que agiu como mero intermediário financeiro (em sentido adverso, PAULO MOTA PINTO no parecer junto aos autos, fls. 556).

B) A Invalidade dos contratos de swap em análise

Na posse destas considerações, importa ingressar, verdadeiramente, na apreciação desta questão solvenda.
Como antes referirmos, o contrato de swap é maioritariamente tido como aleatório, o que equivale por dizer que a existência/valor de uma ou de ambas as prestações das partes depende de um facto futuro e incerto (assim CARVALHO FERNANDES, “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, 2ª Edição, Lex, pág. 70, CASTRO MENDES “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, Ed. AAFDL, pág. 320 e FERREIRA DE ALMEIDA “Contratos III - Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Risco”, Almedina, pág. 149; adoptando idêntica definição para classificar o contrato de seguro, v., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1997, CJSTJ, tomo III, pág. 158 e o citado Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2013).
Correm, pois, as partes o risco patrimonial de ser ganhar ou perder, nisso consistindo a álea (CARLOS MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Edição, Coimbra, pág. 405).
No contexto do caso vertente, o facto futuro, incerto (e, acrescentamos, insusceptível de ser influenciado por qualquer uma das partes - sobre o modo como são calculadas as taxas Euribor e os elementos implicados no seu cálculo, v. https://www.bportugal.pt/pt-PT/PoliticaMonetaria/TaxasdeJuro/Paginas/TaxasdejuroEURIBOR.aspx e http://pt.euribor-rates.eu/que-significa-euribor.asp.) são as variações da taxa Euribor a 3 meses nas datas estipuladas em cada um dos contratos, i.e. o seu activo subjacente na terminologia dos derivados, amiúde descrito como o âmago desta categoria (assim JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “Os derivados”, cit., pág. 99, nota 44). E, como vimos, o “quantum” das prestações das partes estava unicamente dependente dessa evolução.
Devem, pois, os contratos dos autos ser tidos como aleatórios ou, noutra perspectiva, como contratos de risco ou de imputação de risco, já que, neles “(…) o risco, previsto no próprio contrato e elemento desse contrato, constitui a sua finalidade meta-jurídica, fundamental e global do contrato (…)” (cita-se CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Contratos III…”, pág. 150 – neste sentido, v. também HÉLDER MOURATO ob. ult. cit., 69).
Não cuidemos, para já, da relevância desta asserção para a resolução da terceira questão solvenda, avançando antes para a problemática da chamada “excepção do jogo” convocada pela Autora no âmbito da ampliação do objecto do recurso.
Como explanam os tratadistas, o seguro, o jogo e a aposta são exemplos clássicos de contratos aleatórios.
Atentemos nestes dois últimos.
O jogo pode ser definido como “(…) uma acção ou ocupação voluntária que se realiza dentro de determinados limites de tempo e de espaço, de acordo com regras voluntariamente aceites, mas não absolutamente obrigatórias, acção essa que tem o seu fim em si mesma e que é acompanhada por uma sensação de tensão e de fruição e pela consciência de ser algo de distinto da vida (…)” (cita-se HUIZINGA apud RUI PINTO DUARTE, “O Jogo e o Direito” in “Themis”, Ano II, n.º 3, 2001, pág. 70) e é classicamente tido como algo exterior à vida dos contratos (sobre as razões do tratamento desfavorável do jogo ao longo dos tempos, v. a súmula efectuada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/10 de 4 de Fevereiro de 2010, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 46 de 8 de Março de 2010 e PAULO MOTA PINTO em parecer junto aos autos - fls. 529 e ss., citando a lição de CARLOS MOTA PINTO, PINTO MONTEIRO e CALVÃO DA SILVA).
A aposta surge, justamente, quando se alia ao jogo um interesse económico ou seja a perda para um lado e um ganho para o outro (assim PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA “Código Civil Anotado”, 4ª Ed., Coimbra, pág. 927 e MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 92, nota 202. Têm sido avançados outros critérios para a distinção em análise, como dá nota CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, ob. ult. cit., pág. 268, PAULO MOTA PINTO no parecer junto aos autos – fls. 524 a 526 e PINTO MONTEIRO, no parecer junto – fls. 848 e 849).
Podemos definir a aposta como “(…) o contrato em que as partes estipulam que quem erre acerca da previsão ou da verdade de um facto se obriga a efectuar uma prestação patrimonial a favor de quem acerte, ou perde uma entrada em favor de quem acerte ou da entidade promotora do sistema, e que quem acerte tem direito a uma prestação patrimonial a efectuar pela outra parte (…)” (cita-se CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, loc. ult. cit.).
O artigo 1245º do Código Civil estabelece, por um lado, a invalidade dos jogos e aposta ilícitos – i.e. de fortuna e azar ou seja aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, conforme se define no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, sendo a sua prática fora dos locais autorizados penalmente punida – e, por outro, reconhece o jogo e aposta lícitos (i.e. aqueles cujo resultado não dependa da sorte mas antes da mestria, habilidade ou perícia dos jogadores ou dos conhecimentos ou perícia dos apostadores) como fonte de meras obrigações naturais (cfr. artigo 402.º do mesmo diploma - no que toca, porém, ao jogo lícito e autorizado nos termos do Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 3262/07.9TVLSB.L1 pelo Cons. João Bernardo e acessível em www.dgsi.pt.).
Deste regime, ressalvam-se as competições desportivas (artigo 1246º daquele diploma) e a legislação especial sobre a matéria (artigo 1247º do mesmo diploma).

Revertendo estas considerações para os contratos de que nos vimos ocupando, há, primeiramente, a salientar que a evolução da taxa de juro Euribor a 3 meses não depende da actuação das partes (ao invés do que sucederia num contrato de jogo), que existe um trato sucessivo nas prestações a cargo das partes e que é impossível surpreender, na factualidade provada, a finalidade lúdica comummente associada ao jogo (no mesmo sentido, quanto a este aspecto, PEDRO BOULLOSA GONZALEZ, ob. cit., pág. 21, CALVÃO DA SILVA, no parecer junto aos autos – fls. 1349, nota 18 – e no citado artigo – pág. 265 – e PAULO MOTA PINTO em parecer junto aos autos - em particular, fls. 533 e 537 -).
Não é, porém, difícil encontrar semelhanças entre aqueles contratos e uma aposta.
Com efeito, as prestações das partes não estão pré-determinadas e dependem da evolução de uma concreta taxa de juro (assim, citando INZITARI, MARIA CLARA CALHEIROS, “O Contrato de Swap no (…)”, pág. 6), existe uma contrapartida associada (e uma correspondente perda) à confirmação/infirmação das expectativas (ou, mais simplesmente, do acerto da previsão) – logicamente inversas e opostas - das partes acerca um facto futuro, incerto e incontrolável pelas partes (a variação dessa taxa) e recorre-se à compensação como forma de extinção das obrigações (assim MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 94 e PINTO MONTEIRO no parecer junto – fls. 850 – o recurso à compensação é, aliás, o que permite excluir a sua qualificação como contrato diferencial – a este respeito, v. MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 70; contra, porém, HÉLDER MOURATO, ob. cit., pág. 70).
Será, aliás, por isso que diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros (a saber o francês, o belga, o luxemburguês, o inglês, o norte-americano, o alemão - este recentemente - e italiano) excluem, directamente ou indirectamente, uma hipotética equiparação, o mesmo não sucedendo, porém, no direito suíço (a este respeito, v., com pertinência, MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., págs. 96 a 104 e LEBRE DE FREITAS, no parecer junto aos autos – fls. 693, nota 18 – e no citado artigo – pág. 10, notas 18 e 19).
E, dado que as referências legislativas ao contrato de swap que acima elencámos são meramente enunciativas ou descritivas, é patente que as mesmas não contêm uma regulamentação específica que ressalve esta sorte de aposta do regime daquele diploma, i.e. que seja equiparável, vg. ao disposto no Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro (cfr. artigo 1247º do mesmo Código - em sentido próximo e paralelamente, considerando que a inclusão dos contratos diferenciais na previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código dos Valores Mobiliários apenas permite concluir pela validade e licitude destes conquanto estes sejam negociados com a intervenção de um intermediário financeiro, v. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, ob. ult. cit., pág. 273; também MARIA CLARA CALHEIROS, “O Contrato de Swap no (…)”, pág. 9, nota que a previsão da alínea e) daquele preceito não obvia à discussão judicial sobre a validade dos contratos de swap; no mesmo sentido, v. ainda HÉLDER MOURATO, ob. cit.. pág. 73 e 75, considerando, com pertinência, que a previsão legislativa tem em vista apenas os contratos diferenciais em que o risco seja exógeno; em sentido diferente, v. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES “Os derivados”, cit., pág. 127, nota 177 e CALVÃO DA SILVA, no parecer junto aos autos – fls. 1336 e 1350 – e no citado artigo – págs. 260 e 266).
À guisa de comentário e considerando mais aproximadamente a concreta configuração dos contratos em causa, dir-se-á que a Autora “apostou” na subida da taxa e que o Réu “apostou” na sua descida.
Refira-se que esta valoração assenta apenas em elementos objectivos, não dependendo, pois, da existência/demonstração de uma intenção de aposta partilhada pelas partes, a qual, em todo o caso e face à exiguidade do direito legislado pátrio patente no artigo 1245º do Código Civil, se deve ter por dispensável para caracterizar a aposta (em sentido diverso, v. PAULO MOTA PINTO em parecer junto aos autos, em particular a fls. 533 a 535).
Daqui não segue, porém, imediatamente, a conclusão de que os contratos de swap dos autos são inválidos por aplicação da previsão da primeira parte do artigo 1245º do diploma fundamental civil (no sentido de que à aposta se deve aplicar o mesmo regime que governa o jogo, v. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, ob. ult. cit., pág. 269).
É que, neste caso, a aposta em causa não visa uma ocorrência que dependa exclusivamente da sorte ou do azar (seria o caso, vg. de uma aposta sobre o desenlace de um jogo), assentando, ao invés, num prognóstico sobre a evolução da taxa de juro a 3 meses que se antevê que seja, ainda que minimamente, fundado vg. nas informações ou previsões de que dispunham ou na aptidão interpretativa das mesmas (em sentido diverso, v. HÉLDER MOURATO, ob. cit., pág. 78 e LEBRE DE FREITAS, no parecer junto aos autos – fls. 694 – e no citado artigo – pág. 10 -; no mesmo sentido mas sem diferenciar o jogo e a aposta, v. CALVÃO DA SILVA, no parecer junto aos autos – fls. 1348 e 1349 - e no citado artigo – págs. 264 e 265).
Tratam-se, pois, de contratos sintomaticamente equiparáveis a apostas que, no confronto com aquelas a que se refere a primeira parte do citado normativo, se devem ter por lícitas (neste sentido, embora sem distinguir entre jogo e aposta, v. LEBRE DE FREITAS no parecer junto aos autos – fls. 688 – e no artigo – pág. 11 – mencionado; no mesmo sentido, a respeito dos contratos diferenciais negociados sem a intervenção de intermediário financeiro, v. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, loc. cit.. Em sentido diverso, considerando que se trata de uma aposta ilícita, v. o citado Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2013, o qual, contudo, teve em vista a redacção do Código dos Valores Mobiliários na versão anterior à emergente do Decreto-Lei n.º 357-A/2007 e MENEZES CORDEIRO, “Direito Bancário”, 5.ª Edição, Almedina, pág. 944 -; no sentido de que não se pode concluir que estamos em presença de um jogo ou aposta, v. o já referido Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Maio de 2013; no sentido do texto, embora com reticências e acentuando a descaracterização deste contratos como swap, v. HÉLDER MOURATO, ob. cit., pág. 84).
Mais, porém, do que extrair as consequências desta constatação ao nível da exigibilidade do cumprimento das respectivas obrigações (o que não constitui objecto do presente recurso), importa extravasar o âmbito circunscrito da “excepção do jogo” em apreço e ponderar o problema da causa destes contratos.
É que, como explicita MARIA CLARA CALHEIROS (ob. ult. cit., pág. 104) (…) a aplicabilidade da excepção de jogo dependerá não tanto da maior ou menor carga de aleatoriedade compreendida num contrato, mas sobretudo da função desempenhada por este último, quando aquela consiste na realização de uma finalidade tida como merecedora de tutela por parte do ordenamento jurídico. Neste caso encontra-se a satisfação pelas partes do contrato de uma exigência de segurança, de garantia, de neutralização do risco, como acontece no contrato de swap de divisas e de taxa de juro.
Efectivamente, no swap o elemento aleatório não constitui a única razão. Pelo contrário, trata-se de um instrumento técnico que desempenha uma ampla função económica. A excepção de jogo será invocável em todos os contratos em que esta função económica seja estranha ou não constitua um elemento causal, mas não nos contratos que, como o swap, se servem da alea para perseguir e realizar funções e exigências económicas mais complexas, alcançando a neutralização de um risco financeiro (…)”.
No mesmo sentido, discorre OLIVEIRA ASCENSÃO (ob. cit., págs. 53 e 54) ao afirmar que as operações relativas aos derivados negociados fora de bolsa (noção que, como se disse, enquadra perfeitamente os swaps) “(…) não deixam de estar sujeitas aos princípios gerais. E nomeadamente, actua a similitude já atrás assinalada em relação ao jogo e à aposta. Se estes negócios não tiverem outra causa que os ampare, incorrem no estatuto desfavorecido do jogo e da aposta na ordem jurídica portuguesa. Precisam de ter causa que os sustente. (sublinhado nosso) (…)”.
Impõe-se, pois, precisar a noção de causa do negócio jurídico.
A causa é, a par da vontade e da declaração, um dos elementos fundamentais da estrutura do negócio.
Correntemente, a causa de um negócio é identificada com a função económica-social que ele concretiza (independentemente de ela ser prosseguida ou querida pelas partes). É que a ordem jurídica só protege os negócios celebrados pelas pessoas que constituam um meio adequado à realização de certos fins que aquela tem como juridicamente relevantes e legítimos, o que equivale por dizer que a causa tem que, simultaneamente, ser relevante e lícita (assim CARVALHO FERNANDES, ob. cit., pág. 290; em sentido próximo, v. CASTRO MENDES, ob. cit., págs. 187 e 188, que reconduz a causa ao interesse atendível prosseguido pelo negócio).
Assim, dizem-se causais os negócios jurídicos cujo regime e identidade dependem da sua causa função e abstractos aqueles cujo regime não é dominado por uma causa, i.e. que podem servir uma plêiade de causas, abstraindo-se (embora não plenamente - a este respeito, v. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª Edição, Almedina, págs. 188 e 630), pois, o Direito da causa.
Como exemplo destes últimos, indicam-se correntemente os negócios jurídicos cambiários típicos das letras, livranças e cheques e, em certa medida, os derivados relativamente aos activos subjacentes (assim JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES “Os derivados”, cit., págs. 101 e 102).
Poder-se-ia particularizar os swaps relativamente aos “empréstimos reais” que lhe subjazem, atenta a sua autonomia (assim, mais proficientemente e com a invocação do princípio da relatividade dos contratos, v. CALVÃO DA SILVA, no parecer junto aos autos – fls. 1337 e 1338 e no citado artigo pág. 262 -, a quem pertence a expressão em itálico empregue no texto; no mesmo sentido PAULO MOTA PINTO em parecer junto aos autos, em particular, fls. 498, embora rejeitando a qualificação do swap como negócio abstracto).
Revertendo estas considerações para o caso vertente e sabendo-se quais as finalidades que usualmente presidem à contratação de “swaps”, importa discernir qual(is) a(s) causa(s) concretizadas por intermédio dos contratos dos autos.
É, desde já, de notar que, neste contexto, a importância nocional não se reconduz à causa subjacente ao contrato nem pode ser confundida com esta (assim ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit., pág. 67).
Como resulta dos pontos n.ºs 9, 14 e 19 do elenco factual, inscreveu-se, invariavelmente (as únicas variações relacionam-se com o patamar da taxa Euribor a 3 meses), nos contratos em apreço que cada um deles servia “(…) um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga trimestralmente uma taxa de juro fixa (…) desde que a Euribor 3 meses não supere (…). Adicionalmente, o cliente beneficia de poder pagar a taxa de juro Euribor 3 Meses nos trimestres que essa mesma taxa seja inferior a (…), mas sujeito a que não seja inferior a (…)”.
Da interpretação destes enunciados contratuais – curiosamente encimados pela expressão “Racional do contrato” – à luz dos comandos contidos no n.º 1 do artigo 236.º e no n.º 1 do artigo 238.º, ambos do Código Civil, não resulta mais do que a mera descrição do funcionamento do “swap”. Com efeito, a expressão “gestão do risco” é excessivamente porosa e pode também designar uma simples aposta (assim OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pág. 46).
Se aliarmos tal constatação à absoluta falta de referência a uma (ou várias concreta(s) operação(ões) financeiras(s) - i.e. o chamado micro-hedging - ou sequer a uma carteira de activos ou passivos (para englobar o sentido mais lato possível da expressão aludida no antecedente parágrafo, como entende PAULO MOTA PINTO em parecer junto aos autos - fls. 502 -) – i.e. o denominado macro-hedging -, torna-se evidente que, por seu intermédio, as partes não pretendiam assegurar a cobertura de um qualquer risco (vg. uma subida repentina dos níveis da taxa Euribor a 3 meses) a ela associado.
É, aliás, de notar que a Autora foi mera cessionária da posição contratual num dos contratos em causa – cfr. ponto n.º 16 do elenco factual -, pelo que dificilmente se poderia descortinar neste a cobertura de um qualquer risco próprio que aquela pretendesse mitigar.
Acresce que, estando os contratos dos autos reduzidos a escrito (não por imposição legal, como vimos) por convenção entre as partes (atente-se, vg., no teor de fls. 25 dos autos principais, onde se lê que o contrato “(…) será objecto de confirmação incorporando todos os seus termos e condições particulares (…)” e que “(…) o banco enviará brevemente a confirmação relativamente à presente operação, contendo todas as suas condições (…), para vossa assinatura e devolução ao banco (…)”) , também essa referência haveria, necessariamente, de constar de documento escrito (cfr. n.º 1 do artigo 223º do Código Civil), o que não se divisa que suceda.
No mesmo sentido, depõe também a circunstância de a “importância nominal” a que supra aludimos não constituir mais do que um referencial de cálculo ajustado – cfr. pontos n.ºs 10, 15 e 20 do elenco factual – em cada contrato, i.e. um mero valor nocional despojado de reporte a uma ou várias operações de financiamento (ou de todo um activo ou passivo) nele identificadas ou identificáveis e ainda que estas não fossem contemporâneas do swap (como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, loc. cit., a respeito de valores mobiliários nocionais “(…) Quando se trabalha sobre valores mobiliários nocionais, muito dificilmente se poderá descortinar ainda uma função de cobertura de risco como causa suficiente. (…)”; no mesmo sentido, pode ver-se o parecer de MENEZES CORDEIRO junto aos autos ao escrever – fls. 1408 – que, no swap em que não há qualquer financiamento “(…) as partes tomam uma cifra de base, que nunca é transacionada, apenas para montar, com referência a ela, um swap. Nesta última eventualidade, o swap é, marcadamente, especulativo (…)” (sublinhado nosso); não se pode, pois, partir do pressuposto, como CALVÃO DA SILVA - no parecer junto aos autos - fls. 1337 - e no citado artigo – pág. 261 e 262 – que existiram empréstimos que ainda assim constituíram “mero quadro de referência do capital hipotético, capital nominal ou capital nocional do contrato de swap” e, menos ainda e face a estes dados factuais, corroborar a afirmação de PAULO MOTA PINTO - fls. 504 – segundo a qual “(…) um swap com capital nocional ou fictício, não correspondente a qualquer elemento subjacente, também pode servir para uma finalidade de gestão de risco (…)”, tanto mais que o mesmo distinto Professor apenas parecer admitir, mais adiante – fls. 546 -, que a inexistência de um risco coberto seja meramente temporária ou momentânea; preconizando, porém, o entendimento de que poderia até inexistir qualquer relação subjacente, v. o parecer de PINTO MONTEIRO junto a estes autos – fls. 790 – o que, se nos é permitido comentar, se revela dissonante com as lúcidas explicações adiante inseridas a propósito do funcionamento do swap – fls. 822 a 824).
É, aliás, sintomático que a importância nominal em causa não sofra qualquer mutação (mormente, uma desvalorização) ao longo da vida do contrato, o que seria natural se àquele estivesse subjacente um qualquer outro negócio (vg. um mútuo) ou até um balanço. Tal circunstância acentua o cariz fictício destes swaps.
É certo que, como se discerniu na sentença de 1.ª Instância, “(…) Os contratos só potenciam a cobertura de risco para a autora num cenário de subida da taxa de juro igual ou acima de 4,36% até 5,05% (1.º contrato) ou igual ou acima de 4,67% até 5,30%. (…)”.
Todavia, esta evidência supunha que, previamente, fosse possível vislumbrar um risco (inerente, vg. a uma ou mais operações financeiras ou a toda uma carteira) que fosse passível de ser coberto por essa variação favorável (na perspectiva da Autora) da taxa Euribor a 3 meses. Na verdade, como apodicticamente refere HÉLDER MOURATO (“O Contrato de Swap”…”, cit., pág. 42) “(…) Para haver cobertura de risco tem, em primeiro lugar, de haver um risco (…)”.
Valorando estas circunstâncias, não se crê que seja temerário definir o risco ínsito nestes swaps como endógeno aos mesmos (o que, por sua vez, também os assemelha a uma aposta), ou seja, foi exclusivamente por eles criado com base num vácuo financeiro, prefigurando-se, pois, a denominada “gestão do risco” que lhes deu o mote como meramente fictícia.
Recordemos, neste passo, a lição de MARIA CLARA CALHEIROS quando pertinentemente escreve que (ob. cit., pág. 73) “(…) a especulação torna-se evidente quando uma das partes celebra um contrato de swap numa espécie de vácuo financeiro i.e., sem possuir uma situação financeira subjacente dependente da particular variável económica em causa no swap. Nos casos de mais difícil distinção, um critério aproximativo da finalidade das partes será encarar a especulação como categoria residual da finalidade de cobertura de risco, i.e., todos os contratos que não possam ser classificados como tendo sido motivados por um desejo de cobertura de risco, devem considerar-se como obedecendo a uma intenção especulativa. (…)”.
E se é certo que o risco assumido nestes swaps se consubstancia numa variação exógena às partes e, naturalmente, ao contrato, não é menos verdade que a endogenia se afirma na sua assunção por aquelas nessa sede, sem a ligação a quaisquer operações de financiamento (assim LEBRE DE FREITAS, no parecer junto aos autos – fls. 695, nota 20, parte final; em sentido contrário, v. PAULO MOTA PINTO em parecer junto aos autos, em particular, fls. 536).
Não se descortina, de igual modo, que as partes hajam procurado explorar diferenças sensíveis de preços entre dois mercados equivalentes.
Assim, não se divisando que, por intermédio dos swaps contratados, as partes hajam prosseguido as finalidades referidas nos antecedentes parágrafos, resta concluir que, como se escreveu na sentença de 1.ª Instância, as partes se limitaram a especular, i.e. a procurar um ganho financeiro (no mesmo sentido, v. LEBRE DE FREITAS, nos citados parecer – fls. 686 – e artigo – pág. 7) ingressando, sem qualquer pejo, no domínio da pura abstracção (expressão que não deve ser entendida no sentido técnico jurídico de que demos nota mas antes como a absoluta desligação a uma realidade palpável).
Por outras palavras, podemos concluir que estamos perante swaps “ad nutum” que se reconduzem “(…) a uma pura aposta sobre a evolução das taxas de juro (…)” que “(…) não tem qualquer outro efeito que não a captura do produto do risco (…)” (cita-se MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pág. 944, a quem pertence também a expressão em itálico com sublinhado).
Ora, como evola da noção que supra adiantámos, o instrumento financeiro derivado é concebido para manter uma certa relação com a realidade subjacente, contratualizando-se o risco a ele inerente. Numa palavra, derivação não pode ser sinónimo de absoluta abstracção (neste sentido, v. HÉLDER MOURATO, ob. cit., pág. 19 - citando a lição de AMADEU JOSÉ FERREIRA - e o mencionado Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2013, bem como OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pág. 54), sob pena de se descaracterizar o próprio swap, transmutando-o, pela perda da relação de derivação, num contrato de estrutura análoga a uma aposta (note-se que também CALVÃO DA SILVA, no parecer junto aos autos – fls. 1348, nota 18 – e no citado artigo – pág. 265 – acentua que a impossibilidade de equiparação de um swap ao jogo e à aposta reside na causa ou função económico-social daquele, qual seja “(…) a de gestão, cobertura ou controlo de riscos de flutuação das taxas de juro, uma função de garantia ou segurança de (financiamento) da actividade económico-empresarial (...)”).
Antes de prosseguir, cabe salientar que esta constatação tem um pendor exclusivamente objectivo, pelo que se desconsideram, em absoluto, as subjectivas motivações das partes (na esteira do que sustenta PAULO MOTA PINTO no primeiro parecer junto aos autos - cfr. fls. 510) que presidiram à celebração dos contratos em causa (as quais, aliás, nem transparecem dos factos provados).
É, pois e ao contrário do que se inscreveu no acórdão recorrido, irrelevante apurar se ambos os contraentes pretenderam especular, tanto mais que, estando-se em presença de sociedades comerciais, aquelas teriam presumivelmente como único fito o lucro (obviamente, financeiro) que obteriam com a execução dos contratos.
Refira-se, ainda, que embora este propósito especulativo não emerja, com nitidez do elenco dos factos provados, ele evidencia-se a partir da valoração do conteúdo dos contratos que vincularam as partes, não estando, ademais, o tribunal adstrito às alegações das mesmas sobre matéria de direito (n.º 4 do artigo 5º do Código de Processo Civil).
Assim, carecem de pertinência as considerações tecidas sobre o ónus da prova relativamente à sua existência desse propósito (em sentido contrário, PAULO MOTA PINTO no parecer junto aos autos, fls. 534, 535 e 539 e 555), não sendo, outrossim e pelas razões já aduzidas, relevante a convocação do facto contido no ponto n.º 38 do elenco supra para infirmar a conclusão extraída.

Retornando ao ponto, há a ter em conta que a causa-função reconhecida aos derivados em geral é a cobertura de riscos (neste sentido, v. o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2013 e o próprio acórdão recorrido) ou, quando muito, a gestão do risco. Mas mesmo que se lhes reconhecesse essa causa função “(…) esta parece ser só restritivamente admitida pela ordem jurídica por falta de valia social justamente (…)” (assim OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., págs. 45 e 46).
No caso, a gestão de risco reconduziu-se, como vimos, à especulação.
A especulação é tolerada pela ordem jurídica e, como afirma MAGALHÃES NORONHA (apud CARLOS EMÍLIO CODEÇO “Delitos Económicos”, Almedina, pág. 164), “(…) sem ela [a especulação] não há comércio (…) Via de regra, ninguém compra ou vende sem especular, isto é, sem verificar o preço, a qualidade e a quantidade, a oportunidade da transacção, etc. É certo que ninguém quer perder, mas lucrar, e isso exige especulação. Essa especulação é lícita, a lei não a veda e a moral a admite. Está dito, pois, não ser ela a que a lei cuida. (…)” ou, por outras palavras, “A especulação possui com o Direito uma relação antagonista. A especulação é agiotagem, sendo banida de há muito como um enriquecimento sem causa – dela desconfiando assim o Direito. Mas a especulação é a base do comércio, sendo justamente o critério especulativo que traça habitualmente as fronteiras entre o direito civil e o direito comercial – pelo que o Direito também a reconhece” (assim FREDERIC PÉLTIER apud JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, ob. cit., pág. 126, nota 173).
Mas esta tolerância não é irrestrita.
Em decorrência do que se prevê na alínea c) do artigo 99º da Constituição da República Portuguesa – em que se programaticamente se postula que um dos objectivos da política comercial é o combate às actividades especulativas -, o artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84 de 20 de Janeiro, sob a epígrafe “Especulação”, pune certos comportamentos especulativos.
Por outro lado, não se pode confundir a especulação tida como proveitosa ao correcto funcionamento da economia com busca da álea em si mesma (parafraseia-se a caracterização da finalidade especulativa do swap por referência ao cariz aleatório reconhecido a este efectuada por PIERRE-ANTOINE BOULAT e PIERRE-YVES CHABERT e sintetizada por MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 89, nota 194) e independente de qualquer outro motivo que o sustente ou explique (i.e. com a especulação “hasardeuse” de que dá nota MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 96) e a que se reconduz, no fundo, a correspondente geração de proveitos a partir da simples aplicação de uma determinada taxa vigente num certo momento a um valor nocional (assim, também, HÉLDER MOURATO, ob. cit., pág. 74).
Não se crê ser despropositado adjectivar como artificiosa a criação de riqueza por essa via nem se vislumbra qualquer razão que legitime uma equivalência (traçada por CALVÃO DA SILVA, no parecer junto aos autos – fls. 1352 – e no citado artigo – pág. 266) entre a finalidade de imunização de um risco pré-existente ao swap ou seu contemporâneo e a tomada (independente, nas palavras do mesmo Insigne Professor) de um risco gerado por este. Poder-se-á, em suma, dizer que, aqui, o risco é tão real como o é a “importância nominal” em que se fundavam as prestações.
E, ademais, legitimar uma tal prática por via do contrato de swap corresponderia a assumir como aceitáveis e toleráveis, pela sociedade, os enormes riscos a ela associados.
Como escreve JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES (“Os derivados”, cit., pág. 94) – referindo-se aos derivados em geral – “(…) não se podem ignorar os riscos associados a tais instrumentos – a ponto de haver quem os tenha já reputado de “besta selvagem da finança”(…); entre outros, tais instrumentos são susceptíveis de provocar uma dissociação entre propriedade jurídica e económica – já que, relativamente aos bens e activos em geral (v.g., acções, obrigações, mercadorias), permite operar uma separação entre titularidade formal ou directa (“de primeiro grau”) e material ou indirecta (“de segundo grau”) – (…), de originar problemas de “cash-flow” empresarial – tornando muito mais complexas e contingentes as projecções relativas aos fluxos e disponibilidades de caixa (pagamentos e recebimentos) – (…), de incrementar a magnitude das perdas dos investidores – que, em virtude da estrutura de derivação e do efeito de alavancagem financeira, podem ser virtualmente ilimitadas – (…), senão mesmo aumentar o próprio risco sistémico de colapso do sistema financeiro no seu conjunto (efeito de dominó) (…)”, tendo sido mesmo descritos por WARREN BUFFET como “financial weapons of mass destruction” (apud JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, loc. cit., nota 22).
Igualmente ilustrativo desta problemática será a constatação atribuída a economistas das Universidades de Harvard e de Chicago de que, enquanto cada dólar ganho por um trabalhador da área da investigação enriquece a economia em cinco dólares, cada dólar pago a um trabalhador da área financeira priva a economia de 60 cêntimos. – Público 26.12.14 -. Independentemente da correcção dos números, o que interessa assinalar é a questão que hoje se coloca da desproporção entre o sector financeiro e a economia em geral, resultante de uma autolegitimação de procedimentos e fins, em que a economia em que se devia basear esse sector é apenas um pano de fundo com que se joga. Nada mais.
Sendo por demais conhecidos os efeitos perniciosos (basta recordar os efeitos da crise financeira de 2008 - aliás, em parte, espelhados no ponto n.º 23 do elenco factual – e que ainda perduram) das práticas especulativas na economia real (aliás, não será por acaso que se emprega este adjectivo), caberia indagar quais as contrapartidas que adviriam da assunção desses riscos.
E a resposta é a valia para o mercado assim formado consistente na liquidez gerada (MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 72, OLIVEIRA ASCENSÃO, loc. cit..e HÉLDER MOURATO, ob. cit., pág. 74, citando AMADEU JOSÉ FERREIRA).
Convenhamos que tal explicação é vaga e claramente insuficiente.
Anote-se ainda que, como se disse, não se divisa que qualquer uma das partes (e mormente a Autora) visou acautelar qualquer risco por intermédio dos contratos em disputa.
Assim, não se pode comprovar o “casamento” entre os hedgers (que visam, por meio de um swap, acautelar um cenário de risco desfavorável) e os especuladores (que formulam previsões de sinal contrário e se dispõem a aceitar esse risco mediante o pagamento de uma compensação financeira), explicação que, usualmente e aos olhos de quem se debruçou sobre o tema (entre outros, v. MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 72; JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES “Os Derivados”, cit., pág. 93, nota 13, CALVÃO DA SILVA, ob. cit., pág. 263, PAULO MOTA PINTO no parecer junto aos autos - fls. 506 e 507 e PINTO MONTEIRO no parecer junto aos autos – fls. 825, 826, 852 e 853) torna economicamente virtuosa (ou, por outras palavras, séria) e, nessa medida, aceitável e legítima a especulação. Se quisermos, no caso, ambos são especuladores.
Transponhamos estas considerações para o domínio da causa do negócio a que supra aludimos.
Como é bom de ver, a especulação, em si mesma e desligada de um qualquer referencial (e ainda que dissimulada sobre algo tão vago como a “gestão de risco”), não é susceptível de corresponder a um interesse relevante do ponto de vista económico e merecedor de tutela jurídica (cfr. n.º 2 do artigo 398º do Código Civil), o que, aliás, é consonante com a conclusão extraída da caracterização destes contratos como apostas.
Mais importante, porém, é avaliar a licitude da causa prosseguida por estes específicos contratos.
Como se disse, a especulação tolerada pela ordem jurídica considerada no seu todo deve-se conter em determinados limites (PAULO MOTA PINTO, ao escrever que “(…) A especulação é fundamental para os mercados por permitir aumentar a variedade das posições de risco em contrapartida das assumidas por quem pretende gerir o risco dos seus activos (…) – cfr. fls. 507 -, parece sustentar idêntica posição, já que se depreende que a especulação não pode valer por si mas apenas enquanto servir de contraponto à cobertura de risco, i.e. naquela faceta virtuosa – que, amiúde e por contraponto à especulação “hasardeuse”, qualifica como séria - de que demos conta).
Não se pode, pois, afirmar uma ilimitada admissibilidade da especulação como “(…) sal do mercado e “adrenalina” dos criadores do mercado (…)”, como sustenta CALVÃO DA SILVA (ob. cit., pág. 263), embora sem o comprovar e apenas se baseando na falta de referência proibitiva a determinadas práticas relativas a “CDS”.
Atentemos, nesta esteira, no conceito de ordem pública, o qual pode ser definido como “o complexo dos princípios e dos valores que informam a organização política, económica e social da Sociedade e que são, por isso e como tal, tidos como imanentes ao respectivo ordenamento jurídico. Constitui expressão e instrumento do interesse público, do bem comum, tal como é definido naquela colectividade e corresponde geralmente aos grandes princípios consagrados na parte programática da respectiva constituição política. (cita-se PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, ob. cit., pág. 429).
Confrontando a pura especulação viabilizada pelos contratos dos autos com os princípios e valores prevalentes na nossa sociedade (ainda que interpretados actualisticamente), ponderando as desutilidades sociais e económicas que aqueles são aptos a gerar e rememorando o que evola do supra referido comando constitucional, facilmente se alcança a sua desvalia face a esses valores cogentes e ao bem comum, o que autoriza que se conclua pela sua contrariedade à ordem pública.
Assim, consequentemente, há que concluir pela sua nulidade (n.º 2 do artigo 280º do Código Civil - apontando também neste sentido, embora invocando a falta de causa, v. as várias decisões de tribunais italianos recenseadas por MENEZES CORDEIRO, ob. cit., págs. 935 e 936; o mesmo Autor – ob. cit., pág. 946 opina no sentido de que se deve concluir pela ilicitude dos contratos de swap que não se reconduzam à gestão de qualquer risco, efectuando, para tanto, um paralelismo com o disposto no n.º 1 do artigo 44.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro - aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril –, no qual se prescreve a nulidade do contrato de seguro sem risco).
Nem se diga que uma decisão deste teor afronta uma prática consolidada e global.
O Estado de Direito, “the rule of Law”, não pode ser um edifício esventrado por conjunturais intempéries económicas.
Pelo contrário, é ele que deve fornecer as regras e os princípios (como o da ordem pública) geradores da segurança e da estabilidade que permitem o regular funcionamento dos mercados.
Também a valoração das referências legislativas ao contrato de swap não infirma esta conclusão.
Com efeito, o simples facto de o contrato de swap de taxa de juro estar previsto (e até definido no citado Regulamento comunitário com referência a um capital hipotético) não afasta a hipótese de a sua concreta conformação acordada entre as partes ser desconforme à ordem pública (parafraseando PINTO MONTEIRO – no parecer junto, fls. 784 – não é por alguém vender o seu coração que o contrato de compra e venda passa a ser nulo), tanto mais que, como se disse, se trata de um contrato nominado mas não legalmente regulamentado e, por isso, mais exposto à livre autonomia da vontade (ao invés do que sustenta PAULO MOTA PINTO no primeiro parecer junto aos autos - cfr. fls. 516 – não se trata, pois, de um problema irreal).
Refira-se, por seu turno, que, ao invés do que preconiza o recorrente, a constatação de que estamos perante um contrato eminentemente comercial não posterga a aplicação de normas de Direito Civil.
É que, por um lado, nada obsta que, no âmbito do Direito dos Instrumentos Financeiros (que combina diversos ramos de Direito Público e Privado), o Direito Civil seja convocado para a apreciação deste tipo de instrumentos financeiros (assim PEDRO BOULLOSA GONZALEZ, ob. cit., pág. 21 e ANTÓNIO VITORINO, ob. cit., pág. 117). E, por outro lado, estando em causa ajustes que corporizam uma ofensa importante à ordem pública, mal se compreenderia que se arredasse a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 280º do Código Civil, em nome de uma pressuposta auto-suficiência do direito comercial para regular a situação.
Diga-se, por seu turno, que, tendo-se conhecido oficiosamente a nulidade em causa, a invocação do abuso de direito (suscitada pelo recorrente em sede de alegações de apelação mas não repetida em sede de revista ou no requerimento autónomo a que supra se aludiu) se revela espúria e nitidamente desprovida de razoabilidade. Recorde-se, aliás, que a Autora intentou as acções no pressuposto da validade dos contratos e só mais tarde invocou a sua invalidade, pelo que não se descortina que tenha actuado em abuso de direito.
Por sua vez, o efeito sancionatório legalmente associado à contrariedade à ordem pública é repercutido indistintamente pelas partes, o que preclude qualquer hipótese de estarmos perante ganhos injustificados, como a dado passo (fls. 563), sugeriu PAULO MOTA PINTO.
Importa, também, notar que apenas nos debruçamos sobre estes concretos contratos e não sobre todos os “swaps” que vinculam empresas portuguesas, pelo que não nos impressionam particularmente os argumentos (v., em particular, o parecer de PAULO MOTA PINTO, junto aos autos - fls. 511, 512 e 546) que se limitam a apontar os reflexos da decisão proferida em 1.ª Instância na competitividade/financiamento das mesmas no confronto com empresas estrangeiras.
Por outro lado, acentue-se que o juízo vindo de efectuar não tem um pendor moralista, nem nos movemos num plano ético similar àquele que legitima a censura legalmente dirigida ao jogo (motivo pelo qual nos abstemos de tecer considerações como aquelas que são veiculadas por CALVÃO DA SILVA, ob. cit. págs. 268 e 269).
Não se vislumbra, por seu turno (e ao invés do que sustenta CALVÃO DA SILVA ob. cit., págs. 266 e 269, secundado, em parte, por PAULO MOTA PINTO – cfr. fls. 563 -), que a avaliação até ao momento efectuada conduza ao definhamento do mercado dos swaps ou contenda, seja em que medida for, com o princípio da separação de poderes. Pese embora o que evola do n.º 3 do artigo 9º do Código Civil, parece-nos claro que o juízo efectuado não pode, sem mais, ser transmutado num juízo censório relativamente a todos os contratos de swap de taxas de juro.

Antes de extractar as consequências da conclusão que obtivemos, abordemos o pedido de reenvio prejudicial formulado pelo recorrente.
No que aqui releva, estatui o artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia:
O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. (…)
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. (…)”.
O mecanismo a que alude este preceito tem, na base, a consideração de que o juiz nacional é o juiz comum do Direito Comunitário e a eventualidade de se lhe suscitarem dúvidas sobre a interpretação/validade de normas comunitárias, visando-se, sobretudo, prevenir divergências jurisprudenciais relativamente a questões de Direito Comunitário e assegurar a uniformidade da sua aplicação (neste sentido, FAUSTO DE QUADROS e ANA MARTINS “Contencioso da União Europeia”, 2ª Edição, Almedina, págs. 71 a 74, JOSÉ LUÍS CARAMELO GOMES “O Juiz Nacional e o Direito Comunitário”, Almedina, pág. 157 e, entre outros, o Acórdão CILFIT (de 6 de Outubro de 1982, processo n.º 283/81) do então denominado Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia - TJCE).
Como resulta deste preceito, as questões cuja apreciação deve ser suscitada, a título prejudicial por este Supremo Tribunal (cujas decisões são insusceptíveis de recurso ordinário na ordem jurídica nacional, estando, como tal, preenchida a previsão do seu último parágrafo), ao Tribunal de Justiça da União Europeia são aquelas que versam sobre a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
De fora do âmbito deste mecanismo ficam, pois, as questões relativas à interpretação ou à apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno, bem como as relativas à compatibilidade delas com o direito comunitário (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2002, C.J.S.T.J., tomo I, pág. 32, de que foi relator o Cons. Barata Figueira).
Recorde-se, por outro lado, que cabe ao juiz nacional decidir sobre a pertinência da norma comunitária para decidir o litígio (neste sentido, v. o Acórdão CILFIT atrás citado) e que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, lhe cabe em exclusivo aferir a da necessidade da intervenção deste órgão jurisdicional para a boa decisão da causa (assim FAUSTO DE QUADROS e ANA MARTINS ob. cit., págs. 91 e 92).
Regressando ao caso vertente, há a considerar que, na presente decisão, não emergiram dúvidas ou dificuldades que versem sobre a interpretação dos Tratados ou questões relacionadas com a validade de quaisquer actos dimanados de instituições, órgãos ou organismos da União.
Por outro lado, atento o seu cariz meramente enunciativo, é de concluir que a interpretação da Directiva 2004/39/CE e do Regulamento (UE) n.º 549/2013 não suscita dúvidas que tornem premente a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Tal constatação é, aliás, espelhada pelo teor da primeira questão que, na perspectiva do recorrente, deveria (não deixando de se estranhar, contudo, o cariz condicional da solicitação) ser solucionada por esse Tribunal em sede de reenvio prejudicial.
Acresce, por seu turno, que, como expusemos, a solução alcançada não se alcandora em normativos emanados de entes comunitários mas antes no direito interno, o que, desde logo, arreda a aplicação do mecanismo em apreço (neste sentido, v., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 2013, proferido pelo Cons. Serra Baptista no processo n.º 178/07.2TVPRT.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.).
E, em todo o caso, sempre é de salientar que este mecanismo (ao contrário do que transparece das demais questões formuladas pelo recorrente) não serve o desígnio de confrontar essa resolução com aqueles normativos.
Não se divisa, pois, que se revele útil para a decisão da causa a formulação de um pedido de reenvio prejudicial nestes autos, pelo que se indefere o requerido.

É, pois, tempo de concluir a resolução da segunda questão solvenda enunciada.
A declaração de nulidade dos contratos de swap em questão implica a restituição de tudo o que houver sido prestado pelas partes em execução do negócio declarado nulo, efectuando-se a restituição em espécie ou pelo valor correspondente (n.º 1 do artigo 289º do Código Civil - neste sentido, v. o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Março de 1995, D.R. n.º 114, I Série-A, de 17 de Maio de 1995 – que hoje tem o valor de Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – cfr. n.º 2 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro e n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil).
Assim, no que respeita ao contrato referido no ponto n.º 8 do elenco factual, a Autora recebeu a quantia de € 16.883,00 e o Réu recebeu € 439.313,63 (valores que resultam da soma aritmética dos valores enunciados nos pontos n.ºs 28 a 30 – até à alínea e), inclusive, deste último – do mesmo elenco).
No âmbito do contrato mencionado no ponto n.º 13 do mesmo elenco, a Autora recebeu € 468,89 e o Réu recebeu € 426.692,21 (valores que resultam da soma aritmética dos valores enunciados nos pontos n.ºs 31 a 33 – até à alínea e), inclusive, deste último – do mesmo elenco).
Por fim, no contexto do contrato referido no ponto n.º 18 do mesmo elenco, a Autora recebeu € 20.035,56 e a Ré recebeu € 1.348.668,74 (valores que resultam da soma aritmética dos valores enunciados nos pontos n.ºs 34 a 36 – até à alínea e), inclusive, deste último – do mesmo elenco).
Deste modo, a massa insolvente da Autora (n.º 1 do artigo 46º e alínea e) do n.º 1 do artigo 51º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) tem a restituir ao Réu o total de € 37.387,45 e o Réu tem que restituir àquela o total de € 2.214.674,58.
Verificando-se que as obrigações de restituir impendem sobre as partes em termos recíprocos, as mesmas devem ser cumpridas simultaneamente pelo que não se justifica que àquelas acresçam juros de mora (cfr. artigo 290º do Código Civil – neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2013, proferido pelo Cons. Fernandes do Vale no processo n.º 994/05.0TBCNT.C1.S1), como normalmente decorreria da aplicação conjugada do preceituado no n.º 2 do artigo 212º e no n.º 1 do artigo do 1269º ex vi n.º 3 do artigo 289º, todos daquele diploma.

Procedem, pois, embora por motivos não integralmente coincidentes, as conclusões com que a Autora rematou a ampliação do objecto do recurso, impondo-se, assim, a revogação do acórdão recorrido e a repristinação do decidido em primeira instância, embora com ressalva dos montantes que devem ser mutuamente restituídos pelas partes e da condenação em juros.
Nesta conformidade e porque a apreciação da resolução dos contratos de swap dos autos supunha, logicamente, que os mesmos se devessem ter como válidos, mostra-se prejudicada a apreciação da terceira questão solvenda e, por essa via, das demais conclusões recursórias formuladas pelo Réu (n.º 2 do artigo 608º ex vi n.º 2 do artigo 663º e artigo 679º, todos do Código de Processo Civil).

VI

Das custas

Porque vencido (repare-se que o Réu continua a insistir na validade dos contratos em causa), as custas, nas instâncias, ficam a cargo do recorrente (n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil).

VII

Decisão

Pelo exposto, acordam em:
- indeferir a nulidade processual arguida pelo Réu “CC S.A.”;
- declarar a nulidade, por ofensa à ordem pública, dos contratos de permuta de taxa de juro mantidos entre a Autora “AA, Lda.” (actualmente “BB, Lda.”) e o Réu “CC S.A.” a que aludem os pontos n.ºs 8 a 11, 13 a 15 e 18 a 20 do elenco factual e, consequentemente:
- revogar o acórdão recorrido;
- condenar a massa insolvente da Autora “Fábrica de Papeis dos Cunhas, Lda.” (actualmente “BB, Lda.”) a restituir ao Réu “CC S.A.” a quantia de € 37.387,45 (trinta e sete mil trezentos e oitenta e sete mil euros e quarenta e cinco cêntimos) e condenar o Réu “CC S.A.” a restituir à massa insolvente da Autora “AA, Lda.” (actualmente “BB, Lda.”) a quantia de € 2.214.674,58 (dois milhões, duzentos e catorze mil seiscentos e setenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos);
- indeferir o requerido pedido de reenvio prejudicial formulado pelo recorrente;
- julgar prejudicado o conhecimento do remanescente objecto da presente revista;

Custas pelo recorrente.

Em decorrência do disposto no n.º 3 do artigo 85.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dê conhecimento do presente acórdão ao Exmo. Sr. Administrador da Insolvência da Autora e ao processo referido a fls. 1421.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2015


Bettencourt de Faria (Relator)

Oliveira Vasconcelos

João Bernardo (Com Voto de Vencido)


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Voto de Vencido:

1 . O artigo 99.º, alínea c) da Constituição da República Portuguesa, ao dispor que são objetivos da política comercial, entre outros, “o combate às actividades especulativas…” é um preceito comprometido com a redação vigente até 1989 (então do artigo 109.º, n.º1) que impunha ao Estado a intervenção na “racionalização dos circuitos de distribuição e na formação e controlo dos preços a fim de combater actividades especulativas…”.
A sua interpretação, assente neste elemento histórico e inserida no contexto resultante também doutros preceitos constitucionais, mormente os relativos à iniciativa privada, levam a que se devam colocar os swaps, mesmo os reportados a capital nocional (também designado por fictício ou hipotético) fora do âmbito do combate que o legislador constitucional determina.


2 . Ainda da CRP, o artigo 8.º, n.º4 estatui que as normas emanadas das instituições da União Europeia, no exercício das respectivas competências, são aplicadas na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Esta última referência aqui não nos importa e os “termos definidos pelo direito da União” encerram – ninguém o põe em causa, face à jurisprudência, até muito reiterada, do TJ – o primado do direito comunitário relativamente às normas ordinárias de origem interna. Situa-se aquele em plano hierarquicamente superior a estas.


3 . A Diretiva n.º 2004/39/CE do Parlamento e do Conselho de 21.4.2004 (revogada pela Diretiva n.º 2014/65/EU, sem, no entanto, que isso prejudique os dados de raciocínio, antes os reiterando) contém, na Secção C, a referência aos “instrumentos financeiros”, neste incluindo os swaps.

Esta Directiva foi transposta pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31.10.
Com a transposição, ficou fora de dúvidas a sua aplicação na ordem interna portuguesa, mesmo nas relações entre particulares.
Tendo o legislador nacional escrito no preâmbulo daquele Decreto-Lei:
“Perante a cada vez maior complexidade dos serviços e instrumentos oferecidos no mercado financeiro e do aparecimento de novos espaços de negociação, o presente decreto-lei procede a alterações ao Código dos Valores Mobiliários, em especial, no sentido da actualização do elenco dos instrumentos financeiros e dos serviços e das actividades de investimento e auxiliares, do desenvolvimento dos requisitos organizativos e das normas de conduta aplicáveis a intermediários financeiros e do estabelecimento de um regime, designadamente informativo, aplicável à negociação de instrumentos financeiros e à execução de ordens, independentemente de estas ocorrerem em mercado regulamentado ou sistema de negociação multilateral ou serem realizadas, pelo próprio intermediário financeiro, assumindo a natureza de internalizador sistemático.
Relativamente ao elenco dos instrumentos financeiros, impõe-se clarificar os instrumentos financeiros que, além dos valores mobiliários, devem assim ser qualificados. Para este efeito, acolhe-se a lista constante da directiva, cuja principal novidade é a inclusão de instrumentos derivados sobre mercadorias e activos de natureza nocional e, desta forma, a sujeição da prestação de serviços sobre estes a normas prudenciais e de conduta harmonizadas a nível comunitário.(sublinhado meu)


Em 21.5.2013 veio a lume o Regulamento UE n.º 549/2013 do Parlamento e do Conselho que contém o seguinte:

5.210 Definição: os swaps são acordos contratuais entre duas partes que acordam na troca, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas, de uma série de pagamentos correspondentes a um valor hipotético de capital, entre elas acordado. As categorias mais frequentes são os swaps de taxas de juro, os swaps cambiais e os swaps de divisas.
5.211 Os swaps de taxas de juro consistem na troca de juros de diferentes tipos relativos a um capital hipotético que nunca é trocado. Exemplos de taxas de juro que podem ser objeto de swaps: taxas fixas, taxas variáveis e taxas denominadas numa divisa. Geralmente, os pagamentos ocorrem em numerário no correspondente à diferença entre as duas taxas de juro estipuladas no contrato e que se aplicam ao capital hipotético que foi acordado.

Deste quadro resulta que, face ao direito comunitário, os swaps de taxa de juro com referência a um capital, quer real, quer nocional ou hipotético, constituem instrumentos financeiros legais.
Logo pela vinda a lume da apontada Directiva, cuja consagração dos swaps de juros com referência a um capital nocional é acentuada pelo legislador nacional na parte do preâmbulo que se transcreveu.
Depois, se necessário fosse, pelo Regulamento referido, que contém a definição de swaps de taxas de juros reportada ao capital hipotético, a qual, em caso de dúvida, poderia ser tida como interpretativa do direito anterior, com inerentes efeitos retroativos, também válidos quanto ao direito comunitário.

4 . Visto o conteúdo do direito comunitário e o seu primado, não pode, pois, a meu ver, lançar-se mão de normas de origem interna integrantes de direito infraconstitucional para se almejar a ilegalidade.
Cedendo, logo por aqui:
O recurso à nulidade por ofensa da ordem pública (n.º2 do art.º 280.º do Código Civil);
Quaisquer considerações no sentido da exigência de causa nos contratos;
O chamamento da figura do jogo, enquanto fonte de invalidade ou geradora apenas de obrigações naturais, nos termos do artigo 1245.º, ainda do Código Civil.

5 . Mas, se assim se não entendesse, sempre haveria a considerar que, mesmo atentando apenas no direito de origem interna, as construções jurídicas baseadas em qualquer das anteriores alíneas, não procedem.
O mencionado Decreto-Lei n.º 357-A/2007, conferiu nova redação do artigo 2.º, n.º1, alínea e) do Código de Valores Mobiliários, operando a inclusão dos swaps, quer referentes a capital real, quer a capital nocional, como instrumentos financeiros.
Mesmo que encarado como despido da sua função de transposição duma diretiva, não se situa em posição hierarquicamente inferior às normas do Código Civil.
A legalidade que confere aos contratos de swap, como os ora em discussão, afasta então, se necessário por derrogação, tais construções. Não podem ter lugar violação da ordem pública, nulidade por falta de causa, invalidade ou inexigência de obrigações, estas reportadas ao regime daquele artigo 1245.º.

6 . Quanto a esta última parte, aliás, sempre seria de ponderar o seguinte:
A consideração de que os contratos relativos a este tipo de swaps encerram um contrato de jogo, tem ínsita a ideia de que o legislador agiu com reserva mental. Chama-lhe repetidamente “instrumentos financeiros” (regulando estes minuciosamente, assim como a atividade das instituições que deles podem tratar) e, afinal, estaríamos perante “jogo”.
Mas, ainda que estivéssemos, o artigo 1247.º ressalva a legislação especial sobre a matéria e a legislação que venho referindo assumiria caracter especial, no sentido de fixar validade aos contratos e caracter jurídico às obrigações deste derivadas, com inerente possibilidade de exigência judicial (cfr-se, “mutatis mutandis”, o Ac. deste Tribunal de 17.6.2010, processo n.º 3262/07.9TVLSB.L1, com texto disponível em www.dgsi.pt).

7 . A construção que defendo deixaria de pé a questão, nuclear no presente recurso, da eventual alteração das circunstâncias (emergente da crise de 2007/2008) invocada como base de resolução contratual.
O artigo 437.º, n.º1, ainda do Código Civil, ressalva os casos em que a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar “esteja coberta pelos riscos do próprio contrato”.
O contrato sub judicio é, claramente, um contrato aleatório e a baixa ou a subida das taxas de juro (consoante a parte outorgante) constituem riscos do próprio contrato.
Deste modo, dificilmente escapa à mencionada ressalva.

Independentemente, porém, de se considerar a exclusão absoluta ou não, dúvidas não ficam de que o intérprete tem de olhar logo para a natureza do contrato, tendo sempre presente que no escopo deste, para ambas as partes outorgantes, estava a subida ou descida da taxa de juros.

Ora, apesar da intensidade da crise económica, a descida de que a autora se queixa não anda longe da baixa de 4 pontos percentuais. Uma quase insignificância, se ponderarmos que, com pouco recuo no tempo, encontramos taxas anuais de 20% ou mais, com vigência até dos famigerados “juros à cabeça”.
Relativamente à baixa que se foi sucedendo no tempo (por exemplo nos juros dos créditos à habitação, passando agora à margem das diferenças relativamente aos presentes contratos), nenhuma entidade financeira, ao que creio, veio pretender a resolução contratual com base na alteração das circunstâncias.
E, no investimento em ações, por exemplo, (à partida muito menos arriscado do que os swaps e negociado em bolsa), houve investidores que as viram valer 1/10 do que valiam e outros que as viram deixar de ter qualquer valor, sem que alguém, também ao que creio, tivesse pretendido a resolução dos contratos de aquisição, com base na alteração das circunstâncias.


8 . De qualquer modo, mesmo que a situação invocada relevasse, para efeitos do mencionado artigo 437.º, n.º1 nunca, em meu entender, atingiria o patamar violentíssimo da resolução contratual.
Poderia apenas fundamentar decisão de modificação do contrato, segundo juízos de equidade (caso, face à posição das partes no processo, o tribunal a pudesse decretar).

9 . Esta realidade dos swaps não deve deixar de merecer uma ponderação de quem interpreta a lei e, mormente, de quem julga. Obriga a isso o artigo 9.º, n.º 1, parte final, ainda do Código Civil.
Não há dúvidas de que os múltiplos produtos financeiros que surgiram de há décadas para cá se inserem na cultura internacional dominante, em que o dinheiro vem assumindo um papel desumanizante.
Como não há dúvidas de que vêm mobilizando quantias monetárias astronómicas, em negócios em que pouco ou nada relevam as fronteiras dos países.
Para quem acredita na teoria da conspiração, alguém, com frieza inaudita, informado ao nano segundo e com atuação a nível mundial facilitada pela informática, molda a evolução económica no sentido que lhe convém, influenciando o lançamento no mercado de produtos financeiros que, a prazo, revertem em seu benefício, assim construindo fortunas colossais com correlativo empobrecimento de grande parte da população.
Além disso, muitos desses produtos financeiros integram-se na economia virtual, que, assim, assume dimensões assustadoras.

Todavia, não pode um tribunal deixar de se apoiar na produção legislativa, quer encarada a nível interno, quer olhando para o nosso país no contexto internacional em que, claramente, se insere, com a praticamente irrelevância das fronteiras acabada de referir. A lei representa, em última análise, uma garantia para que aqueles que detêm o poder económico o não exerçam de modo, ou ainda de modo, mais prepotente. E não se pode perder de vista o n.º2 do artigo 8.º, ainda do Código Civil.
Reparando, além disso, na constatação de que a economia evoluiu, em muitas situações, alavancada por realidades virtuais. O próprio papel-moeda constitui uma realidade deste tipo.
Neste quadro imenso, a palavra cabe aos responsáveis políticos, nomeadamente nas vertentes de atuação internacional, ficando para os tribunais o estreito papel de fazer cumprir a legalidade.
Sendo certo, por outro lado, que tal quadro não aponta necessariamente para a fragilidade de quem investe nos novos produtos financeiros. Precisamente porque se trata de novos produtos e de investimentos muito valiosos, exige-se deles grande cautela, incompatível com excesso de confiança. A representação da possibilidade de perda deve ser permanente.
Para além de todos os direitos próprios do consumidor em geral e da sua relação com as instituições financeiras especificamente, que lhe assistem, coloca-se em pé de igualdade com a contraparte quanto a riscos. Se acaso as taxas de juros tivessem subido o que baixaram, poucos admitiriam sequer que o banco viesse a tribunal pedir a declaração de nulidade dos contratos ou a resolução contratual com base na alteração das circunstâncias. Seria antes um excelentíssimo negócio para uma sociedade que, dedicando-se à fabricação de produtos de papel e alimentares, celebrou com o banco vários contratos de “permuta de taxas de juro”, entre os quais os agora em causa que se reportaram a capital nocional global de muitos milhões de euros.

10 . Pelas razões apontadas concederia a revista.
João Bernardo