Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3230/11.6TTLSB.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: ACORDO DE EMPRESA
TAP
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
REPRESENTANTE SINDICAL
PROGRESSÃO NA CARREIRA
Data do Acordão: 04/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 105, 2 DE JUNHO DE 2014, P. 3028-3041
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DO TRABALHO / FALTAS / VICISSITUDES CONTRATUAIS / SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO - DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO.
Doutrina:
- Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, Almedina, 4ª Edição, Coimbra 1995, pp. 140 a 161.
- J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição Revista, 2007, pp. 337, 338, 339, 340, 392 e 393, 730, 737, 773.
- Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 266.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2.ª edição, Revista e Atualizada, Almedina, 2008, p. 414.
- Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1994, p. 669.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2005, p. 111.
- Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 1106 e 1107, 1109.
Legislação Nacional:
ACORDO DE EMPRESA, PUBLICADO NO BOLETIM DO TRABALHO E EMPREGO (BTE), 1ª SÉRIE, Nº 44, DE 29/11/2005.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 252.º, 255.º, N.º3, 295.º, N.º2, 296.º, N.ºS1 E 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 13.º, 17.º, 18.º, 54.º, 55.º, N.º 6, 59.º, N.º 1, ALÍNEA B), 61.º, N.º1, 67.º, 68.º.
REGULAMENTOS DE CARREIRA PROFISSIONAL DE TRIPULANTE DE CABINE E DE PROTEÇÃO DE MATERNIDADE E PATERNIDADE, PUBLICADOS NO BTE, 1.ª SÉRIE, N.º 8, DE 28/2/2006.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10 DE NOVEMBRO DE 1993, CJ, ACÓRDÃOS DO STJ, ANO I, TOMO III, P. 291; DE 9 DE NOVEMBRO DE 1994, CJ, ACÓRDÃOS DO STJ, ANO II, TOMO III, PÁG. 284, DE 10 DE MAIO DE 2001, PROFERIDO NA REVISTA N.º 300/99, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT; DE 14 DE FEVEREIRO DE 2007, PROFERIDO NA REVISTA N.º 3411/06, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT; E, MAIS RECENTEMENTE, DE 9 DE JUNHO DE 2010, PROFERIDO NA REVISTA N.º 3976/06.0TTLSB.L1.S1, TAMBÉM ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT, E DE 5 DE ABRIL DE 2011, PROFERIDO NA REVISTA N.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, ACESSÍVEL NA REFERIDA BASE DE DADOS.
Sumário :
I - A interpretação das cláusulas de instrumentos de regulamentação coletiva obedece às regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º, do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

II - Na lei laboral ordinária inexiste qualquer norma que imponha aos empregadores o estabelecimento de regras de progressão na carreira dos trabalhadores, sendo o seu dimensionamento e consagração, em princípio, objeto de regulamentação coletiva.

III - Respeita o princípio da proporcionalidade a norma constante do AE TAP/AA que, reconhecendo embora ao trabalhador o direito à progressão na carreira e à evolução na linha técnica, subordina-o a critérios de mérito, antiguidade e de efetividade, reconhecendo-se como determinante a experiência do trabalhador na função.

IV - A lei fundamental impõe que a lei ordinária crie condições adequadas ao exercício de funções sindicais e à sua proteção; todavia, dentro dessas formas de proteção não se enquadra a da progressão na carreira, donde não é por via do estabelecimento, pela contratação coletiva, de regras que, para essa progressão, pressupõem o efetivo exercício de funções - a par da avaliação do mérito - que o direito sindical previsto no artigo 55.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, é afetado ou violado.
Decisão Texto Integral:
          

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I

            1. AA – Sindicato ... intentou a presente ação declarativa de anulação de cláusulas de acordo de empresa, sob a forma de Processo Especial, contra «TAP – Air Portugal, S.A.», pedindo que seja anulada a 2.ª parte da alínea e), do n.º 2, da cláusula 17.ª do AE celebrado entre autor e ré, sendo fixadas, para a alínea d), do n.º 2, da cláusula 17.ª e alíneas a) a g), do n.º 3 da cláusula 18ª do mesmo AE, o sentido interpretativo indicado nos artigos 35.º e 53.º da petição inicial.

            Alegou, em síntese, que a cláusula 17.ª do Acordo de Empresa, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 44, de 29 de Novembro de 2005, é ilegal e inconstitucional por violação do artigo 296.º Código do Trabalho e artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa; a al. d), do n.º 2, da mesma cláusula, ao não consagrar as faltas ao trabalho por força da assistência à família, viola o disposto no artigo 255.º, n.º 3, do Código do Trabalho, e o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; a cláusula 18.ª do AE, ao fazer depender a evolução na carreira da avaliação de desempenho não contemplando situações em que o trabalhador legitimamente não preste trabalho efetivo é violadora do disposto nos artigos 294.º e 295.º Código do Trabalho e no artigo 54.º da Constituição da República Portuguesa.

 

Regularmente citada a ré apresentou as suas alegações refutando as conclusões e interpretações propostas pelo autor.

Em sede de despacho saneador foi fixado o valor à causa e foi conhecido o mérito da ação, tendo, aí, sido decidido que a pretensão do autor era improcedente, em consequência do que foi a ré absolvida do pedido.

2. Inconformado, o autor interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, alinhando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I - A clª 17ª do AE, sob n.º 2, alínea e), consagra um regime que não é compatível com o regime legal da suspensão do contrato de trabalho por facto não imputável ao trabalhador, a que alude o artº 296° do CT.

II - Considerando que nos termos do CT, decorridos 30 dias de ausência ao trabalho, por facto não imputável ao trabalhador, opera a suspensão do contrato de trabalho, a aplicação do disposto na clª 17ª, n.º 2, alínea e), apenas pode implicar a contagem do número máximo de 10 dias de falta, para efeitos de “falta de assiduidade”, sempre que um trabalhador falte ao trabalho, por motivo de doença, por mais de 10 dias e até que se verifique a suspensão do contrato, isto é, logo que decorridos 30 dias nessa situação.

III – A clª 17ª do AE, sob o n.º 2, alínea e), é ilegal e inconstitucional, por violação do disposto no artº 296º do CT e artº 13º, nº 1 da CRP, na parte em que, por não considerar o regime da suspensão do contrato de trabalho, permite à recorrida, verificando-se uma situação de doença por período superior a 50 dias, considerar mais do que os 10 dias de falta iniciais da situação de doença, como relevantes para efeitos de assiduidade.

IV - O regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho, estabelecido nos artºs. 294º a 297º do CT é imperativo, não podendo, por isso, ser contrariado por qualquer IRCT, nos termos do disposto no artº 478º, nº 1, alínea a), do CT.

V - A interpretação literal da alínea d), do n.º 2, da clª 17ª do AE, viola o disposto no artº 255º, n.º 3 do CT, já que não se encontra expressamente consagrado no elenco do n.º 2 da cláusula, as faltas ao trabalho dadas por força da assistência à família, matéria que, pela sua natureza, implica o mesmo enquadramento legal das ausências ao trabalho motivadas pela maternidade, paternidade ou adopção.

VI - A interpretação literal da referida norma do AE viola o disposto no artº 59º, n.º 1, alínea b), da CRP, na medida em que compromete a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.

VII - A alínea d), do nº 2, da Clª 17ª deve ser interpretada no sentido de que, “inclui, para além das expressamente ali referidas, todas as demais ausências ao trabalho motivadas por assistência a membros do agregado familiar.”

VIII - As faltas a que alude o artº 252º do CT - faltas ao trabalho por assistência a membro do agregado familiar - nos termos do disposto no artº 255º, nº 3, do CT, não contam como “falta de assiduidade”, pois são consideradas como prestação efetiva de trabalho.

IX - A norma constante do artº 255º, nº 3, do CT, é uma norma imperativa, conforme expressamente vem afirmado sob o artº 250º do CT.

X – O n.º 3, da clª 18º do AE não contempla as situações em que o trabalhador legitimamente não presta trabalho efetivo, como é o caso dos trabalhadores que se encontrem no desempenho a tempo inteiro de funções em órgãos representativos dos trabalhadores.

XI - A não prestação efetiva de trabalho por parte destes trabalhadores, impede a sua avaliação de desempenho nos moldes dos demais colegas que prestam trabalho efetivo.

XII - A interpretação literal da norma constante da clª 18a, n° 3, põe em causa a progressão na carreira destes trabalhadores, embora os mesmos se encontrem no legítimo exercício de um direito, pelo que tal interpretação é manifestamente violadora do disposto nos artº 294º e 295º do CT, bem como do disposto no artº. 54º da CRP.

XIII - As alíneas do nº 3, da clª 18ª do AE em vigor entre o recorrente e a recorrida devem ser interpretadas no sentido de que, "aos trabalhadores que não tenham ‘avaliação do desempenho e potencial’ por exercerem cargos nas estruturas de representação coletiva, será atribuída a classificação média dos trabalhadores que desempenhem as funções correspondentes à categoria do trabalhador em causa."

XIV - O facto de pertencer a uma estrutura de representação coletiva não pode significar, para qualquer trabalhador, de qualquer carreira, uma limitação ao exercício dos seus direitos na recorrida, nomeadamente os de progredir na carreira, sob pena da violação das normas constantes dos artºs 54º e 59º da CRP.

XV - A douta decisão recorrenda viola, nomeadamente, o disposto no artº 7º, nº 2, da lei preambular do CT; artºs 250º, 255º, 294º, 295º, 296º e 478º do CT, e artºs 13º, 54º, 55º e 59º da CRP».

Conclui no sentido de a decisão recorrida dever «ser revogada in totum, decidindo-se como se conclui na» petição inicial.

A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado, rematando, a final, com as seguintes conclusões:

«1. A convenção coletiva constitui fonte do direito do trabalho (art. 1.º CT) e caracteriza-se por ser um fenómeno de auto-regulação de interesses, negociada pelos representantes dos trabalhadores e dos empregadores.

2. Atento o disposto no art. 478.º CT, e com especial relevo para a impossibilidade de dispor sobre normas imperativas, a relação laboral é confiada pela própria lei à contratação colectiva, com plena autonomia, e em estrita observância de princípios constitucionalmente consagrados, nomeadamente no art. 56º da Constituição da República Portuguesa.

3. Como instrumentos negociais que são, por se basearem na vontade das partes e por regularem situações específicas do setor de atividade ou profissão (por contraposição com o disposto na legislação laboral, que tem um âmbito de aplicação genérico), nos termos dos arts. 3.º e 476.º do Código do Trabalho (anteriores arts. 4.º e 531.º), as normas legais reguladoras do contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário, sendo que estas só podem ser afastadas pelas disposições do contrato de trabalho quando se estabeleçam condições mais favoráveis para o trabalhador.

4. Sendo a convenção coletiva celebrada no interesse das entidades patronais e dos trabalhadores, ambos apresentando propostas e cedendo em determinados aspetos até alcançar uma solução que entendem ser globalmente mais favorável e vantajosa, o Código do Trabalho afastou definitivamente o recurso ao princípio do tratamento mais favorável como forma de dirimir conflitos entre o disposto na lei (Código do Trabalho ou outras disposições avulsas) e o disposto na convenção coletiva.

5. Ainda que em sentido menos favorável ao trabalhador, e salvo se dispuserem sobre matéria com natureza imperativa, as disposições constantes da convenção coletiva prevalecem sobre as disposições constantes no Código do Trabalho ou noutro diploma legal que regule as relações de trabalho.

6. No que à interpretação e integração da convenção coletiva diz respeito, a sua parte obrigacional deverá ser regulada e interpretada à luz do disposto no art. 236.º e seguintes do Código Civil, enquanto a parte normativa, porque se aproxima da lei, deve ser interpretada e integrada com recurso ao disposto no art. 9.º do Código Civil.

7. A Recorrente invoca, sem razão, que a Cláusula 17,ª n.º 2 alínea e) do Acordo de Empresa não é compatível com o regime do art. 296.º do CT2009 (art.º 333.º do CT2003), e é inconstitucional, por violação do disposto no art. 296.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

8. Na cláusula e alínea em apreço não está em causa o conceito ou regime das faltas, mas apenas a consideração de alguns tipos de ausência para um fim específico: a progressão na carreira.

9. É o que resulta, desde logo, da epígrafe da referida Cláusula – Requisitos gerais de evolução na carreira profissional – e também da circunstância do regime das faltas ser regulado em lugar próprio (Cláusulas 51.ª e seguintes do Acordo de Empresa).

10. Por outro lado, não só a expressão utilizada na Cláusula 17.ª respeita a “ausências” e não a “faltas”, como do elenco das várias alíneas do n.º 2 da Cláusula 17.ª constam situações que não são caraterizadas como faltas [v.g., desde logo, a alínea a) que se refere a férias], tal como em relação às faltas propriamente ditas, as várias situações previstas no n.º 2 da Cláusula 17.ª não coincidem com o elenco das faltas descritas no art. 249.º do Código do Trabalho.

11. A enumeração das ausências, não coincidente com os casos de faltas previstas no CT2009 (ou no CT 2003) prende-se com o âmbito da aplicação da Cláusula 17.ª - o regime da evolução na carreira profissional, pois pretende-se incluir e relevar situações em que o não exercício efetivo de funções não deve ou não pode afetar essa progressão.

12. Por outro lado, não está em causa o regime da suspensão do contrato de trabalho e, nessa medida, não pode relevar para este efeito, ao contrário do que pretende a Recorrente, o regime legal da suspensão do contrato de trabalho.

13. Nada na lei estabelece a imperatividade do regime da suspensão do contrato de trabalho (como resulta aliás da forma exemplificativa como está redigido o n.º 1 do art. 296.º do CT 2009), podendo a regulamentação coletiva aplicável estabelecer ou limitar algumas das consequências desse regime legal.

14. Regulando a Cláusula 17.ª o regime de progressão ou evolução na carreira profissional, o efetivo exercício de funções não pode deixar de relevar e de ser o requisito principal a atender.

15. Interpretação contrária, seria geradora de violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP) em relação aos trabalhadores em efetividade de funções, violação essa em que as partes contratantes do Acordo de Empresa não pretenderam incorrer.

16. O regime consagrado na Cláusula 17.ª n.º 2 alínea e) do Acordo de Empresa ora em apreciação não viola o regime legal da suspensão do contrato de trabalho, nem é inconstitucional por violação do art. 13.º da CRP, nada obstando a que por via da regulamentação coletiva, e para os concretos efeitos previstos naquela Cl.ª 17.ª, as partes signatárias do AE 2005 tenham regulado a progressão na carreira dos TMA's, como o fizeram.

17. A interpretação literal do disposto na Cláusula 17.ª não viola o disposto no art. 255.º n.º 3 do CT ou no art. 59.º, n.º 1 al. b) da CRP, na medida em que, apenas fazendo referência às ausências por gozo de licença de maternidade, paternidade e adopção, mas já não às ausências para assistência à família, põe em causa a possibilidade de conciliação da vida profissional com a vida familiar, penalizando o trabalhador que dê faltas para prestar essa assistência.

18. O facto de o CT2009 considerar este tipo de falta como prestação efetiva de trabalho, não interfere nem impede que o Acordo de Empresa em apreço as considere requisito impeditivo para a referida evolução na carreira.

19. Não estão em causa quaisquer direitos dos associados protegidos pelo CT relativos às faltas motivadas por assistência à família (v.g. direito à retribuição, contagem de antiguidade), mas apenas de uma ausência relativamente à qual as partes signatárias do AE 2005 entenderam relevante para obstar à evolução na carreira (o que se encontra, aliás, em conformidade, por exemplo, com o disposto no 238.º n.º 4 do Código do Trabalho).

20. Não colhe igualmente qualquer invocação de tratamento desigual com o previsto noutros AE's celebrados pela R, maxime, no AE TAP/SNPVAC (Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil), pois não é razoável fazer comparações com categorias profissionais que são absolutamente distintas e com especificidade próprias, levando, por isso, os Sindicatos respetivos a negociarem de forma diferente, e dentro da disponibilidade que às partes assiste (sendo que não se poderão consagrar cláusulas isoladamente).

21. Acresce que, o regime previsto na Cláusula 10.ª n.º 1 do Regulamento de Proteção de Maternidade e Paternidade constante do AE TAP/SNPVAC de 2006 não se refere a qualquer regime relativo à progressão na carreira, como acontece na Cláusula 17.ª do AE TAP/AA agora em apreço, inexistindo, por isso, similitude das situações reguladas.

22. Refira-se ainda que o critério do exercício de funções, quer para a promoção de CAB (Comissário/Assistente de Bordo) a C/C (Chefe de Cabine) quer para a progressão nos vários escalões de CAB e C/C, se traduz em horas efetivamente voadas, relevando negativamente todos os tipos de faltas, com exceção das previstas no mesmo AE TAP/SNPVAC, nas quais, à semelhança do AE TAP/ AA não se incluem as faltas dadas por motivo de assistência à família.

23. A consideração da avaliação de desempenho para evolução na linha técnica foi uma das regras inovatórias introduzidas no AE 2005, aceite expressamente pela Recorrente nas negociações e no texto final da redacção do IRCT em apreço, remetendo o Anexo III ao AE 2005 para a regulamentação em vigor na empresa, fixando um método de avaliação com um resultado final qualitativo (Anexo III, Ponto 2).

24. Para efeitos de evolução na carreira, e este foi um ponto essencial do AE 2005, para além do desempenho quantitativo (reportando fundamentalmente a índices de assiduidade determinados), é imperioso que se tenha em conta o desempenho qualitativo de forma a justificar, por força desse resultado, a evolução na carreira.

25. À luz do regime instituído pelo AE2005, são necessários níveis mínimos de desempenho para que se possa evoluir numa carreira essencialmente técnica e de elevada especialização e responsabilidade e que não atingindo esses níveis, seja por que motivo for, não poderão os TMA’s em causa beneficiar da evolução profissional, não podendo ficcionar-se um desempenho numa categoria inferior para o acesso a uma categoria superior, numa profissão em que está em causa assegurar a manutenção dos aviões da Recorrida.

26. Essa evolução, sem atender a esses níveis de desempenho ou ficcionando resultados desse mesmo desempenho, por falta de exercício efetivo de funções, acarretaria não um tratamento igualitário, mas favorecedor dos trabalhadores a quem, pelo exercício de atividades em organizações representativas dos trabalhadores ou por qualquer outra razão, não fossem efetivamente avaliados.

27. A Recorrida nunca aceitou consagrar regime idêntico ao pretendido noutros AE’s que lhe são aplicáveis, nomeadamente no AE TAP/ SNPVAC (AE 2006), porquanto naquele clausulado do AE/PNC (Exercício Efetivo de Funções) estabelece-se um critério quantitativo para aferir do exercício da actividade, sendo que, para além deste critério existe um outro, de caráter qualitativo, a saber, a avaliação contínua.

28. No caso concreto da progressão de CAB para C/C, a avaliação contínua constitui, nos termos da Cl.ª 11.ª n.º 1, alínea a) do Regulamento da Carreira Profissional de Tripulante de Cabina (RCPTC), anexo ao AE 2006, um critério determinante para o processo de avaliação e, por consequência, para a progressão na carreira e aquela avaliação pressupõe o exercício efetivo de serviços de voo.

29. A ser possível qualquer comparação, no que não se concede atentas as especificidades de cada carreira (TMA e PNC) ela teria que ser feita entre as várias alíneas da Cl.ª 18.ª do AE agora em apreço e a Cl.ª 11.ª n.º 1, alínea a) do RCPTC (Anexo ao AE TAP/SNPVAC de 2006), e não com a Cl. 17.ª n.º 2 deste AE TAP/SNPVAC.

30. De todo o modo, no caso do PNC estão em causa situações impeditivas de voar, de caráter ocasional, que não impedem os trabalhadores em questão de terem um desempenho suscetível de ser avaliado no período em causa, ou seja, de efetivamente voarem e aí serem avaliados.

31. Acresce que na progressão de PNC, em particular na evolução dos CAB's, existe ainda um outro requisito a ter em conta e que pode inviabilizar a evolução, a saber, a ocorrência de qualquer motivo relacionado com o exercício profissional do tripulante que, no entender da chefia, possa obstar àquela evolução.

32. Concretamente em relação à pretendida interpretação da Cl.ª 18.ª n.º 3, não pode também deixar de se salientar que na relação dos requisitos gerais previstos na Cláusula 17.ª do AE 2005 consta especificamente na alínea i) do n.º 2, que não contam para a falta de assiduidade as ausências motivadas pelo exercício de funções em estruturas representativas dos trabalhadores, nada se referindo, a este propósito, quanto à avaliação de desempenho para os trabalhadores que exerçam essas mesmas funções, na Cl.ª 18.ª n.º 3 ou em qualquer outro clausulado, designadamente no Anexo III ao mesmo AE.

33. Não resulta da letra ou do requisito da Cláusula em apreço qualquer indicação que permita tal interpretação, nem a mesma é imposta por qualquer imperativo constitucional ou outro.

34. Ao decidir como decidiu, a douta sentença acatou os normativos constantes das Cláusulas 17.ª e 18.ª do Acordo de Empresa, bem como as regras de interpretação constantes do art. 9.º do Código Civil».

Conclui a recorrida no sentido de dever ser «negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida».

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto concluiu pela improcedência da revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas no recurso prendem-se com:

- A (in)compatibilidade da cláusula 17.ª, n.º 2, al. e), do AE/TAP com o artigo 296.º, do Código do Trabalho;

- A (in)compatibilidade da cláusula 17.ª, n.º 2, al. d), do AE/TAP com o artigo 255, n.º 3, do Código do Trabalho;

- A (in)compatibilidade da cláusula 18.ª, n.º 3, do AE/TAP com o artigo 294.º e 295.º, do Código do Trabalho.

            - A inconstitucionalidade das citadas cláusulas, por violação, respetivamente, dos artigos 13.º, 59.º, n.º 1, alínea b), e 54.º, da Constituição da República Portuguesa.

4. Preparada a deliberação, mediante a entrega de cópia do projeto de acórdão aos Ex.mos Juízes da Secção Social, por força do preceituado no artigo 687º, nº3 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, por via do artigo 1º, nº2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, uma vez que nos termos do artigo 186º deste Código, o presente acórdão tem o valor do proferido em julgamento ampliado da revista, em processo civil, cumpre apreciar e decidir.


II

1. Os factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido foram os seguintes:

1) Autor e ré subscreveram o Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1 ª série, n.º 44, de 29 de Novembro de 2005, onde constam, entre outras, as seguintes cláusulas:


Cláusula 17.ª

Requisitos gerais de evolução na carreira profissional


1 - A evolução nas posições salariais e na carreira não terá lugar se se verificar qualquer das seguintes situações:

a) Total de faltas seguidas ou interpoladas, durante o período de permanência na posição salarial, para além do limite global correspondente a 12 dias por cada ano de permanência na requerida;

b) Faltas injustificadas para além do limite de duas seguidas ou quatro interpoladas, no período de permanência na posição salarial;

c) Não aproveitamento em ação de formação profissional proporcionada pela empresa e que constitua requisito da evolução na carreira profissional;

d) Existência de sanção disciplinar de suspensão da prestação de trabalho no período de permanência na posição salarial ou, na falta de definição de tal período, nos últimos três anos;

e) Pendência de processo disciplinar;

f) Ocorrência de motivo justificativo em contrário, relacionado com o exercício ou conduta profissionais, desde que expresso e fundamentado por escrito.

2 - Para a falta de assiduidade referida na alínea a) do número anterior não contam as ausências por motivo de:

a) Férias;

b) Acidente de trabalho;

c) Doença profissional;

d) Licença de maternidade, de paternidade ou de adoção;

e) Doença para além de 10 dias consecutivos e até ao limite máximo de 50 dias também consecutivos;

f) Casamento ou nojo;

g) Cumprimento de obrigações legais impreteríveis e que não possa ter lugar fora dos períodos normais de trabalho;

h) Estatuto de trabalhador-estudante, até aos limites consagrados na lei;

i) Exercício de funções sindicais ou na Comissão de Trabalhadores por membros dos corpos gerentes do AA, delegados sindicais e membros da Comissão de Trabalhadores, dentro dos limites de tempo atribuídos por lei ou por decisão da empresa.

( ... ).


Cláusula 18.ª

(Evolução na linha técnica)


1 - A evolução na linha técnica depende da verificação dos requisitos gerais e dos requisitos específicos para o acesso a cada grau.

2 - Constituem requisitos gerais para a evolução na linha técnica:

a) Aprovação em cursos de especialização e ou qualificação;

b) Assiduidade dentro dos limites definidos na cláusula 17.ª;

c) Inexistência de impedimento por motivo disciplinar, nos termos definidos na cláusula 17.ª;

d) Apreciação do currículo técnico, nos termos definidos na cláusula 14.ª.

3 - Verificados os requisitos gerais para a progressão na carreira, o TMA evolui na linha técnica nos seguintes termos:

a) Após seis meses de permanência no grau iniciado, o TMA evolui para o grau I, sendo enquadrado na respetiva posição salarial, desde que tenha avaliação do desempenho e potencial igual ou superior a suficiente;

b) Após 24 meses de permanência no grau I, o TMA evolui para o grau II, sendo enquadrado na respetiva posição salarial, desde que tenha avaliação do desempenho e potencial igual ou superior a suficiente;

c) Após 24 meses de permanência no grau II, o TMA evolui para o grau III, sendo enquadrado na respetiva posição salarial, desde que tenha avaliação do desempenho e potencial igual ou superior a suficiente;

d) Após 24 meses de permanência no grau III, o TMA evolui para o grau IV, sendo enquadrado na respetiva posição salarial, desde que tenha avaliação do desempenho e potencial igual ou superior a suficiente;

e) Após 36 meses de permanência no grau IV, o TMA evolui para o grau V, sendo enquadrado na respetiva posição salarial, desde que tenha avaliação do desempenho e potencial igual ou superior a suficiente;

f) Após 36 meses de permanência no grau V, o TMA evolui para o grau VI, sendo enquadrado na respetiva posição salarial, desde que tenha avaliação do desempenho e potencial igual ou superior a Bom e detenha o perfil definido para o novo grau;

g) Os TMA dos graus VI, VII e VIII evoluem para os graus VII, VIII e IX, respetivamente, sendo enquadrados nas respetivas posições salariais, desde que tenham no mínimo 36 meses de permanência no grau, avaliação do desempenho e potencial igual a Muito bom, detenham o perfil definido para o novo grau e exista a necessidade expressa de profissionais destes graus».

            2. A controvérsia tem por objeto, como decorre do supra relatado, o sentido que deve ser conferido às Cláusulas 17.ª, n.º 2, alíneas d) e e) e 18.ª, n.º 3, do AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1 ª série, n.º 44 de 29 de Novembro de 2005, em ordem a determinar se (i) a primeira viola o regime – que o autor reputa de imperativo – da suspensão do contrato de trabalho, previsto no artigo 296.º do Código do Trabalho de 2009, se (ii) a segunda deve considerar-se aplicável às ausências ao trabalho por motivo de assistência à família, por ser essa a interpretação conforme o disposto no artigo 255.º, n.º 3, do Código do Trabalho, e, finalmente, (iii) se a terceira norma viola o disposto nos artigos 294.º e 295.º, do Código do Trabalho de 2009.

            A par da desconformidade com a lei ordinária, o autor pugna, ainda, pela desconformidade das citadas cláusulas com a Lei Fundamental.

2.1. Na interpretação das cláusulas das convenções coletivas de trabalho de conteúdo normativo ou regulativo – como é o caso, uma vez que estamos perante cláusulas cuja finalidade é a de regular as relações individuais de trabalho estabelecidas entre os trabalhadores e o empregador ([1]) - há que ponderar, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas – de aplicação direta aos contratos de trabalho em vigor – e, por outro lado, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados.

            Tem este Supremo Tribunal entendido, de forma dominante, que na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções colectivas de trabalho regem as regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil ([2]), visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros ([3]).

           

            Seguindo a jurisprudência contida no Acórdão deste STJ de 14 de Fevereiro de 2007 ([4]), «[a] interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo.

A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma “tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal” (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direta e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.

A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.

A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de BAPTISTA MACHADO (ob. cit., pp. 185-186), quando “o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não diretamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei”.

Na interpretação restritiva, pelo contrário, “o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva” (cf. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 186).

Por sua vez, a interpretação revogatória terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável e, finalmente, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido, utilizando, para tanto, certas inferências lógico-‑jurídicas alicerçadas nos seguintes tipos de argumentos: (i) argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais, também permite o menos; (ii) argumento a minori ad maius, a lei que proíbe o menos, também proíbe o mais; (iii) argumento a contrario, que deve ser usado com muita prudência, em que, a partir de uma norma excecional, se deduz que os casos que ela não contempla seguem um regime oposto, que será o regime-regra (cf. BAPTISTA MACHADO, obra citada, pp. 186-187).

Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2); além disso, “[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3)”». ([5])

2.2. A sentença recorrida concluiu que inexistia fundamento – legal ou constitucional – para que se concluísse pela anulação das cláusulas cuja (in)validade o autor suscitou.

Na sentença recorrida observou-se que:

«i. Da cláusula 17.ª, n.º 2, alínea e) CCT

Estabelece a cláusula 17.ª, n.º 1 sob a epígrafe “requisitos gerais de evolução na carreira profissional” que “a evolução nas posições salariais e na carreira não terão lugar se se verificar qualquer das seguintes situações:

a) Total de faltas seguidas ou interpoladas, durante o período de permanência na posição salarial, para além do limite global correspondente a 12 dias por cada ano de permanência requerida;

(…). ”

Por seu turno o n.º 2 estabelece que “para a falta de assiduidade referida na alínea a) do número anterior não contam as ausências por motivo de” “doença para além de 10 dias consecutivos e até ao limite máximo de 50 dias também consecutivos” (alínea e).

O autor alega que a cláusula 17.ª, n.º 2, alínea e) viola os arts. 294.º e 295.º CT e o disposto no art. 54.º CRP.

A cláusula em causa, como resulta da epígrafe, regula os requisitos gerais da evolução na carreira profissional, podendo e devendo esta ser regulada e ter por fonte o Acordo de Empresa, no âmbito da autonomia contratual entre entidades patronais e sindicais.

A cláusula 17.ª n.º 2 do AE enuncia situações que relevam como “ausências” para efeitos de progressão na carreira e, neste âmbito, é pertinente eleger situações que não implicam o exercício efetivo de funções.

Carece de fundamento a alegação do autor que o regime em causa colide com o regime de suspensão do contrato de trabalho pois estamos no âmbito de normas de progressão da carreira que se inserem na autonomia contratual de entidades patronais e sindicais sendo por isso legítimo estabelecer em que medida situações de não exercício de funções podem influir nessa progressão.

Assim, a cláusula 17.ª n.º 2 alínea e), 2.ª parte não viola o regime da suspensão do contrato de trabalho (arts. 294º e 295º CT) porquanto este não é um regime imperativo podendo e devendo a progressão da carreira ser regulada no âmbito da contratação coletiva.

Não padece também a referida cláusula de qualquer inconstitucionalidade por violação do art. 13.º CRP uma vez que o princípio aí inerente determina que se trate de forma desigual situações desiguais não podendo deixar de ter reflexos na progressão da carreira o efetivo exercício de funções.

ii. Da cláusula 17.ª n.º 2, alínea d)

O autor alega que a interpretação meramente literal desta norma viola o disposto no art. 255.º n.º 3 CT e o disposto no art. 59.º n.º 1 al. b) CRP, na medida em que a lei geral, numa norma de caráter imperativo, considera tais ausências como prestação de trabalho efetivo, para efeitos de assiduidade e, por outro lado, põe em causa a possibilidade de conciliação da vida profissional com a vida familiar, penalizando o trabalhador que dê faltas para prestar essa assistência.

A interpretação literal da cláusula em causa não colide com o regime imperativo do Código de Trabalho quanto à qualificação das faltas pois o âmbito da referida cláusula cinge-se às ausências para efeitos de progressão da carreira. Tal matéria como, referimos, supra não está vedada à contratação coletiva devendo mesmo ser por esta privilegiada.

A cláusula 17.ª n.º 2 não visa qualificar o que são faltas justificadas mas apenas elencar situações de ausência ao trabalho que não influirão na progressão na carreira e por isso não colide com o regime imperativo do Código de Trabalho.

Por último, invoca o autor a violação do art. 13.º n.º 1 da CRP, alegando que a ré celebrou com o SNPVAC, o AE, o “regulamento de carreira profissional de tripulante de cabine” e o “regulamento de protecção de maternidade e paternidade” e, nos termos da cláusula 10.ª deste último, consagrou como prestação efectiva de trabalho, nomeadamente, as faltas dadas ao trabalho para assistência a membros do agregado familiar.

A alegação da ré é simplista, primeiro - como refere e bem a ré - as categorias profissionais são diferentes com especificidades próprias e, em segundo, porque desconhece o tribunal em que contexto se encontra a referida cláusula e para que efeitos releva sendo certo que competia ao réu alegá-lo.

iii. Da cláusula 18.ª n.º 3:

A cláusula 18.ª do AE sob a epígrafe “evolução na linha técnica” define as regras de progressão na carreira dos TMA’s na linha técnica, aludindo todas as alíneas do n.º 3 como requisito de progressão, além dos gerais, “avaliação do desempenho e potencial igual ou superior ( ... )” do trabalhador.

O autor vem alegar que a interpretação literal desta cláusula implica a penalização de trabalhadores que integrem estruturas de representação coletiva uma vez que os impede de uma normal prestação efetiva de trabalho e de serem avaliados.

Ainda de acordo com o autor essa interpretação colide com os arts. 294.º e 295.º CT e 54.º e 55.º CRP.

Pretende que a mesma seja interpretada no sentido de que “aos trabalhadores que não tenham ‘avaliação de desempenho e potencial’ por exercerem cargos nas estruturas de representação coletiva, será atribuída a classificação média dos trabalhadores que desempenhem as funções correspondentes à categoria do trabalhador em causa”.

Também nesta parte não assiste razão ao autor.

Com efeito, a interpretação pretendida pelo autor é desadequada ao sentido literal da cláusula em apreço e não resulta da aplicação de qualquer norma constitucional ou legal.

Com efeito e como refere a ré, estamos no âmbito de uma carreira técnica de elevada especialização em que é imperioso além da avaliação quantitativa uma avaliação qualitativa, não existindo por isso qualquer violação das normas legais ou constitucionais citadas.»

2.3. As cláusulas convencionais trazidas à apreciação do Tribunal – em ordem seja a estabelecer da sua validade (quando correlacionada com a lei ordinária e com a Lei Fundamental) seja a estabelecer da sua correta interpretação – têm em comum a regulação, por via do instrumento de regulamentação coletiva celebrado entre autor e ré, da evolução da carreira ou, se se quiser, da progressão na categoria. Equivale o exposto a dizer que não se destinam as referidas cláusulas a regular, de per se, qualquer regime específico de faltas ou ausências, mas apenas a prever a sua repercussão naquela específica dimensão.

Partindo deste pressuposto – que se afigura inquestionável em razão das epígrafes das referidas cláusulas – é preciso notar que, na lei laboral ordinária, inexiste qualquer norma que imponha aos empregadores o estabelecimento de regras de progressão na carreira dos seus trabalhadores. À carreira ou categoria é atribuída especial proteção, enquanto tutela do estatuto e posição do trabalhador na empresa e enquanto promoção e preservação da sua realização pessoal e profissional, mas já não enquanto tutela da sua progressão.

Comprovando o que vimos de expor, dispõe, com efeito, o artigo 118.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que «[o] trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional». E, adiante, o artigo 126.º, n.º 2, ao consagrar o dever, das partes, «na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador».

Tais preceitos consagram direitos e obrigações genéricas das partes que, naturalmente, enformam toda a execução do contrato de trabalho, mas que, de todo o modo, carecem e pressupõem dimensionamento. Quer isto dizer que as citadas normas estão vocacionadas para a proteção legal da categoria do trabalhador e, consequentemente, da sua carreira, em ordem a impedir que, pelo menos a título definitivo e sem interesse que o imponha, ocorra degradação do seu estatuto profissional por mera iniciativa do empregador. Com efeito, tal como nos é referido pelo Prof. Menezes Cordeiro ([6]) – e na sua definição não vislumbramos qualquer alusão à progressão enquanto característica associada à proteção da categoria profissional – «(…) da categoria em Direito de Trabalho, pode dizer-se que ela obedece aos princípios da efetividade, da irreversibilidade e do reconhecimento. A efetividade recorda que, no domínio da categoria-função, relevam as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores; a irreversibilidade explica que, uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode dela ser retirado ou despromovido; (…) o reconhecimento determina que, através da classificação, a categoria estatuto assente nas funções efetivamente desempenhadas”.

O dimensionamento e consagração da progressão na carreira, face à ausência de disposição no Código do Trabalho que a preveja ou tutele, é, por regra, objeto de regulamentação coletiva. Isso mesmo nos diz, também, Maria do Rosário Palma Ramalho ([7]): «se em relação à descida de categoria o legislador laboral foi especialmente cauteloso, já em matéria de subida de categoria não é objeto de uma referência legal específica no Código do Trabalho».

            Em síntese, as regras de progressão na carreira – enquanto indubitável instrumento de satisfação profissional, de realização pessoal e, também, de produtividade – são deixadas ao acordo das partes ou à sua autonomia, por serem elas que, com maior e mais rigorosa propriedade – ante a variedade das situações concretas e a panóplia de categorias profissionais existentes – estarão habilitadas a estabelecer as regras a que essa progressão terá que obedecer e os critérios que lhe estarão subjacentes, nos quais relevarão, certamente e sobremaneira, o da antiguidade, da efetividade e do mérito.

            2.4. Aqui chegados e tendo subjacente o juízo exposto, parece-nos claro que, expressando as normas da contratação coletiva que o recorrente nos traz à apreciação regras a que hão-de obedecer a progressão da carreira e a evolução na linha técnica, jamais elas poderiam contender com o regime ínsito à suspensão do contrato de trabalho – que, no Código do Trabalho, é regulado na parte atinente às vicissitudes a que o vínculo laboral poderá, porventura, estar sujeito – nem com o regime das faltas e seus efeitos. Vale dizer: o regime previsto na contratação coletiva regula matéria que não encontra paralelismo no Código do Trabalho, daí que as normas ali consagradas não podem, no rigor dos princípios, contender com normas que, ainda que de caráter imperativo, não se destinam, seja de forma direta, seja ponderando a sua ratio, a regular aqueles institutos jurídicos.

            A par do exposto, importa, ainda, acrescentar, no que à conformidade das citadas cláusulas do AE TAP/AA com o Código do Trabalho concerne, o seguinte: no que respeita à cláusula 17.ª, n.º 1, alínea a), em conjugação com a alínea e), do n.º 2, da mesma cláusula, bem como à cláusula 18.ª, n.º 3 (por pressupor o efetivo exercício de funções, deixando, assim, fora da evolução na linha técnica os trabalhadores no desempenho de funções, a tempo inteiro, em órgãos representativos dos trabalhadores) não se vislumbra em que medida poderiam elas contender com o regime da suspensão do contrato de trabalho, previsto nos artigos 294.º a 297.º do Código do Trabalho, pois, como resulta do disposto no artigo 295.º, n.º 1, deste compêndio legal, «[d]urante a redução ou suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho».

Ora, para além de o regime atinente à progressão na carreira, previsto no AE TAP/AA, constituir um plus em relação à legislação laboral comum, não pode, por outro lado, afirmar-se, que aquele viola o regime da suspensão do contrato de trabalho, na medida em que este regime protege todos os direitos e deveres das partes que não pressuponham o efetivo exercício de funções. Se subjacente ao regime da progressão na carreira previsto no AE TAP/AA está, como decorre da análise das citadas cláusulas, justamente, o princípio da efetividade no exercício da função, não se antevê que surjam beliscados os direitos decorrentes do regime da suspensão do contrato de trabalho, regime esse que, notória e explicitamente, exclui do seu âmbito de proteção os direitos que exijam o efetivo exercício de funções, como o previne o regime de progressão e evolução da contratação coletiva em análise.

            Por outro lado, o paralelismo que o recorrente encontra entre as ausências motivadas pela maternidade, paternidade ou adopção e as ausências motivadas pela assistência à família não é rigoroso. Com efeito, o conceito de assistência à família sugerido pelo recorrente é mais amplo do que o previsto no artigo 252.º e o regime aqui constante está sujeito a uma série de procedimentos e pressupostos que o recorrente olvida. Acresce que a ausência motivada pela falta prevista no artigo 252.º, com os efeitos previstos no artigo 255.º, n.º 3, tem o seu âmbito restrito, naturalmente, aos casos previstos no Código do Trabalho em que a equiparação à efetiva prestação de trabalho se justifique, não se nos afigurando ser lícito estender a sua aplicação a situações cuja verificação o código não contempla, como sucede, in casu, com o regime de ausências para efeitos de progressão e evolução na carreira.

            Finalmente, importa apelar ao denominado princípio da proporcionalidade, com consagração constitucional expressa no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, princípio esse que, vinculando entes privados e públicos, se subdivide, nos dizeres de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ([8]), em «três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos».

            Por apelo ao citado princípio, podemos concluir que, no difícil jogo de interesses típico da relação laboral – de um lado, o interesse do empregador na obtenção de um resultado ao mais baixo custo possível, do outro, o interesse do trabalhador não só na obtenção de uma retribuição ajustada, mas também na promoção da sua vertente profissional e pessoal – deixou-se à autonomia das partes, mormente por via da contratação coletiva, o estabelecimento das regras a que deveria estar subordinada a progressão na carreira e/ou a evolução dentro de uma mesma carreira profissional. Nessas regras procura-se, naturalmente, dar expressão àquele equilíbrio, sacrificando, na proporção adequada, os direitos de cada uma das partes. Assim, se de um lado não seria adequado condenar o trabalhador a uma estagnação a nível profissional, também já não seria adequado impor ao empregador a promoção do trabalhador – com consequente alteração, para mais, do seu estatuto remuneratório – sem obediência a determinados critérios e pressupostos, designadamente, de mérito, antiguidade e efetividade.

            Desta feita, as cláusulas ora em apreço dão nota, precisamente, desta adequação ou, se se quiser, do estabelecimento de um justo equilíbrio entre os direitos e deveres de cada uma das partes. Assim, embora reconhecido ao trabalhador o direito à progressão na carreira e à evolução na linha técnica, subordina-se essa progressão e evolução a determinados critérios, mormente os já expostos, relevando, de sobremaneira, o da efetividade, reconhecendo-se como determinante a experiência do trabalhador da função.

No que concerne a este último critério, e em ordem à proteção do trabalhador, estabelecem-se exceções, ficcionando-se como se de efetivo trabalho se tratasse períodos em que o trabalhador está ausente (cfr., o n.º 2, da cláusula 17.ª). Mas, tratando-se, como se trata, de normas de exceção, não comportam elas analogia (artigo 11.º, do Código Civil).

Na situação específica da alínea d), do n.º 2, da cláusula 17.ª, a sua interpretação não consente, por apelo à interpretação extensiva, que se considere ficcionada a efetiva prestação de trabalho nas situações em que o trabalhador está ausente em virtude de assistência à família. E dizemos que não se consente esta interpretação por não conter a letra da cláusula um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, de um tal pensamento das partes quando da contratação coletiva (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil). Na verdade, se atentarmos naquela alínea, bem como nas demais, dizem todas elas respeito a situações próprias do trabalhador. Se as partes, neste concreto âmbito, repete-se, entenderam ser de excluir situações que não respeitavam, diretamente, ao trabalhador, assim o estabeleceram na justa e adequada medida da salvaguarda e tutela das respetivas posições.

E idêntica conclusão se impõe quando nos propomos balancear o interesse do empregador e do trabalhador no concreto enquadramento de evolução na linha técnica: se é verdade que o exercício de funções, a tempo inteiro, em estruturas de representação coletiva, impõe, como adiante se verá, um «direito de proteção legal adequada», não é por isso que se deve reconhecer-lhe prevalência quando estamos perante situações em que aquela evolução pressupõe a experiência, o mérito e o tempo de serviço na função, não sendo justo e adequado, isso sim, perante os demais trabalhadores que, efetivamente, reúnem os requisitos previstos na cláusula 18.ª, ficcionar para outros uma realidade em que aqueles critérios se verifiquem independentemente de qualquer esforço ou mérito para o efeito.

Em jeito de síntese, entende-se que não obedeceria ao princípio da proporcionalidade impor ao empregador que consagrasse outras ficções assimiláveis à da efetiva prestação de trabalho para efeitos de progressão e evolução na carreira dos seus trabalhadores, quando inexiste lei geral que a tanto obrigue e se consideram justos e adequados os pressupostos e critérios adotados para o efeito, por refletirem uma equilibrada ponderação dos interesses em jogo.

2.5. O recorrente entende, ainda, que as cláusulas do AE TAP/AA que trouxe a apreciação judicial contendem com as normas constantes dos artigos 13.º, 54.º, 55.º e 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.

2.5.1. O artigo 13.º, da Lei Fundamental, sob a epígrafe princípio da igualdade, diz-nos que:

«1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

Por seu turno, o artigo 54.º, com a epígrafe comissões de trabalhadores, dispõe que:

«1 – É direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa.

2 – Os trabalhadores deliberam a constituição, aprovam os estatutos e elegem, por voto direto e secreto, os membros das comissões de trabalhadores.

3 – Podem ser criadas comissões coordenadoras para melhor intervenção na reestruturação económica e por forma a garantir os interesses dos trabalhadores.

4 – Os membros das comissões gozam da proteção legal reconhecida aos delegados sindicais.

5 – Constituem direitos das comissões de trabalhadores:

a) Receber todas as informações necessárias ao exercício da sua atividade;

b) Exercer o controlo de gestão nas empresas;

c) Participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a acções de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho;

d) Participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o respetivo setor;

e) Gerir ou participar na gestão das obras sociais da empresa;

f) Promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei.» 

O artigo 55.º, da Constituição da República Portuguesa, subordinado à epígrafe «Liberdade Sindical», diz-nos que:

«1 – É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.

2 – No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente:

a) A liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis;

b) A liberdade de inscrição, não podendo nenhum trabalhador ser obrigado a pagar quotizações para sindicato em que não esteja inscrito;

c) A liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais;

d) O direito de exercício de atividade sindical na empresa;

e) O direito de tendência, nas formas que os respetivos estatutos determinarem.

3 – As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação ativa dos trabalhadores em todos os aspetos da atividade sindical.

4 – As associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer as garantias adequadas a essa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras.

5 – As associações sindicais têm o direito de estabelecer relações ou filiar-se em organizações sindicais internacionais.

6 – Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções».

Finalmente, o artigo 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República, dispondo acerca dos direitos dos trabalhadores, estabelece que:

«1 – Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

(…)

b) À organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar».

            2.5.2. O artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, contém ou prevê, como se sabe, um dos princípios fundamentais e estruturantes de qualquer Estado de Direito Democrático (artigo 2.º, da Lei Fundamental) e, enquadrando-se na parte reservada aos Direitos e Deveres Fundamentais (Parte I, Título I, do texto constitucional português), partilha, com os demais direitos e deveres fundamentais, da caraterística da aplicabilidade direta, bem como da vinculação a ele de todos os entes públicos e privados.

            Nos dizeres de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ([9]), «[a] base constitucional do princípio da igualdade é a igual dignidade social de todos os cidadãos (nº1) – que, aliás, não é mais do que um corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas (cfr. art. 1.º) –, cujo sentido imediato consiste na proclamação da idêntica “validade cívica” de todos os cidadãos, independentemente da sua inserção económica, social, cultural e política, proibindo desde logo formas de tratamento ou de consideração social discriminatórias. O princípio da igualdade é, assim, não apenas um princípio de disciplina das relações entre o cidadão e o Estado (ou equiparadas), mas também uma regra de estatuto social dos cidadãos, um princípio de conformação social e de qualificação da posição de cada cidadão na coletividade».

            Uma das manifestações essenciais do princípio da igualdade consiste na proibição do arbítrio que mais não significa senão a proibição de tratar desigualmente situações materialmente idênticas, com base em critérios subjetivos e sem justificação razoável, bem como na proibição do tratamento igualitário de situações que, na sua essência, são desiguais. «Nesta perspetiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes». ([10])

            Do princípio da igualdade decorre, também, a proibição da discriminação que, não significando ou impondo uma exigência de igualdade absoluta nem impedindo as diferenciações de tratamento, qualifica como de factores ilegítimos de discriminação aqueles que, previstos a título exemplificativo, constam do n.º 2, do artigo 13.º. Em rigor, e como nos dizem os autores que temos vindo a citar, «[o] que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo». ([11])

            2.5.4. O artigo 54.º, da Constituição da República Portuguesa, inserindo-se no Capítulo III – Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores –, do Título II, daquele texto fundamental, dedicado aos Direitos, Liberdades e Garantias, partilha, conforme impõe o artigo 18.º, das caraterísticas da aplicabilidade direta, bem como do imperativo da vinculação a ele de entes públicos e privados e comunga do regime previsto para os direitos liberdades e garantias (artigo 17.º, da Constituição da República Portuguesa).

            Neste preceito constitucional consagram-se, fundamentalmente, os direitos de constituição, organização, eleição e coordenação das Comissões de Trabalhadores e, uma vez constituídas, os direitos que lhes assistem no âmbito das empresas em que se inserem. Esses direitos valem imediata e directamente perante os empresários – titulares da empresa – e ao Estado é cometido o dever de legislar no sentido de aqueles direitos poderem ser efetivamente exercidos.

            2.5.5. O artigo 55.º, da Constituição da República Portuguesa, insere-se nos mesmos Capítulo e Título referidos em 2.5.4, pelo que o regime que lhe subjaz é o mesmo que está subjacente ao artigo 54.º.

            «A liberdade sindical é uma forma particular da liberdade de associação (art. 46.º), mas constitui um tipo autónomo. Na verdade, o sindicato é uma associação específica de trabalhadores assalariados ou equiparados destinada a defender os seus interesses desde logo e fundamentalmente perante as entidades empregadoras. A differentia specifica do sindicato em relação às restantes associações está, pois, no seu caráter de associação de classe, de associação de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores». ([12])

            A liberdade de associação sindical compreende, tal como decorre da análise do artigo 55.º, a liberdade de constituição de associações sindicais; a liberdade de inscrição em sindicato; a liberdade de auto-organização e estatutária; o direito de exercício de actividade sindical na empresa; o direito de tendência; o direito à independência e autonomia dos sindicatos; o direito de filiação nas organizações sindicais internacionais; o direito de protecção legal adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores e o direito à informação e consulta dos representantes eleitos dos trabalhadores.

            Do elenco a que se procedeu, releva, na apreciação do caso sub iudice, a densificação do direito de proteção legal adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores, previsto no n.º 6, do preceito em análise.

            Nos dizeres de J. J. Canotilho e Vital Moreira, ([13]) «o direito de proteção legal adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores (n.º 6) desdobra-se em duas dimensões: (a) a dimensão subjetiva, pois trata-se da consagração de um verdadeiro direito de defesa dos representantes eleitos dos trabalhadores no exercício das suas funções; (b) a dimensão objetiva, traduzida na consagração de uma imposição constitucional dirigida ao legislador no sentido de este concretizar as formas de proteção adequadas». Prosseguem aqueles autores destacando, enquanto formas de protecção dos trabalhadores, «a consagração de um regime garantidor da observância dos direitos e princípios constitucionais em casos de despedimento e de transferência de local de trabalho (Cód. Trab., arts. 456.º e 457.º; ([14]) a definição material do exercício da atividade sindical na empresa e a garantia dos direitos das comissões de trabalhadores (cfr. Cód. Trab., arts. 466.º e s.» ([15]) Em síntese, concluem aqueles autores, «[a] proteção específica que é conferida aos representantes eleitos dos trabalhadores decorre naturalmente da sua situação de particular exposição perante as entidades empregadoras e as entidades públicas, encabeçando e dirigindo as reivindicações para a defesa dos direitos dos restantes trabalhadores, o que os transforma naturalmente em alvos privilegiados de retaliações ou outros abusos de poder privado dessas entidades. Por isso, o tratamento adequado deve ter particularmente em conta as dimensões garantísticas necessárias contra os despedimentos sem justa causa, sobretudo os despedimentos discriminatórios violadores dos princípios do Estado de direito democrático».

           

            2.5.6. O artigo 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, insere-se no Capítulo I – direitos e deveres económicos –, do Título III, daquele texto fundamental, dedicado aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais. «O direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, tem por destinatários, simultaneamente, os empregadores e o Estado, que deve tomar medidas no sentido apontado e de forma a facultar a realização pessoal (n.º 1/b), pressupõe a ideia de que o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser, de qualquer forma, prestado em condições socialmente degradantes ou contrárias à dignidade humana (cfr. arts. 1.º e 13.º-1) ou impeditivas da conciliação da atividade profissional com a vida familiar». ([16])

            2.6. O recorrente afirma que a cláusula 17.ª, n.º 2, alínea e), do AE TAP/AA, viola a nossa lei fundamental «na parte em que, por não considerar o regime da suspensão do contrato de trabalho, permite à recorrida, verificando-se uma situação de doença por período superior a 50 dias, considerar mais do que os 10 dias de falta iniciais da situação de doença, como relevantes para efeitos de assiduidade».

            A densificação do princípio da igualdade, acima deixada exposta, não permite que se vislumbre, na alegação do recorrente, qual a dimensão em que, concretamente, assenta a sua violação. Na verdade, não aponta o recorrente qual a situação que, sendo idêntica à dos trabalhadores que, por situação de doença, vejam a sua assiduidade relevar – em seu prejuízo – para efeitos de evolução na posição salarial e na carreira, esteja a ser tratada de forma distinta.

            A violação do princípio da igualdade pressupõe, como se disse, que situações de facto materialmente idênticas estejam a ser tratadas de forma desigual e, para além disso, que o distinto tratamento assente em critérios puramente subjetivos e sem alicerce que os justifique. Ora, in casu, nem a matéria de facto apurada o permite afirmar nem o recorrente indica o fundamento dessa desigualdade que reputa de infundada.

            Pretenderia, porventura, o recorrente que as situações de ausência, por doença, do trabalhador, se superiores aos 50 dias previstos na cláusula, não relevassem para efeitos de assiduidade; ou dizer, que a partir dos dez dias consecutivos de ausências por doença, essa ausência não relevasse para efeitos de assiduidade: tudo se passaria como se o trabalhador estivesse ao serviço. Assim conclui por apelo ao instituto da suspensão do contrato de trabalho.

Todavia, para além do instituto da suspensão do contrato de trabalho operar após 30 dias de ausência do trabalhador ao serviço (artigo 296.º, n.º 1, do Código do Trabalho), a menos que, prevendo-se que o impedimento durará por tempo superior, o trabalhador opte por suspender imediatamente o contrato (artigo 296.º, n.º 3, do Código do Trabalho), nada se prevê na lei geral, nem mesmo implicitamente, que consinta a interpretação de acordo com a qual essa ausência não prejudique, designadamente, direitos que, justamente, pressupõem a efetividade do trabalhador no exercício das funções.

É certo que o artigo 295.º, n.º 2 do Código do Trabalho, realça a ineficácia do tempo de suspensão para efeitos de antiguidade do trabalhador. Mas o n.º 1 do mesmo normativo também realça que, durante a suspensão, se mantêm os deveres e direitos das partes, que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho.

Ora, a realidade subjacente à cláusula 17.ª, n.º1 alínea a), e n.º 2, alínea e), do

AE TAP/AA, está, indissociavelmente, ligada à questão da prestação efetiva de trabalho, dela não se extraindo que a antiguidade do trabalhador na empresa surja beliscada por efeitos da ausência por períodos superiores a 50 dias.

Destarte, inexiste violação do princípio da igualdade, na justa medida em que, regulando a cláusula em análise e o regime da suspensão do contrato de trabalho materialidade fáctica distinta, não resulta que da simples aplicação deste último instituto estejam a ser beneficiados trabalhadores cuja situação é materialmente idêntica àqueles outros a quem seja aplicada a cláusula do AE/AA.

Improcede, por isso, o recurso, neste concreto âmbito.

2.7. Sustenta o recorrente que a alínea d) do n.º 2 da cláusula 17.ª do AE TAP/AA viola o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, na medida em que compromete a conciliação da atividade profissional com a vida familiar» ao não abarcar, também, as ausências ao trabalho por motivo de assistência à família, matéria que, no seu entendimento, «implica o mesmo enquadramento legal das ausências ao trabalho motivadas pela maternidade, paternidade ou adoção». Em rigor, entende o recorrente que fica comprometida a conciliação da atividade profissional com a vida familiar por as ausências motivadas por assistência à família relevarem para efeitos de evolução salarial e na carreira: o trabalhador, perante a carência de assistência de um seu familiar, ainda assim se veria constrangido a não se ausentar para esse efeito em ordem a salvaguardar a evolução salarial e na carreira.

A análise da presente questão deve obedecer aos seguintes parâmetros essenciais: em primeiro lugar, a cláusula em análise não regula as faltas para efeitos de assistência à família, tendo, por isso, um contexto absolutamente distinto do regulado nos artigos 252.º e 255.º, n.º 3, do Código do Trabalho; em segundo lugar, dentro das ausências relevantes para efeitos de assiduidade, apenas relevam as superiores a 12 dias seguidos ou interpolados (cláusula 17.ª, n.º 1, alínea a), do AE TAP/AA); as ausências motivadas por adoção, maternidade e paternidade visam, sobretudo, a proteção da família, conforme imposto pelos artigos 67.º e 68.ºda Constituição da República Portuguesa, dizem todas elas respeito a situações que inerem ao próprio trabalhador e não a terceiro, ainda que com ele numa relação de parentesco próximo, e, por natureza e imposição legal, têm duração limitada.

Assim equacionada a questão – porque se impõe que na sua apreciação se tenha presente o enquadramento jurídico pertinente, globalmente considerado – logo se antevê não merecer acolhimento a pretensão do recorrente.

Desde logo, porquanto o direito de assistência à família não é proscrito por força da cláusula em apreciação, daí que ao trabalhador não esteja vedada a possibilidade de, com recurso ao regime das faltas – justificadas – prestar a assistência a familiar dela carecida. As ausências por assistência à família, conquanto superiores a 12 dias, apenas relevam para efeitos de evolução salarial e na carreira, sendo certo que não sendo a progressão salarial ou na carreira objeto de proteção constitucional ou infra-constitucional – nos moldes em que se deixaram já expostos –, não se antevê como poderia tal cláusula afrontar qualquer norma constitucional, maxime, a já exposta.

Em rigor, procurou-se, por via da cláusula em apreço, a conciliação e o estabelecimento de um equilíbrio entre a progressão salarial e na carreira com a experiência do trabalhador e a sua efetividade de funções, procurando, por outra via, a salvaguarda de direitos inerentes à própria existência e evolução humanas. Se desse leque de interesses a salvaguardar – sejam eles do empregador, sejam eles do trabalhador – se enveredou pela exclusão do seu seio das ausências por assistência à família superiores a 12 dias, foi porque se entendeu ser essa a medida proporcional e adequada àquela salvaguarda, não olvidando ter a cláusula em questão o seu âmbito de aplicação restrito à evolução salarial e na carreira do trabalhador, não extensível e, consequentemente, insusceptível de aplicação ao âmago dos direitos que o recorrente entende estarem a ser violados.

No âmbito da alegação de recurso – que já não no elenco das conclusões da alegação de recurso – entende o recorrente que ao não consagrar a cláusula 17.ª, do AE TAP/AA, para efeitos de assiduidade, as ausências motivadas por assistência a familiar, está a recorrida a violar o princípio da igualdade, porquanto, nos Regulamentos de Carreira Profissional de Tripulante de Cabine e de Proteção de Maternidade e Paternidade, publicados no BTE, 1.ª Série, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2006, designadamente nos termos da cláusula 10.ª deste último Regulamento, «consagrou como prestação efectiva de trabalho as faltas dadas ao trabalho para assistência a membros do agregado familiar».

Mas não tem razão o recorrente.

Tal como, já repetidamente dito, o regime das faltas – no qual se enquadra, justamente, a citada cláusula 10.ª do Regulamento – e os seus efeitos distingue-se do regime da evolução salarial e na carreira, sendo certo que não é pelo facto de a cláusula 17.ª não prever as ausências por assistência à família que os trabalhadores por ela abrangidos deixam de ter direito à assistência a familiar.

Por outro lado, ainda que no AE TAP/SNPVAC se não previssem, para efeitos de progressão na carreira, pressupostos idênticos ao previstos no AE/AA, nem por isso se poderia reclamar a violação do princípio da igualdade. Desde logo, porque não só estamos perante diferentes categorias de trabalhadores como, sobretudo, os pressupostos em que assenta essa progressão poderão ser radicalmente distintos, seja no sentido da maior exigência, seja no sentido da menor exigência. Ou seja, carecia ser demonstrada a absoluta identidade de situações para que se pudesse concluir pelo tratamento desigual injustificado, o que não é o caso.

Assim, improcede, igualmente, nesta concreta vertente, o recurso.

2.8. Finalmente, o recorrente entende que a interpretação literal da cláusula 18.ª, n.º 3, do AE TAP/AA, «não contempla as situações em que o trabalhador legitimamente não presta trabalho efetivo, como é o caso dos trabalhadores que se encontrem no desempenho a tempo inteiro de funções em órgãos representativos dos trabalhadores», sendo que o «facto de pertencer a uma estrutura de representação coletiva não pode significar, para qualquer trabalhador, de qualquer carreira, uma limitação ao exercício dos seus direitos na recorrida, nomeadamente os de progredir na carreira, sob pena de violação das normas constantes dos arts. 54.º e 59.º da CRP».

O recorrente não identifica a dimensão dos citados preceitos constitucionais que, por via da citada cláusula, considera ser violada.

O artigo 54.º prevê o direito dos trabalhadores a constituírem comissões de trabalhadores dentro das empresas e densifica os direitos que lhes assistem, sendo certo que, na interpretação de cada um deles, se não surpreende nenhum impedimento aos pressupostos de evolução na linha técnica previstos na cláusula 18.ª citada.

O recorrente pretenderá, seguramente, referir-se à norma constante do artigo 55.º, da Constituição da República Portuguesa, que rege a propósito da liberdade sindical. Implícito à sua alegação estará o constrangimento que para qualquer trabalhador advirá de, por ser representante sindical – a tempo inteiro –, não progredir na carreira, a significar uma ilegítima limitação ao exercício àquele direito (n.º 6, do artigo 55.º, da Constituição da República Portuguesa).

O exercício de funções sindicais, mormente a tempo inteiro, é um legítimo direito dos trabalhadores, com assento constitucional, e ao qual deve ser dado o tratamento adequado e idóneo, em ordem a que os efeitos decorrentes daquele exercício, no âmbito estritamente profissional do trabalhador, não sejam, sob a capa de aparente legalidade, mais do que a previsão formal dessa protecção.

O direito ao exercício de funções sindicais não pode ser condicionado, constrangido ou limitado, impondo a lei fundamental que a lei ordinária crie condições adequadas para que assim seja. A lei ordinária assim o previu, tal como no ponto 2.5.5. se referiu, podendo, ainda, ser encontradas no Código de Trabalho outras formas de proteção, como sejam o regime de faltas, a antiguidade (artigo 409.º, do Código do Trabalho). Nessas formas de proteção não se enquadra a da proteção da progressão na carreira, donde não é por via de estabelecimento, pela contratação coletiva, de regras para essa progressão que o direito sindical é afetado ou violado.

Ademais, se é legítimo o direito ao exercício de funções sindicais enquanto direito constitucionalmente garantido, legítimo é também o interesse empresarial – regulado no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – na vertente da liberdade de organização, gestão e actividade da empresa. ([17])

Exercer funções sindicais é relevantíssimo: contribui para a paz na empresa e representa a defesa dos interesses dos trabalhadores. Todavia, também a gestão empresarial com base em critérios de qualificação – sobretudo quando estamos perante funções de elevada responsabilidade e complexidade técnica relevante – é primordial.

Do confronto entre um e outro dos elencados direitos, não se nos afigura, por apelo ao princípio da proporcionalidade, que o direito ao exercício de funções sindicais esteja a ser ilegitimamente constrangido por força das regras que presidem à evolução na linha técnica, na justa medida em que mal se compreenderia que um trabalhador que não desenvolve trabalho efetivo – donde, não ganha a necessária experiência, que, no caso, pela relevância das funções, é imprescindível – viesse a beneficiar da avaliação média dos seus colegas que, diariamente, prestam serviço efetivo e têm, naturalmente, um saber de experiência feito, com as previsíveis implicações ao nível da qualidade da atividade da empresa.

Inexiste, por isso, a apontada violação do preceito constitucional em causa por via da cláusula 18.ª, do AE TAP/AA.

A afronta ao artigo 59.º, da Constituição da República Portuguesa, que o recorrente surpreende na cláusula 18.ª do AE TAP/AA não merece, também, procedência. Depreende-se que o recorrente quererá dizer, com a sua alegação, que, por força do legítimo exercício de funções sindicais, aos trabalhadores nessa situação não está a ser facultada a realização profissional adequada pois veem impossibilitada a sua evolução na linha técnica.

Ora, a realização profissional tem, objetivamente, que ver com o efetivo desempenho de funções, a forma como ele é reconhecido e o gosto que o trabalhador tem no seu desenvolvimento. Ou seja, a realização profissional tem diretamente que ver com o efetivo exercício de funções, é-lhe intrínseca. Destarte, não se alcança como poderá um trabalhador no exercício de funções que não são as típicas do seu enquadramento profissional sentir não estar a ser tratado de forma digna pelo seu empregador ou a não beneficiar de um determinado direito justamente quando este pressupõe o efetivo exercício de funções na empresa.

Seja como for, e também aqui, valem as considerações já tecidas quanto à ausência de imposição de medidas, aos empregadores, no sentido de facultarem aos seus trabalhadores progressão salarial e na carreira. Se essas medidas vêm a ser previstas, ainda mais por via de contratação coletiva, na qual intervêm os representantes dos trabalhadores, significam elas um mais em relação ao legislado constitucional e ordinariamente e, consequentemente, uma outra via para a realização profissional do trabalhador, que, todavia, não pode ser encarada de forma absoluta ou impor-se automaticamente, justificando-se, ao invés, a sua subordinação a critérios de mérito e efetividade na função que, objetivamente, não estão garantidos quando o trabalhador, na realidade, a não exerce.

Improcede, também por isso, o recurso.


III


            Por tudo quanto se deixa exposto, decide-se negar a revista, confirmar a decisão recorrida e, em consequência, com referência ao Acordo de Empresa celebrado entre AA – Sindicato ... e TAP – Air Portugal, S.A., publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1ª Série, nº 44, de 29 de novembro de 2005:

a) Não se anula a cláusula 17ª nº2 al. e) [2ª parte];

b) Não se confere às alíneas d) do nº2 da cláusula 17ª e alíneas a) a g) do nº3 da cláusula 18ª, o sentido interpretativo pretendido pelo Recorrente.

            Custas pelo Recorrente.

            Transitado em julgado, publique-se no Diário da República e no Boletim do Trabalho e Emprego, nos termos do artigo 186.º do Código de Processo do Trabalho.

            Anexa-se o sumário do acórdão.

           

Lisboa, 30 de Abril de 2014

                   

Melo Lima (Relator)

           

Mário Belo Morgado

          

Pinto Hespanhol

          

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha

           

António Leones Dantas

______________________
[1] Cfr., quanto ao objecto das cláusulas de conteúdo regulativo ou normativo, Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 1106 e 1107.
 
[2] Neste sentido, os Acs. do STJ de 10 de Novembro de 1993, CJ, Acórdãos do STJ, Ano I, Tomo III, pág. 291; de 9 de Novembro de 1994, CJ, Acórdãos do STJ, Ano II, Tomo III, pág. 284, de 10 de Maio de 2001, proferido na Revista n.º 300/99, acessível em www.dgsi.pt; de 14 de Fevereiro de 2007, proferido na Revista n.º 3411/06, acessível em www.dgsi.pt; e, mais recentemente, de 9 de Junho de 2010, proferido na Revista n.º 3976/06.0TTLSB.L1.S1, também acessível em www.dgsi.pt, e e de 5 de Abril de 2011, proferido na Revista n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, acessível na referida base de dados.

[3] Cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez, obra citada, a pág. 1109; cfr., igualmente, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2005, pág, 111.

[4] Mencionado na nota 2.
[5] Com interesse, ainda, vide: CABRAL DE MONCADA, LIÇÕES DE DIREITO CIVIL, Almedina, 4ª Edição, Coimbra 1995 – págs. 140 a 161
[6]  Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1994, págs. 669.
[7] Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2.ª edição, Revista e Atualizada, Almedina, 2008, pág. 414.
[8] Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição Revista, 2007, páginas 392 e 393.
[9] Obra citada, a páginas 337 e 338.
[10] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 339.
[11] Ob. Cit. Pág. 340.
[12] Autores e ob. cit., pág. 730.
[13] Ob. Cit., pág. 737
[14] No Código do Trabalho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, correspondem aos artigos 410º e 411º.

[15] Atuais artigos 423.º e s.
[16] Ob. Cit., pág. 773.
[17] Tal como refere Júlio Gomes (Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, página 266), «os direitos fundamentais do trabalhador encontrarão naturais limitações decorrentes do interesse da empresa e da coexistência e eventual confronto com os direitos fundamentais dos colegas e do próprio empregador, entre os quais se contam os direitos constitucionalmente garantidos de propriedade privada e de liberdade de iniciativa económica».