Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
71/16.8YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO CONTENCIOSO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: ATRASO PROCESSUAL
APOSENTAÇÃO COMPULSIVA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
DEVER DE ZELO
DEVER DE PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
PRAZO RAZOÁVEL
INEXIGIBILIDADE
CULPA
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
PRAZO JUDICIAL
DEVERES FUNCIONAIS
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EFEITOS DA SENTENÇA
CASO JULGADO MATERIAL
NULIDADE
ACTO ADMINISTRATIVO
ATO ADMINISTRATIVO
ACUSAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
SEGURANÇA NO EMPREGO
INCONSTITUCIONALIDADE
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 10/25/2017
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: ANULADA A DELIBERAÇÃO RECORRIDA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS FUNDAMENTAIS / DIREITOS E DEVERES / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLITICO / TRIBUNAIS / ESTATUTO DOS JUÍZES – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
DIREITO INTERNACIONAL – DIREITOS HUMANOS.
Doutrina:
-Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 444 e 445;
-Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina, 2.ª Edição, Almedina, 36, 53, 57, 92 a 94; Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de Lino Torgal, Coimbra, Volume II, 129 a 132;
-Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª Edição, Almedina, 921;
-Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 561;
-Lopes do Rego, O Direito Fundamental do Acesso aos Tribunais e a Reforma do Processo Civil, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra Editora, 2001, Volume I, 744;
-Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, 26, 27 a 32;
-Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 305 e 306;
-Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, 9.ª Edição, 810;
-Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 9.ª Edição, Almedina, 372.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 7.º, N.ºS 1 E 2, 13.º, N.º 1 E 161.º, N.ºS 1, ALÍNEA D) E 2, ALÍNEA I).
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGOS 158.º, N.º 2 E 173.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 20.º, N.ºS 1 E 4, 29.º, N.ºS 5 E 6, 53.º, 204.º, N.ºS 1 E 2, 205.º, N.º 2, 215.º, N.ºS 1 E 2, 266.º, N.º 2, 269.º, N.º 3 E 271.º.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 3.º, N.º 1, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 31.º, 34.º, N.º 2, 82.º, 90.º, 95.º, N.º 1, ALÍNEA A), 97.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E C), 124.º, 131.º E 135.º.
ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS, APROVADO PELA LEI N.° 58/2008, DE 9 DE SETEMBRO (EDTEFF): - ARTIGOS 3.º, N.ºS 1, 2, ALÍNEAS A), E) E G), 3 E 7, 6.º, N.º 1, 7.º, 9.º, 21.º, ALÍNEA B) E 73.º, N.ºS 2, ALÍNEAS A) E E) E 7.
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS (LGTFP):- ARTIGO 190.º, N.º 1, ALÍNEA D).
REGULAMENTO DAS INSPECÇÕES JUDICIAIS (RIJ): - ARTIGO 16.º, Nº 1, ALÍNEA E).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 119.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA A).
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM: - ARTIGO 6.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 12-12-2002, PROCESSO N.º 4269/01;
- DE 31-03-2004, PROCESSO N.º 03A1891, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-02-2009, PROCESSO N.º 4485/07;
- DE 15-10-2013, PROCESSO N.º 30/13.2YFLSB;
- 20-03-2014;
- DE 25-05-2016, PROCESSO N.º 121/15.5YFLSB;
- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 16/14.0YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 134/15.7YFLSB.S1;
- DE 11-12-20122012, PROCESSO N.º 61/12.0YFLSB.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


- DE 07-09-2010, PROCESSO N.º 01060/09, NÚMERO CONVENCIONAL JSTA00066557, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-10-2008, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-08-2008, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 444/91, IN ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 20.º, 495.
Sumário :

I - As decisões judiciais que anulam actos administrativos possuem um efeito constitutivo – que se concretiza no acertamento da invalidade do acto da administração e na sua eliminação retroactiva – e um alcance preclusivo, o qual se reconduz à imposição à administração da proibição de reincidir nos vícios que determinaram a anulação.
II - A cominação da nulidade para os actos administrativos que desconsiderem o caso julgado (al. i) do n.º 2 do art. 161.º do CPA e n.º 2 do art. 158.º do CPTA) assenta no princípio da subordinação do poder administrativo ao poder judicial (n.º 2 do art. 205.º da CRP) e tem como escopo assegurar que as decisões judiciais vinculantes para a administração são efectivamente cumpridas e respeitadas.
III - Tendo o STJ, em anterior acórdão em que declarou a nulidade da então deliberação recorrida, traçado directrizes claras sobre o que não deveria constar da futura deliberação e não constando da deliberação recorrida elementos ou referências factuais que as contradigam, é de considerar que não se ofendeu o caso julgado material formado por aquela decisão.
IV - Posto que o efeito preclusivo da decisão mencionada em III não abarcava a acusação, que a mesma foi oportunamente notificada à recorrente que os factos que dela constam figuram, em parte, na deliberação recorrida, inexistem razões para considerar que foi preterido o exercício do contraditório, sendo certo que a supressão de factos determinada por aquela decisão é insusceptível de ser confundida com a modificação do substrato fáctico da acusação.
V - O CSM dispõe de uma margem de discricionariedade no exercício da sua tarefa de densificação – atendendo às exigências ético-deontológicas privativas do exercício da judicatura e aos contornos do caso – da cláusula geral do art. 82.º do EMJ, motivo pelo qual a sindicabilidade desse exercício radicará apenas na ocorrência de erro manifesto ou grosseiro ou na adopção de critérios ostensivamente desajustados.
VI - Reconduzindo o dever de prosseguir o interesse público e o dever de zelo ao exercício da judicatura e atendendo àquela que é a sua função primordial – a administração da justiça (n.º 1 do art. 3.º do EMJ) –, é de considerar que os mesmos preconizam essencialmente que o juiz decida em tempo útil e se assegure que a confiança dos cidadãos no funcionamento dos tribunais e a imagem global do poder judicial não é afectada pelo seu desempenho; por isso, a violação de tais deveres funcionais consolida-se a partir do momento em que se deixam por redigir despachos, não se revêem atempadamente actas de diligências e se omite a prolação de decisões.
VII - A natureza meramente disciplinadora ou ordenadora dos prazos legais para a prolação de despachos e decisões não significa que o respectivo cumprimento fique dependente da vontade do julgador ou que o seu constante desrespeito seja desprovido de relevância disciplinar.
VIII - Evidenciando-se que a recorrente conhecia perfeitamente as exigências do serviço, a natureza diversificada das questões jurídicas que se colocavam nas acções que devia tramitar e decidir e a carga processual com que, em concreto, se defrontava no tribunal em que, com auxílio de colegas, desempenhou funções e que, ainda assim, não logrou desenvolver e aplicar um método de trabalho que permitisse corresponder ao volume de serviço nem demonstrar suficiente empenho na execução do serviço, é de concluir que o juízo sobre a sua culpa se mostra alicerçado na factualidade apurada, não se circunscrevendo à mera imputação de atrasos.
IX - Não emergindo dos factos tidos como provados quaisquer circunstâncias que, invencivelmente, hajam impelido a recorrente a omitir a prolação de decisões e despachos no tempo que lhe é legalmente imposto e patenteando-se que a falta de capacidade de organização do trabalho que a recorrente denota e as deficiências na metodologia com que enfrenta o serviço a seu cargo constituem a causa mais próxima dos atrasos em que incorreu, é de concluir pela não verificação da causa dirimente da responsabilidade disciplinar a que se refere a al. d) do n.º 1 do art. 190.º da LGTFP, sendo certo que o volume de serviço cometido à recorrente, as sucessivas alterações legislativas e, sobretudo, as dificuldades de índole familiar e as patologias do foro psíquico por ela invocadas não são aí enquadráveis.
X - Posto que os deveres funcionais mencionados em VI corporizam valores com idêntica dignidade constitucional – n.os 1 e 2 do art. 204.º, n.º 1 do art. 215.º e art. 271.º, todos da CRP – e dado que a aplicação da sanção de aposentação compulsiva teve lugar no âmbito de um procedimento disciplinar e em que se concluiu pela reunião dos pressupostos legais de que aquela depende, é de concluir que, nesse contexto, não se pode ter como violado o direito à segurança no emprego (art. 53.º da CRP).
XI - A escolha e determinação da medida da sanção disciplinar efectuada pelo CSM inserem-se na ampla margem de apreciação e avaliação de que dispõe, pelo que só é legalmente admissível intervenção correctiva do STJ nesse campo quando se mostre existir um evidente erro manifesto, crasso ou grosseiro ou ainda quando a eleição/fixação da sanção aplicável/aplicada haja assentado em critérios ostensivamente desajustados ou violadores de princípios, como seja o da proporcionalidade.
XII - Ponderando que, em resultado da anulação da deliberação que sancionou a recorrente com a pena de aposentação compulsiva, por violação do princípio ne bis in idem, restaram para apreciação, como integrantes da violação dos mesmos deveres funcionais, atrasos em 93 processos (47 dos quais considerados justificados), em vez de um universo de 562 processos nessa situação, e atendendo a que à data dos factos impendia sobre recorrente uma sanção disciplinar de multa pela violação de idênticos deveres, é de considerar que o CSM extraiu a mesma consequência disciplinar para sancionar realidades numericamente diferentes, verificando-se também uma impressiva discrepância entre as medidas disciplinares aplicadas à recorrente no primeiro momento (a sanção disciplinar de multa) e na deliberação recorrida.
XIII - A formulação do juízo de inaptidão para o exercício da judicatura não depende apenas, no contexto, da consideração do número de atrasos registados. Mas essa foi uma via que o recorrido não seguiu, quer na deliberação recorrida quer na defesa apresentada.
XIV- Extrair a mesma consequência disciplinar para sancionar, de igual feição, atrasos registados em 93 processos e delongas ocorridas em 562 processos, evidencia, não obstante o antecedente disciplinar existente, a desadequação da sanção concretamente aplicada, o que constitui uma infracção ao princípio da proporcionalidade e implica a anulação da deliberação.
Decisão Texto Integral:

     
Acordam, na Secção de Contencioso, do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório:

A Drª. AA, Juíza ..., inconformada com a Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, datada de 27 de Setembro de 2016, que declarou a sua definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função e inaptidão profissional e, em consequência, lhe aplicou, no processo disciplinar nº 2013/290/PD, a pena de aposentação compulsiva veio interpor recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 168º do EMJ, pedindo que fosse declarada nula por violação do princípio constitucional da audiência prévia e por violação de caso julgado, ou, caso assim se não venha a entender, a sua anulação por erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais.
Para fundamentar o recurso alegou, em síntese, que:
- A deliberação impugnada foi proferida em execução do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Junho de 2016, proferido no Processo nº 16/14.0YFLSB -Secção do Contencioso;
-Tal acórdão declarou a nulidade da deliberação do Plenário do CSM, de 11 de Março de 2014, que decidiu aplicar à recorrente a pena disciplinar de aposentação compulsiva pela violação dos deveres de zelo e de actuação no sentido de criar no público confiança na administração da justiça;
- Na impugnação desta deliberação a recorrente invocou (i) a prescrição do procedimento disciplinar, (ii) a violação do princípio non bis in idem, (iii) a não verificação do tipo objectivo do ilícito, (iv) a inexigibilidade de outro comportamento ou, quando assim se não entendesse, a atenuação especial da sua responsabilidade;
 - A deliberação ora impugnada voltou a decidir as matérias da prescrição e da violação do princípio non bis in idem sobre as quais já havia caso julgado e reproduziu o teor da anteriormente declarada nula quer quanto à matéria do invocado erro manifesto nos pressupostos de facto, quer quanto à não exigibilidade de outro comportamento.
- Em particular, a deliberação de 11 de Março de 2014 foi declarada nula pelo facto de ter considerado para aplicação da pena de aposentação compulsiva o atraso em processos judiciais que já tinha sido objecto de apreciação noutro processo disciplinar, em violação do princípio non bis in idem;
- Na deliberação ora impugnada esses processos foram retirados, o que implicou uma redução no elenco de processos e, por conseguinte, uma acusação diferente;
- Sobre a qual a recorrente não foi ouvida, em violação do direito de audição prévia, o que acarreta a nulidade da deliberação impugnada, nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo161º do CPA;
- A deliberação é ainda nula, nos termos do disposto na al. i) do n.° 2 do artigo 161.°, do CPA, por ofensa do caso julgado, na medida em que não cumpriu o acórdão do STJ na parte em que determina que os atrasos processuais anteriores só podem ser considerados como antecedente disciplinar, no âmbito do presente processo disciplinar relativamente aos factos praticados pela recorrente a partir de 22/11/2012, sem prejuízo do período de baixa médica e férias judiciais (22/10/2012 a 21/12/2012);
- Os prazos processuais são meramente ordenadores e nem sempre podem ser cumpridos, pelo que não se poderá considerar uma infracção o simples incumprimento reiterado desses prazos sem a imputação de outros comportamentos culposos;
- Sancionar a recorrente com fundamento na violação do dever de zelo apenas com base na existência de atrasos, sem nada se referir quanto às causas subjacentes, constitui uma interpretação inconstitucional do artigo 3.° n.°2, als. e) a g), e n.ºs 7 a 9 do EDTFP por violação do direito de defesa e do princípio da presunção de inocência consagrados nos artigos 32.°, n.°2 e 269.°, n.°3, da Constituição;
- O contexto em que prestou o seu serviço justifica a inexistência de ilícito disciplinar;
- Em primeiro lugar o Tribunal de ... é um juízo com níveis de distribuição elevados;
- Em segundo lugar as constantes alterações legislativas, com os inerentes problemas de aplicação da lei no tempo;
- Por fim, a situação pessoal da recorrente não lhe permitia outro comportamento alternativo;
- Pelo que a deliberação em causa incorreu em erro manifesto nos pressupostos de facto, não poder ser exigido por outro comportamento à recorrente, sendo a mesma anulável, nos termos do artigo163º do CPA;
- Acresce que a situação pessoal está a ser debelada, tendo apenas atravessado um período difícil de perturbação da sua vida familiar, agravada pela ansiedade de saber não estar a corresponder a um nível de desempenho consentâneo com o que seria esperado, que a levou, por duas vezes, a entrar de baixa médica e acompanhamento em consulta psiquiátrica com toma de antidepressivos e ansiolíticos que lhe reduziram a capacidade de trabalho e de concentração;
- Razão pela qual a sua responsabilidade deverá ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 97.° do EMJ;
- Outro entendimento será manifestamente contrário e violador do princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53.° da Constituição;
- E violador do princípio da proporcionalidade expresso no artigo 18º da Lei Fundamental pela severidade punitiva face à factualidade provada na deliberação impugnada.


Cumprido o disposto no artigo 174º nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, veio o Conselho Superior da Magistratura apresentar resposta na qual alegou, no essencial, o seguinte:

«Violação do direito de audição prévia:
33°) É evidente que entre a acusação e a decisão de aplicação de uma sanção disciplinar poderão existir diferenças na matéria de facto indiciada e a posteriormente provada.
34°) Quando tais diferenças impliquem a consideração de factos novos levará necessariamente à audição do arguido, sob pena de nulidade.
35°) Contudo, no caso em apreço não se consideraram factos novos, apenas se excluíram da factualidade provada aqueles que já constavam de processo disciplinar anterior.
36°) A ter como boa a tese da Autora sempre que a entidade disciplinar pretendesse dar como não provado algum facto teria de comunicar uma nova "acusação" ao arguido.
37°) Correndo novo prazo para defesa, sob pena de nulidade.
38°) Assim, tal vício é manifestamente improcedente.
Violação do caso julgado
40°) A Autora omite, no entanto, em que medida é que a deliberação ora impugnada violou o caso julgado.
41°) Inexiste na deliberação qualquer acto expresso que contrarie decisão judicial transitada em julgado.
43°) Consta expressamente do ponto 7.2 dos factos provados "os restantes processos conclusos há mais de 30 dias estão justificados pela baixa médica da Exma. Juíza:"
44°) Mais consta expressamente consignado no ponto 26 "Não obstante, esta condenação e após o seu regresso de baixa médica e férias, que sucedeu em 03/01/2013, a arguida continuou a ter processos com o prazo excedido para a sua prolação, nomeadamente os que constam do ponto 7.1, já que nunca os regularizou."
45°) Em estrito cumprimento do decidido pelo Supremo Tribunal consta ainda na ponderação dos factos "Os comportamentos revelados no período agora em apreço, o seu historial (notação de medíocre, antecedentes disciplinares para os atrasos posteriores a 21/11/2012 - descontando nesses atrasos o período de baixa e deferias pessoais),"
46°) Sendo a deliberação equilibrada na ponderação dentro dos parâmetros fixados pelo STJ.
47°) O que redunda numa manifesta improcedência do vício de violação do caso julgado invocado.
Não verificação do tipo objectivo de ilícito
49°) A Autora partindo do princípio de que sendo os prazos processuais meramente ordenadores, e nem sempre possíveis de cumprir, o seu incumprimento ainda que reiterado não configura uma violação do dever de zelo e de actuação no sentido de criar no público confiança na administração da justiça.
50°) Pelo que, nesta construção, seria necessária a verificação de um outro comportamento, causal daqueles atrasos, de natureza culposa, baseado em factos concretos.
51°) A interpretação da Autora, funcionalmente pensada para a sua defesa, não reveste qualquer sentido para este efeito.
52°) O dever de cumprir pontualmente com as suas obrigações é um dever por si mesmo cujo incumprimento reiterado e persistente não pode deixar de ter relevância disciplinar.
53°) A decisão impugnada versa a questão ora suscitada, já então apresentada em sede de defesa.
55°) A violação deste dever, quando reiterada e persistente, resulta de um desinteresse pelo serviço, falta de organização, falhas que, por si só, consubstanciam um comportamento culposo e censurável.
57°) Em suma, à arguida foi imputada a seguinte infracção: a prática de infracção disciplinar, na forma continuada, consubstanciada na muito grave violação dos deveres de zelo e de actuação no sentido de criar no público confiança da administração da Justiça, prevista nos artigos 3.° n.°s 1 e 2, a) e e), e n.° 3 e 7, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 58/2008, de 9 de Setembro (EDTEFP) [subsidiariamente aplicável aos Magistrados Judiciais, ex vi dos artigos 32.° e 131.°, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ)], nos artigos 3.°, n,° 1, 34.°, n.° 2, e 82.°, também do EMJ, e no art.° 30.°, n.° 2, do Código Penal (também ex vi do art.° 131.°, EMJ), e punida nos termos do art.° art.° 95.°, n.° 1, a), do EMJ.
58°) Quanto a esta imputação alega a Autora que os factos provados não permitem a subsunção ao tipo objectivo infraccional.
59°) Transpondo a ausência de consequência processual do não cumprimento de prazos judiciais para uma pretensa indiferença disciplinar.
60°) A reiteração e persistência dos atrasos são correspondentes a um comportamento ilícito por si só.
61°) A natureza culposa terá de ser associada ao juízo de censura de tal comportamento.
62°) Também aqui a factualidade assente é suficiente para fundamentar a conclusão de que a arguida agiu de forma dolosa.
63°) A reiteração da conduta e o avolumar de atrasos significativos.
64°) As consequências avaliativas e disciplinares já sofridas.
65°) Permitem concluir que a arguida tinha plena consciência do carácter ilícito do seu comportamento, e ainda assim persistiu na mesma conduta.
66°) Nestes termos estão reunidos todos os requisitos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito disciplinar imputado à arguida. 
Inexigibilidade de outro comportamento.
67°) Alega a Autora que o contexto no qual prestou o serviço justifica que não lhe fosse exigível outro comportamento.
68°) Para o efeito alega a seu favor factores relacionados com o próprio serviço: i) Níveis de distribuição do Tribunal de ...; ii) Complexidades das acções; iii) Alterações legislativas constantes.
69°) Por outro lado alega as circunstâncias da vida pessoal: i) A assistência a familiares; ii) A pressão das obrigações familiares; iii) Os problemas matrimoniais e consequente sobrecarga de responsabilidade com as filhas menores; iv) O desenvolvimento de uma perturbação psiquiátrica de foro afectivo.
70°) Quanto a estes argumentos dir-se-á que o primeiro grupo de factores não se verifica e que o segundo,  ponderado  que  foi na  decisão   da  sanção disciplinar, não justifica a gravidade e reiteração do comportamento da Autora.
89°) A não exigibilidade de conduta diversa integra uma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar que se encontram tipificadas no artigo 21.°, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, circunstância que se traduz essencialmente na falta de liberdade para o agente se comportar de modo diverso e que assim afasta a culpa.
91°) As circunstâncias pessoais e o movimento processual do Tribunal da Autora não preenchem esta cláusula de exclusão da responsabilidade disciplinar.
Da medida da pena.
102°) Alega a Autora que deveria ter sido aplicada a atenuação especial da pena, nos termos do art.97.° do EMJ, segundo o qual "A pena pode ser especialmente atenuada, aplicando-se pena  de  escalão   inferior,   quando existam    circunstâncias    anteriores    ou    posteriores    à    infracção,    ou contemporâneas dela, que diminuam acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente"
103°) Ora, no caso em apreço a Autora conta com um antecedente disciplinar recente pela prática da mesma infracção.
104°) Ainda pelos mesmos factos a avaliação da Autora tem sofrido uma evolução negativa, contrária ao que seria de esperar para a carreira de um magistrado judicial.
105°) Assim, e ainda que não se tenha optado pela aplicação do regime da reincidência (art.98.°, do EMJ), os antecedentes disciplinares afastam a aplicação do regime de atenuação especial da pena, apropriado para infractores primários.
106°) Donde se compreende a conclusão da deliberação impugnada: "Ocorre que, contrariamente ao considerado pela arguida, as circunstâncias pessoais e familiares que terão de algum modo condicionado o seu desempenho, não permitem fundamentar a atenuação especial, devendo apenas atender-se na opção entre a aplicação da pena de aposentação compulsiva (menos gravosa) ou da pena de demissão (mais gravosa).
 Temos de ter em conta além dos factos apurados o pretérito disciplinar, que foi de multa, por falta de zelo, embora com mais gravidade, pelo que a anterior pena terá pecado por defeito. No entanto, a reiteração da conduta, mesmo nunca ter esta cessado, mas permanecido, pese embora a oportunidade concedida em momento anterior, faz-nos acreditar que a arguida não tem capacidade para inverter o estado de impossibilidade de gestão do serviço a seu cargo.
Efectuada a devida ponderação com base em toda a factualidade provada, os antecedentes que já tem, por referência aos factos posteriores a 20/11/2012, entende-se ser de aplicar a aposentação compulsiva e não a demissão, por ser a sanção mais adequada e proporcional ao grau de culpa da arguida."
Finalizou a resposta, concluindo que:
a) inexiste qualquer nulidade decorrente da falta de audiência prévia, nos termos do art.32.°, n.°1, e 269.°, n.°3, do CPA; e
b) inexiste qualquer nulidade decorrente da violação do caso julgado, nos termos da al. i), do n.°2 do art.161.°, do CPA;
c) inexiste qualquer erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais, nos termos do art.163.°, do CPA.


Observado o estatuído no artigo 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, alegou a recorrente, formulando a seguinte síntese conclusiva:
«a) A douta deliberação impugnada não foi precedida de audiência prévia da A, após a alteração quantitativa e qualitativa dos factos imputados em execução de douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que declarou nula anterior deliberação.
b) Constitui direito fundamental a audiência prévia dos arguidos em processos sancionatórios, ínsito no princípio do Estado de Direito e expressamente reiterado em várias normas constitucionais, designadamente nos artigos 32º e 269º n°3.
c) A violação do conteúdo essencial desse direito fundamental da A. constitui violação daquelas normas e acarreta a nulidade da deliberação impugnada, nos termos da alínea d) do n 2 do artigo 161º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
d) Ao fundamentar-se também no pretérito disciplinar da A. e em invocados factos ou comportamentos praticados ou assumidos desde há vários anos, a douta deliberação impugnada viola caso julgado já que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que tal não poderia ser feito por violação do princípio non bis in idem.
e) Verifica-se, assim, violação de caso julgado, o que também acarreta a nulidade da deliberação impugnada, nos termos da alínea i) do nº 2 do artigo 161º do CPA. 
f) Admitir que é possível - como faz a douta deliberação impugnada - entender haver violação do dever de zelo, apenas com fundamento na existência de atraso, sem nada se dizer quanto às causas subjacentes ao mesmo (que vão para além da mera alegação de incapacidade de organizar e gerir o seu serviço), significará uma leitura do artigo 3º, nº 2, alíneas e) a g), conjugado com os nºs 7 a 9 do EDTFP, inconstitucional por violação do direito de defesa, constitucionalmente consagrado no artigo 269º, nº 3, da CRP e bem assim do artigo 2º da CRP e do princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 32º, nº 2, da CRP.
g) Não tendo a douta deliberação impugnada ponderado devidamente na avaliação do seu desempenho as graves dificuldades familiares e de saúde que a A. atravessou, incorreu em erro nos pressupostos de facto e violou, por um lado, as normas e os princípios constitucionais que protegem a dignidade da pessoa humana, enquanto pessoa e enquanto mãe (designadamente os artigos 1º, 36º, nº 5, 649º, 670º e 689º) e, por outro, o disposto no artigo 18º, nº 2, e o princípio do Estado de Direito, plasmado nos artigos 2º e 9°, alínea b), todos da CRP.
h) Por outro lado ao ter sancionado com a mesma pena um âmbito factual de cerca de 1/10 do da anterior deliberação a deliberação impugnada viola o princípio constitucional da proporcionalidade.
i) Tudo matéria cuja apreciação é da competência do Supremo Tribunal de Justiça.
j) Interpretação diferente violaria, por um lado, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrados e, por outro lado, o direito a um processo equitativo, consagrado no nº 1 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


Na sua alegação o Conselho Superior da Magistratura deu por reproduzida a resposta que apresentou, concluindo que deverá:
a) Ser julgada improcedente qualquer nulidade decorrente da falta de audiência prévia, nos termos do art.32.º, n.º1, e 269.º, n.º 3, do CPA; e
b) Ser julgada improcedente nulidade decorrente da violação do caso julgado, nos termos da al. i), do n.º 2, do art.161.º, do CPA;
c) Ser julgado improcedente qualquer erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais, nos termos do art.163.º, do CPA.

O Ministério Público emitiu parecer, no qual alegou o seguinte:
«2.1. Preterição de audiência prévia - conclusões a), b) e c) das alegacões:
(…)
Uma vez que a deliberação recorrida, no respeito pelo acórdão do STJ que a precedeu, não acrescentou factos aos que constavam da acusação - notificada à recorrente, como referimos - nem do relatório final - notificado á recorrente, como referimos - antes pelo contrário, diminuiu o acervo factual em apreciação, não tinha que se proceder a qualquer notificação à recorrente.
2.2. Da violação de caso julgado - conclusões d) e e) da alegação:
Está bem definido o âmbito do julgado deste STJ no que respeita aos factos que foram incluídos na pretérita deliberação e a inquinaram de nulidade por violação do princípio non bis in idem.
(…).
Uma coisa é a referência a factos incluídos em anterior processo disciplinar outra, bem diferente, é a ponderação do percurso profissional da magistrada recorrente, ponderação essa que, para ser feita com rigor e adequada fundamentação, pressupõe que se tenham em conta as notações funcionais obtidas bem como, existindo, como é o caso, as penas disciplinares antecedentes, com reflexos inquestionáveis na fundamentação da decisão em causa.
Dizer-se isto é o quanto basta para concluir que não se verificou a violação de caso julgado e que, também neste aspecto, a pretensão da recorrente não procede.
2.3. Erro nos pressupostos de facto - conclusões f) a h) das alegacções:
2.3.1. Da não verificação do tipo objectivo do ilícito:
(…)
A recorrente não alterou o seu comportamento funcional ainda que tenha sido advertida por uma pena disciplinar de 30 dias de multa e tenha estado retirada por virtude de baixa médica, sendo o seu retorno ao serviço pautado por idêntico comportamento funcional.
Tudo isto resulta na evidência de um comportamento doloso por parte da recorrente.
   Na verdade, do processo disciplinar que deu origem à apena disciplinar cuja legalidade agora se discute, resulta factualidade representativa dos inúmeros atrasos e desadequação dos procedimentos adoptados no sentido de imprimir celeridade à prestação funcional, factualidade essa que é muitíssimo expressiva no sentido de se concluir que a actuação funcional da arguida violou, culposamente, os deveres que estatutariamente lhe estavam acometidos, e fê-lo de forma continuada, durante um lapso de tempo muito importante, demonstrando um reduzidíssimo nível de produtividade, não tendo administrado justiça em tempo razoável e violando de forma permanente e grave o dever de zelo e de criar no público a confiança na administração de justiça.
Não tem razão a arguida/recorrente neste segmento da sua discordância quanto à deliberação recorrida.
2.3.2. Da não exigibilidade de outro tipo de comportamento/atenuação especial da responsabilidade disciplinar:
Por muito que a recorrente valorize a sua situação pessoal, nada mais resulta dos elementos dos autos que não seja uma situação difícil com familiares directos e de desenlace da relação conjugal, das dificuldades que para a mesma daí resultaram em termos de responsabilidades parentais e também da influência negativa que tais circunstância tiveram na sua saúde mental, a exigir tratamento ou acompanhamento psiquiátrico.
Nada do que vem descrito na factualidade que a recorrente quer valorizar e pretende dever desculpabilizar o seu reprovável desempenho funcional, ultrapassa uma situação que pode ser perfeitamente banal na vivência de qualquer magistrado nos tempos de hoje.
Contrariamente ao que invoca a recorrente, deve dizer-se que "...a consideração da doença jamais poderá justificar a concessão de um direito de atrasar os processos cuja decisão estava a seu cargo.
Vale isto tudo por dizer que não assiste razão à recorrente quando defende que a sua situação pessoal justifica o comportamento funcional negativo que manteve ao longo dos anos todos que vêm referidos.
O mesmo se diga relativamente à pretendida atenuação especial da pena que pretende ser de lhe aplicar.
Na verdade, as graves circunstâncias que se reflectem no desempenho funcional da recorrente, o elevado grau de incumprimento dos respectivos deveres funcionais e de lesão da imagem da justiça, não permitem que se lance mão da previsão legal da atenuação especial da pena.
(…)
Mais uma vez, também neste segmento, sufragará o recurso em apreço.
Pelo que expusemos, somos do parecer que a deliberação recorrida não enferma dos vícios apontados pela recorrente e deverá ser mantida».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II Fundamentos:
De facto:

Os factos apurados, tendo em consideração o teor dos documentos autênticos juntos aos autos, são os seguintes:
1. Em 11 de Abril de 2014, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, no âmbito do processo disciplinar n.º 101/2012-PD, deliberou aplicar à recorrente a sanção disciplinar de aposentação compulsiva por a mesma ter incorrido em infracção disciplinar;
2. A recorrente impugnou contenciosamente a deliberação mencionada em 1., aduzindo, ademais, a seguinte argumentação:
«i) — Da prescrição do procedimento disciplinar
“Na data da instauração do presente procedimento disciplinar já se encontrava ultrapassado o prazo prescricional de um ano, previsto no artigo 6º, nº 1, do EDTFP. Dado que foi determinado pelo Senhor Vice-Presidente do CSM a instrução do processo de inquérito, por despacho datado de 8 de maio de 2013, apenas os atrasos (alegadamente) cometidos por si a partir de 7 de maio de 2012 poderão ser alvo de procedimento disciplinar, pelo que apenas os últimos nove processos (identificados no sub-ponto 7.8) podem ser contabilizados para apreciação no presente processo disciplinar.
ii) — Da violação do princípio non bis in idem
Defende que a deliberação impugnada padece de vício de violação de lei, por violação do princípio non bis in idem, consagrado no artigo 29º, nºs 5 e 6, da CRP, na medida em que o presente procedimento disciplinar tem como objecto factos que já foram, oportunamente, objeto do procedimento disciplinar nº 5/2012, em que foi condenada com uma pena de multa (que analisou a sua actuação no período compreendido entre 01.01.2010 e 25.05.2012).»;
3. Apreciando as questões mencionadas em 2., o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no processo n.º 16/14.0YFLSB no dia 23 de Junho de 2016 e já transitado em julgado, discorreu do seguinte modo:
«A) Da prescrição do procedimento disciplinar
(…)
Tendo assim por base a factualidade apurada e os ensinamentos que acima referimos, consideramos que, no caso em apreciação, a acção da recorrente, constitui uma infracção permanente.
Há uma só resolução delituosa – omissão de prolação da decisão nos processos – que se prolonga, sem interrupção, no tempo. Daí que tal omissão apenas cessa com a prolação da decisão nos processos. (…)
Dado que estamos perante uma infracção permanente, de acordo com o disposto na al. a) do n.º 2 do art. 119.º do CP, subsidiariamente aplicável por força do art. 131.º do EMJ, a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar quanto a estas, só se inicia a partir do dia em que “cessar a consumação”.
Assim sendo, o direito de instaurar o procedimento disciplinar relativamente aos factos em apreço no âmbito do presente processo disciplinar (n.º 2013-290/PD) prescreveria em 11-09-2013 (um ano a contar do cometimento da infracção).
O Plenário do CSM decidiu instaurar o procedimento disciplinar em 09-07-2013.
(…)
Desta feita, o procedimento disciplinar foi instaurado antes de ter decorrido o prazo de 1 ano a contar do cometimento da infracção e, nessa medida, não se encontra prescrito o procedimento disciplinar nos termos a que alude o art. 6.º, n.º 1 do EDTEFP.
Não se verifica ainda qualquer outra causa de prescrição do presente procedimento disciplinar. (…)
B) Violação do princípio non bis in idem
(…)
No âmbito do processo disciplinar n.º 101/2012-PD, o CSM efectuou um juízo crítico e punitivo sobre o exercício das funções da arguida durante o período de 01-01-2010 a 18-06-2012 (data em que foi deduzida acusação nesse processo disciplinar), tendo condenado a arguida pela prática de uma infracção por violação do dever de criar no público confiança na administração da justiça e por violação do dever de zelo, prevista nos termos dos artºs. 3.º e 82.º do EMJ e 3.º, n.º1, n.º 2, als. a) e e), n.º 3 e n.º 7 do ED, ex vi art. 131.º do EMJ, na pena de 30 dias de multa.
Tal deliberação do Plenário do CSM é datada de 16-10-2012, e tornou-se caso decidido em 21-11-2012.
Por força desta condenação, todos os comportamentos da arguida posteriores a essa data (21-11-2012), podem e devem ser analisadas tendo em conta que a arguida possui um antecedente disciplinar. Porém, relativamente a comportamentos/atrasos anteriores a esta data, os mesmos devem ser analisados tendo em conta que arguida não possuía quaisquer antecedentes disciplinares.
No âmbito do presente processo disciplinar - que tem o n.º 2013-290/PD - o CSM efectuou um juízo crítico e punitivo sobre o exercício das funções da arguida durante o período de 01-01-2010 a 31-12-2012, tendo declarado a definitiva incapacidade de adaptação, da recorrente, às exigências da função e a sua inaptidão profissional e, em consequência, aplicou-lhe a pena de aposentação compulsiva, nos termos do art. 95.º, n.º 1, al. a) e c) do EMJ e art. 3.º, n.º 2, als. e) e g) conjugado com os n.ºs 7 a 9 do EDTEFP (…).
(…)
Face ao levantamento atrás efectuado, concluímos que existe um número significativo de processos (com indicação dos mesmos atrasos na prolação de despacho/decisão) coincidentes no presente processo disciplinar (2013-290/PD) e no processo disciplinar n.º 101/2012:
(…)
Desta feita, concluímos que a maioria dos factos em análise e valoração nos dois processos disciplinares coincidem entre si.
E foram esses mesmos factos que serviram de fundamento para a aplicação das sanções disciplinares de multa (no Proc n.º 101/2012-PD) e de aposentação compulsiva (no Proc. n.º 2013-290/PD).
Se atentarmos na fundamentação de direito da deliberação recorrida, verificamos que, para sustentar a aplicação da sanção disciplinar de aposentação compulsiva, nos termos do art. 95.º, n.º 1, al. a) e c) do EMJ, são elencados e valorados os diversos atrasos processuais elencados nos pontos 7.1., 7.2., 7.6., 7.7., 7.8. e 8.3. (seja em número de processos, seja na dilação temporal dos atrasos) (…).
Efectuando idêntico exame relativamente à deliberação de 16-10-2012, proferido no âmbito do proc. disciplinar n.º 101/2012, verificamos que para sustentar a aplicação da sanção disciplinar de multa, são elencados e valorados diversos atrasos processuais, cujos processos constam elencados nos pontos 7.1., 7.2., 7.6., 7.7., 7.8. e 8.3. da deliberação recorrida, seja em número de processos, seja em dilação temporal dos atrasos[92]
Inclusive o CSM nessa deliberação (processo disciplinar 101/2012-PD), assume que a arguida não logrou atingir o patamar mínimo de adaptação ao serviço e depois de ponderada e valorada toda aquela factualidade, decidiu aplicar uma pena de 30 dias de multa à recorrente.
O CSM, na deliberação recorrida, depois de ponderada e valorada toda a factualidade apurada (atrasos e produtividade), assume que a arguida revela definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função e inaptidão profissional e decidiu aplicar a pena de aposentação compulsiva.
(…)
O presente processo disciplinar teve assim como objectivo decidir se a arguida tinha ou não aptidão para o exercício das funções de magistrada judicial e, em caso de decisão de inaptidão, a aplicação de uma das duas penas possíveis (aposentação compulsiva ou demissão). Neste processo disciplinar foi apreciado o percurso e o método de trabalho desenvolvido pela arguida durante o período temporal de 01-01-2010 a 31.12.2012 (…).
(…)
Temos assim que existiram dois processos de natureza disciplinar, nos quais esteve na base a apreciação de infracções disciplinares – violações do dever de zelo e do dever de criar no público confiança na administração da justiça – que assentam, em grande parte (ainda que não sejam totalmente coincidentes), nos mesmos factos protagonizados pela recorrente.
Ao contrário do que defende o recorrido, os atrasos processuais da recorrente elencados na deliberação recorrida são essenciais e relevantes para a apreciação da inaptidão da recorrente para o exercício das funções de magistrada e para, consequentemente, fundamentar a aplicação da sanção disciplinar de aposentação compulsiva.
E, ao contrário do defendido pelo recorrido, os atrasos precedentemente considerados no processo n.º 101/2012-PD não foram elencados na deliberação recorrida como mero antecedente disciplinar.
(…).
Posto isto, assentemos que, no processo disciplinar n.º 101/2012 também foi apreciado o percurso e o método de trabalho empregue pela arguida durante o período temporal de 01-01-2010 a 18-06-2012, e foi feita uma apreciação e valoração da gravidade dos factos praticados (mormente dos atrasos processuais e a produtividade), tendo-se entendido que a sanção disciplinar adequada seria a de multa.
Aí foi feita a apreciação do quadro factual durante o período de 01-01-2010 a 18-06-2012 e ponderada a gravidade da infracção e as sanções abstractamente aplicáveis (na qual é equacionável a possibilidade de aplicação da sanção de aposentação compulsiva), tendo-se concluído pela aplicação de uma sanção de gravidade reduzida.
Perante esta constatação, torna-se claro que não se pode agora (no âmbito do processo disciplinar n.º 2013-290) utilizar os factos que naqueloutro processo disciplinar já foram considerados/valorados e que fundamentaram a aplicação daquela pena, para os voltar a apreciar para estabelecer se a recorrente possui ou não aptidão para o exercício de funções e, consequentemente, para fundamentar a aplicação de uma outra sanção (aposentação compulsiva).
É que, em homenagem ao princípio ne bis in idem, não se pode proceder a uma nova valoração punitiva que incida sobre os mesmos factos (coincidentes nos dois processos disciplinares), com o pretexto de que neste processo disciplinar, importa apreciar a aptidão ou inaptidão da recorrente para o exercício de funções na magistratura.
O CSM não concluiu pela inaptidão da recorrente para o exercício de funções, no âmbito do Processo disciplinar n.º 101/2012 porque não o entendeu adequado e proporcionado, pois nenhuma impossibilidade jurídica se lhe impunha.
Assim, não se pode agora afirmar que, como o presente processo disciplinar visa uma análise e ponderação da aptidão da recorrente para o exercício de funções, nele é possível reapreciar os mesmos factos, porque pese embora legalmente o CSM estivesse obrigado a iniciar um inquérito por força da classificação de “Medíocre” (cfr. art. 34.º, n.º2 do EMJ), não podia o recorrido olvidar que a maioria dos factos já haviam sido sindicados e censurados pelo CSM em processo disciplinar anterior cuja decisão já se tornara definitiva (…)
Concluímos assim que os factos materiais integradores da infracção disciplinar - por grave e permanente violação do dever de zelo e dever de criar no público confiança na administração da justiça, que revelam definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função e inaptidão profissional - pelos quais a recorrente foi punida na deliberação impugnada abrangem, sem qualquer dúvida, os factos materiais integradores da infracção disciplinar - por violação do dever de zelo e dever de criar no público confiança na administração da justiça – pelos quais a recorrente foi punida no Processo disciplinar n.º 101/2012-PD, relativamente a vários atrasos em processos que, assim, perderam autonomia em termos de censura disciplinar.
Concluindo.
(..)
Há uma unidade de actuação da recorrente nos mesmos processos - em que se verificou existir coincidência - sobre os quais incidiram dois juízos punitivos.
Dado que a deliberação recorrida, agora a propósito de ponderação da aptidão ou inaptidão da recorrente para o exercício de funções, procedeu à recuperação de factos já apreciados e censurados (censura essa já consolidada na ordem jurídica), usando-os para punir a recorrente outra vez, é de considerar que estamos perante uma clara violação do princípio «non bis in idem».
(…)
Os factos que foram valorados no processo disciplinar n.º 101/2012-PD apenas podem ser considerados como antecedente disciplinar no âmbito do presente processo disciplinar (n.º 2013-290), relativamente aos factos praticados pela recorrente a partir de 22-11-2012. E também não se pode olvidar que a recorrente esteve de baixa médica desde 22-10-2012 a 21-12-2012 (com férias judiciais até 03-01-2013), pelo que os atrasos ocorridos nesse período também não podem ser valorados, por não lhe serem directamente imputáveis (…)», tendo, a final, decidido «declarar nula a deliberação recorrida.»;
4.Na sequência do referido em 3., o Plenário do Conselho Superior da Magistratura adoptou a seguinte deliberação:
(…) Na apreciação de tal recurso, o Supremo Tribunal de Justiça declarou nula a deliberação atrás referida, por violação do princípio “non bis in idem”, impõe que sejam expurgadas as referências aos processos e condutas procrastinatórias neles respectivamente adoptadas que se acham referenciadas no processo disciplinar que correu termos sob o nº 2012/101-PD, nos casos em que há absoluta identidade entre os processos e os factos agora em causa e aqueles que já foram julgados no seio do pretérito processo disciplinar 101/2012-PD.

5. Os factos apurados na deliberação recorrida, com relevo para a decisão, são os seguintes:
a) Elementos biográficos:
1.(…);
4. Registo individual:
4.1. Conta com 3 classificações de Serviço: a primeira de «Bom» (20.09.99 a 31.12.03); a segunda de «Suficiente» (02.01.04 a 31.12.09); e a última de “Medíocre” pelo seu desempenho no período de 01-01-2010 a 31-12-2012.
4.2. No processo disciplinar 01/2012, por deliberação do Plenário do C.S.M. de 16.10.2012, a Sr.ª Juíza foi sancionada com a pena de 30 dias de multa, pela prática duma infracção continuada do dever de zelo e do dever de criar no público confiança na administração da justiça (artigos 3º e 82º do EMJ, e 3º, nºs 1, a) e e), 3 e 7, do ED, ex vi artigo 131º do EMJ). 
b) Capacidades humanas:
5. Neste âmbito, consta do último relatório de inspecção, no qual foi proposta a classificação de “Medíocre”, homologada pelo C.S.M:
Dos contactos pessoais, exame de actos documentados e por via doutras informações, designadamente as colhidas junto da Ordem dos Advogados da comarca[1], podemos asseverar a idoneidade cívica, a educação e dignidade de procedimentos da Sr.ª Juíza.
É no entanto conhecido na comarca o seu fraco desempenho como titular do ... Juízo ... nos últimos anos, em particular pela morosidade na resolução dos processos. Na entrevista final, teve a humildade em reconhecer que de facto o estado dos serviços tem estado aquém do que lhe é exigível, mas reafirma que o seu trabalho tem sido afectado por problemas pessoais e familiares, conforme aliás já havia alegado no âmbito do processo disciplinar”.
c) Adaptação ao serviço:
6.1. Faltas ao serviço:          
No período abrangido pela última inspecção, compreendido entre 1 de Janeiro de 2010 e 31.12.12, há registo das seguintes faltas ao serviço (…).
6.2. Classificação/competência do Tribunal em que exerceu funções:
Os Juízos cíveis da comarca de ... são tribunais classificados como acesso final (...), de competência especializada cível (exceptuando as matérias atribuídas ao tribunal de comércio e ao tribunal de Família e Menores). Com efeitos a partir de 01.04.2011, a Portaria 115-C/01 estendeu a esses juízos Cíves a aplicação do «regime processual civil experimental» aprovado pelo DL 108/06, de 08 de Junho.
6.3. Distribuição das cargas de serviço:
Não fora a colaboração doutros juízes, o estado dos serviços do ... Juízo ... seria seguramente mais preocupante. A Dr.ªBB, juíza ..., desde inícios de Janeiro de 2010 passou a assumir metade das acções executivas (as que resultassem da distribuição e, das pendentes, as entradas a partir de 15.09.2003, excepto os julgamentos agendados nos apensos até 31.12.09) e, desde 21 de Dezembro de 2011 até meados de Maio de 2012, o Dr. CC, juiz da Bolsa do Porto, prestou colaboração em regime de acumulação de serviço, tendo elaborado um número assinalável de saneadores e sentenças.
6.4. Pendência processual (estatística oficial):
Em 1 de Janeiro de 2010, data a que se reporta o início da última inspecção, a pendência estatística do ... Juízo ... do Tribunal da comarca de ... situava-se nos 3332 processos (2842 constituídos por execuções e respectivos apensos, embargos e reclamações de créditos).
d) Atrasos processuais:
7. Na referida data – 01-01-2010 - a Sr.ª Juíza tinha dezenas de processos com atrasos significativos em diferentes fases processuais.
7.1. E, quer em 31 de Dezembro de 2012 (termo do período considerado na inspecção judicial extraordinária a que foi sujeita), quer em 4 de Janeiro de 2013 (data do reinício da inspecção[2]), aguardavam despacho ou decisão vários processos cujos prazos legais já se encontravam excedidos e que continuaram por despachar pela Exma Juíza:
1. Oposição à execução 7956/11.6TB-A: conclusos desde 28.06.12 para saneador;
2. Sumária 7058/10.2TBMTS: Conclusos desde 25.05.12 para sentença, após a decisão da matéria de facto em 16.05.12, reproduzida em ata desse dia;
3.. Sumária 2939/10.6TBMTS: Conclusos desde 27.04.2012, findos os articulados;
4. Declarativa do RE do DL 108/2006, 3290/11.0TB: decorridos os 30 dias de suspensão da instância requeridos na tentativa de conciliação de 27.02.12, os autos aguardavam despacho desde que foram conclusos em 27.04.12;
5. Declarativa do RE do DL 108/2006, 4731/11.1TB: conclusos no final dos articulados desde 30.04.2012;
6. Oposição à execução 1600-A/2002: Cls desde 14.05.12, no final dos articulados;
7. Expropriação 6969/10.0TB: Conclusos para sentença desde 14.05.2012;
8. Oposição à execução 2526/11.1TB: Cls desde 22.05.12, no final dos articulados[3];
9. Sumária 4868/07.1TB: concluso desde 24.05.12 para apreciação dos requerimentos probatórios e marcação de julgamento;
10. Declarativa do RE do DL 108/2006, 121/12.7TBMTS, de valor superior à alçada da Relação: conclusos no final dos articulados desde 25.05.2012;
11. Oposição à execução 2416/11.TB-A: No final dos articulados desde 25.05.2012;
12. Declarativa do RE do DL 108/2006 523/12.9TBMTS, de valor superior à alçada da Relação: conclusos desde 05.06.2012, no final dos articulados;
13. Declarativa do RE do DL 108/2006 1762/12.8TBMTS, de valor superior à alçada da Relação conclusos no final dos articulados desde 07.06.2012;
14. Acção Sumária 1480/12.7TB: Conclusos desde 11.06.2012, após cumprido o disposto no artigo 326º, nº2, do CPC (também com atraso[4]);
15. Declarativa do RE do DL 108/2006 1480/12.7TBMTS, conclusos no final dos articulados desde 18.06.2012;
16. Declarativa do RE do DL 108/2006 178017/11.9YIPRT, conclusos no final dos articulados desde 18.06.2012;
17. Sumária 1606/09.8TBOAZ, conclusos desde 19.06.2012, no final dos articulados;
18. Declarativa do RE do DL 108/2006 1762/12.8TBMTS, de valor superior à alçada da Relação conclusos no final dos articulados desde 07.06.2012;
19. Acção do DL 108/2006, 7012/11.7TB, No final dos articulados desde 21.06.2012;
20. Declarativa do RE do DL 108/2006 58744/11.8YIPRT, de valor superior à alçada da Relação conclusos desde 22.06.2012, após a audiência preliminar de 01.06.2012 ("Atenta a extensão dos articulados e ao abrigo do disposto pelo art. 510º, nº 3, do Código de Processo Civil, determino que os autos sejam feitos conclusos a fim de proferir despacho saneador”);
 21. Oposição à execução 7878/05.0TB-B: Conclusos no final dos articulados desde 22.06.12 (na audiência preliminar de 25.05.2012, marcada em 16.02.2012, determinou: "Encontrando-se apenas presente o Ilustre Mandatário da exequente, não é possível alcançar a composição não litigiosa das partes, nem proceder à discussão jurídica da matéria em causa. Assim, deverão os autos ser feitos conclusos a fim de ser proferido despacho saneador");
22. Acção ordinária 18297/11.0TBMTS: No final dos articulados desde 27.06.2012;
23. Acção do RE DL 108/2006, 7397/11.5TB: No final dos articulados desde 27.06.12;
24. Declarativa DL 108/2006, 7971/11.0TB: No final dos articulados desde 23.05.12;
25. Oposição à execução 7984/09.1TB-B: No final dos articulados desde 29.06.2012;
26. Sumária 1542/11.8TBMTS: Conclusos para sentença desde 29.06.2012, após julgamento e decisão da matéria de facto (reproduzida em acta de 31.05.2012);
27. Oposição à execução 8060/10.0TB-A, No final dos articulados desde 02.07.2012;
28. Acção 3666/11.2TBMTS, declarativa do RE do DL 108/2006 de valor superior à alçada da Relação: Conclusos em 02.07.12, depois de notificado o A. para se pronunciar sobre a excepção de incompetência territorial arguida na contestação;
29. Ordinária 163/10.2YIPRT: conclusos desde 02.07.2012, no final dos articulados;
30. Habilitação de herdeiros 1829/11.0TBMTS-A: conclusos desde 13.07.12;
31. Inventário 4729/11.0TBMTS: Conclusos para despacho desde 10.09.2012;
32. Acção 82409/12.4YI,: No final dos articulados desde 10.09.2012;
33.Acção Ordinária 1786/11.2TB: conclusos para saneador desde 12.09.12, conforme o ordenado na audiência preliminar de 17.07.2012;
34. Inventário 3096/09.6TBMTS, conclusos para despacho desde 12.09.2012;
35. Acção 2142/12.0TB, RE DL 108/2006: No final dos articulados desde 12.09.2012;
36. Oposição à execução 4128/11.3TB-A, cls desde 12.09.12, no final dos articulados;
37. Acção ordinária 7882/10.6tb: conclusos desde 14.09.09, no final dos articulados para marcação de Audiência Preliminar ou prolação por escrito do despacho saneador (em 01.07.2011 tinha marcado AP para 27.01.12, que não se realizou face ao despacho de 25.01.12 de deferimento da requerida suspensão da instância nos termos do artigo 279º, nº4, do CPC, e em 27.06.2012 ordenara a notificação das partes para informarem o que tivessem por conveniente);
38. Acção 4260/11.3TBMTS, declarativa DL 108/2006: conclusos no final dos articulados desde 14.09.2012, depois de frustrada a tentativa de conciliação de 11.07.2012;
39. Acção 251/12.5TM, declarativa DL 108/2006: Para despacho desde 17.09.2012;
40. Acção 14909/12.5YIPRT, declarativa do RE do DL 108/2006: conclusos no final dos articulados desde 17.09.2012;
41. Acção 53509/12.2YIPRT, declarativa do RE do DL 108/2006: conclusos no final dos articulados desde 17.09.2012;
42. Acção 6900/11.5TBMTS, declarativa do RE do DL 108/2006: conclusos no final dos articulados desde 18.09.2012;
43. Acção 7512/11.9TBMTS, declarativa do RE do DL 108/2006: conclusos no final dos articulados desde 19.09.2012;
44. Acção 7266/12.3YI, declarativa do DL 108/2006: Para despacho desde 20.09.2012;
45. Aecop 154500/10.2YI, os autos estão conclusos para sentença desde 25.09.2012, mas a discussão da causa foi encerrada em 13.09.2012; e
46. Acção 4058/11.9TBMTS, declarativa do Regime Civil Experimental do DL nº. 108/2006: Conclusos os autos param desde 04.10.2012 para prolação da sentença: as alegações tinham sido produzidas em 28 de Junho de 2010, sendo então marcada a leitura da sentença para 12.09.2012, que foi adiada para 18.09.2012 por razões de volume de serviço e, sendo aí invocado idêntico fundamento, ordenou a conclusão dos autos para prolação da sentença, sem ter fixado a matéria de facto.
7.2. Os restantes processos conclusos há mais de 30 dias estão justificados pela baixa médica da Exma Juíza:

7289/11.8TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados24.09.2012
8064/11.5TBMTS-AOposição à Execução. Final dos articulados24.09.2012
318/12.0TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados24.09.2012
3418/12.2TTBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados24.09.2012
4561/08.8TBMTSSumária. Sentença. Decisão da matéria de facto em 09.07.201225.09.2012
18224/12.6YIPRTA. DL. 108/2006. Final dos articulados.26.09.2012
2116/09.TBMTSSumária. Sentença. Decisão da matéria de facto em 12.05.201226.09.2012
4418/11.5TBMTS-AOposição à Execução. Final dos articulados.27.09.2012
9479/07.9TBMTSSumária. Final dos articulados28.09.2012
1245/2002Expropriação. Despacho.28.09.2012
3002/12.0TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados.03.10.2012
1210/10.8TBMTSA. Sumária. Despacho (está agendado julgamento para Março09.10.2012
7477/11.7TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados09.10.2012
9150/06.9TBMTS-BEmbargos de Terceiro. Despacho.14.10.2012
2167/11.3TBMTSInventário. Despacho.15.10.2012
4380/10.1TBMTS-AHábil. Herdeiros. Despacho15.10.2012
6862/10.6TBMTS-ARec. Créditos. Despacho16.10.2012
485/12.2TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados.16.10.2012
106/11.0TBMTS-ARec. Créditos. Sentença16.10.2012
4332/12.7TBMTS-AOposição à Execução. Despacho16.10.2012
606/04.9TBMTS-AOp. Execução. Despacho17.10.2012
2408/08.4TBMTSSumária. Sentença. Decisão da matéria de facto em acta de 26.0917.10.2012
6403/12.0TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados.18.10.2012
3916/11.5TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados.18.10.2012
2299/04.TBMTS-AEx. Comum. Despacho.18.10.2012
3452/06.1TBMTS-AHábil. Herdeiros. Despacho.18.10.2012
8282/10.3TBMTS-BOp. Execução. Sentença. Decisão matéria de facto em 03.10.1218.10.2012
7446/07.1TBMTSEx. Comum.  Despacho18.10.2012
614/11.3TVPRTA. DL. 108/2006. final dos articulados.19.10.2012
380/09.2TBMTS-ARecl. Créditos. Despacho.19.10.2012
7086/07.5TBMTSEx. Comum. Despacho.19.10.2012
1106/11.6TBMTS-AOp. Execução. Despacho.19.10.2012
105692/11.6YIPRTA. DL. 108/2006. Final dos articulados.19.10.2012
3793/12.9TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados.19.10.2012
50648/12.3YIPRTA. DL. 108/200621.10.2012
1397/12.5TBMTSExpropriação. Despacho.22.10.2012
7977/11.9TBMTSExpropriação. Sentença.22.10.2012
1380/11.8TBMTSFixação Judicial de Prazo. Despacho22.10.2012
7732/06.8TBMTSEx. Comum. Despacho22.10.2012
52868/12.1YIPRTA. DL. 108/2006. final dos articulados22.10.2012
39636/12.0YIPRTA. DL. 108/2006. final dos articulados.22.10.2012
3291/12.0TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados.22.10.2012
1892/10.5TBMTSA. Ordinária.  Despacho.22.10.2012
266-A/2000Ex. Comum. Despacho.22.10.2012
108791/12.3YIPRTA. D.L. 108/2006. Final dos articulados23.10.2012
54507/12.1YIPRTA. D.L. 108/2006. Final dos articulados.23.10.2012
6974/08.6TBMTSA. Sumaríssima. Sentença.23.10.2012


7.3. A Sr.ª Juíza adoptou em muitos casos os procedimentos mais correctos nos processos onde a lei exige a leitura pública da decisão da matéria de facto e/ou da sentença, ditando-a em acta logo após o encerramento da discussão da causa ou procedendo à sua publicação em prazo razoável (v.g. processos 63500/11.0yiprt, 8122/10.3tbmts, 119694/10.6yiprt, 7727/10.7tbmts, 4662/06.7tbmts, 67265/09.8yiprt, 4129/11.1tb, 83420/11.8yi, 239065/09.0yi, 7058/10.2tb, 6373/10.0tb, 3883/10.2tb, 5143/09.2tb, 425614/10.1yi, 8122/10.3tb, 6310/10.1tb, 108517/10.6yi, 6809/10.0tb, 2381/09.1tb, 308632/10.3yi e 6465/07.2tbmts).
7.4. Mas não foi essa a linha geral da sua actuação, pois foram mais as vezes em que ordenou a conclusão dos autos para prolação da sentença sem ter fixado a matéria de facto, ou tardou a assinar electronicamente a acta onde era reproduzida a decisão.
7.6. Actas de julgamento electronicamente assinadas com atraso significativo:
Em acções sumárias: 964/09.9TB, sentença em acta de 20.06.2011, assinada em 10.08.11;
Em acções Sumaríssimas: 1687/08.1tb, sentença em acta de 02.03.2011, assinada electronicamente em 27.04.2011;
Em acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias:
34586/09.3YI, sentença reproduzida em acta de 07.12.2010, assinada em 07.04.11; 222403/10.0YI, sentença reproduzida em acta de 05.05.2011, assinada em 03.06.11; 138416/10.5, sentença reproduzida em acta de 06.05.11, assinada em 09.06.2011; 3847/09.9YI, sentença reproduzida em acta de 29.06.2011, assinada em 29.07.2011;.
e) Índices de produtividade:
8. 1. Movimento processual estatístico:[5]

MOVIMENTO PROCESSUAL Entre 01.01.2010 e 31.12.2012
Pendentes
em
01.01.2010
Distribuídos
Findos
Pendentes
em
31.12.2012
1. Acções:
Ordinárias
162
64
176
50
Sumárias
142
84
165
61
Sumaríssimas
301
300
551
50
Especiais
19
41
38
22
Dec. Lei 108/06
0
414
156
258
2. Execuções:
Ordinárias
35
2
19
18
Sumárias e outras
2351
2290
1575
3066
Embargos de Executado/Opôsic. Exec.
108
174
168
114
Embargos de Terceiro
12
13
17
8
Reclamação de Créditos
36
89
80
45
3. Inventários
34
30
28
36
4. Falência / Recuperação de Empresa
2
97
88
11
5. Expropriações
45
18
46
17
6. Procedimentos Cautelares
23
90
104
9
7. Outros
62
395
342
115
Total 1 a 7
3332
4101
3553
3880
8. Deprecadas
55
112
147
20
TOTAL – GERAL
3387
4213
3700
3900

  
8.2. Prolação de sentenças:
Da contabilidade efectuada pelos livros de registo resulta que a Sr.ª. Juíza proferiu 1141 sentenças, 103 em acções contestadas (28 foram precedidas da realização da audiência de julgamento em obediência ao disposto no artigo 485º, alínea b), do CPC: 14 em 2010, 7 em 2011 e 7 em 2012) e 362 em acções não contestadas, decidiu 65 procedimentos cautelares, 35 incidentes de qualificação de insolvência, homologou 166 transacções, 247 desistências, e julgou extintas 72 execuções. Vejamos detalhadamente essa produção global e por cada ano de exercício:

Ano de 2010
ContestadasDesistênciasTransacções
Não
contestadas
Total
Ordinárias0612624
Sumárias381727  (4 cit. Ed..)55
Sumaríssimas3131224  (1  cit. Ed.)52
Aecop1356309  cit . ed.108
Especiais00202
Embargos Executado/ Oposição à execução2104117
Embargos de Terceiro01001
Reclamações créditos0401620
Habilitações010910
Prestações de contas00022
Expropriações20002
Insolvências010910
Interdição/inabilitação21014
TOTAL2510177104307
Execuções 29
Inventários 9
Procedimentos Cautelares 34
Qualificação insolvência 4
Recurso de impugnação ou revisão 2
TOTAL GERAL 385

Ano de 2011
ContestadasDesistênciasTransacçõesN/ contestadasTotal
Ordinárias319013
Sumárias26131132
Sumaríssimas13201413  (1 cit. ed.)60
Aecop16343621 (6  cit. Ed).107
Declarativas DL 108/200601331127
Embargos Executado/ Oposição à execução2145021
Embargos de Terceiro11002
Reclamações créditos0401216
Habilitações00099
Cauções22105
Prestação de contas00011
Expropriações10001
Insolvências0001919
Interdição/inabilitação10001
TOTAL                 41958197314
Execuções 25
Inventários 3
Proced  Cautelares 21
Qualificação insolvência 15
Recurso de impugnação ou revisão 3
TOTAL GERAL 381


Ano de 2012
ContestadasDesistênciasTransacçõesN/ contestadasTotal
Ordinárias135615
Sumárias33165(2 cit.edt.)27
Sumaríssimas13132 cit. Ed.19
Aecop11231619  (3 cit. Ed.)69
Especiais00303
Declarativas do DL 108/2006520195094
Embargos Executado/ Oposição à execução218819
Embargos de Terceiro00011
Reclamações créditos0002121
Habilitações00066
Prestação de contas00099
Expropriações00303
Insolvências2003133
Interdição/inabilitação00033
TOTAL                 375173161322
Execuções 18
Inventários 7
Procedimentos Cautelares 10
Qualificação insolvência 16
Recurso de impugnação ou revisão 2
TOTAL GERAL 375

RESUMO dos 3 anos de exercício (01.01.2010 a 21.12.2012)
ContestadasDesistênciasTransacçõesN/ contestadasTotal
Ordinárias410261252
Sumárias8174643   ( 6 cit..edt.)114
Sumaríssimas29342939  (4 cit. Ed.)131
Aecop401138249 (18 cit. Ed.)284
Especiais00505
Declarativas do DL 108/20065332261121
Embargos Executado/ Oposição à execução62517957
Embargos de Terceiro12014
Reclamações de créditos0804957
Habilitações0102424
Cauções22105
Prestação de contas0001212
Expropriações30303
Insolvências2105959
Interdição /inabilitação31048
TOTAL                 103247231362943
Execuções 72
Inventários 19
Incidentes de qualificação de insolvência 35
Procedimentos Cautelares 65
Recurso de impugnação ou revisão 7
TOTAL GERAL 1141


  8.3 Prolação de despachos saneadores:
Elaborou pelo menos 20 despachos de selecção da matéria de facto, na sua grande maioria em acções ordinárias (nas sumárias a Sr.ª Juíza optava por regra por dispensar a selecção da matéria de facto nos termos do artigo 787º, nº.2, do Código de Processo Civil), anotando-se que nalguns casos há um hiato de tempo além do que é razoável entre a data da realização da diligência e a assinatura electrónica da acta (audiência preliminar) onde é reproduzido o despacho: AO 4405/09.3TB: reproduzido em acta de audiência preliminar de 17.03.2010; AO 9247/07.8TB: em acta de audiência preliminar de 07.04.2010; AO 7693/09TB: em acta de audiência preliminar de 18 de Abril de 2011; AO 8423/06.5TB: em acta de audiência preliminar de 15.04.2011, assinada electronicamente em 25.05.2011[6]; AO 5874/07.1TB, em acta Audiência Preliminar de 06.10.10, marcada em 15.04.2010; AO 3761/08.5TB, em acta de audiência preliminar de 08.10.2010, marcada por despacho de 15.04.2010, 2 meses depois da data da conclusão; AO 349/09.7tbmts: em acta de audiência preliminar de 21.10.2010; AO 217767/09.0YI: em acta de audiência preliminar de 21.10.2010, a qual havia sido marcada em 15.04.10; AO 2474/10.2TB: em acta de Audiência Preliminar de13.05.2011; AO 892/10.5tb: na audiência preliminar de 26.01.2011 julgou o tribunal incompetente em razão da matéria; AO 6060/09.1TBMTS: despacho reproduzido em acta de Audiência Preliminar de 07.04.2011; 7794/09.6TB: em AP de 19.11.2010, marcada em 17.07.2010; AO 3669/09.2TB: despacho de selecção da matéria de facto elaborado por escrito em 22.09.2010; AO 5654/10.7TB, em Audiência Preliminar de 09.06.2011; AO 4518/10.9TB, em acta de Audiência Preliminar de 14.07.2011; AO 1344/11.1TBMTS: em acta de AP de 12.12.2011, marcada em 24.05.2011; AO 2733/10.4tb, conclusos em 08.09.2010, exarou em 13.10.2010 despacho de selecção da matéria de facto; AO 1154/10.3tb conclusos em 28.11.2010, elaborou despacho saneador e de selecção da matéria de facto em 28.11.2011; AO 5628/09.0TB, conclusos em 31.05.2010, em 26.10.2010 elaborou por escrito a selecção da matéria de facto; acção RE DL 108/06 5866/11.6TB em acta de Audiência Preliminar de 15.06.2012; Oposição à Execução 3494/08.2YYPRT, despacho elaborado por escrito em 19.01.12[7]: seleção da matéria de facto de 16.01.2012;
d) Caracterização genérica do desempenho profissional da Ex.ma Juíza:
9. Embora evidencie uma preparação técnico-jurídica globalmente consentânea com as funções exercidas, o trabalho da Ex.ma Juíza sempre revelou muito significativas deficiências, em termos de organização, método, tramitação/controlo do processo e observância dos prazos e procedimentos legais dirigidos à celeridade, bem como níveis de produtividade muito modestos, tudo com impacto fortemente negativo no estado dos serviços e na imagem pública dos tribunais, para além dos prejuízos inerentemente provocados aos cidadãos utentes da Justiça.
10. Os níveis de distribuição, o volume de serviço e a diversidade de causas julgadas nos juízos cíveis de ... reclamam dos seus juízes não apenas boa preparação jurídica, mas também capacidade na gestão do serviço, correcta planificação das actividades, dedicação, asiduidade e zelo constantes e espírito resoluto na decisão, qualidades que a Sr.ª Juíza não evidenciou.
11. Para uma magistrada com mais de 15 anos de antiguidade na função, desde Setembro de 1997 no ... Juízo ..., os índices de produtividade indicados ficam bem aquém do que lhe era exigível e os atrasos em que incorreu são inúmeros e graves, consubstanciando objectivamente a reiterada violação da ética e deontologia profissional, não obstante ter recebido a colaboração de dois juízes, salientando-se o trabalho realizado pelo Dr. CC na prolação de saneadores e de sentenças nos processos de maior complexidade.
12. Não se olvida naturalmente que a Sr.ª Juíza conviveu com problemas de índole pessoal e familiar que seguramente lhe terão retirado estabilidade emocional no exercício diário da função, contudo, não é a principal explicação para tudo o que de negativo se mantém desde há vários anos, em claro prejuízo dos cidadãos e da credibilidade do sistema da administração da justiça.
13. Relativamente aos processos mencionados no ponto 7.1. [processos que aguardavam despacho com os prazos legais de decisão já excedidos, quer em 31 de Dezembro de 2012 (termo do período a considerar na última inspecção), quer em 4 de Janeiro de 2013 (data do reinício da mesma inspecção)], a Ex.mª Juíza apenas despachou os seguintes (até à data em que foi suspensa do exercício de funções):

Acção 2142/12.0TB, RE DL 108/2006: No final dos articulados desde 12.09.2012;Despachou em 15/03/13 – despacho saneador sem B.I. ou conhecimento de excepções e marcação de julgamento
Acção 251/12.5TMMTS, declarativa DL 108/2006: Para despacho desde 17.09.2012;Despachou (mero expediente) em 18/01/13
Acção 14909/12.5YIPRT, declarativa do RE do DL 108/2006: conclusos no final dos articulados desde 17.09.2012;Despachou em 15/03/13 – despacho saneador sem B.I. ou conhecimento de excepções e marcação de julgamento
Acção 53509/12.2YIPRT, declarativa do RE do DL 108/2006: conclusos no final dos articulados desde 17.09.2012;Despachou 15/03/13, marcando audiência de discussão e julgamento para 27/05/13.
Acção 77266/12.3YIPRT, declarativa do DL 108/2006: Para despacho desde 20.09.12;Despachou (mero expediente) em 13/03/13


14. Relativamente aos processos mencionados no ponto 7.2. - “processos conclusos há mais de 30 dias” mas quanto aos quais se considerou que “o atraso é justificado em virtude da baixa médica da Sr.ª Juíza entre 22 de Outubro e 21 de Dezembro de 2012”) -, a Ex.ma Juíza apenas despachou os seguintes (até à data em que foi suspensa do exercício de funções):

318/12.0TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articuladosDespacho de mero expediente em 14/03/13
18224/12.6YIPRTA. DL. 108/2006. Final dos articulados.Despacho de mero expediente em 18/04/13
1210/10.8TBMTSA. Sumária. Despacho (está agendado julgamento para MarçoEntretanto despachado, tendo a Ex.mª Juíza presidido à audiência de julgamento em 08/03/13
7477/11.7TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articuladosSentença (ação não contestada) em 03/04/13
6862/10.6TBMTS-ARec. Créditos. DespachoDespacho de mero expediente em 29/03/13
606/04.9TBMTS-AOp. Execução. DespachoDespacho de mero expediente em 13/03/13
2299/04.TBMTS-AEx. Comum. Despacho.Despacho de mero expediente em 18/01/13
7446/07.1TBMTSEx. Comum.  DespachoDespacho de mero expediente em 30/01/13
380/09.2TBMTS-ARecl. Créditos. Despacho.Decisão final em 29/03/13
7086/07.5TBMTSEx. Comum. Despacho.Despacho de mero expediente em 30/01/13
1106/11.6TBMTS-AOp. Execução. Despacho.Despacho de mero expediente em 26/04/13
105692/11.6YIPRTA. DL. 108/2006. Final dos articulados.Despacho de mero expediente em 24/01/13
3793/12.9TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados.Sentença (ação não contestada) em 18/01/13
1397/12.5TBMTSExpropriação. Despacho.Sentença homologatória de transacção em 17/04/13
7977/11.9TBMTSExpropriação. Sentença.Despacho de mero expediente em 18/01/13
7732/06.8TBMTSEx. Comum. DespachoDespacho de mero expediente em 18/01/13
39636/12.0YIPRTA. DL. 108/2006. Final dos articulados.Despacho de marcação de julgamento em 21/04/13
3291/12.0TBMTSA. DL. 108/2006. Final dos articulados.Despacho de mero expediente em 18/04/13
266-A/2000Ex. Comum. Despacho.Despacho de mero expediente em 22/01/13
108791/12.3YIPRTA. D.L. 108/2006. Final dos articuladosDespacho de mero expediente em 18/04/13
54507/12.1YIPRTA. D.L. 108/2006. Final dos articulados.Despacho de mero expediente em 18/04/13

15. Sem prejuízo da suspensão de exercício de funções da arguida, por despacho de 13/5/2013, o Ex.mº Senhor Vice-Presidente do CSM autorizou que a mesma concluísse “os julgamentos ou diligências de produção de prova [já] iniciadas (...), nisso se incluindo a decisão da respectiva matéria de facto”.
Em 07/06/2013, as situações ainda pendentes (neste âmbito) eram as seguintes:

2832/09.5TJVNF – AECOPJulgamento em 15-01-2013. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
307084/10.2YIPRT – AECOPJulgamento em 30-04-2013. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
3835/11.5TBMTS – Acção DL 108/06Julgamento em 22-01-2013. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
359915/10.0YIPRT – AECOP Julgamento em 27-02-2013. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
10556/11.7YIPRT – AECOPJulgamento em 28-02-2013. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
2155/11.0TBMTS – ASSJulgamento em 03-10-2012.
Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
6974/08.6TBMTS – ASSJulgamento em 01-10-2012. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão uma vez que não foi possível conclui-la para a data designada.
278819/11.0YIPRT – Acção DL 108/06 Julgamento em 22-04-2013. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
127552/11.0YIPRT – Acção DL 108/06 Julgamento em 17-01-10-2012. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
7078/11.0TBMTS – Acção DL 108/06Julgamento em 11-04-2013. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
370704/10.2YIPRT – AECOP Julgamento em 18-06-2012. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
373067/10.2YIPRT – AECOP Julgamento em 22-04-2013. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
321146/10.2YIPRT – Acção DL 108/06Julgamento em 26-06-2012. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
204192/11.2YIPRT – Acção DL 108/06Julgamento em 20-02-2013. Mmª Juíza ordenou que os autos fossem conclusos para proferir decisão.
2027/09.8TBMTS – ASJulgamento em 29-04-2013. Leitura da decisão de facto agendada para 06-05-2013.
Em 24-05-2013 a Mmª Juíza designou o dia 20-06-2013 para a leitura, alegando que por lapso não foi proferida a decisão no dia antes agendado.

7918/10.0TBMTS – AS Autos aguardam que a Mmª Juíza termine o julgamento
1394/09.8TBMTS – AS Autos aguardam que a Mmª Juíza termine o julgamento. Agendado para 26-06-2013
1617/06.5TBMTS – AS Autos aguardam que a Mmª Juíza termine o julgamento. Agendado para 17-06-2013
2952/06.8TBMTS-A – OPOEXECJulgamento já iniciado (05-06-2013) com continuação agendada para 03-07-2013
4838/08.2TBMTS – AS Julgamento já iniciado (29-05-2013) com continuação agendada para 11-07-2013
59/11.5TBMTS – AS Julgamento já iniciado (08-05-2013) com continuação agendada para 14-06-2013

16. Realizou as diligências agendadas nos processos acima indicados cujas audiências foi autorizada a concluir após a suspensão de funções, mas mantem os processos em seu poder para completar, com a inserção dos despachos de fixação da matéria de facto, proferidos oralmente, e assinar as respectivas actas[8].

17. Em 12-09-.2013[9] ainda não tinha proferido decisão em nenhum dos processos indicados no antecedente ponto 15 nos quais, na sequência de requerimento da própria, foi autorizada a proferir sentença após ter sido suspensa do exercício de funções.

18. O que reforça a conclusão, constante do relatório da inspecção que propôs a classificação de “Medíocre”: “falta à Ex.ma Juíza “motivação, capacidade e energia bastantes para poder responder de forma satisfatória às necessidades e exigências do serviço”.

19. As graves áreas problemáticas ora registadas têm sido uma constante na sua vida profissional, como se alcança, para além do mais, das classificações que lhe foram atribuídas nas inspecções a que o seu serviço foi sujeito (para além da de Medíocre, também foi classificada uma vez com Suficiente, tendo-lhe sido apontadas várias deficiências) e dos factos subjacentes à pena disciplinar que também já lhe foi aplicada.

20. Não é passível de qualquer dúvida que a Ex.ma Juíza violou culposa[10] e expressivamente as normas legais atinentes aos prazos de prolação de despachos e sentenças, para além de também ter revelado significativas deficiências, em termos de organização, método de trabalho e celeridade, bem como modestos níveis de produtividade, tudo com impacto fortemente negativo no estado dos serviços e na imagem pública dos tribunais.

21. Os expressivos atrasos em que incorreu, em elevado número de processos – fruto de manifesto desinteresse/alheamento pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, muito insuficiente dedicação ao serviço, elevadíssima incapacidade de organização, muito diminuta capacidade de decisão, mesmo nas questões mais simples, e deficientíssimo método de trabalho – causaram perturbação no serviço do Juízo de que é titular e naturais prejuízos às partes, contribuindo ainda para uma anormal acumulação de serviço.

22. A Exma. Juíza agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que estava obrigada a observar os prazos legalmente prescritos para a prolação de despachos e decisões nos processos que tinha a seu cargo, bem como os procedimentos legalmente prescritos em matéria processual, nomeadamente os dirigidos à celeridade e simplificação, tal como sabia que com a sua conduta colocava em causa – como colocou – a confiança dos cidadão nos tribunais e na sua qualidade de órgãos da administração da Justiça, causando-lhes desprestígio, conformando-se com esses resultados.
23. A pena disciplinar que anteriormente lhe foi aplicada, bem como os juízos críticos constantes do relatório da anterior inspecção, não surtiram qualquer efeito, não tendo, apesar da sua experiência e volume de serviço o permitir, adequado a organização e método de trabalho, de forma a evitar os expressivos atrasos em que continuou a incorrer.
24. Toda a apurada conduta da arguida, revela, pois, uma manifesta e irreversível inaptidão para o exercício das funções de magistrada judicial.
25. No âmbito do processo disciplinar sob o nº 2012/101-PD, por deliberação do plenário do CSM datada de 16/10/2012, tornada definitiva em 21/11/2012, foi aplicada a arguida a pena disciplinar de 30 dias de multa, pela prática de uma infracção por violação do dever de criar no público confiança na administração da justiça e por violação do dever de criar no público a confiança na administração da justiça por violação do dever de zelo, prevista nos termos dos arts. 3.º e 82.º do EMJ e 3.º, nº1, nº2, als. A) e e ) nº3 e nº7 do ED, ex vi art. 131.º do EMJ, ocorrido no período de 1/1/2010 a 18/6/2012, no âmbito do conjunto dos processos 6413/04.1TBMTS; 9785/07.2TBMTS;692/10.2TBMTS; 23226/08.6TB; 6126/11.8TBMTS; 8038/10.3TB; 401755/10.4YIPRT; 4523/09.8TBMTS; 4824/09.5TBMTS; 1624/08.1TBMTS-A; 610/11.0TB; 7762/05.7TBMTS; 4786/04.5TBMTS; 2427/09.3TBMTS;8591/08.1TBMTS; 5728/08.4TBMTS-A; 2436/03.6TBTMS; 7995/09.7TBMTS; 830/09.8TBMTS; 95601/09.0YIPRT; 328/09.4TBTMS; 5128/08.6TBTMS; 5413/09.0TBTMS; 2744/10.0TBTMS; 3136/06.0TBTMS; 9149/06.5TB; 371879/08.YI; 4764/09.8TB; 4302/09.2TBMTS; 4492/09.4TBMTS; 7163/09.8TB; 2265/09.3TBTMS;4786/04.5TBTMS e 10247/05.8TBTMS; 7163/09.8TB; 2265/09.3TBTMS, 4786/04.5TBTMS e 10247/05.8TBMTS;
26. Não obstante, esta condenação e após o seu regresso de baixa médica e férias, que sucedeu em 3/1/2013, a arguida continuou a ter processos com o prazo excedido para a sua prolação, nomeadamente os que constam do ponto 7.1, já que nunca os regularizou;
B) Do alegado na defesa da arguida[11] e do conjunto da prova produzida está ainda provado:
25. No período de 01-01-2010 a 31-12-2012 foram distribuídos ao ... Juízo Cível de ..., sem contar com as deprecadas, 4101 processos (2292 destes são acções executivas e 18 expropriações).
26. A área de competência territorial do Tribunal Judicial de ..., abarca um extensa área rural, a par da densa área urbana, com significativa implantação de comércio e indústria, nomeadamente na área dos transportes terrestres, donde emerge uma diversidade das questões a decidir nas acções distribuídas sendo, designadamente, frequentes acções relativas a questões de condomínio e transportes rodoviários.
27. A arguida tem um irmão já adulto que vive com a mãe, não estuda, não trabalha e tem perturbações psicológicas diagnosticadas, agravadas pelo consumo de álcool e haxixe.
28. Tanto a arguida como a irmã, têm dado apoio à mãe e ao irmão nas frequentes crises deste, com sucessivas ameaças de suicídio, em que a mãe se mostra incapaz de lidar e controlar a situação.
29. Por vezes a mãe ligou à arguida, quando esta estava em serviço no Tribunal, a pedir apoio devido às crises e ameaças de suicídio do irmão.
30. O marido da arguida, desde o casamento, trabalha em local distante da morada do casal, primeiro como ..., em ..., e desde 2000 em ...
31. Antes da separação do casal vinha regularmente a casa a meio da semana e aos fins-de-semana.
32. Na ausência do marido, as duas filhas do casal, a mais velha nascida em Julho de 2000 e a mais nova em Julho de 2003, exceptuados os fins-de-semana e o dia em que o pai, regular e semanalmente se deslocava à residência do casal a meio da semana, ficavam inteiramente aos cuidados da mãe, ora arguida.
33. A arguida e o marido separaram-se em Outubro de 2011 e, apesar de algumas tentativas de reconciliação, desde então continuam separados e decidiram divorciar-se.
34. Os problemas e separação do casal têm afectado as filhas, sobretudo a mais nova, com quebra do rendimento escolar.
35. Os problemas do casal que levaram à separação e decisão de divórcio, afectaram a arguida, tendo desenvolvido uma perturbação psiquiátrica de foro afectivo – perturbação de adaptação com ansiedade, depressão e alterações de conduta.
36. Esta perturbação psiquiátrica da arguida é ainda agravada pela ansiedade de saber não estar a corresponder ao nível de desempenho profissional consentâneo com o que seria esperado.
37. O que levou a arguida a, por duas vezes, entrar de baixa médica (08-11-2011 a 12-12-2011 e 22-10-2012 a 20-12-2012), e a obrigou a tomar, com regularidade, antidepressivos e ansiolíticos, cujos efeitos – diminuição da capacidade de iniciativa, de trabalho e redução da concentração – se repercutem negativamente no seu rendimento profissional.
38. A médica, especialista em medicina interna que a segue desde 1999 e o médico psiquiatra que a acompanha desde 2011, são de opinião que a doença depressiva e ansiosa de que a arguida sofre é reversível, sendo susceptível de ser debelada sem sequelas significativas, em especial se conseguir ultrapassar os constrangimentos da sua vida pessoal que têm condicionado o seu estado psicológico.

6. Com base na facticidade descrita consignou-se na deliberação recorrida o seguinte:

«III. ENQUADRAMENTO JURÍDICO E FÁCTICO

III.I. DA NULIDAE DA ACUSAÇÃO

(…).   

Ao invés do invocado pela Exma. Juíza, esta foi ouvida como visada no âmbito do inquérito anterior ao processo disciplinar, conforme se pode confirmar pelo teor do auto de declarações de fls. 128 e 129 dos autos, o que permitiu a conversão do inquérito em processo disciplinar, nos termos do disposto pelo artigo 135.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Embora a determinação da conversão do inquérito em processo disciplinar não conste da deliberação que determinou a instauração do processo disciplinar, não teria a arguida de ser ouvida antes de deduzida a acusação. Com efeito, esta não audição não fere a acusação de nulidade dado que o direito de audiência da arguida foi garantido, pois foi ouvida no inquérito e, notificada da acusação, apresentou defesa e ofereceu prova documental e testemunhal.

Por fim, finda a produção da prova testemunhal indicada pela Exma. Juíza, esta foi novamente ouvida, agora na qualidade de arguida, conforme claramente decorre do despacho de fls. 426 e do auto de declarações de folhas 444 e 445.

Destarte, não se verificou a omissão de audiência da arguida com preterição da sua defesa, situação prevista no artigo 124.º, do EMJ, pois pelo contrário, o direito de audiência da arguida com possibilidade de defesa foi inteiramente garantido, na medida em que foi ouvida antes de deduzida acusação e notificada desta teve oportunidade de se pronunciar sobre os factos imputados e sobre a respectiva qualificação jurídica, bem como sobre a prova documental carreada para os autos.

III.II. DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

A arguida pugna pela declaração da prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar pelos factos ocorridos em data anterior a 7 de Maio de 2012 (…).

(…)

Uma vez que o presente processo disciplinar foi instaurado na sequência da notação de Medíocre atribuída à Exma. Juíza, tem por finalidade aferir da aptidão da arguida para o exercício da judicatura. Neste pressuposto, as infracções disciplinares que tenha cometido terão de ser ponderadas e poderão relevar para concluir pela sua aptidão ou inaptidão para o exercício da judicatura, mas certo é que, o presente processo disciplinar visa essencialmente indagar se a arguida demonstra aptidão para o exercício de funções e não a averiguação e punição de infracções disciplinares.

Ora, para que se possa efectuar esse juízo não pode deixar de ser tido em conta todo o desempenho da arguida, o passado e o presente, pois será da análise essencial do seu percurso profissional que a final se poderá concluir sobre a aptidão ou inaptidão da arguida para o exercício da função judicial. Este foi o objectivo da narração na acusação dos factos constantes dos pontos 7.6. Note-se que quanto a este último facto, caso o processo tivesse apenas por fim a averiguação e punição de infracção disciplinar, nunca ocorreria a invocada prescrição quanto aos últimos 9 (nove) processos indicados a fls. 326, o que é reconhecido pela arguida sob o artigo 17.º da sua defesa. Foi também essa a finalidade da descrição dos atrasos na assinatura das actas a que se refere o ponto 8.3. da acusação.

Estes factos serão considerados na medida em que possam relevar para a formulação do juízo sobre a aptidão da arguida para o exercício da judicatura.

Por outro lado, mesmo que venha a afastar-se a presunção de inaptidão que a atribuição da notação de Medíocre impõe, concluindo-se pela não inaptidão da Exma. Juíza e pela punição apenas pela prática de infracção pela violação dos deveres de zelo e de criar no público confiança no sistema de administração da justiça, para o efeito, só poderão então ser ponderados os atrasos na prolação de despachos e sentenças não considerados no anterior procedimento disciplinar. Como tal, não ocorre a invocada prescrição. 
(…)
Ao invés de uma soma, grande, de infracções contabilizando uma por cada processo, temos uma infracção estrutural, de todo o método de trabalho da arguida, na medida em que durante vários anos, por deficiente método de organização e gestão do serviço a seu cargo, não logrou controlar o seu fluxo produtivo, permitindo que uma enorme quantidade de processos restasse sem decisão, muito para além dos prazos legais. Atrasos que continuam a verificar-se, tendo actualmente ainda um número significativo de processos, a aguardar há vários anos a prolação de despachos e sentenças (…). ».
Assim, conforme concluído no parecer, nos termos do artigo 119.º, n.º 1, e 2 al. a), do Código Penal, subsidiariamente aplicável por força do artigo 131.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, não ocorre a prescrição prevista no artigo 6.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas[12].

Pelo exposto, improcede a invocada prescrição do procedimento disciplinar.

III.III. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO “NON BIS IN IDEM” OU “NE BIS IN IDEM”:

A arguida entende que neste procedimento disciplinar estão em causa factos que já foram objecto do procedimento disciplinar n.º 5/2012, no qual lhe foi aplicada pena disciplinar de multa.

Com efeito, alega que o procedimento disciplinar n.º 5/2012 analisou a sua actuação no período compreendido entre 01.01.2010 e 25.05.2012, o qual coincide a que se reporta o presente procedimento disciplinar, concluindo que assim sendo, a pena que venha a ser aplicada terá como objecto infracções pelas quais já foi sancionada, com violação clara do princípio non bis in idem ou ne bis in idem, a que o procedimento disciplinar se encontra constitucionalmente vinculado, nos termos do artigo 29.º, n.º 6, da CRP.

Nesta medida e de acordo com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não consideramos os factos constantes do processo disciplinar nº101/2012 para efeitos de efectivação da responsabilidade disciplinar e a inaptidão para a função, pois a sua valoração constitui violação do princípio “ non bis in idem”.

Por conseguinte, procede a invocada violação do princípio “non bis in idem”, razão pela qual não vamos considerar os atrasos já analisados e objeto de sanção disciplinar no outro processo (101/2012). Por isso, os aludidos factos já considerados no outro processo estão expurgados destes autos, não importando para aferir da responsabilidade disciplinar neste.
III.IV.DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR
A) Do Erro manifesto nos pressupostos de facto
(…).
A infracção disciplinar traduz-se no desrespeito de um dever geral ou especial decorrente da função exercida e a doutrina e a jurisprudência consideram unanimemente que pode normalmente ser qualificada como infracção disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba na definição legal, uma vez que a infracção disciplinar é atípica [13] [14].
É disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de actuação[15]. Também podem constituir motivo de acção disciplinar os factos que estão conexionados com a vida pública do magistrado e os que colidam com a imagem de dignidade associada à magistratura.
            Assim, face ao disposto pelo artigo 82.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, constituem elementos essenciais da infracção disciplinar:
            I – uma conduta activa ou omissiva do agente – ou seja, o facto;
            II – conduta essa com carácter ilícito – a ilicitude do facto;
            III – censurabilidade da conduta, a título de dolo ou mera culpa – ou seja, o nexo de imputação.
Os magistrados judiciais estão vinculados a determinados deveres profissionais discriminados no Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo estes o:
            a) dever de administração de justiça – artigo 3.º;
            b) dever de abstenção do exercício de actividades político-partidárias, de carácter público e de não ocupação de cargos políticos – artigo 11.º;
            c) dever de reserva – artigo 12.º;
            d) dever de dedicação exclusiva – artigo 13.º;
            e) dever de assiduidade – artigo 10.º;
            f) dever de domicílio – artigo 8.º;
            g) dever de abstenção de exercício de funções em Tribunal ou Juízo onde servem familiares próximos, assim como em Tribunais em que tenham exercido no último triénio funções de Ministério Público ou tenham tido escritório de advogado na área do respectivo Círculo Judicial – artigo 7.º.
Nestes termos, no foro disciplinar, a lei não exige a discriminação dos comportamentos relevantes da vida pública ou dos aspectos nos quais se concretiza a imagem de dignidade da magistratura, mas considera suficiente a existência de critérios de decisão para a aplicação da sanção.
Atenta a sua natureza e finalidade próprias, o direito disciplinar admite a existência de vários deveres inominados e atípicos que têm por finalidade permitir ao órgão da Administração com competência para o efeito, atingir os fins para que foi criado. Por isso, a fixação de tipos legais concretos, poderia ter por consequência o risco de deixar «de fora muitas condutas disciplinarmente relevantes, que ficariam impunes, com o sacrifício da igualdade e da justiça»[16]. A enumeração não é taxativa e o bem jurídico respeita a todos os actos ou omissões incompatíveis com a dignidade do exercício da função de Julgar.
Em síntese, para fins disciplinares, os deveres são todos aqueles imperativos comportamentais e funcionais que visam assegurar o bom e regular funcionamento dos serviços, sendo gerais, os que normalmente se impõem a todo o servidor público e especiais, aqueles cuja observância decorre das particularidades específicas de cada serviço[17].
O dever especial de administrar justiça coexiste com as vinculações gerais de lealdade (dever de desempenhar as funções em total subordinação aos objectivos do serviço, na perspectiva e prossecução do interesse público), de correcção (impondo o exercício funcional com respeito pelos utentes, pelos colegas e pelos superiores hierárquicos), de colaboração (inerente ao dever geral de «actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração», que integra a obrigação de adoptar um comportamento funcional coadjuvante e cooperante com os outros servidores públicos, em vista à consecução dos interesses da função), de zelo (obrigação de conhecer as normas legais e aplicá-las de modo correcto e eficiente) e de pontualidade (que na expressão da lei, obriga a comparecer “dentro das horas que lhe forem designadas”).
É função da magistratura judicial administrar a justiça (art.º 3.º do EMJ), o que deve ser feito em tempo útil, na prossecução do interesse público que lhe subjaz, de molde a criar a confiança dos cidadãos nessa administração, de acordo com os objectivos do serviço prestado nos Tribunais.
A tutela do direito à obtenção da decisão em prazo razoável tem consagração constitucional (art.º 200.º, n.º 4) e tem por fonte o artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem.

De acordo com Lopes do Rego[18], o direito de acesso aos tribunais e o desenvolvimento do processo envolve necessariamente: «o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável; mediante processo cuja tramitação se mostre estruturada em termos equitativos; a instituição legal de procedimentos, de natureza cautelar, fundados no princípio da celeridade e prioridade, destinados a obter a tutela efectiva e em tempo útil dos direitos, liberdades e garantias pessoais».

O direito de acesso aos tribunais vem sendo caracterizado na jurisprudência constitucional como «um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência»[19].

Os tribunais apreciam a violação dos artigos 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 6.º, 1§, da CEDH preenchendo o conceito de “prazo razoável”, isto é, o período de tempo dentro do qual, para aquele processo concreto, considerando a sua globalidade seria expectável a emissão de uma decisão jurisdicional em tempo útil[20].
A prontidão na administração da justiça é fundamental para que o direito à tutela judicial tenha efectiva realização e inequivocamente o direito de acesso aos tribunais também se concretiza através do direito a uma decisão judicial sem dilações.

A arguida entende que os factos vertidos na acusação não consubstanciam qualquer tipo objectivo de ilícito disciplinar, incorrendo assim a acusação em erro manifesto nos pressupostos de facto.

Para tanto e em suma,  invoca que:

-Sendo os prazos de prolação de despachos e sentenças meramente ordenadores e tendo em conta que nem sempre podem ser cumpridos devido ao elevado volume de processos pendentes, é necessário, para que o seu não cumprimento configure uma infracção disciplinar, que se sejam alegados comportamentos culposos, baseados em factos concretos, que possam consubstanciar de forma objectiva a violação do dever de zelo, nomeadamente se a arguida faltou injustificadamente ao trabalho, se adoptou uma postura de laxismo, entre outros comportamentos;

-Como não existem no processo elementos que fundamentem a existência de tais comportamentos, impõe-se a conclusão da inexistência de infracção disciplinar;

-Pelo contrário, o contexto dos factos demonstra que à arguida não era exigível outro comportamento;

-A acusação limita-se a descrever a tramitação dos processos em causa, concluindo pela actuação livre, sem averiguar se os atrasos tiveram como causa o comportamento culposo da arguida, na forma de dolo ou negligência;

-Ao admitir que é possível sancionar a arguida pela violação do dever de zelo, apenas com fundamento na existência de atrasos, sem nada se dizer quanto às causas subjacentes aos mesmos, é feita na acusação uma leitura inconstitucional do artigo 3.º, n.º 2, alíneas e) a g), conjugado com os n.ºs 7 a 9, do EDTEFP, por violação do direito de defesa e do princípio da presunção de inocência.

Invocando o elevado volume de serviço, problemas de saúde e familiares que afectaram o seu desempenho, conclui que qualquer juiz, colocado na sua situação concreta, não teria desempenho diferente.

Não oferece qualquer dúvida o facto de que para que ocorra uma infracção disciplinar, é necessário que o agente viole culposamente deveres inerentes à função que exerce, cfr. art.º 3.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n° 58/2008, de 9 de Setembro (EDTEFF), pois só assumem relevo disciplinar as condutas censuráveis, ou seja, quando o agente podia e devia ter agido em conformidade com as regras violadas.
(…).
Nos moldes mencionados, como decorre da Constituição e do Estatuto dos Magistrados Judiciais, estando os juízes sujeitos ao cumprimento de prazos estabelecidos nas leis processuais e sobre eles impendendo o dever de administrar a justiça e decidir em prazo razoável, resulta claro que os factos provados consubstanciam a violação permanente e muito grave do dever de zelo e do dever de criar no público confiança na administração da justiça.
Os atrasos em causa não são ocasionais, mas reiterados e em elevado número, para prolação de decisão e saneadores, a maior parte com atrasos de vários meses, tendo ainda inúmeras atas por assinar electronicamente, muitas das quais com sentenças ditadas oralmente. É assinalável o número destes atrasos, superiores a 90. Por outro lado, os atrasos respeitam a processos de reduzida complexidade, por isso inaceitáveis, por não terem cabal justificação, apesar das circunstâncias que o Exmo. Inspector Judicial reconheceu, e que aqui também se reconhecem, como tendo condicionado o desempenho da arguida.
Veja-se que dos processos com atraso na prolação de despacho ou decisão, daquele universo apenas despachou 5 processos, isto não obstante ter já sofrido um sanção disciplinar por violação do dever de zelo e ter sido notada de medíocre. Existe uma incapacidade inerente à própria Exma Senhora Juíza de organizar minimamente o serviço para que se possa dar uma resposta satisfatória aos cidadão que recorrem à justiça, com sistemáticos atrasos. Não se olvide, como já dissemos, que o Conselho Superior da Magistratura já havia alertado (pela nota de medíocre e processo disciplinar) para uma necessidade da Exma Juíza de empreender um esforço no sentido de organizar melhor o serviço e ser mais zelosa, por forma a evitar atrasos nos despachos e decisões, mas os atrasos continuaram a verificar-se mesmo depois da decisão no processo disciplinar ter-se tornado definitiva.
Estamos, por isso, convictos que os atrasos devem-se essencialmente a uma perene e grave falta de método, organização e gestão do serviço por parte da arguida, pois perante um serviço que em volume e complexidade se pauta pela normalidade, e mesmo consideradas as circunstâncias que de algum modo terão condicionado o seu desempenho, com outro método, outra capacidade organizativa, teria sido possível à arguida evitar ou pelo menos atenuar seriamente esse atrasos.
Esta constatação, associada ao elevado número e extensão dos atrasos em que a Exma. Juíza incorreu, revelam o enorme descontrolo sobre a organização e gestão do serviço a seu cargo, com reflexos muito negativos na eficiência global do desempenho do Tribunal e na sua imagem.
Mas a situação chega mesmo a agravar-se após a cessação de funções da arguida, pois tendo-lhe sido concedida autorização, por despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de 13.05.2013, para que concluísse os julgamentos ou diligências já iniciadas, nisso se incluindo a decisão da respectiva matéria de facto, conforme sucessivamente constatado pelo Exmo. Inspector Judicial, em 07.06.2013, em 12.09.2013 e em 17.12.2013, dos 16 julgamentos realizados entre 29.09.2011 e 30.04.2013, a arguida mantinha os processos em seu poder para completar com a inserção dos despachos de fixação da matéria de facto proferidos oralmente e assinar as respectivas actas, a que acrescem mais seis processos cujos julgamentos concluiu entretanto.
 Resulta á evidência que a arguida incorreu em atrasos em processos nos quais as sentenças deveriam ter sido proferidas de imediato, não proferindo atempadamente decisão sobre a matéria de facto em muitos dos processos em que realizou o julgamento e que continuam a aguardar a prolação da referida decisão. Por outro lado, a arguida manteve durante todo este período (abertura da conclusão até ao terminus da inspeção), dos 46 processos que estavam por regularizar desde 2012, a arguida apenas despachou 5 processos, a saber acção 2142/12.0TB; 251/12.5TMMTS;14909/12.5YIPRT, 53509/12.2YIPRT e 77266/12.3YIPRT. A incapacidade de gestão e de resposta mínima às solicitações processuais manteve-se, mesmo apesar, de anteriormente condenada por idêntica factualidade.
Tal ocorreu não obstante a arguida tenha tido o auxílio de dois juízes, respectivamente para a tramitação de acções executivas e para a recuperação de atrasos em que incorreu. E, não obstante o facto da pendência e distribuição com que se deparou serem inferiores às de muitos tribunais com competência nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e de muitos dos tribunais situados nas áreas urbanas da maioria das comarcas do litoral do país.
Os comportamentos revelados no período agora em apreço, o seu historial (notação de medíocre, antecedentes disciplinares para os atrasos posteriores a 21/11/2012- descontado nesses atrasos o período de baixa e de férias pessoais), as oportunidades concedidas para inverter o seu método de trabalho e organização de serviço, os fracos níveis de produtividade espelhados (1141 decisões: 385 no ano de 2010, das quais só 25 foram em acções contestadas; 381 no ano de 2011, das quais só 41 foram em acções contestadas,  e 375 no ano de 2012, das quais só 37 foram acções contestadas, tendo prolatado 32 saneadores no período com elaboração da matéria de facto), concluímos que a aludida incapacidade ou inaptidão para o serviço é evidente e perene, para além de uma nova violação culposa do dever de zelo, com inerente prejuízo para as partes envolvidas e para o serviço, sendo que lhe era possível e exigível empenho e actuação diversa, tendo também violado culposamente o dever de prossecução do interesse público, especificamente, o dever de actuar no sentido criar no público confiança na administração da justiça.
Contrariamente ao que alegou na sua defesa, a arguida não se debateu com um volume de serviço que pela sua quantidade e/ou complexidade possa ser considerado diverso do volume de serviço a que a generalidade dos juízes está sujeito no desempenho das suas funções.
E também contrariamente ao afirmado pela arguida, em muitos tribunais com maior distribuição e volume de serviço (fluxo) do que aquele que enfrentou num juízo onde exerce funções há vários anos, a grande maioria dos juízes, muitos deles, apesar de também se confrontarem com problemas pessoais e familiares, com grande empenho, conseguem assegurar a tramitação atempada do serviço a seu cargo.
Conforme é certeiramente concluído pelo Exmo. Inspector Judicial «[E]ra, sem dúvida, exigível à Exma. Juíza, apesar dos alegados problemas pessoais e familiares, outro comportamento, diferente gestão e organização do serviço, maior empenho e outros resultados.»
Conclui-se pela improcedência do invocado pela arguida, fundado nomeadamente na pretensa interpretação inconstitucional das normas que consagram o dever geral de zelo e do dever especial de criar no público confiança na administração da justiça e da não exigibilidade de outro comportamento.
B) Da não exigibilidade de outro comportamento
A arguida defende que a entender-se que os factos imputados integram infracção disciplinar, deverá concluir-se pela inexigibilidade de outro comportamento, dado que enfrentou e enfrenta problemas de saúde, pessoais e familiares que afectam e afectaram o seu desempenho, não lhe sendo exigível, em face das circunstâncias, outro comportamento.  
A não exigibilidade de conduta diversa integra uma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar que se encontram tipificadas no artigo 21.º, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, circunstância que se traduz essencialmente na falta de liberdade para o agente se comportar de modo diverso e que assim afasta a culpa.
Conforme consta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.09.2010 (JSTA00066557), esta cláusula geral de exclusão de responsabilidade disciplinar, haverá de resultar de circunstâncias externas que não deixem ao agente a possibilidade de se comportar diferentemente (Eduardo Correia, Direito Criminal, I, págs. 444 e 445), ou, noutra formulação, haverá de ter “origem numa pressão imperiosa de momentos exteriores à pessoa”, em situação tal “que permita afirmar que também a generalidade dos homens “normalmente fiéis ao direito” teria provavelmente actuado da mesma maneira” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, I, p. 561).
Na situação vertente, não se verifica a referida circunstância conforme de alguma forma supra se adiantou. Com efeito: (i) está em causa o exercício de funções num tribunal em que o serviço não pode ser considerado como excessivo, com desvio da normalidade; (ii) com adequada gestão processual e definição de prioridades, a arguida podia e devia ter evitado incorrer nos atrasos processuais em que sempre incorreu ao longo de quase toda a sua carreira profissional e que aqui são muito expressivos e significativos.
De outra banda, a sua doença não a privou das suas faculdades intelectuais (cfr. art.º 21.º, b), do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas), enquanto situação endógena que, na falta de quaisquer elementos de suporte, não se ponde considerar verificada e que não foi expressamente invocada pela arguida.
A verificação da inimputabilidade não se basta com a existência de doença mental, na medida em que esta não a postula sem mais, sendo necessário que a doença mental torne o agente incapaz de efectuar uma avaliação perante o ilícito e/ou que adopte uma conduta adequada perante a infracção.
Do acervo factual apurado não se pode concluir que, em algum momento, a arguida tenha estado incapacitada no plano da valoração do seu comportamento, o qual foi muito continuado e constante no tempo, pois os factos foram praticados ao longo de vários anos, sendo que muitos dos mais gravosos situam-se temporalmente em período anterior àquele em que a Exma. Juíza passou a ter problemas de saúde e que lhe impuseram a necessidade de acompanhamento psiquiátrico.
Também não foi alegado pela arguida e não resulta das informações clínicas juntas aos autos que a doença tenha privado a Exma. Juíza das suas faculdades intelectuais e volitivas de modo a que a impossibilitassem de ter consciência de que a sua conduta violava, de forma grave os seus deveres profissionais. Podendo e devendo ter agido de outra forma, a sua conduta, de violação continuada dos seus deveres profissionais, não pode deixar de ser passível de um juízo de censura, donde se concluiu que o seu comportamento é culposo.
Nestes termos, improcede a invocada não exigibilidade de outro comportamento.

*
A classificação de Medíocre atribuída à arguida na sua última inspecção traduz o reconhecimento de que teve um desempenho funcional aquém do satisfatório [art.º 16.º, nº 1, e), do Regulamento das Inspecções Judiciais].
Nos termos do art.º 34.º, n.º 1, do EMJ, a notação de Medíocre implica a suspensão do exercício de funções do magistrado e a instauração de inquérito/procedimento disciplinar, tendo em vista aferir se as deficiências registadas têm razões conjunturais ou estruturais.
Naquele primeiro caso, por via da aplicação de uma pena disciplinar adequada, é de assinalar ao juiz a obrigação de melhorar a sua prestação, não estando no entanto inviabilizada a possibilidade de continuar a exercer as suas funções.
Já no último caso, isto é, quando as circunstâncias revelem definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função e/ou inaptidão profissional, impõe-se a aplicação de uma pena expulsiva [cfr. art.º 95.º, n.º 1 alínea a), do EMJ].
Na situação em apreço, a Exma. Juíza desde há vários anos que revela incapacidade de organizar e gerir o serviço a seu cargo e de decidir as causas que lhe são distribuídas em tempo razoável, incorrendo em atrasos processuais generalizados e muito expressivos, mesmo em casos de reduzida complexidade.
Devido a esta incapacidade da Exma. Juíza, desde 2010, tem tido o apoio de outros Juízes que asseguraram parte significativa do serviço que lhe cabia e recuperaram a maioria dos atrasos acumulados. Mas mesmo com este apoio, a arguida não logrou manter o serviço em dia, não tendo proferido decisão (sobre a matéria de facto ou sentença) tempestiva nos processos em que presidiu aos respectivos julgamentos
E conforme também se frisou, mesmo após a sua suspensão de funções, altura em que já não tinha qualquer outro serviço a seu cargo, autorizada para concluir os julgamentos que já tivesse iniciado, não conseguiu concluir a elaboração da decisão da matéria de facto nas acções sob a forma de processo sumário e nas AECOP e sumaríssimas ainda não prolatou as respectivas de sentenças.
Muito embora a Exma. Juíza tenha demonstrado uma preparação técnico-jurídica globalmente consentânea com as funções exercidas, o seu desempenho revela, desde há vários anos, muito marcantes deficiências, ao nível da organização, da gestão, do método, tramitação/controlo do processo, simplificação processual e observância dos prazos e procedimentos legais atinentes à celeridade. Como tem revelado também muitos e expressivos atrasos e níveis de produtividade que ficam aquém do que lhe seria exigível[21], tudo com impacto fortemente negativo no estado dos serviços e na imagem dos tribunais, para além dos prejuízos inerentemente provocados aos cidadãos utentes da justiça.

No período abrangido pela anterior inspecção, o desempenho da Exma. Juíza foi classificado com a notação de Suficiente, tendo subsequentemente obtido a classificação de Medíocre e a Exma. Juíza foi já sancionada em anterior processo disciplinar, sem que tais classificações e sanção a tenham levado a alterar os aspectos negativos assinalados nos relatórios de inspecção e no relatório do processo disciplinar.

Apesar de ter pedido e de lhe ter sido deferida a suspensão e o alargamento do período da última inspecção, e apesar do auxilio prestado por outros juízes, foi incapaz de recuperar os atrasos, nomeadamente na prolação de sentenças em acções de reduzida complexidade em que realizou há vários anos os respectivos julgamentos. Também após a suspensão de funções não conseguiu proferir sentenças e decisões sobre a matéria de facto no reduzido número de processos em que nesse período teve a seu cargo. 
Não se colocando em causa que a Exma. Juíza enfrentou e enfrenta problemas de saúde e problemas familiares, nem o evidente desgaste provocado pelas cargas de serviço e exigências inerentes ao exercício das funções de juiz, com a consequente dificuldade de tudo articular, terá ainda assim de se concluir que a Exma. Juíza demonstra incapacidade definitiva de adequação às exigências da função, nomeadamente para organizar e gerir o seu trabalho e decidir em tempo razoável, mesmo em acções de reduzida complexidade, o que comprova a inaptidão para o exercício da judicatura.
A arguida considera desproporcionada a pena proposta na acusação e que veio a ser mantida no relatório final e pugna pela atenuação especial ou extraordinária da pena, o que implicaria a aplicação de uma pena de gravidade inferior à normalmente aplicável.
Ocorre que, contrariamente ao considerado pela arguida, as circunstâncias pessoais e familiares que terão de algum modo condicionado o seu desempenho, não permitem fundamentar a atenuação especial, devendo apenas atender-se na opção entre a aplicação da pena de aposentação compulsiva (menos gravosa) ou da pena de demissão (mais gravosa).
Temos de ter em conta além dos factos apurados o pretérito disciplinar, que foi de multa, por falta de zelo, embora com mais gravidade, pelo que a anterior pena terá pecado por defeito. No entanto, a reiteração da conduta, mesmo nunca ter esta cessado, mas permanecido, pese embora a oportunidade concedida em momento anterior, faz-nos acreditar que a arguida não tem capacidade para inverter o estado de impossibilidade de gestão do serviço a seu cargo.
Efectuada a devida ponderação com base em toda a factualidade provada, os antecedentes que já tem, por referência aos factos posteriores a 20/11/2012, entende-se ser de aplicar a aposentação compulsiva e não a demissão, por ser a sanção mais adequada e proporcional ao grau de culpa da arguida.
IV. DECISÃO
Por tudo o que ficou exposto e ponderado, os membros que constituem o Plenário do Conselho Superior da Magistratura declaram que a Exma. Juíza Dra. AA revela definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função e inaptidão profissional e, em consequência, aplicando a pena disciplinar de aposentação compulsiva, nos termos do disposto no artigo 95.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Estatuto dos Magistrados Judiciais.».

De Direito:
As questões suscitadas no presente recurso, enunciadas por uma ordem de precedência lógica, são as seguintes:

- Nulidade da deliberação recorrida por ofensa do caso julgado;

- Nulidade da deliberação recorrida por preterição do direito de defesa da recorrente sobre a matéria da acusação;

- Falta de preenchimento do tipo de ilícito;

- Inexigibilidade de comportamento diverso;

- Violação do princípio da segurança no emprego;

- Aplicação do regime da atenuação especial da sanção e violação do princípio da proporcionalidade;

1. Em tese geral, pode-se afirmar que o respeito pela decisão judicial radica na necessidade de garantir o prestígio dos Tribunais mas, sobretudo, na defesa da certeza, da segurança jurídica e da paz social (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra págs. 305 e 306).

No contexto específico do contencioso de mera anulação – assim se tem caracterizado, pacificamente, a impugnação, perante este Supremo Tribunal de Justiça, das deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura – a pretensão imediata é a invalidação do acto recorrido.

Tem-se entendido, tradicionalmente, que as decisões judiciais que anulam actos administrativos contêm um momento definitório (que se concretiza no acertamento da invalidade do acto da administração e na sua eliminação retroactiva), também apelidado de efeito constitutivo (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 9.ª Ed., Almedina, pág. 372).

Associa-se-lhes, paralelamente, um alcance preclusivo, que se traduz na imposição à Administração, em sede de renovação do acto anulado, da proibição de reincidir nos vícios que determinaram a anulação (por todos, v. Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina, 2.ª Ed., Almedina, págs. 36 e 92 a 94).

Não obstante, o alcance negativo do efeito preclusivo do caso julgado não impõe à Administração o conteúdo de determinados actos, mas apenas a observância de uma regra de não contrariedade ao decidido. (vide Freitas do Amaral, ob. cit., pág. 53 e 57). A invalidade do acto reincidente será sempre aferida por referência à decisão que anteriormente declarou a inexistência /nulidade/anulabilidade do acto anterior.

A este propósito, pode ainda mencionar-se um efeito preclusivo complementar consubstanciado na vinculação da Administração aos elementos que já integravam o procedimento e que não devam ter-se por afectados ou carecidos de revisão em consequência da decisão judicial definitiva (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Outubro de 2013), os quais, salvo a superveniência (objectiva ou subjectiva) de factos novos com relevância, se consolidam.

No contexto das decisões invalidantes de actos administrativos, a sua execução reporta-se, no dizer da lei (artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais administrativos), ao «dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado», tudo em homenagem ao princípio da reconstituição da situação hipotética actual.

O acto administrativo que desconsidere o caso julgado é sancionado com a nulidade pela alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo. Também o n.º 2 do artigo 158.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos sanciona com a nulidade os actos desconformes com decisões judiciais.

Estes preceitos, embora os respectivos campos de aplicação não sejam coincidentes, procuram assegurar, fundamentalmente, que as decisões judiciais vinculativas para a administração sejam por esta, efectivamente, cumpridas e respeitadas, dando-se assim expressão prática, no âmbito do procedimento administrativo, ao princípio da subordinação do poder administrativo ao poder judicial (cfr. n.º 2 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa).

Tecidas estas breves considerações e entrando na análise da primeira questão suscitada pela recorrente, impõe-se, primeiramente, descortinar o alcance da decisão tomada, para se apurar da eventual ofensa ao caso julgado, tomando-se por base a fundamentação adoptada e a parte dispositiva do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 16/14.0YFLSB.

Este acórdão declarou nula a deliberação recorrida na constatação de que «os atrasos precedentemente considerados no processo n.º 101/2012-PD não foram elencados na deliberação recorrida como mero antecedente disciplinar. É que, em momento algum da deliberação recorrida, se faz qualquer cisão entre os factos pelos quais a recorrente já havia sido condenada (factos coincidentes) e os factos que eram posteriores e/ou distintos daqueles.».

Partindo dessa constatação, considerou-se que o recorrido não podia, no âmbito de um outro processo disciplinar, «utilizar os factos que naqueloutro processo disciplinar já foram considerados/valorados e que fundamentaram a aplicação daquela pena, para os voltar a apreciar para estabelecer se a recorrente possui ou não aptidão para o exercício de funções e, consequentemente, para fundamentar a aplicação de uma outra sanção (aposentação compulsiva).

É que, em homenagem ao princípio ne bis in idem, não se pode proceder a uma nova valoração punitiva que incida sobre os mesmos factos (coincidentes nos dois processos disciplinares), com o pretexto de que neste processo disciplinar, importa apreciar a aptidão ou inaptidão da recorrente para o exercício de funções na magistratura. (…)

Assim, não se pode agora afirmar que, como o presente processo disciplinar visa uma análise e ponderação da aptidão da recorrente para o exercício de funções, nele é possível reapreciar os mesmos factos, porque pese embora legalmente o CSM estivesse obrigado a iniciar um inquérito por força da classificação de “Medíocre” (cf art. 34.º, n.º2 do EMJ), não podia o recorrido olvidar que a maioria dos factos já haviam sido sindicados e censurados pelo CSM em processo disciplinar anterior cuja decisão já se tornara definitiva».

Por isso, se concluiu que a «deliberação recorrida, agora a propósito de ponderação da aptidão ou inaptidão da recorrente para o exercício de funções, procedeu à recuperação de factos já apreciados e censurados (censura essa já consolidada na ordem jurídica), usando-os para punir a recorrente outra vez», pelo que era «de considerar que estamos perante uma clara violação do princípio «non bis in idem». (…)”».

Uma vez identificada a consequência de tal infracção – a nulidade do acto administrativo impugnado –, o mesmo aresto expôs as consequências que deveriam ser extraídas pelo Conselho Superior da Magistratura numa subsequente deliberação, nos seguintes termos:

«A nulidade da deliberação recorrida por violação do princípio non bis in idem, impõe que sejam expurgadas as referências aos processos e condutas procrastinatórias neles respectivamente adoptadas que se acham referenciadas no processo disciplinar que correu termos sob o n.º 2012/101-PD, nos casos em que há absoluta identidade entre os processos e os factos agora em causa e aqueles que já foram julgados no seio do pretérito processo disciplinar 101/2012-PD e que acima enumerámos.

Cumpre ainda referir que os atrasos processuais não constantes do processo disciplinar n.º 101/2012-PD e em que a recorrente incorreu até ao dia 21-11-2012 têm que ser integrados e interpretados considerando que, até então, a recorrente não possuía qualquer antecedente disciplinar.

Os factos que foram valorados no processo disciplinar n.º 101/2012-PD apenas podem ser considerados como antecedente disciplinar no âmbito do presente processo disciplinar (n.º 2013-290), relativamente aos factos praticados pela recorrente a partir de 22-11-2012. E também não se pode olvidar que a recorrente esteve de baixa médica desde 22-10-2012 a 21-12-2012 (com férias judiciais até 03-01-2013), pelo que os atrasos ocorridos nesse período também não podem ser valorados, por não lhe serem directamente imputáveis».

Resulta, assim, da análise do discurso fundamentador da decisão proferida no processo n.º 16/14.0YFLSB que, por um lado, se declarou a nulidade da deliberação recorrida e que, por outro lado, se traçaram directivas claras sobre factores a considerar ou desconsiderar numa futura deliberação, os quais se podem resumir nos seguintes termos:

            - exclusão de referências a atrasos incorridos nos processos judiciais referenciados no processo disciplinar n.º 101/2012-PD que sejam coincidentes com aqueles que foram mencionados no processo disciplinar n.º 2013-290;

            - os atrasos processuais que não constem do processo disciplinar n.º 101/2012-PD e em que a recorrente haja incorrido até ao dia 21 de Novembro de 2012 têm que ser valorados no pressuposto de que, até então, aquela não fora alvo de qualquer sanção disciplinar;

            - os factos valorados no processo disciplinar n.º 101/2012-PD apenas podem ser considerados como antecedente disciplinar no âmbito do processo disciplinar n.º 2013-290 relativamente aos atrasos em que a recorrente incorreu a partir de 22 de Novembro de 2012;

            - dado que a recorrente esteve de baixa médica entre 22 de Novembro de 2012 e 21 de Dezembro de 2012 (com férias judiciais até ao dia 3 de Janeiro 2013), os atrasos ocorridos nesse período também não podem ser valorados, por não lhe serem directamente imputáveis;

            Vejamos se a deliberação recorrida desrespeitou o julgado.

O acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 16/14.0YFLSB resolveu definitivamente as questões da prescrição do procedimento disciplinar, da violação do princípio ne bis in idem e da inexigibilidade de conduta diversa.

Não pode, porém, esquecer-se que a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 11 de Março de 2014 foi declarada nula no seu todo, sem nela se particularizar qualquer um dos aspectos em que se desdobrou.

Equivale isto por dizer que, por efeito da eliminação retroactiva operada por essa invalidação, deixou de existir na ordem jurídica uma pronúncia do órgão competente sobre os fundamentos da defesa apresentada pela recorrente, concretamente sobre tais questões.

            Por isso e em natural decorrência do princípio da decisão consagrado no n.º 1 do artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo, estava o Conselho Superior da Magistratura adstrito a tomar posição sobre essas mesmas questões, sob pena de incorrer em indevida omissão de pronúncia.

            Acresce que, se atentarmos nos termos em que foi apreciada e resolvida a arguição da prescrição, verificamos que é total a sua consonância com o que foi decidido por este Supremo Tribunal de Justiça. Por seu turno, valorando a abordagem da invocação da violação do princípio ne bis in idem a que se procede na deliberação recorrida, verificamos que esta se limita a enunciar os termos em que se respeitará o julgado.

            Daí que sejamos levados a concluir, no que toca àqueles dois aspectos, que não se verificou qualquer desrespeito do caso julgado.   

No que tange ao conteúdo material da deliberação recorrida, também não se alcança que, considerando as directrizes a que supra aludimos, deva ser diversa a conclusão a extrair.

            Vejamos.

            A deliberação recorrida suprimiu quaisquer referências às condutas pelas quais a recorrente foi sancionada no processo disciplinar n.º 101/2012-PD, tendo apenas a elas feito menção como antecedente disciplinar. É o que resulta da conjugação entre os seus pontos nº.s 25 e 26 acima transcritos.

            Por seu turno, não se vislumbra que tenham sido concretamente elencados na deliberação recorrida quaisquer atrasos na prolação de despachos/sentenças ocorridos em data anterior a 21 de Novembro de 2012 (cfr. ponto n.º 7.1 daquela deliberação).

A referência a atrasos anteriores verificados em 1 de Janeiro de 2010 (cfr. ponto n.º 7) é feita em termos absolutamente conclusivos e, como tal, merecedores de crítica. Mas, como se depreende da análise interpretativa da motivação da deliberação recorrida supra transcrita, não se divisa que essa esparsa referência tenha, de algum modo, influído na decisão que veio a ser adoptada.

Acresce que não se verifica (nem, de resto, a recorrente o alega) que os atrasos na assinatura electrónica de actas (pontos nº.s 7.4 e 7.6 da mesma deliberação) ocorridos antes de 21 de Novembro de 2012 tenham sido valorados em moldes diferentes daqueles que foram preconizados pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a que vimos aludindo.

Por outro lado, tendo em conta o período em que a Exma. Sra. Juiz recorrente esteve de baixa médica – cfr. ponto n.º 6.1 da deliberação recorrida –, foram tidos como justificados os atrasos ocorridos em processos conclusos entre 24 de Setembro de 2012 e 23 de Outubro de 2012 (cfr. ponto n.º 7.2 daquela deliberação). Repare-se ainda que são enunciados os processos que, após 4 de Janeiro de 2013 e até 13 de Maio de 2013, foram despachados pela recorrente, bem como aqueles que ainda se achavam pendentes nessa data e até posteriormente (cfr. pontos nºs 13 a 17 do elenco factual).

Por fim e como certeiramente nota o Ministério Público, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a que vimos fazendo referência não impedia que se valorasse o percurso profissional da recorrente, tanto mais que tal era imperioso para aquilatar a sua aptidão para o desempenho da judicatura.

A tudo atendendo, não se vê como se possa considerar que a deliberação recorrida ofendeu o caso julgado material formado no processo n.º 16/14.0YFLSB deste Supremo, pelo que não procede a arguição da nulidade prevenida na alínea i) do n.º 2 do artigo 162.º do Código do Procedimento Administrativo.

            2. Entrando na apreciação da segunda questão enunciada, cumpre salientar que o alcance do caso julgado material formado no processo n.º 16/14.0YFLSB deste Supremo se cingiu à invalidação da deliberação nela apreciada, não abarcando fases anteriores do processo disciplinar no qual aquela foi adoptada.

Daí que devamos considerar que a acusação oportunamente dirigida contra a recorrente se manteve intacta, uma vez que o efeito preclusivo do decidido não a abarcava no segmento em que incidiu sobre factos ocorridos após 22 de Novembro de 2012, salvaguardado, porém, o período em que esteve de baixa médica.

Percorrendo os autos do processo disciplinar apenso, constata-se que a acusação em causa consta de fls. 308 a 336 do mesmo e foi oportunamente notificada à recorrente (cfr. fls. 338 do mesmo processo), tendo a Exma. Sra. Juiz apresentado a respectiva defesa (fls. 349 e ss. daquele processo).

O cotejo entre a deliberação recorrida e aquela peça acusatória permite, por seu turno, constatar que, nesta figuram, além do mais, os atrasos na prolação de despachos/sentenças e na assinatura de actas que se acham vertidos na deliberação impugnada (cfr., respectivamente, os processos referenciados nos itens n.os 7, 10, 14 a 57 do ponto n.º 7.1, no ponto n.º 7.6 e nos pontos n.º 12 a 15 da acusação e, paralelamente, nos itens n.os 1 a 46 do ponto n.º 7.1, no ponto n.º 7.6 e nos pontos n.º 13 a 16 da deliberação recorrida).

Aliás é de notar que, para além da já referida inclusão da condenação disciplinar sofrida pela recorrente no âmbito do processo disciplinar n.º 101/2012-PD (a título, como se disse, de antecedente disciplinar) e da exclusão de feitos aí já considerados, a redacção da deliberação recorrida acompanha, a par e passo, a narração vertida na acusação

Inexistem, por conseguinte, razões que constituam fundamento bastante para considerar que foi preterido o exercício do contraditório.

Nem se diga que o conteúdo decisório do acórdão proferido no processo n.º 16/14.0YFLSB deste Supremo Tribunal implicou o surgimento de uma “acusação diferente” como se sugere no artigo 20.º da petição inicial.

É certo que, por seu intermédio, se determinou a exclusão de factos – de atrasos em que a recorrente incorreu – que antes figuravam naquela peça processual. Contudo, a mera redução quantitativa das condutas disciplinarmente releváveis atribuível, unicamente, ao efeito preclusivo do caso julgado material é insusceptível de ser confundida com a modificação do substrato fáctico contido na acusação.

E só esta, justificaria, em aplicação prática do direito de defesa constitucionalmente assegurado ao arguido em processo disciplinar (n.º 3 do artigo 269.º da Constituição da República Portuguesa), a concessão de uma nova oportunidade à recorrente para se pronunciar sobre a modificação factual introduzida (neste sentido decidiu o Acórdão deste Supremo Tribunal de 12.02.2009, proferido no proc. n.º 4485/07).

No caso, a acusação a que supra aludimos inventaria os processos (discriminando a sua espécie e número) em que se verificaram os atrasos, o número de dias de atraso na prolação de despacho e/ou decisão em causa e na assinatura de actas.

A recorrente tinha, assim, ao seu alcance todos os elementos que lhe permitiam colocar em crise os factos dos quais emerge a sua responsabilidade disciplinar

Carece, pois, de fundamento a asserção vertida na parte final do artigo 19.º da petição de recurso, por não se evidenciar nos autos que haja ocorrido qualquer invalidade procedimental passível de conduzir à nulidade da deliberação baseada na preterição do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo).

            3. Como princípio de resposta à terceira questão suscitada, convém relembrar que no acórdão proferido no processo n.º 16/14.0YFLSB se deixou exposto que a «recorrente evidenciou atrasos em vários e indiferenciados processos, seja na prolação de sentenças, de despachos saneadores, de despachos de expediente, seja na assinatura de actas de julgamento e de forma constante e ininterrupto - comportamento uno e indiferenciado de atrasos, sem qualquer distância no tempo que separe os mesmos.

Concordamos com o CSM quando refere que se trata de “uma infracção estrutural, uma conduta que evidencia todo um método de trabalho (…) deficiente método de organização e gestão do serviço a seu cargo”. (…)

Entendemos que a recorrente assumiu um único comportamento, consubstanciado num único método de trabalho deficiente, que se traduziu numa una resolução que se protelou no tempo, ou seja, existiu uma única resolução que se traduziu na decisão de não prolação dos despachos necessários e adequados nos processos, em tempo útil e razoável, decisão essa que se protelou no tempo e só terminou com a prolação dos referidos despachos.

Nessa medida, tal comportamento deve ser interpretado como uma única conduta passível de censura.

Tendo assim por base a factualidade apurada e os ensinamentos que acima referimos, consideramos que, no caso em apreciação, a acção da recorrente, constitui uma infracção permanente».

Consabidos que são os termos em que se manifesta a força do caso julgado relativamente a questões concretamente apreciadas e resolvidas na decisão judicial e sendo inequívoco que a recorrente  interveio regularmente  na lide em que aquela

se formou, poder-se-ia, desde logo, considerar encerrada a discussão sobre a pretensa falta de descrição de elementos constitutivos da infracção disciplinar ou, por outras palavras, sobre a atipicidade da conduta da recorrente.

Não se concebe, na verdade, que a recorrente pretenda voltar a discutir um tema sobre o qual existe já uma pronúncia judicial imodificável e à qual deve obediência em função da vinculação produzida pelo trânsito em julgado.

            Sempre se dirá, no entanto, que, como deriva do artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, devem ter-se como «infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».

Daí que possa afirmar-se que, no que se refere à vida profissional do magistrado judicial, a infracção disciplinar corresponda ao incumprimento (por acção ou omissão) de um dever funcional (o que traduz a ideia de ilicitude) que se possa ter como culposo (sob a forma de dolo ou negligência).

Na medida em que, como emerge daquele preceito, as infracções disciplinares não estão, as mais das vezes, abstractamente tipificadas na lei, o CSM dispõe de uma margem de discricionariedade no exercício da sua tarefa de densificação – atendendo às exigências ético-deontológicas privativas do exercício da judicatura e aos contornos do caso - dessa cláusula geral, motivo pelo qual a sindicabilidade desse exercício radicará apenas na ocorrência de erro manifesto ou grosseiro ou na adopção de critérios ostensivamente desajustados. Assim decidiram, entre tantos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 2013 e de 11 de Dezembro de 2012, proferidos nos processos n.º 30/13.2YFLSB e n.º 61/12.0YFLSB, respectivamente.

            Os deveres de zelo e de prossecução do interesse público a que a lei se refere e que o órgão recorrido teve como violados estavam previstos, respectivamente, nas alíneas a) e e) do n.º 2 e nos n.ºs 3 e 7 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas – aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro –, aplicável por força do disposto nos artigos 31.º, 82.º e 131.º, todos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, constando, actualmente, das alíneas a) e) do n.º 2 e n.º 7 do artigo 73.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – aprovada pelo artigo 1.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho –.

Reconduzindo o seu âmbito de aplicação às especificidades próprias do exercício da judicatura, tem-se entendido que, por intermédio daqueles deveres, se preconiza, essencialmente, que o juiz decida em tempo útil e se assegure que a confiança dos cidadãos no funcionamento dos tribunais e a imagem global do poder judicial não é afectada pelo seu desempenho.

            A concretização da missão de administrar a justiça não deve ser entorpecida com atrasos injustificados que obstem a que os cidadãos obtenham uma decisão em prazo razoável, a fim de se lhes garantir uma tutela efectiva dos seus direitos, como se preconiza no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Com efeito, não é exigível aos cidadãos e às empresas que aguardem tempos infindos por uma decisão que dirima os seus conflitos.

Apreciando os argumentos aduzidos pela Exma. Juiz recorrente, cumpre, desde logo, referir que a natureza meramente disciplinadora ou ordenadora dos prazos legais para a prolação de despachos e decisões não significa que o respectivo cumprimento fique dependente da vontade do julgador ou que o seu constante desrespeito seja desprovido de relevância.

Acrescente-se ainda que o n.º 7 do artigo 4.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, estipula que a sentença deve ser logo ditada para a acta, situação em que se não compreende a referência à existência de prazos meramente ordenadores, sendo que jamais se alegou que os processos tramitados ao abrigo do regime processual experimental constante do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, tinham uma tal complexidade que justificava que a respectiva sentença não fosse de imediato ditada para a acta, como determina o n.º 3 do artigo 15.º desse diploma.

A atitude omissiva da recorrente – que se traduziu na falta de prolação de despachos e sentenças nos prazos e/ou nos momentos legalmente previstos para o efeito – é, por si só, indicador bastante de que a recorrente incorreu em incumprimento dos sobreditos deveres funcionais gerais, ou seja, que a sua actuação preencheu o tipo objectivo do ilícito disciplinar.

Na verdade, a violação dos deveres funcionais de zelo e de prossecução do interesse público consolida-se a partir do momento em que se deixam por redigir despachos, não se revêem atempadamente actas de diligências e omite-se a prolação de decisões.

Por seu turno, a culpa, isto é, o nexo de imputação do facto à vontade do agente em termos susceptíveis de censura ético-jurídica, é, em regra, insusceptível de demonstração directa, pelo que, como em outras tantas áreas da aplicação do Direito, a sua comprovação assentará numa inferência que parte da consideração dos dados factuais provados e da sua conjugação com as regras da experiência. Partindo desses dados objectivos é possível afirmar que a Exma. Sra. Juiz teve consciência de que, ao omitir a prolação de sentenças e despachos no tempo devido e a assinatura de actas em tempo razoável, incumpria os mencionados deveres.

            No caso, há que realçar os seguintes elementos extraídos da deliberação recorrida:

- Os Juízos Cíveis da comarca de ... são tribunais classificados como acesso final, de competência especializada cível e em que vigorou o «regime processual civil experimental», aprovado pelo DL 108/06, de 8 de Junho;

- Na execução do serviço do 6.º Juízo Cível dessa comarca, a recorrente, desde início de Janeiro, teve o auxílio da juiz Dra.BB – tendo esta assumido metade das acções executivas (as que resultassem da distribuição e as pendentes que entraram a partir de 15 de Setembro de 2003, com excepção da realização de julgamentos agendados nos apensos declarativos até 31.12.09) – e, desde 21 de Dezembro de 2011 até meados de Maio de 2012, do Dr. CC, que, em regime de acumulação de serviço, elaborou um número assinalável de saneadores e sentenças;

- A 1 de Janeiro de 2010, a pendência estatística do ... Juízo ... do Tribunal da comarca de ... cifrava-se em 3332 processos (sendo 2842 execuções e respectivos apensos, embargos e reclamações de créditos);

- No período compreendido entre 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2012 foram distribuídos ao ... Juízo ... de ..., sem contar com as deprecadas, 4101 processos (2292 destes são acções executivas e 18 expropriações);

- A área de competência territorial do Tribunal Judicial de ... abarca um extensa área rural, a par da densa área urbana, com significativa implantação de comércio e indústria, nomeadamente na área dos transportes terrestres, donde emerge uma diversidade das questões a decidir nas acções distribuídas sendo, designadamente, frequentes acções relativas a questões de condomínio e transportes rodoviários.

- A produtividade da recorrente é classificada como sendo modesta, não tendo aquela fornecido quaisquer elementos que permitam ajuizar diferentemente.

- Os níveis de distribuição, o volume de serviço e a diversidade de causas julgadas nos Juízos Cíveis de ... reclamam dos seus juízes boa preparação jurídica, capacidade na gestão do serviço, correcta planificação das actividades, dedicação, assiduidade e zelo constantes e espírito resoluto na decisão;

- À data dos factos, a recorrente contava já com 15 anos de exercício de funções como juiz de direito, sendo titular do 6.º Juízo Cível da Comarca de ... desde 1999.

            Ponderando estes elementos factuais e conjugando-os com a dimensão temporal e quantitativa dos atrasos em causa, torna-se evidente que a recorrente conhecia as exigências do serviço, a natureza diversificada das questões jurídicas que se colocavam nas acções que devia tramitar e decidir e a carga processual com que, em concreto, se defrontava no Juízo em que desempenhou funções – tarefa em que teve o auxílio de dois outros colegas –.

Não obstante, não logrou desenvolver e aplicar um método de trabalho que permitisse corresponder ao volume de serviço nem evidenciar suficiente empenho na execução do serviço, denotando, preocupante défice de capacidade de decisão e de organização (refira-se que muitos dos processos em que se verificaram as delongas processuais requeriam apenas a prolação de um despacho de mero expediente).

Daí que, sem cuidar, para já, de averiguar se se verifica qualquer causa dirimente da responsabilidade disciplinar – em particular, a inexigibilidade de comportamento diverso – se deva considerar que os juízos valorativos inscritos na deliberação impugnada a respeito da culpa se revelam suficientemente alicerçados na facticidade provada, não se limitando à «simples imputação de atrasos», como se refere no artigo 40.º da petição de recurso.

Deste modo, não se pode concordar com a conclusão de que não se acha descrito qualquer comportamento censurável que possa ser imputado à recorrente. Na verdade, acham-se reunidos os requisitos de que o artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais faz depender a verificação de uma infracção disciplinar.

            Também quanto a esta questão, não assiste razão à recorrente.

            4. A inexigibilidade de outro comportamento constitui uma causa dirimente da responsabilidade disciplinar que se encontra prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 190.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Só «ocorre naquelas situações em que não é possível pedir ao agente – por factores reconhecidamente insuperáveis, fundados geralmente na ocorrência de condicionalismos de forte pressão psicológica – que se determine e que se oriente de modo juridicamente adequado, actuando de acordo com o Direito (…). Assim, afirmar-se-á essa causa de exclusão da culpa, quando se conclua que a generalidade dessas pessoas, colocadas nas mesmas condições concretas, teria agido da mesma maneira, pois se a causa da insuperabilidade está radicada em determinadas qualidades do agente ou do omitente que sejam censuráveis, como, por exemplo, uma diligência inferior à exigível em termos de normalidade ou numa falta de capacidade pessoal para vencer certas dificuldades, tem-se por não existente a inexigibilidade de outra conduta» (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Março de 2014).

            No caso vertente e valorando os factos tidos como provados, é patente que deles não resultam quaisquer circunstâncias que, invencivelmente, hajam impelido a recorrente a omitir a prolação de decisões (em processos que, como resulta da deliberação recorrida, não seriam dos mais complexos do 6.º Juízo Cível de ...) e despachos no tempo que lhe é legalmente imposto e a não rever atempadamente actas.

Na verdade, os factos evidenciam a falta de capacidade de organização do trabalho que a Exma. Sra Juiz denota e as deficiências na metodologia com que enfrenta o serviço a seu cargo. Estas constituem a causa mais próxima dos atrasos verificados, os quais, como se afirma na deliberação, não encontram plena justificação nos «problemas de índole pessoal e familiar que, seguramente, lhe terão retirado estabilidade emocional no exercício diário da função».

É sabido que o exercício da função judicial é extremamente exigente e, por vezes, desgastante a nível psicológico, sendo que os juízes não estão imunes às problemáticas que a vida lhes reserva e devem procurar conciliá-las com o desempenho inerente àquela função.

Por isso, uma das exigências de ser juiz consiste em conseguir compatibilizar, em termos de gestão do tempo e do serviço, as obrigações impostas pela família e pela maternidade ou paternidade com o labor judicativo, procurando encontrar um justo equilíbrio entre o tempo requerido para enfrentar os problemas pessoais e o tempo que deve dedicar ao serviço por forma assegurar.

As dificuldades de índole familiar da recorrente, sendo assinaláveis, não revestem carácter inultrapassável e não explicam totalmente o desempenho profissional deficitário da Ema. Juiz evidenciado pela facticidade provada.

É de ter como afastada qualquer possibilidade de considerar o volume de serviço (que o próprio recorrido reconhece ser exigente), a diversidade das questões jurídicas que enfrentou no seu desempenho no 6.º Juízo Cível de ... ou as alterações legislativas como determinantes de qualquer constrangimento impeditivo da execução atempada do serviço a seu cargo. Em boa verdade, referimo-nos a vectores com que qualquer juiz em qualquer tribunal é confrontado no seu múnus, pelo que, salvo circunstâncias excepcionais que não resultam da factualidade vertida na deliberação recorrida, jamais poderiam ser tidos como fundantes do afastamento da responsabilidade disciplinar.

Por outro lado, não se evidencia que o quadro psíquico de que a recorrente padece e a repercussão no trabalho da medicação que toma para a debelar, sendo significativos, apresentem uma evidente relação causal de todas as delongas verificadas.

É certo que a ponderação do quadro psíquico e familiar da recorrente favorecem a conclusão de que nos deparamos com uma situação dificilmente compaginável com uma dedicação ao serviço que lhe permitisse mantê-lo em dia.

Acresce que, perante um quadro depressivo (em que se destaca a percepção de que não está a corresponder às exigências do serviço), a atribuição da notação de “Medíocre” e a existência de um antecedente disciplinar poderão constituir um factor adicional de pressão (e não um estímulo) e acentuar as dificuldades com que aquela se deparava.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não tem, todavia, entendido as patologias do foro psíquico/problemas de índole familiar e pessoal como estando enquadradas na aludida causa de exclusão da responsabilidade disciplinar (por todos, o seu Acórdão de 25 de Maio de 2016 proferido no proc. n.º 121/15.5YFLSB).

Nesta linha de entendimento, consideramos que bem andou a deliberação recorrida ao não ter como dirimida a responsabilidade disciplinar da recorrente com base na suposta inexigibilidade de outro comportamento com base nos aspectos factuais vindos de tratar.

5. A penúltima questão a resolver assenta no pressuposto de que o estado de saúde da recorrente não é irreversível, pelo que, assim sendo, a quebra da relação jurídica de emprego atentaria contra o princípio constitucional da segunda no emprego.

A recorrente não indicou qual o preceito ou a dimensão normativa que hajam sido interpretados, aplicados ou desaplicados em moldes desconformes à Constituição da República Portuguesa, sendo que, em sede de fiscalização concreta, o juízo de inconstitucionalidade deve ter por objecto normas que tenham sido ou tenham de ser aplicadas na causa (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª Edição, Almedina, pág. 921).

Sempre se dirá que o direito à segurança no emprego não é absoluto, devendo, como decorre do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, ser entendido em conjugação com os limites expressos e implícitos (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2002, proferido no proc. n.º 4269/01)

Entre esses limites, conta-se a responsabilidade disciplinar do juiz, a qual pode conduzir à aplicação de sanções disciplinares expulsivas por inobservância de deveres funcionais, designadamente, o dever de administrar Justiça aos cidadãos e empresas que recorram aos tribunais.

Uma vez que nos deparamos com valores com idêntica de dignidade constitucional – nº.s 1 e 2 do artigo 204.º, n.º 1 do artigo 215.º e artigo 271.º - e dado que a aplicação da sanção de aposentação compulsiva teve lugar no âmbito de um procedimento disciplinar desencadeado pela infracção dos aludidos deveres funcionais e em que se concluiu pela reunião dos pressupostos legais de que aquela depende (designadamente, as previsões das alíneas a) e c) do artigo 90.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais), é de concluir que, nesse contexto, não se pode ter como violado o direito à segurança no emprego.

6. Por fim, defende a Exma. Juiz recorrente a aplicação do instituto da atenuação especial da pena, em consonância com o princípio da proporcionalidade, extraindo daí a consequência do arquivamento dos autos.

Sem embargo do que se dirá sobre o cerne da questão suscitada, sempre se salientará, desde logo, que nos encontramos no âmbito de um recurso de mera anulação incompatível com a pretensão de arquivamento dos autos.

Como vem sendo repetidamente afirmado por esta Secção de Contencioso, a escolha e determinação da medida da sanção disciplinar efectuada pelo Conselho Superior da Magistratura insere-se na ampla margem de apreciação e avaliação de que dispõe, pelo que só é legalmente admissível intervenção correctiva do Supremo Tribunal de Justiça nesse campo quando se mostre existir um evidente erro manifesto, crasso ou grosseiro ou ainda quando a eleição/fixação da sanção aplicável/aplicada haja assentado em critérios ostensivamente desajustados ou violadores de princípios, como seja o da proporcionalidade (cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Junho de 2016, proferido no proc. n.º 134/15.7YFLSB.S1).

O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso acha-se contido no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e definido nos nºs 1 e 2 do artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo, dele resultando que na prossecução do interesse público a Administração escolha as soluções de que decorram menos gravames, sacrifícios ou perturbações para as posições jurídicas dos administrados, o que se traduz num factor de equilíbrio, de garantia e controle dos meios e medidas adoptados por aquela.

Já Freitas do Amaral ensinava (Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de Lino Torgal, Coimbra, vol. II, págs. 129 a 132), antes da reforma do Código do Procedimento Administrativo que o referido princípio se desdobrava em três dimensões: a adequação, a necessidade e o equilíbrio.

«A adequação significa que a medida tomada em concreto deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir (…) a necessidade significa que, além de idónea para o fim que se pretende alcançar, a medida administrativa deve ser, dentro do universo das abstractamente idóneas, a que lese em menor medida os direitos e interesse dos particulares (…) o equilíbrio (…) exige que os benefícios que se esperam alcançar com determinada medida administrativa, adequada e necessária, suplantem, à luz de certos parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará (…)».

Por seu turno, a atenuação especial da sanção disciplinar, prevista no artigo 97.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, visa acautelar a ocorrência de circunstâncias singulares que possuem aptidão para diminuir substancialmente a ilicitude do facto e/ou a culpa do agente, projectando uma imagem global do ilícito disciplinar que se revela especialmente diminuída, de molde a conduzir à aplicação de uma sanção disciplinar de gravidade inferior àquela que nos termos da lei corresponderia à infracção disciplinar verificada.

            Regressando ao caso em análise, podemos afirmar que a facticidade provada não suporta um juízo conducente à pretendida atenuação especial da sanção disciplinar aplicada.

            Prosseguindo, importa recordar que o Conselho Superior da Magistratura, apreciando globalmente a facticidade provada, concluiu, por deliberação 11 de Abril de 2014, que a Exma. Juiz revelou inaptidão para o exercício da função judicativa e aplicou-lhe a pena de aposentação compulsiva, por aplicação do disposto nas alíneas a) e c) do artigo 95.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Impugnada contenciosamente esta deliberação, foi decidido, por Acórdão deste Supremo Tribunal, de 27 de Setembro de 2016, declarar nula tal deliberação com base em violação do princípio ne bis in idem.
Considerou-se neste mesmo Acórdão que, por força da condenação sofrida no processo disciplinar nº 101/2012-PD, por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 16 de Outubro de 2012 – que se tornou caso decidido em 21 de Novembro de 2012 –, «todos os comportamentos da arguida posteriores a essa data (21-11-2012), podem e devem ser analisadas tendo em conta que a arguida possui um antecedente disciplinar. Porém, relativamente a comportamentos/atrasos anteriores a esta data, os mesmos devem ser analisados tendo em conta que arguida não possuía quaisquer antecedentes disciplinares.
Logo, incidindo o juízo crítico e punitivo do CSM no presente processo disciplinar - com o n.º 2013-290/PD - sobre o desempenho da Exma. Juiz durante o período de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2012, houve que expurgar referências a processos e condutas da Exma. Juiz que haviam sido já consideradas no processo disciplinar anteriormente instaurado e no âmbito do qual, por deliberação de 16 de Outubro de 2012, tornada definitiva em 21 de Novembro de 2012, tinha sido punida com a pena de 30 dias de multa também por atrasos na prolação de decisões e despachos integradores da violação dos deveres de zelo e de criar no público confiança na administração da justiça.

            Na sequência do assim decidido, restaram para apreciação as dilações consideradas como integrantes da violação dos supra mencionados deveres funcionais em 93 processos, como decorre dos pontos de facto n.ºs 7.1 e 7.2.

Desses atrasos, foram considerados justificados 47 por baixa médica da Exma. Juiz e pela interposição de férias judicias (cfr. pontos n.ºs 7.1 e 7.2).

Relativamente aos 46 processos com prazos legais de decisão excedidos sem justificação, a Exma. Juiz despachou 5 até 13 de Maio de 2013, data em que foi suspensa do exercício de funções por despacho do Exmo. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, tendo despachado até à mesma data 20 processos (na sua maioria despachos de meros expediente) dos 47 com atraso justificado devido à baixa médica e às férias judiciais (cfr. pontos 13 e 14 da deliberação recorrida).

Embora tivesse sido autorizada a concluir julgamentos ou diligências de produção de prova já iniciadas, nisso se incluindo a decisão da respectiva matéria de facto, estavam ainda pendentes 21 processos sem decisão, em 7 de Junho de 2013 (cfr. pontos 15. a 17. da deliberação recorrida).

 Sem embargo de se considerar que a Exma. Recorrente vem evidenciando de forma consistente delongas na prolação de despachos saneadores, sentenças e despachos de mero expediente, nem todos explicáveis pelas dificuldades de ordem pessoal com que foi defrontada e que a fragilizaram física e intelectualmente, não pode esquecer-se que a deliberação que ora se aprecia a sancionou – no quadro de um desempenho globalmente negativo, mas circunscrito a atrasos em 93 processos (47 justificados) – com a mesma pena que lhe havia sido aplicada – aposentação compulsiva – considerando um universo de 562 processos atrasados.

Tudo ponderando, é de concluir pela particular impressividade da discrepância das medidas punitivas sucessivamente aplicadas à Exma. Recorrente, sendo de notar que o facto de a deliberação que corporizava uma dessas sanções ter sido invalidada em nada impede este cotejo.

Não oferecerá dúvida a asserção (até porque já foi afirmado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça mencionado no ponto n.º 3 do elenco factual) de que os factos apreciados na deliberação proferida no processo n.º 2012/101-PD e no processo disciplinar n.º 2013/290/PD se reconduzem a atrasos processuais maioritariamente injustificados que foram correctamente subsumidos a infracções ao dever de zelo e ao dever de criar no público a ideia de confiança na administração da Justiça. 

Mesmo tendo em devida conta que, na altura em que omitiu o comportamento activo que lhe era exigido, pendia já sobre a recorrente um antecedente disciplinar particularmente relevante e que, mesmo estando suspensa de funções, não logrou despachar, até Dezembro de 2013, todo o serviço ainda a seu cargo, não se pode deixar de registar o “salto” dado pelo CSM entre as medidas disciplinares aplicadas num e noutro momento.

Não se olvide, que, entre a sanção disciplinar de multa e as sanções disciplinares expulsivas, o Estatuto dos Magistrados Judiciais contempla outras medidas de cariz não expulsivo – artigo 94.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais –.

Por outro lado, não podemos deixar de acentuar que a consequência prática da anulação da deliberação anteriormente proferida pelo Conselho Superior da Magistratura no presente processo disciplinar foi, como bem nota a recorrente, a drástica redução do “quantum” de atrasos que o recorrido poderia considerar.

Não obstante, tendo sido operada essa redução, constata-se que a deliberação ora em apreço mantém praticamente intactas as considerações tecidas naqueloutra deliberação, as quais, como se vê, tiveram por base um universo significativamente superior de atrasos.

Poder-se-ia argumentar que a formulação do juízo de inaptidão para o exercício da judicatura não depende, no contexto do caso, da consideração do número de atrasos registados. Mas essa foi uma via que o recorrido não seguiu, quer na deliberação recorrida quer na defesa apresentada.

E se assim foi, não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça substituir-se-lhe nessa ponderação, tanto mais que se trata de uma área tipicamente privatística da administração.

Sobram, pois, as ostensivas discrepâncias, tudo levando a crer que se procurou corrigir o que pode ser tido como um erro – como se reconhece na deliberação recorrida, a sanção aplicada no processo n.º 2012/101-PD «terá pecado por defeito» – com a imposição de uma sanção expulsiva.

Extraiu-se a mesma consequência disciplinar para sancionar, de igual feição, atrasos registados em 93 processos e delongas ocorridas em 562 processos, o que, não obstante o antecedente disciplinar existente, evidencia a desadequação da sanção concretamente aplicada.

Verifica-se, por isso, uma manifesta infracção do princípio da proporcionalidade nas aludidas dimensões, o que, como viemos de expor, constitui fundamento de anulação da deliberação recorrida à luz do disposto nos artigos 7º e 163º nº 1 do Código do Procedimento Administrativo.

            III. Decisão:

Nesta conformidade e na procedência do recurso interposto – pedido subsidiário –, acordam os Juízes que constituem a Secção de Contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça em anular a deliberação recorrida.

Custas pelo recorrido (nºs 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil) sendo fixado em € 30.000,01 o respectivo valor tributário (nº 2 do artigo 34º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e em 6 Ucs a taxa de justiça.

Fernanda Isabel Pereira (Relatora) **
Gabriel Catarino (com voto de vencido)
Pires da Graça
Ana Luísa Geraldes (com voto de vencida)
Manuel Braz
Júlio Gomes
Sebastião Póvoas (Presidente da Secção)

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[1] As referências são elogiosas sobre o espírito de cooperação profissional que tem existido, apreciam o posicionamento da Sr.ª Juíza na condução das audiências, não têm reservas sobre a sua isenção e integridade em todo o processo decisório, e estão convictos, face aos comentários que reboam no tribunal, de que à falta de eficácia dos serviços subjazem também problemas de índole pessoal e familiar.

[2] Os trabalhos da inspecção foram iniciados em 21.02.2012, mas uma vez alertada para práticas e metodologias de trabalho menos correctas, e também para a necessidade de regularizar processos atrasados, a Sr.ª Juíza solicitou a suspensão da inspecção pelo período de 1 ano, reclamando a oportunidade de poder corrigir essas situações;

Por despacho de 8 de Março de 2012, atendendo à pretensão formulada pela Sr.ª Juíza, o Exmo. Sr. Vice-Presidente do C.S.M. determinou a suspensão da inspecção até fins de 2012.

Por consequência, os trabalhos da inspecção vieram a ser retomados em Janeiro de 2013, incidindo agora sobre o mérito do serviço prestado nos últimos 3 anos pela Sr.ª Dr.ª Maria Teresa, mais precisamente no período situado entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2012. 

[3] Conclusos em 25-01-2012, em 06.02.2012 tinha marcado tentativa de conciliação para 27 de Abril, que se frustrou, tendo determinado em acta que se solicitasse informação sobre o estado dum processo de insolvência.

[4] CONCLUSÃO - 21-01-2009: «Compulsados os autos constata-se não ter, ainda, sido observado o disposto pelo art. 326, n.º2 do CPC, o que, antes de mais, se determina». ..., 15-03-2012.

[5] Estes elementos estatísticos não são contudo a melhor referência para a avaliação do trabalho da Sr.ª Juíza, considerando que as cargas de serviço foram distribuídas por três juízes nos termos já assinalados, e nas acções de valor superior à alçada da Relação a responsabilidade é partilhada, primordial do juiz do processo na tramitação e exclusiva do juiz de círculo no julgamento e prolação da sentença.

[6] Nessa acção ordinária 8423/06.5tbmts, a Audiência Preliminar havia sido marcada de 30.12.09 para 06.05.2010; por impedimento dum dos mandatários adiou a diligência para 30.09.2010, tendo nessa data deferido a suspensão da instância, e designou como nova data 14.12.2010, entretanto alterada para 03.02.2011, data em que iniciou a diligência e, dado o adiantado da hora, marcou a continuação para 25.02.2011; por despacho desse dia adia para 15.03.11, mas por não ter tido disponibilidade de elaborar o projecto reagendou para 15.04.2011. Realizada.

[7] Nessa oposição 3494/08.2YYPRT, em 09.09.09 tinha marcado a AP para 27.11.09; em 23.11.09, invocando um dos mandatários o gozo de licença de paternidade, adiou a diligência para 18.01.2010; por despacho de 11.01.2010, deu sem efeito a diligência a requerimento das partes; em 15.02.2010 marca Audiência Preliminar para 24.09.2010, tendo no dia deferido a requerida suspensão da instância, mas não designou nova data; conclusos em 05.01.2011, marca AP para 01.06.2011; novamente suspensa a instância, sem designa  r nova data; e voltam conclusos em 19 de Janeiro de 2012.

[8] Na presente data (17-12-2013) ainda continuam a aguardar a inserção dos despachos de fixação da matéria de facto e a assinatura das respectivas actas.

[9] Na presente data (17-12-2013) continuam a aguardar a prolação de sentença.

[10] É indiscutível que in casu os atrasos processuais e demais deficiências em que incorreu a Ex.ma Juíza nada têm a ver com quaisquer circunstâncias atinentes aos níveis de distribuição processual (ou de complexidade) registados no tribunal em causa, como sobejamente decorre de todos factos concretos elencados no citado relatório.

[11] Excluída a matéria conclusiva, valorativa e opinativa.
[12] Nesta parte, foi alterada a qualificação como infracção continuada, constante da acusação, dado que reponderada toda a factualidade, foi entendido que a qualificação mais adequada é a de infracção permanente.

[13] Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 9ª edição, p. 810.

[14] Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar, p. 27 a 32.

[15] STJ 31 de Março de 2004, Processo n.º 03A1891, consultável em http://www.dgsi.pt.

[16]Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, p. 26.

[17] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Outubro de 2008, consultável em http:// www.dgsi.pt.

[18] O Direito Fundamental do Acesso aos Tribunais e a Reforma do Processo Civil, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra Editora 2001, Vol. I, p. 744.

[19] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 444/91, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 20.º, p. 495.

[20] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/08/2008, in www.dgsi.pt.

[21] No período de 3 anos (01.10.2010 a 31.12.2012) proferiu apenas 103 sentenças em acções (25 em 2010, 41 em 2011 e 37 em 2012), sendo que grande partes destas foram proferidas em AECOP e acções sumaríssimas, ou seja, em acções, por regra, de reduzida complexidade. No mesmo período proferiu apenas 32 (uma média inferior a 1 por mês) despachos saneadores com selecção da matéria de facto.

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Fernanda Isabel Pereira (Relatora) **

Gabriel Catarino (com voto de vencido)

Pires da Graça

Ana Luísa Geraldes (com voto de vencida)

Manuel Braz

Júlio Gomes

Sebastião Póvoas (presidente)

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DECLARAÇÃO DE VOTO

I. – A deliberação sob impugnação (de 27 de Setembro de 2016), teve como objecto sanar a nulidade que havia sido pronunciada no processo disciplinar nº 213/290/PD. Vale dizer que a deliberação aqui em apreciação foi proferida em obediência a um acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça – proferido no processo nº 16/14.0YFLSB, datado de 23 de Junho de 2016;
II. – Tratando-se de uma deliberação para sanação de uma nulidade apontada no predito acórdão – cumprimento de uma sentença anulatória – a deliberação não podia ter ido mais além do que foi, isto sanar o vício que determinou a anulação, sob pena de incumprir a sentença que determinou a anulação;
III. – Decorre desta injunção determinativa – cumprimento da sentença anulatória (corporizada no acórdão de 23 de Junho de 2016) – que o Conselho não estava obrigado a retirar consequências quanto á sanção disciplinar que tinha aplicado, isto porque o acórdão anulatório não preconizou ou induziu essa obrigação ou dever ao órgão da administração;
IV. – Expurgado o vício da deliberação anulada – nos termos em que o acórdão o tinha confinado (nulidade pela violação do princípio do ne bis in idem – fica reposta a validade do seu conteúdo decisório, não sendo consentido ao órgão da administração retirar outras consequências, nomeadamente no plano sancionatório, na deliberação renovada;
V. – A renovação da deliberação (anulada por decisão judicial) deve ser efectuada e confinar-se nos precisos termos em que a decisão anulatória o ordena;
VI. – Se o não fizesse incorreria em violação do caso julgado, por exceder ou omitir a ordem jurisdicional formada e constituída na decisão anulatória;
VII. – Aliás, este é um dos vícios apontados à deliberação e que foi afastado – cfr. fls. 64 e segs.;
VIII. – Tendo a deliberação, como é reconhecido no projecto, cumprido o julgado pronunciado na decisão que havia anulado a deliberação a renovar, não pode, salvo o devido respeito, anular-se a deliberação renovada;

IX. – A deliberação (renovada) cumpriu a decisão anulatória, pelo que a impugnação só poderia abranger a sanação da eventual falta de cumprimento;
X. – A não ser assim, admitir-se-ia que as sentenças anulatórias serviriam não para renovar as deliberações anuladas para formar e constituir novas, originárias e autónomas deliberações numa sequência interminável, deixando a administração – vale o mesmo para os órgãos jurisdicionais – sujeitos a ter que a cada sanação de uma nulidade ficar sujeito a uma nova decisão passível de impugnação ex novo. Vale dizer, em nosso juízo, que a deliberação renovada não tem que ser reconstruída, ou o órgão da administração, não tem que refazer a deliberação nova de acordo com os novos pressupostos de facto que resultam da parte anulado, se a decisão anulatória o não determinar;
XI. – Se a decisão anulatória anular a deliberação parcialmente ou quanto a um dos fundamentos e não determinar, concomitantemente, ao órgão da administrativo para retirar as consequências factuais e jurídicas da reformulação efectuada, o órgão da administração está interdito ou inibido de, na deliberação renovada, por iniciativa autónoma e motu próprio extrapolar ;
XII. – Dir-se-á que a ser assim a deliberação renovada poderá ficar descompassada e desfasada da realidade de facto que a sustenta, criando um conjunto desarmonioso e disforme;
XIV. – Poder-se-á argumentar que dentro do poder de aggiornamento e de conformação dos actos administrativos com a realidade factual que lhe compete decidir, conformar e regular, o órgão da administração tem um amplo poder de decisão;
XV. – Ou ainda, num outro registo, poder-se-ia argumentar que mudando a realidade factual, não faria sentido, que se mantivesse a mesma subsunção jurídica. Alterando-se a realidade factológica mal andaria o órgão de administração se razoasse juridicamente nos precisos termos em que o tinha feito com uma realidade, quiçá, totalmente diversa;
XVI. Ou ainda que se assim procedesse a administração estaria a aplicar o direito aos factos (realidade factual actual e vigente) descurando o dever de agir de acordo com a questão de facto que lhe é apresentada para regular e conformar a questão de direito;
XVII. – Ou ainda que a administração não pode afastar-se e despojar-se na sua função de conformar a realidade (factual) que lhe é propinada com a objecção (estritamente formal e insensível) de que tem de cumprir uma decisão anulatória;
XVIII. – Concedemos na bondade dos argumentos adiantados, e certamente, outros e mais ponderosos e alentados poderiam ser esgrimidos, mas à luz dos princípios que regem para a renovação dos actos anulados, não vemos como ultrapassar o empeço;
XIX. – No entanto, tendo o projecto confirmado que a deliberação ora sob impugnação cumpriu o caso julgado e, itera-se, sendo a deliberação uma deliberação renovadora, não vemos como, não ofendendo principio da vinculação à decisão anulatória, possamos ultrapassar o problema.
XX. – Uma derradeira consideração. O processo impugnatório ora em apreço bem poderia configurar-se como uma acção executiva de sentença anulatória, pois a recorrente invoca os argumentos – por exemplo a violação do caso julgado – e opõe à deliberação as mesmas questões que poderiam constituir a causa de pedir duma acção desse tipo. Retira delas outras consequências, mas, em nosso juízo, de forma abusiva.
Por razões que se atinam com este entendimento, rectius os limites e alcance do acto administrativo renovatório não votei o acórdão.

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No processo nº 31/16 este contencioso deu o seu acordo a uma decisão em que que se delimitava o âmbito do caso julgado de una sentença anulatória e quais os deveres que estavam cominados ao órgão administrativa para sanar o vicio na renovação da deliberação.
Permitimo-nos, data vénia, deixar aqui plasmada a parte fundamentadora da predita decisão.
“Estatui o artigo 164º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos que “quando a Administração não dê execução espontânea à sentença no prazo estabelecido no nº 1 do artigo 162º, o interessado e o Ministério Público, quando tenha sido autor no processo ou estejam em causa os valores referidos no n.º 2 do artigo 9.º, podem pedir a respectiva execução ao tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição.” [ Salvo ocorrendo motivo de justa inexecução, o prazo fixado no preceito citado para a execução da sentença é de noventa (90) dias. ]
E preceitua o n.º 3 do mesmo artigo que “na petição, o exequente pode pedir a declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença, bem como a anulação daqueles que mantenham, sem fundamento válido, situação ilegal.”
A execução deverá entender-se como a realização “pela administração activa, dos actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efectiva na ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria, se o acto ilegal não tivesse sido praticado”. [ Vide Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª edição, Almedina, 1997, p. 45. ]
Constitui opinião corrente que, se com uma sentença meramente anulatória, raramente se consegue restabelecer a situação anterior à prática do acto ilegal, nunca se conseguirá “reconstituir por completo a situação que existiria actualmente – no momento em que se procede à reintegração da ordem jurídica – se o acto não tivesse sido praticado.” [ Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª edição, Almedina, 1997, p. 41. “Para apagar inteiramente os vestígios da ilegalidade cometida, não pode tomar-se como critério a ideia de restabelecer a situação anterior à prática do acto ilegal, antes se faz mister aplicar o critério a que podemos chamar da reconstituição da situação actual hipotética (…)” ]
Quando se pretende pôr em tela de juízo qual o conteúdo de cada execução a doutrina revela dissidência. Enquanto uma parte é proclive na defesa de que uma anulação contenciosa é retroactiva e “portanto produz efeitos ex tunc”, outros propugnam pela necessidade de proceder a uma análise da sentença exequenda e “definir o conteúdo da execução em harmonia com os fundamentos e com a decisão daquela. Entendem estes autores, nomeadamente, que cumpre deduzir dos fundamentos conhecimento dos vícios que determinaram a anulação, pois será em função deles que variará, de caso para caso, o conteúdo da execução.” Uma outra corrente defende que “uma boa parte da determinação do conteúdo da execução não pode ser feita senão feita pela própria autoridade incumbida de executar a sentença, por isso lhe pertence uma certa dose de discricionariedade quanto à escolha dos modos de a efectuar.” [ Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª edição, Almedina, 1997, p. 49-50.]
Com a questão da execução da sentença anulatória atina a extensão do caso julgado que se forma com a declaração, pelo tribunal de cassação, do acto administrativo impugnado.
Ainda no domínio da legislação administrativa anterior à reforma de 2005, o Prof. Rui Machete considerava que no procedimento de recurso contencioso a questão dos limites objectivos do caso julgado atinavam com o que na doutrina processualista civil se prosseguia com as teorias da individualização e da substanciação.
Partindo da noção/conceito de vício do acto, este administrativista considerava como vício “o comportamento da administração que ao praticar determinado acto infrinja os preceitos legais, que regulamentam o seu processo de formação.” “Em todo o rigor, o vício em sentido concreto é constituído por dois elementos: o comportamento da Administração que viola uma determinada norma jurídica e a norma jurídica que é violada, pelo que mutação de qualquer destes dois elementos se traduz essencialmente na alteração do vício.” [ Cfr. Rui Chanceler Machete, Dicionário Jurídico da Administração Pública, 2ª edição 1990, p. 295. “O vício do acto pode ser encarado como categoria dogmática, de natureza abstracta e geral, obtida por interpretação das normas e posteriores operações de construção jurídica, mas independente de qualquer aplicação das normas aos factos da vida ou pode ser vista como realidade concreta, historicamente realizada, consistente na desconformidade de certo requisito do acto com a previsão abstractamente prevista norma.” / “O vício do acto arguido pelo recorrente, consiste num facto, numa situação da vida, podendo o juiz, sem desrespeitar a sua vinculação ao pedido, ao pedido, decidir segundo outra perspectiva jurídica” – Rui Machete, op. loc. cit. p. 297. ]
Para o autor que vimos citando, é este conceito de vício que recorta e fundamenta, individualizando, a petição de recurso e, consequentemente, delimita o objecto do recurso contencioso que o administrado pretenda interpor de modo a anular – repor a situação que idealmente existiria, ou deveria ter-se constituído na sua esfera de direitos – se o acto viciado não tivesse sido, ilegalmente praticada pela entidade de natureza pública. [ “Ora os factos que servem de fundamento ao recurso, incluem necessariamente o tal comportamento concreto da Administração em contradição com as normas. Por sua vez, entre os fundamentos de direito, inclui-se também necessariamente a violação da norma violada, sendo até obrigatória a sua menção quando conste de preceito legal.” – Machete, Rui, op. loc. cit. p. 299. ]
As sentenças proferidas em processos de anulação podem ser condenatórias, “quando especificam os actos ou operações que devem ter lugar na execução da sentença ou determinam a entrega de uma coisa ou o pagamento de uma quantia; declarativas, designadamente quando determinam a nulidade de actos contrários à sentença ou declaram a existência de uma causa legitima de inexecução; constitutivas (-extintivas), quando anulam actos cuja manutenção seja legal; ou substitutivas, quando produzem os efeitos do acto administrativo devido e vinculado.” [ Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, A justiça Administrativa (Lições), Almedina, Coimbra, 2014, 3ª edição, p. 339-340. ]
Para este Professor “o efeito directo de provimento do pedido de anulação é o efeito constitutivo, que se traduz na invalidação do acto impugnado, eliminando-se desde o momento em que se verificou a ilegalidade, isto é, em regra, ressalvados os casos de ilegalidade superveniente, desde a sua prática – eficácia ex tunc da sentença.”
A reconstituição do acto invalidado não pode ser deixado, segundo a doutrina deste Professor, ao livre alvedrio da administração, por se considerar que esta pode não extrair todos os efeitos e consequências fácticas de decisões anulatórias “produzidas com efeitos retroactivos, tal como não era admissível que a administração pudesse vir a praticar um novo acto em tudo semelhante ao anulado – tudo sob pena de, na grande maioria dos casos, se negar a autoridade e alcance prático á anulação judicial.” . “Salientou-se, por isso, na doutrina, por um, lado, o dever, para a administração, de executar a sentença, pondo a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão judicial – isto é reconheceu-se e definiu-se um efeito “repristinatório”, ou mais amplamente, de um efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença, que impõe, na medida em que tal for necessário e possível (sem grave prejuízo para o interesse público), a reconstituição da situação que teria existido (deveria ter existido ou poderia ter existido) se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto não tivesse sido praticado sem ilegalidade – princípio da reconstituição da situação hipotética actual. Por outro lado, ressalta ainda o dever, para a Administração, de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as eventuais limitações que daí derivam para o eventual exercício do seu poder – isto é, reconhece-se um efeito conformativo ou preclusivo (ou inibitório) da sentença, que proíbe a “reincidência”, excluindo a possibilidade da Administração praticar um acto idêntico com os mesmos vícios individualizados e condenados pelos juiz administrativo, sob pena de nulidade, por ofensa ao caso julgado.”[ Vieira de Andrade, op. loc. cit. p. 340. / “A nulidade atinge seguramente os actos que repitam vícios que estiveram na base da sentença anulatória (por ofensa directa do caso julgado – cfr. artigo 133º, nº 2, alínea h) do CPA), mas poderá abranger também outros actos “praticados em desconformidade com a sentença” – v. sobre o assunto, o Acórdão do STA (Pleno) de 13/7/95, publicado com anotação de Aroso de Almeida, nos Cadernos da Justiça Administrativa, nº 2, ps. 18 e ss.” – Vieira de Andrade, op. loc. cit. nota 934, p. 340. ]
Para o autor acabado de citar. “a) a sentença de anulação só determina a actuação administrativa na medida de seus fundamentos, isto é, na medida do exacta em que julgou viciada uma decisão da Administração;
b) a autoridade administrativa, estando obrigada a executar a sentença, tem o dever de reexaminar a situação e de tomar todas as providências necessárias e convenientes para solucionar o caso em conformidade com alei e com o julgado, tendo em conta os interesses legítimos e relevantes e a situação de facto actual;
c) a execução integral da sentença implica, em regra, a reconstituição da situação que existiria caso a Administração não tivesse incorrido naquela ilegalidade que determinou, no juízo do tribunal, a anulação do acto (isto é, caso o acto não tivesse sido praticado ou tivesse ou tivesse sido praticado sem esse vício);
d) o tribunal, em execução de sentença anulatória, apenas pode condenar a Administração (“especificar os actos em que deva consistir a execução) e destruir os actos por esta praticados nos termos e nos limites decorrentes dos fundamentos invocados para a anulação do acto;
e) o particular lesado pela actividade administrativa ilegal tem o direito à reparação dos danos causados por esta, incluindo os que resultem da impossibilidade de execução integral da sentença –isto é, da reconstituição da situação hipotética actual – quer esta impossibilidade resulte de factores objectivos, quer decorra de decisão legitima da Administração.” [ Vieira de Andrade, Actos Consequentes e Execução de sentença Anulatória (Um caso exemplar em matéria de funcionalismo público), Revista Jurídica da Universidade Moderna, Vol. I, 1998, 35-36 ]
A execução de sentença anulatória do acto administrativo consiste na prática pela administração dos actos e operações necessárias à reconstituição “da situação que existiria se o acto anulatório não tivesse sido praticado” (cf. art.º 173, n.º 1 do C.P.T.A.)
O limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, “seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador de futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a anulação” (ac. do Pleno da 1ª secção de 8.5.2003, rec. 40821-A – Texto do acórdão de 8-05-2003 “De um modo geral, sem entrar em pormenores decorrentes do tipo de poder administrativo exercido ou da posição pretensiva ou opositiva do interessado, as sentenças anulatórias dos tribunais administrativos não tem um efeito puramente demolitório, antes delas emerge para a Administração o dever de desenvolver uma actividade de execução por forma a pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de provimento do recurso contencioso, o que se analisa:
- por um lado, no dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo);
- por outro, no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética actual ).
Por outro lado, os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determinam-se pelo vício que fundamenta a decisão (causa de pedir) (v. entre outros, acs. do Pleno da 1ª Secção de 21-6-91, Proc. 19 760, e de 29/1/97, Proc. 27 517, Apêndice..., pg. 111 e segs. e pg. 165 e segs., respectivamente). Refere-se, designadamente, no último aresto citado que a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto nada obstando, pois, a que a Administração, emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.” [ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.10.2006 (Proc. nº 0358/06), publicado em www.dgsi.pt. “I - A sentença anulatória de um acto administrativo tem um efeito constitutivo, que, em regra, consiste na invalidação do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento. Tem, também, um outro efeito, próprio de toda e qualquer sentença de um tribunal, seja qual for a natureza deste, que advém da força do caso julgado, apelidado de efeito conformativo (também designado de preclusivo ou inibitório), que exclui, no mínimo, a possibilidade de a Administração reproduzir o acto com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo. Ainda, um outro efeito, existe que é o da reconstituição da situação hipotética actual (também chamado efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença). Segundo este princípio, a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade. Finalmente, por a Administração não querer, não saber ou não poder, proceder à reconstituição da situação que era definida pelo julgado anulatório, nada mais restando ao administrado, ao abrigo do quadro normativo definido (art°173° n°1 do CPTA), do que ir novamente ao tribunal solicitar a execução do julgado. São os designados efeitos ultraconstitutivos da sentença de anulação, que se manifestam hoje no processo de execução de julgados, pelo qual os interessados podem obter a especificação do conteúdo dos actos e operações a adoptar pela Administração e o prazo para a sua prática (art°179° n°1 do CPTA), a declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença e a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal.
II - Pode definir-se como acto consequente aquele cuja prática e conteúdo depende da existência de um acto anterior que lhe serve de causa, base ou pressuposto.
Porém, este conceito de acto consequente é demasiado abrangente e generalizante para ferir de nulidade todos os actos que de uma forma lógica, cronológica ou formalmente tenham uma ligação com o acto judicialmente anulado. Se assim fosse, desde que tivesse sido anulado todo e qualquer acto prévio, antecedente, pressuposto ou pré-relacional, tal anulação acarretaria a nulidade do acto consequente.
III - Assim, o conceito de acto consequente utilizado no artº133º nº2 al. i) do CPA terá que ser mais restrito, o seu conteúdo mais redutor, o seu campo de aplicação mais estreito, não sendo coincidente com o conceito normalmente tido de acto consequente.
IV – O acto consequente, para efeitos do artº133º nº2 al. i) do CPA, para além de uma relação cronológica, lógica e sequencial, terá que ter uma relação mais íntima com o acto de que é consequência, tem que haver um nexo de dependência necessária.
V - Para estes efeitos, acto consequente tem de entender-se como um acto conexo. Na verdade, o conceito de actos consequentes transcende etimologicamente o conceito de actos conexos, tendo uma amplitude muito maior e que o torna inadequado para o disposto naquele preceito.
VI - Acto conexo será aquele que tem com o acto anterior uma relação que seria susceptível de determinar necessariamente a invalidade do segundo, se acaso este tivesse sido praticado, nos termos em que efectivamente o foi, num momento em já tivesse sido decretada a anulação do primeiro.
VII - A invalidade do acto conexo resulta, pois, de uma causa autónoma em relação àquela que determinou a queda do acto que o precedeu, que diz respeito aos seus próprios requisitos de validade e que se concretiza num vício próprio, atinente a um dos seus elementos estruturais: procedimento, sujeito, objecto, conteúdo.
VIII - Um acto conexo será, pois, nulo se a definição jurídica contida no acto anulado tiver constituído o fundamento da emissão desse acto, em termos de se poder afirmar que representou um elemento essencial da sua emissão, no sentido do art°133° do CPA, ao nível do sujeito, do objecto, dos pressupostos, do conteúdo...- elemento que não existiria se, no momento em que o acto conexo foi praticado, o acto precedente já tivesse sido anulado - e que a anulação veio remover com efeitos retroactivos - fornecia um elemento essencial ao acto conexo.
IX – Em matéria administrativa, o caso julgado (material) consiste na indiscutibilidade da afirmação sobre a legalidade do acto contida na sentença administrativa, a qual é assim vinculativa para qualquer tribunal ou autoridade pública e para os próprios particulares que sempre a têm de aceitar como um dado imodificável.
X - A obrigatoriedade reconhecida ao caso julgado material reside essencialmente na necessidade de assegurar estabilidade às relações jurídicas, não permitindo que litígios, com o mesmo objecto e entre as mesmas partes, se repitam indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica imposta pelo interesse público.” (Ac. STA de 30.01.2007 (Proc. n.º 040201-A)]
No mesmo sentido vai o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-04-2006 (Proc. 028779-A) “(…) na hipótese de acto renovável, como é o caso, a execução de decisão judicial anulatória do acto administrativo consiste na reconstituição da situação actual hipotética em que se encontraria o exequente não fora a prática do acto anulado, ou seja, na prática de novo acto, de sentido idêntico ou de sentido contrário, mas expurgado do vício que o inquinava Por todos, e a tal respeito veja-se por mais recente o acórdão do PLENO da Secção de 02/10/2001 (Rec. nº 34044ª - I - A sentença transitada em julgado tem os efeitos da obrigatoriedade e da executoriedade. Com o primeiro efeito entende-se que o que tiver sido decidido por sentença é obrigatório para todas as entidades públicas e privadas e deve ser respeitado e com o segundo pretende-se que se o conteúdo da sentença for exequível, o que nela se tiver decidido deve ser executado. II - A Administração, a título de execução de sentença, deve reconstituir a favor do funcionário a situação que actualmente existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal. III - O princípio do respeito pelo caso julgado não impede a substituição do acto anulado por outro idêntico, se a substituição se fizer sem repetições dos vícios determinantes da anulação. IV - Na hipótese de acto-renovável, a execução de decisão judicial anulatória do acto administrativo consiste na reconstituição da situação actual hipotética em que se encontraria o exequente não fora a prática do acto anulado, ou seja, na prática de novo acto, de sentido idêntico ou de sentido contrário, mas isento do vício que o inquinava).”
Ou ainda o que vem expresso no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-04-2008, “No art. 173º do CPTA, sob a epígrafe dever de executar prescreve-se que: “1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado”.
No entanto, como ali começa por se asseverar, o efeito preclusivo das sentenças dos tribunais administrativos determina-se pelos antecedentes da decisão anulatória Cf. a propósito, entre muitos outros, os acs. do STA de 20-6-96-Rec. nº 35737.P, de 31-10-2006 (Rec. nº 047964A) e de 24-04-2007 (Rec. nº 01328A/03)..
O alcance do caso julgado depende, por isso, dos vícios que o Tribunal conheceu.
Donde, como se assinala no Acórdão do STA de 31-10-2006 (Rec. nº 047964A), “uma vez transitada em julgado a decisão anulatória à Administração incumbe extrair as devidas consequências, sendo que, no caso de reexercício do poder exercido no acto anteriormente anulado, terá de respeitar o “accertamento” contido no julgado anulatório”.
Temos, por isso, que, ainda segundo o mesmo aresto, “o dever de conformação se consubstancia em dois momentos distintos, ainda que complementares: o dever de executar e o dever de respeitar o caso julgado.
Existe, assim, como que um efeito preclusivo, operado pela decisão anulatória, ao nível do ulterior exercício da competência por parte da Administração, que se manifesta, designadamente, na impossibilidade de reincidir no vício que fundamentou tal decisão.
A Administração encontra-se, consequentemente, com a sua margem de manobra diminuída, uma vez que terá de acatar a decisão tomada pelo Tribunal”.
Aquele art. 173º diz-nos, assim, como se refere no Acórdão do STA de 11-05-2005 (Rec. 0385/02) “que a anulação não impede a renovação do acto anulado, pela prática de um novo acto com o mesmo sentido, e que os limites do novo acto, para efeitos de execução do julgado, são os “ditados pela autoridade do caso julgado”.
Donde resulta que a Administração ao cumprir o julgado anulatório não pode violar ou ofender o caso julgado, sob pena de nulidade – cfr. art. 133º, 2, al. h) e i) do CPA.
Por seu lado, em sede de execução de julgados, e independentemente do tipo de invalidade que esteve na origem da anulação, cabe ao tribunal verificar da compatibilidade do acto ou actos de execução com o aresto a executar, em ordem a determinar se os motivos que presidiram à anulação do acto inicial estão devidamente salvaguardados, ou seja, se o acto de execução acolhe integralmente as razões determinantes daquela anulação (ou declaração de nulidade ou inexistência jurídica), conferindo à decisão exequenda os contornos de legalidade anteriormente inobservados (cf. Ac. do STA de 21-02-2008 (Rec. nº 0805A/03), com apelo a outra jurisprudência e doutrina ali citadas).” [ Disponível, como todos os demais que venham a ser citados no sitio, www.dgsi.pt. No mesmo sentido os acórdãos do STA de 11.10.2006 (Proc. nº 0358/06; de 26-04-2006 (Proc. nº 028779-A); de 30-01-2007 (Proc. 040201-A): “(…) as sentenças produzem um efeito conformativo ou preclusivo que impossibilita que a Administração reproduza o acto com os mesmos vícios que foram sancionados pelo juiz administrativo”. ]
Ou ainda no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 02 de Julho de 2008, onde se escreveu (sic): “O nº 1 do artº 173º do CPTA, que os recorrentes referem violado, dispõe o seguinte:
«Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.»
Já na vigência do DL 256-A/77, de 17.06, era entendimento da jurisprudência deste STA, designadamente do Pleno Cf. entre outros, o ac. Pleno de 08.05.03, rec. 40821/A e, na doutrina, o Prof. Freitas do Amaral, Da execução das sentenças dos tribunais Administrativos, designadamente p. 36 a 45 e o Prof. Mário Aroso de Almeida, Sobre a autoridade do caso julgado das sentenças de anulação de actos administrativos, designadamente p. 127 e segs., que, de um modo geral, a execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos impõe à Administração o dever de desenvolver uma actividade de execução por forma a pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de provimento do recurso contencioso, o que se traduz em dois aspectos:
- por um lado, no dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo);
- por outro lado, no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética actual ).
Foi este entendimento que recebeu consagração no citado preceito do CPTA.
Por outro lado, é igualmente jurisprudência assente, que os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determinam-se pelo vício que fundamenta a decisão (causa de pedir), pelo que «a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto nada obstando, pois, a que a Administração, emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.» v. entre outros, acs. do Pleno da 1ª Secção de 21-6-91, Proc. 19 760, e de 29/1/97, Proc. 27 517, Apêndice..., pg. 111 e segs. e pg. 165 e segs., respectivamente e de 08.05.2003, rec. 40.821-A.” [ Disponível em www.dgsi.pt. ]
Do que vem asseverado pela doutrina e pela jurisprudência, a sentença anulatória (de acto administrativo) se, por um lado, “tem um efeito constitutivo, que, em regra, consiste na invalidação do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento”, tem por outro lado, quando em fase de execução, um efeito reconstitutivo ou reconstrutivo e um efeito preclusivo ou inibitório,
na medida em que impede a administração de renovar o acto em desconformidade com o sentido e alcance anulatório que foi consignado na sentença anulatória.”

Gabriel Catarino


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Voto de Vencida


Voto vencida nos presentes autos porquanto entendo, em síntese, que:

1. Pretende a Recorrente, a Juíza de Direito AA, que seja anulada a Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, datada de 27 de Setembro de 2016, que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva, pedindo, para esse efeito, que:

A) Seja declarada a nulidade da deliberação com fundamento em:
- Violação do princípio constitucional da audiência prévia;
- Violação do caso julgado;
B) Ou que seja declarada a sua anulação por:
- Erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais.

Invoca relativamente a este ponto:
a) Falta de preenchimento do tipo de ilícito;
b) Inexigibilidade de outro comportamento;
c) Atenuação especial da sanção aplicada, e
d) Violação do princípio da proporcionalidade.

2. Pretensão a que o Conselho Superior da Magistratura se opôs, secundado pelo Parecer do MP, neste Supremo Tribunal.

3. No projecto de Acórdão apresentado verifica-se que, enunciadas tais questões, como objecto do recurso, concluiu-se “pela manifesta infracção do princípio da proporcionalidade” por parte do Conselho Superior da Magistratura, para com base em tal juízo se proceder à anulação da deliberação recorrida, após se ter decidido pela improcedência de todas as restantes questões.

Argumenta-se no projecto para tal, e em síntese, que:

(…) “constata-se que a deliberação ora em apreço mantém praticamente intactas as considerações tecidas naqueloutra deliberação, as quais, como se vê, tiveram por base um universo significativamente superior de atrasos.
Poder-se-ia argumentar que a formulação do juízo de inaptidão para o exercício da judicatura não depende, no contexto do caso, da consideração do número de atrasos registados. Mas essa foi uma via que o recorrido não seguiu, quer na deliberação recorrida quer na defesa apresentada.” – cf. fls. 79, (sublinhado nosso).

Conclusão que não podemos subscrever.

4. Com efeito, verifica-se que o Conselho Superior da Magistratura, ao longo da sua deliberação, por diversas vezes que alude ao perfil da Juíza em causa, salientando que não obstante a sua condenação anterior em processo disciplinar e após o regresso da mesma de baixa médica e férias, continuou a Sra. Juíza “a ter processos com o prazo excedido para a sua prolação, nomeadamente os que constam do ponto 7.1 dos factos provados, já que nunca os regularizou”.

Sendo embora certo que o perfil de um Magistrado Judicial não pode ser aferido só pelos atrasos, a verdade é que estes quando constantes e reiterados, integrando o “historial” do(a) Juiz (a) e coadjuvados com as respectivas notações de “Suficiente” e “Medíocre”, dão-nos o perfil do Magistrado Judicial em causa.
Não estamos, em tal circunstância, perante uma situação transitória e ultrapassável, mas sim perante atrasos sistemáticos, que se registam quer em despachos, quer em decisões, sendo demonstradores de uma conduta de natureza estrutural que evidencia todo um método deficiente de trabalho relativamente à organização e gestão do serviço que a Sra. Juíza tem a seu cargo.
Isso mesmo se reconhece neste projecto de acórdão, quando se denegou a procedência de outras questões suscitadas pela Recorrente.
E não se podem minimizar tais atrasos. Nem se aceita que, para esse efeito, se atenda a um critério quantitativo.

A capacidade de trabalho e a produtividade de um(a) Juiz(a) são absolutamente indispensáveis para a ponderação do seu perfil a que, naturalmente, acrescem outros factores, v.g., o bom senso e a boa preparação jurídica.

5. Ora, resulta dos autos que o desempenho profissional da Sra. Juíza “sempre revelou muito significativas deficiências, em termos de organização, método, tramitação/controlo do processo e observância dos prazos e procedimentos legais,” sendo igualmente reveladora de “produtividade muito modesta, tudo com impacto negativo no estado dos serviços e na imagem pública dos Tribunais, para além dos prejuízos provocados aos cidadãos utentes da Justiça”.
Daí que as inspecções realizadas ao seu desempenho profissional a tivessem classificado de “Suficiente” e de “Medíocre”.
Atrasos sistemáticos não podem deixar de ser ponderados pelas consequências que acarretam na aplicação da Justiça e pelos prejuízos para os respectivos cidadãos.

Minimizar esta realidade é ficar indiferente a tais consequências, porquanto, não basta decidir. É preciso também que essa decisão seja proferida em tempo útil.

Considerando as frequentes condenações do Estado Português, nos Tribunais Europeus, nomeadamente por violação ao direito do cidadão à decisão judicial em prazo razoável, impõe-se concluir que os parâmetros e pressupostos que subjazem à prolação da decisão por parte dos Tribunais Nacionais e o tempo dispendido na elaboração da decisão judicial, não podem deixar de ser ponderados.
Numa ponderação global, em termos que devem ser adequados e proporcionais, ou seja, devem ocorrer em “tempo útil e razoável”.
E, não, por sistema, com atrasos que se arrastam e perduram no tempo.
Tais consequências são relevantes, pois atentam contra o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, enquanto direito fundamental de que goza qualquer cidadão – cf. art. 20º, nºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

6. A este propósito, e no mesmo sentido de valorização desses atrasos nos termos em que o CSM o fez, para aplicar à Recorrente a referida pena, refere o MP, conforme ressalta do seu Parecer:

“Não se pode dar razão à recorrente, entendemos nós, uma vez que resulta demonstrado da factualidade provada que os atrasos verificados na tramitação dos processos e na efectivação dos demais actos processuais foram reiterados ao longo de vários anos demonstrando um comportamento persistente da recorrente, no contexto de um tribunal onde a carga processual, se bem que não sendo diminuta, era adequada, para uma magistrada com a experiência anterior da recorrente e o respectivo tempo de serviço.
A recorrente não alterou o seu comportamento funcional ainda que tenha sido advertida por uma pena disciplinar de 30 dias de multa e tenha estado retirada por virtude de baixa médica, sendo o seu retorno ao serviço pautado por idêntico comportamento funcional.
Tudo isto resulta na evidência de um comportamento doloso por parte da recorrente.
Na verdade, do processo disciplinar que deu origem à pena disciplinar cuja legalidade agora se discute, resulta factualidade representativa dos inúmeros atrasos e desadequação dos procedimentos adoptados no sentido de imprimir celeridade à prestação funcional, factualidade essa que é muitíssimo expressiva no sentido de se concluir que a actuação funcional da arguida violou, culposamente, os deveres que estatutariamente lhe estavam acometidos, e fê-lo de forma continuada, durante um lapso de tempo muito importante, demonstrando um reduzidíssimo nível de produtividade, não tendo administrado justiça em tempo razoável e violando de forma permanente e grave o dever de zelo e de criar no público a confiança na administração de justiça”.

Para se concluir que a Recorrente não tem razão em nenhum dos vectores em que alicerçou o seu recurso.

O que igualmente se acaba por reconhecer no presente projecto de acórdão, a fls. 69 a 72, quando se fez referência, por parte da Sra. Juíza, ao incumprimento dos deveres de zelo e de prossecução do interesse público para, com base nessa fundamentação, se concluir no sentido de que a sua actuação preencheu o tipo objectivo do ilícito disciplinar e também que “bem andou a deliberação ao não diminuir a responsabilidade disciplinar da Recorrente com base na suposta inexigibilidade de outro comportamento com base nos aspectos factuais vindos de tratar – cf. fls. 74.
Embora no ponto subsequente se conclua no sentido de que a sanção aplicada à Recorrente foi desproporcionada.

7. É essa desproporcionalidade que não merece o nosso acolhimento, porquanto os factos provados na deliberação impugnada são, quanto a nós, reveladores do seu desadequado desempenho profissional, com reiterada violação da ética e deontologia profissional e com atrasos reiterados e prolongados no tempo que lesam os direitos dos cidadãos.
Salientando-se, ainda, que a Sra. Juíza recebeu apoio de Colegas Auxiliares, v.g., o Sr. Juiz Nuno Melo, na prolação de saneadores e de sentenças nos processos de maior complexidade.

8. Acresce que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio basilar pelo qual se deve pautar a Administração Pública, com assento constitucional no art. 266º, nº 2, da CRP., pode desdobrar-se analiticamente, e em sentido lato, em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida” – cf. tb o art. 5º, nº 2, do CPA.

Sendo Jurisprudência consolidada neste STJ, na Secção do Contencioso, que:
Só o manifesto desrespeito pelo princípio da proporcionalidade na determinação da medida da sanção pode ser sancionado pelo STJ em sede de recurso de contencioso, já que, nessa matéria, o CSM dispõe de margem amplíssima de discricionariedade técnica, sendo irrelevantes as comparações com penas aplicadas noutros processos porque não existe um princípio de igualdade aritmética– neste sentido cf. o Acórdão do STJ, de 8/5/2013, proferido no âmbito do processo nº 47/12 (Recurso de contencioso), Relatado por Lopes do Rego, e disponível em www.dgsi.pt. (sublinhado nosso).

Podendo ainda ler-se, nesse Acórdão, com relevância jurídica para a questão a dirimir, o seguinte:

“Na dosimetria concreta da pena, como sublinha a Jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, a Autoridade Administrativa goza de uma ampla margem de liberdade de apreciação e avaliação, materialmente incontrolável pelos Órgãos Jurisdicionais, porque dependente de critérios ou factores impregnados de acentuado subjectivismo e, como tais, por sua natureza imponderáveis; tudo isto salva a preterição de critérios legais estritamente vinculados ou a comissão de erro palmar, manifesto ou grosseiro.
(…)
Porém, como vem sendo decidido, de modo uniforme e reiterado, na jurisprudência desta Secção, na graduação de penas em processo disciplinar existe uma margem muito vasta de discricionariedade, a qual só deverá ser corrigida em casos de erro grosseiro e manifesto (cf. Ac. do STJ de 27-10-2009). Nesta conformidade, o STJ somente deverá intervir quando se afigure, na fixação da medida da pena disciplinar efectuada, que ocorreu um evidente erro grosseiro, desrespeitador do princípio da proporcionalidade na vertente da adequação. Fora estes casos, deve entender-se que o juízo emitido pelo CSM se insere na ampla margem de liberdade de apreciação e avaliação16-11-2010 Proc. n.º 451/09.5YFLSB
(…)
Em sede de contencioso disciplinar, ao CSM compete decidir o quantum da pena a aplicar, quando esta seja variável na sua moldura abstracta.
Ao STJ não cabe rever essa decisão, mas apenas verificar se ela se adequa à infracção praticada e se existe proporcionalidade entre a pena e essa infracção. Ac 19-04-2007, Proc. n.º 1313/05.
A medida da pena insere-se na chamada discricionariedade técnica ou administrativa, escapa, assim, ao controlo judicial, salvo nos casos de erro manifesto ou grosseiro, designadamente por desrespeito do princípio da proporcionalidade na vertente da adequação.] 12-02-2009, Proc. n.º 4485/07.”

9. Ora, é esse erro grosseiro e manifesto que não se mostra documentado nos presentes autos.

Pelo exposto e em conclusão:
- Julgaria improcedente, in totum, o presente recurso contencioso e sufragaria a deliberação do CSM, nos seus precisos termos, com as legais consequências daí decorrentes.


Lisboa, 25 de Outubro de 2017.

Ana Luísa de Passos Geraldes (vencida).