Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3689/11.1TBOER-D.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CASO JULGADO
DECISÃO JUDICIAL
PRESTAÇÃO DE CONTAS
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
NOTIFICAÇÃO
APRESENTAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( EFEITOS ) / RECURSOS / TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, 703, 705.
- MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 380.
- PEREIRA RODRIGUES, O Novo Processo Civil – Princípios Estruturantes, 2013, 177/178.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 620.º, 628.º, 630.º, N.º 2, 671.º, N.ºS 1 E 2.
Sumário : I. O caso julgado formal obsta a que o juiz, na mesma ação, possa alterar a decisão proferida.

II. Não pode haver ofensa ao caso julgado, quando não se identifica sequer qualquer decisão judicial no processo, transitada em julgado, que tivesse sido alterada pelo juiz.

III. Sem decisão judicial é impossível a formação do caso julgado.

IV. Numa ação de prestação de contas, a notificação para a sua apresentação e esta, conjugada com a apresentação posterior pela parte contrária, poderá consubstanciar a violação do princípio da preclusão.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


AA, advogado, em apenso ao processo de inventário por óbito de BB, instaurou, em 27 de agosto de 2009, no então 4.º Juízo Cível da Comarca de Oeiras, contra CC e DD, advogada, ação declarativa, sob a forma de processo especial, pedindo que as Rés fossem obrigadas a prestar contas da referida herança.

Contestaram as RR., arguindo, designadamente, a sua ilegitimidade para a ação.

Por despacho de 14 de outubro de 2010, foi a R. DD absolvida da instância e determinada a notificação da R. CC, para apresentar as contas, no prazo de vinte dias.

A R. CC recorreu desse despacho e, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de fevereiro de 2011, foi revogada a decisão recorrida e substituída por outra a julgar verificado o erro na forma de processo, com o aproveitamento do demais processado e remessa à distribuição, como processo geral de prestação de contas previsto nos arts. 1014.º a 1017.º do CPC.

Por despacho de 21 de maio de 2012, foi determinada a anulação de todos os atos subsequentes à distribuição, a R. DD absolvida da instância, por ilegitimidade, e a R. CC obrigada a “prestar contas da sua administração enquanto cabeça de casal de facto da herança por óbito de BB”.

Dessa decisão, recorreu a R. CC, sendo confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de janeiro de 2013.

Por despacho de 22 de março de 2013, consignou-se que “tenha-se em consideração que o prazo de 20 dias fixado, em conformidade com o previsto no artigo 1014,º-A, n.º 5, do Código de Processo Civil (…), teve início na data do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que decorrido esse prazo (…), caso não sejam apresentadas contas pela Ré, deverá proceder-se à notificação prevista no artigo 1015.º, n.º 1, do mesmo diploma legal” (fls. 66).

Por carta registada de 3 de abril de 2013, o A. foi notificado da falta de apresentação das contas pela R. e de que poderia, no prazo de trinta dias, apresentar as contas, nos termos do art. 1015.º, n.º 1, do CPC (fls. 67), procedendo à sua apresentação em 5 de abril de 2013, o A.

Em 24 de abril de 2013, a R. apresentou as contas.

A R. interpôs recurso do despacho de 22 de março de 2013, o qual não foi recebido, não obstante a reclamação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Em 7 de maio de 2013, o A. veio arguir a nulidade da apresentação das contas pela R., visto que o prazo para as apresentar expirara em 19 de março de 2013, ao qual respondeu a R., alegando carecer de fundamento.

Em 24 de maio de 2013, o A. e o Interveniente EE contestaram as contas apresentadas pela R., tendo esta respondido.

Por despacho de 28 de maio de 2014, foram julgadas intempestivas as contas apresentadas pela R., ordenando-se o seu desentranhamento e dos documentos que as instruíam, para além de ter sido declarada a improcedência da arguição da nulidade das contas apresentadas pelo A., a inadmissibilidade da contestação às contas do A., o desentranhamento de certos documentos e formalizado o convite ao A. para apresentar a conta corrente aperfeiçoada e juntar os documentos donde resulte o valor das rendas de cada um dos prédios arrendados.

Inconformada, a R. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 31 de maio de 2016, dando procedência ao recurso, anulou o despacho que não admitiu as contas apresentadas pela R., passando a admiti-las, com os respetivos documentos, assim como anulou todos os atos e termos resultantes da desconsideração dessas contas, designadamente os despachos identificados sob as alíneas b) a h) a fls. 482.


Inconformado com o acórdão, o Autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

a) O trânsito em julgado do acórdão de fls. 63 e segs., que considerou a Recorrida citada, determinou o prosseguimento da marcha do processo, pelo que a repetição da notificação da Recorrida, para apresentar as contas, seria um ato nulo, ex vi do art. 201.º, n.º 1, do CPC e não admissível pelo art. 137.º do CPC.

b) O acórdão recorrido violou frontalmente o disposto no art. 205.º, n.º 1, do CPC.

c) O prazo de dez dias para a Recorrida arguir a falta de notificação para apresentar as contas ou para arguir a nulidade das contas apresentadas pelo Recorrente esgotou-se a 15 de abril de 2013.

d) Nessa data, a Recorrida limitou-se a impugnar as contas apresentadas pelo Recorrente.

e) O acórdão recorrido, ao admitir as contas apresentadas pela R. e respetivos documentos, assim como ao anular todos os atos e termos resultantes da desconsideração dessas contas, violou, frontalmente, o art. 672.º do CPC, que consagra o caso julgado, relativamente às contas apresentadas pelo Recorrente.


Com o provimento do recurso, o Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e, face ao despacho de fls. 66, sanear-se o processo, ordenando-se o desentranhamento das contas apresentadas pela Recorrida e de toda a ilegal tramitação posterior.


Contra-alegou o R., no sentido de ser negado provimento ao recurso de revista.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Nesta revista, está em discussão, especialmente, a ofensa ao caso julgado formal.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Descrita a dinâmica processual, interessa então conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da questão da ofensa ao caso julgado.

Como resulta expressamente do respetivo despacho (fls. 609), o recurso foi admitido, na Relação, com fundamento no disposto no arts. 671.º, n.º 2, alínea a), e 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC).

Com efeito, nas suas alegações, o Recorrente invocou, especificamente, a ofensa ao caso julgado formal, fundamento que possibilita a admissão do recurso, independentemente do valor da ação, como decorre do consignado na alínea d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC.

Por isso, o objeto da revista circunscreve-se apenas à questão da ofensa ao caso julgado formal, o que implica, por sua vez, a irrelevância das demais questões suscitadas pelo Recorrente, por efeito do disposto nos arts. 671.º, n.º 1, e 630.º, n.º 2, ambos do CPC, que, naturalmente, não serão objeto de pronúncia.


2.2. Alega o Recorrente que a “notificação de fls. 67 dos autos, realizada em 3 de abril de 2013 e as contas apresentadas pelo Recorrente em 5 de abril de 2013, fizeram caso julgado formal” (fls. 501).

É, nestes termos, que o Recorrente alega a violação do caso julgado formal, nomeadamente do disposto no art. 672.º do CPC/1961 (atual art. 620.º).

O efeito do caso julgado está ligado às decisões judiciais, quer revistam a forma de sentença ou despacho, alcançando tal efeito quando a decisão se torna imodificável, ou seja, deixa de ser suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 677.º do CPC/1961, reproduzido no atual art. 628.º).

O caso julgado pode ser material, quando tem força obrigatória dentro e fora do processo, e formal, quando tem força obrigatória apenas dentro do processo.

O caso julgado formal obsta a que o juiz, na mesma ação, possa alterar a decisão proferida (ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 703).

O caso julgado visa garantir a certeza da aplicação do direito, conferindo segurança jurídica, indispensável à vida em sociedade (Ibidem, pág. 705).


No caso vertente, é manifesto que não existe qualquer ofensa ao caso julgado formal.

Desde logo, não se identificou sequer qualquer decisão judicial no processo, transitada em julgado, que tivesse sido alterada pelo juiz, designadamente da Relação, sendo certo que sem decisão judicial é impossível a formação do caso julgado.

Como se referiu, para o efeito, o Recorrente alude apenas à sua notificação para a apresentação das contas e a apresentação destas em 5 de abril de 2013.

Esta situação, porém, conjugada com a apresentação posterior das contas pela Recorrida, quando muito, poderia consubstanciar uma violação do princípio da preclusão, nos termos do qual os atos processuais que não tenham lugar no ciclo processual próprio ficam precludidos (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 380, e PEREIRA RODRIGUES, O Novo Processo Civil – Princípios Estruturantes, 2013, págs. 177/178).

No entanto, quanto a essa questão, da violação da preclusão quanto ao prazo da apresentação das contas, respondeu o acórdão recorrido, nomeadamente em termos que não podem ser já impugnados, nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC, sendo completamente irrelevante tudo o que se alega no recurso para além da ofensa ao caso julgado formal.

Por outro lado, no processo, não existe decisão judicial alguma que, quanto à apresentação das contas pela Recorrida, constitua caso julgado obstativo da prolação da decisão recorrida, com o sentido que lhe foi conferido.

Nestas circunstâncias, torna-se claramente patente que o acórdão recorrido não ofendeu qualquer caso julgado formal, com a consequente negação da revista interposta pelo Recorrente.


2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:


I. O caso julgado formal obsta a que o juiz, na mesma ação, possa alterar a decisão proferida.

II. Não pode haver ofensa ao caso julgado, quando não se identifica sequer qualquer decisão judicial no processo, transitada em julgado, que tivesse sido alterada pelo juiz.

III. Sem decisão judicial é impossível a formação do caso julgado.

IV. Numa ação de prestação de contas, a notificação para a sua apresentação e esta, conjugada com a apresentação posterior pela parte contrária, poderá consubstanciar a violação do princípio da preclusão.


2.4. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC, sem prejuízo da sua inexigibilidade por efeito do benefício do apoio judiciário.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista.


2) Condenar o Recorrente (Autor) no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.


Lisboa, 9 de fevereiro de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Nunes Ribeiro

Maria dos Prazeres Beleza