Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
687/10.6TVLSB.L1.S1-A
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
SUCUMBÊNCIA
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 123, 26.06.2015, P. 4483 - 4493; PUBLICADO NOS CADERNOS DE DIREITO PRIVADO, Nº 54, ANOT. POR MARIA JOSÉ CAPELO (FLS. 29-47)
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 37, 63.
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. V, Coimbra, p. 265.
- ARMINDO RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, Coimbra, p. 162.
- CARDONA FERREIRA, Guia de Recursos em Processo Civil, 2010, Coimbra, p. 120, nota 99.
- CARNELUTTI, Instituciones del Proceso Civil, vol. II, Buenos Aires, 1959, p. 191 e segs..
- CASTRO MENDES, “Obras completas - Direito processual civil”, III Volume, edição AAFDL, pp. 15, 70, 121.
- LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES, “Código de Processo Civil” Anotado, Tomo I, 2.ª Ed., Coimbra, pp. 13, 15.
- MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, Coimbra, p. 343.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 36.º, N.º1, 629.º, N.º1, 631.º, N.º1, 632.º, N.ºS 2 E 3, 633.º, N.º5, 635.º, N.º5, 636.º, N.º1.
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS, APROVADA PELA LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO, NA REDACÇÃO ALTERADA PELO ART. 5.º DO D.L. N.º 303/2007, DE 24 DE AGOSTO): - ARTIGO 24.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27-02-1996, PROCESSO N.º 086893,DE 28-03-2006, PROCESSO N.º 4086/05 - 1.ª SECÇÃO;
-DE 2 DE OUTUBRO DE 1997, PROCESSO N.º 759/96 - 2.ª SECÇÃO;
-DE 11-06-2002, PROCESSO N.º 1490/02;
-DE 8 DE ABRIL DE 2003;
E DE 22-11-2006, PROCESSO N.º 06S2332 - 4.ª SECÇÃO, TODOS ACESSÍVEIS ATRAVÉS DE HTTP://WWW.DGSI.PT ;
-DE 26-09-2007, PROCESSO N.º 06S4612, E DE 27-10-2010, PROCESSO N.º 4483/07.0TTLSB.L1.S1;
-DE 23-11-2010, PROCESSO N.º 412-A/2000.C1.S1 - 6.ª SECÇÃO;
-DE 11-07-2013, PROCESSO N.º 105/08.0TBRSD.P1-A.S1.
Sumário :

Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1.ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1.ª instância e o acórdão da Relação.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Pleno das Secções Cíveis do STJ:
RELATÓRIO

I. – O acórdão recorrido:
Em 25-03-2010, AA e BB demandaram, em acção de processo ordinário, CC– Sociedade Editorial S.A., DD e EE, este como autor de um artigo publicado na revista ..., da qual a primeira Ré é proprietária e a segunda Ré directora, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de indemnizações nos montantes de € 35.000,00 euros para a 1ª Autora e de € 20.000,00 euros para a 2ª Autora, por danos não patrimoniais por elas sofridos com a publicação de determinado artigo na referida revista e com a violação do seu bom nome, para além da condenação na divulgação da sentença condenatória.
A acção foi contestada pelos RR.
Na 1ª instância foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente;
– condenou os RR no pagamento à Autora AA da indemnização de € 25.000,00 euros e à Autora BB de € 10.000,00 euros;
– e ainda a Ré CC– Sociedade Editorial SA na publicação, por extracto, da sentença na revista ....

As AA conformaram-se com a sentença, contra ela não interpondo recurso.
Os RR, porém, recorreram para o Tribunal da Relação.
E este, por acórdão e em parcial procedência da apelação, deliberou:
– julgar a acção improcedente quanto à Autora e apelada BB, absolvendo nesta parte os RR do pedido;
– condenar os RR no pagamento à Autora AA da indemnização de € 10.000,00 euros.
– condenar a revista ... na publicação, por extracto, do acórdão.

As AA recorreram, então, de revista para o STJ, pugnando pela revogação do acórdão para ficar a subsistir a sentença de 1ª instância.
Nas respectivas contra-alegações, os RR, recorridos, suscitaram a questão da inadmissibilidade do recurso por inverificação do critério da sucumbência mínima exigida pelo art. 678.º, n.º 1 do CPC, então em vigor.
Tal recurso foi admitido como revista, quer na Relação, quer no STJ, sem apreciação da suscitada questão prévia da inadmissibilidade do recurso.
Colhidos os vistos, foi o recurso julgado, em acórdão de 03-10-2013, o qual negou a revista quando ao deliberado relativamente à Autora e recorrente BB e concedeu-a parcialmente quanto ao deliberado relativamente à Autora e recorrente AA, revogando o acórdão e condenando-se os RR a pagarem-lhe a indemnização de € 15.000,00 euros.
E, apreciando a inadmissibilidade do recurso por inverificação do valor mínimo de sucumbência (questão suscitada pelos RR), escreveu-se aí que:
“(...) o Acórdão da Relação sobrepõe-se ao acórdão da 1ª instância e é perante aquele que temos agora de aferir do decaimento. Destarte, considerando os pedidos deduzidos pelos AA, e a importância que foi atribuída, apenas a uma delas, o diferencial entre os quantitativos tornam os decaimentos superiores a metade da alçada da Relação; a A. BB que nada recebeu decai inteiramente no pedido de € 20.000,00 formulado; e a Autora AA recebendo € 10.000,00 decai em € 25.000,00.
Por esta razão o recurso foi admitido (...)”.
Um dos Conselheiros votou vencido por concordar com a inadmissibilidade do recurso.

II. – O pedido de uniformização de jurisprudência
Em 12-11-2013, os RR interpuseram recurso para o Pleno das Secções Cíveis deste Tribunal com vista à uniformização da jurisprudência do STJ quanto à questão de saber se o critério da sucumbência de que depende a admissão do recurso de acórdão da Relação para o STJ deve ser calculado com base:
a) na diferença entre o valor do pedido na acção e o valor atribuído pelo Acórdão do Tribunal da Relação (como entendeu o acórdão recorrido); ou
b) na diferença entre o valor atribuído pela decisão de 1ª instância e o que resulta do Acórdão do Tribunal da Relação, conforme entendeu o STJ no acórdão de 04-03-2008, proferido no Proc. n.º 4501/07-1ª Secção que aqui é acórdão fundamento (aliás, na esteira de um outro de 22-11-2006), sendo certo que, neste caso, o recurso, objecto dos presentes autos, não deveria ter sido admitido.

Finalizam a sua alegação com a seguinte síntese conclusiva:
1. Nos presentes autos o Supremo Tribunal de Justiça admitiu um recurso interposto de um Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por ter considerado que o conceito de “sucumbência”, que o número 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil prevê, deve ser aferido com referência ao valor do pedido inicialmente formulado.
2. Isto é, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça na decisão objecto dos presentes autos que a “sucumbência” equivale à diferença entre o valor do pedido feito na acção e o valor atribuído pelo acórdão do Tribunal da Relação,
3. Em consequência directa deste entendimento, o recurso apresentado nos presentes autos foi admitido e apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
4. Ao invés, nos dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que se anexam ao presente recurso (em concreto o documento número 1 – em que se sustenta o presente recurso, proferido pela 1ª Secção deste Tribunal a 4 de Março de 2008, no processo n.º 4501/07) a mesma instância interpretou o mesmo conceito de “sucumbência” como a diferença entre o valor atribuído pela decisão de Primeira Instância e aquele que resultou do Acórdão do Tribunal da Relação.
5. Em consequência directa deste entendimento, os recursos apreciados não foram admitidos.
6. É por isso, indiscutível que a diferença de interpretação feita entre as decisões em análise, do conceito de “sucumbência” teve como consequência, num caso a aceitação do recurso e no outro a rejeição de um recurso.
7. Na verdade, das várias pesquisas que os recorrentes fizeram, não encontraram qualquer decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que tivesse adoptado o conceito de “sucumbência” perfilhado na decisão objecto do presente recurso.
8. Por tudo o acima referido, pretendem os Recorrentes que a decisão objecto do presente recurso está em contradição com as outras duas que se anexam ao presente recurso, proferidas pela mesma instância, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
9. Salvo melhor opinião deverá ser proferida decisão de uniformização de jurisprudência a qual deverá decidir sobre a questão concreta dos termos do conceito de “sucumbência”, revogando-se o Acórdão recorrido e substituindo-o por outro em que se decida pela inadmissibilidade do recurso, por falta do critério de “sucumbência” uma vez que o referido critério deve ser aferido, não por referência ao valor constante da petição inicial, mas antes, ao valor que resulta entre o valor atribuído pela decisão de Primeira Instância e aquele que resultou do Acórdão do Tribunal da Relação.

Nestes termos e nos demais de direito deverá:
a) ser proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, no sentido de que: estando em causa o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, o critério de “sucumbência” deve ser feito por referência à decisão recorrida e não por referência ao valor do pedido inicialmente formulado no articulado e, em consequência,
b) o Acórdão em recurso substituído por outro que não admita o recurso, dando sem efeito a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, na parte em que condenou os Réus no pagamento do montante de € 15.000,00.

III – O acórdão fundamento
Invocaram como acórdão fundamento um aresto proferido, em 04-03-2008, na Revista n.º 4501/07-1ª Secção, relatado pelo Cons. Moreira Camilo, cujos contornos relevantes se podem resumir assim:
O Autor, menor, representado pelos seus pais, pedia, em acção de processo ordinário, a condenação dos RR a pagar-lhes a quantia de € 15.936,22, como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em acidente cuja eclosão lhes imputa.
Na 1ª instância foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando os RR a pagarem ao Autor a quantia de € 3.366,22 euros (sendo € 866,22 por danos patrimoniais e € 2.500,00 por danos morais), absolvendo-os do demais pedido.
Para além disso, foi um dos RR condenado como litigante de má-fé, na multa de € 1.000,00 euros.
O Autor conformou-se com tal decisão.
Mas os RR recorreram e obtiveram êxito na Relação, pois a apelação foi julgada totalmente procedente, com revogação da sentença e absolvição dos RR do pedido, ficando ainda sem efeito a condenação como litigante de má-fé.
O A interpôs, então, recurso de revista para o STJ que foi admitido na Relação mas rejeitado no STJ por despacho do Relator com base na falta do requisito da sucumbência mínima prevista no art. 678.º, n.º 1, do CPC, despacho esse do qual o A. reclamou para a Conferência.
Esta, por acórdão de 04-03-2008, indeferiu a reclamação, confirmando o despacho do Relator.
E, depois de invocar o art. 678.º, n.º 1 do CPC, escreveu-se nesse acórdão:
À presente acção foi dado o valor de € 15.946,22, correspondente ao valor do pedido.
Sendo a alçada da Relação de € 14.963,94 – cfr. artigo 24.º, n.º1 da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) –,seria, em princípio, admissível o recurso que foi interposto pelos Autores do acórdão da Relação.
Só que a sucumbência dos Autores é de apenas € 3.366,22, valor que corresponde ao montante arbitrado na 1ª instância a título de indemnização a favor dos Autores, decisão esta que foi revogada pela Relação, na procedência da apelação dos Réus.
Não tendo os Autores de forma independente ou subordinada (cfr. artigo 682.º do CPC), recorrido da sentença proferida na 1ª instância, conformaram-se com a fixação do montante da indemnização em € 3.366,22.
Logo, a sua perda com a decisão da Relação é apenas do referido valor de € 3.366,22, ou seja, a decisão que pretendem impugnar é-lhes desfavorável nesse montante, o qual não é superior a metade da alçada do tribunal que proferiu tal decisão, que foi o Tribunal da Relação (antes é muito inferior a esse metade).
Por outras palavras, a sucumbência dos Autores é muito inferior a metade da alçada da Relação.
Assim sendo, não podia o seu recurso ser admitido, pelo que não poderá conhecer-se do mesmo”.

IV – Posição das recorridas quanto ao pedido de uniformização:
As recorridas AA e BB pronunciaram-se no sentido de a jurisprudência ser uniformizada no sentido de a sucumbência superior a metade da alçada da Relação dever ser interpretada como o diferencial entre o valor peticionado e o montante obtido no acórdão que se pretende impugnar.

V – Tramitação subsequente
Reconhecida a oposição de acórdãos e a tempestividade da interposição, foi o recurso remetido à distribuição.

VI – Posição do Ministério Público
A Exª Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer favorável à procedência do recurso, propondo a uniformização da jurisprudência nos seguintes termos:
Para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, nos termos do disposto no artigo 678.º, n.º1. do Código de Processo Civil, o cálculo do valor da sucumbência deve fazer-se por referência à decisão de que se recorre.”.


VII – Colhidos os vistos, cumpre deliberar:
APRECIAÇÃO

1. – A estrutura da acção:
Antes de mais, importa qualificar a estrutura da acção na qual foi proferido o acórdão recorrido.
As 1.ªA e 2.ª A demandaram os 3 RR – a 1ª Ré na qualidade de proprietária de uma revista, a 2.ª Ré na qualidade de Directora dessa publicação e o 3.º Réu na qualidade de autor de um artigo nela publicado – pedindo a condenação solidária destes a pagar a cada uma das AA indemnizações de montante diferenciado - € 35.000,00 à 1.ª A e € 20.000,00 à 2.ª A –, para além da divulgação da sentença com o mesmo relevo da notícia em causa.
Porque segundo alegaram, nesse artigo publicado é referido que a 2.ª A foi abandonada pela mãe aos 12 anos e que passou a cuidar das três irmãs mais novas quando a mãe deixou o lar, movida por uma paixão louca por um alemão radicado em Portugal, sendo certo que o teor do escrito e o tom utilizado não corresponderiam à verdade e afectou, incomodou, magoou, desrespeitou, expôs e fez sofrer as AA, violando o seu bom nome.
Tal como está configurada a acção, estamos em presença, no lado activo da relação jurídica processual, de uma coligação, uma vez que as AA demandam os RR, com pedidos indemnizatórios diferentes e com fundamento na mesma e única causa de pedir (art. 36.º, n.º1, do NCPC).
A coligação analisa-se numa cumulação, no mesmo processo, de pedidos que poderiam ser deduzidos em acções intentadas separadamente; logo, na coligação de autores – como é o caso em apreço – há uma pluralidade de partes, do lado activo, sendo autónomos os direitos invocados e os correspondentes pedidos formulados por cada um deles, uns e outros fundados na mesma causa de pedir; há, portanto, no mesmo processo, uma cumulação ou reunião de acções, em cada uma das quais são exercidos direitos autónomos e independentes entre si que poderiam ser dirimidos em processos diferenciados.
Tudo se passa como se as AA intentassem acções separadas que, depois, seriam apensadas, para efeitos de julgamento conjunto…
Desta autonomia e independência dos pedidos fundados na mesma causa de pedir decorre que o valor a atender é o de cada um dos pedidos formulados por cada um dos AA (como se de acções intentadas separadamente se tratassem) e não a soma desses valores, sendo pelo valor do pedido formulado por cada um dos AA que se afere a admissibilidade de recurso em função da alçada (cfr. Ac. STJ de 23-11-2010, Revista n.º 412-A/2000.C1.S1 - 6.ª Secção de que foi Relator o Cons. Azevedo Ramos e LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES “Código de Processo Civil Anotado”, Tomo I, 2.ª Ed., Coimbra, pág. 13; em sentido contrário, o Ac. STJ de 11-06-2002, Revista n.º 1490/02, de que foi Relator o Cons. Neves Ribeiro).
Logo, é na consideração autónoma e separada dos valores dos pedidos e dos montantes indemnizatórios arbitrados a cada uma das AA que será aferida a sucumbência e a recorribilidade das decisões proferidas nos presentes autos.

1.1 – A posição da Autora BB
O pedido formulado pela Autora BB tem o valor de € 20.000,00 euros.
Tendo a acção sido intentada em 2010, os limites das alçadas eram os definidos pelas alterações introduzidas pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto ao art. 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro: € 30.000,00 euros para a Relação e € 5.000,00 para a 1ª instância.
Por conseguinte, sendo o valor do pedido formulado pela referida Autora inferior à alçada da Relação, estava-lhe vedado o recurso para o STJ, por força do art. 648.º, n.º 1, do anterior CPC e art. 629.º n.º 1, do NCPC.
Pelo que, com este fundamento deveria ter sido recusada a admissão do recurso de revista relativamente a BB.
Não o foi, mas esta questão está arredada do objecto do presente recurso para uniformização de jurisprudência, o qual se circunscreve à definição da medida da sucumbência mínima relevante para efeitos de aferição da recorribilidade.

1.2 – A posição da Autora AA
Outro tanto não acontece com o valor do pedido formulado pela Autora AA - € 35.000,00 – valor este que, por exceder a alçada da Relação admite recurso para o STJ.

2. – A oposição de julgados
Pelo relatório que antecede, verificamos que o preceito contido no art. 629.º, n.º 1 do NCPC, de redacção idêntica à do art. 687.º, n.º 1 do CPC (anterior à Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho) foi objecto de interpretação e aplicação divergentes no acórdão recorrido e no acórdão fundamento relativamente à questão da sucumbência exigida como pressuposto da admissibilidade de recurso para o STJ, pois, no primeiro, a sucumbência foi medida pela diferença entre o valor reconhecido no acórdão da Relação e o valor do pedido inicial (abstraindo do valor arbitrado na sentença de 1ª instância e da posição que, relativamente a ele, foi adoptada pelas AA) e, neste último, pela diferença entre os valores reconhecidos na sentença de 1ª instância – que o A. não impugnou – e no acórdão da Relação.
Com efeito, os casos apreciados nos acórdãos em causa têm em comum os seguintes aspectos:
– em ambos, a condenação em 1ª instância foi inferior ao valor aí peticionado;
– em ambos, os AA se conformaram com tal sentença, contra ela não interpondo recurso, se bem que o valor da respectiva sucumbência em 1ª instância tal lhes permitisse;
– em ambos, os RR apelaram, com êxito (parcial, no acórdão recorrido e total no acórdão fundamento);
– em ambos, a diferença entre os valores arbitrados na 1ª instância e na Relação não excedia a metade do valor da alçada da Relação;
– em ambos, se questionou a admissibilidade da revista interposta pelos AA com fundamento no valor da sucumbência, sendo que num (o acórdão recorrido) foi admitida e no outro (acórdão fundamento) foi rejeitada.
Há, portanto, oposição de julgados no domínio da mesma legislação – pois, não obstante, a alteração da lei adjectiva, a redacção do preceito e, consequentemente, o seu sentido normativo, permanecem idênticos (art. 678.º, n.º 1 do CPC anterior e 629.º, n.º 1 do NCPC – a este respeito, v. CASTRO MENDES, “Obras completas - Direito processual civil”, III Volume, edição AAFDL, pág. 121) – sobre a mesma questão fundamental de direito, qual seja o que se deve entender por sucumbência enquanto pressuposto da admissibilidade da revista, na hipótese de esta ser interposta pela parte que se conformou com o decidido em 1.ª Instância.

3. – Os pressupostos da recorribilidade: valor da causa e valor da sucumbência
O art. 678.º, n.º 1, do CPC (tal como o actual art. 629.º, n.º 1, do NCPC), prescrevia que só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de dúvida fundada acerca do valor da sucumbência, atender-se-á somente ao valor da causa.
Esta redacção foi introduzida no CPC pelo DL n.º 242/85, de 9 de Julho.
Até aí, a questão da admissibilidade dos recursos resolvia-se, em princípio, à luz do valor da causa, princípio este que o DL n.º 242/85 citado considerou simplista e unilateral e, por isso, “por mais equilibrado e por melhor se coadunar com as exigências da actual situação judiciária, passou a atender-se também ao critério da sucumbência, já antigo no direito processual alemão,…”, como se escreveu no seu Preâmbulo.
A este respeito, LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES (ob. cit. pág. 15) observam que:
Confessadamente inspirada no direito alemão, a regra da sucumbência (…) visa fundamentalmente descongestionar os tribunais e desencorajar as tentativas da parte vencida de prolongar a duração do processo através da interposição de sucessivos recursos, nomeadamente quando estes tenham eficácia suspensiva da exequibilidade da decisão impugnada.”.

A redacção assim introduzida manteve-se incólume – não obstante as alterações efectuadas no domínio do Processo Civil pelos DLs n.ºs 239-A/95 de 12 de Dezembro, 180/96 de 25 de Setembro, 38/2003 de 8 de Março e 303/2007 de 24 de Agosto – e passou para o actual NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, integrando o respectivo art. 629.º, n.º 1.
A exigência de uma sucumbência ou decaimento mínimo, como pressuposto da admissibilidade do recurso, mais não é do que uma intervenção “cirúrgica como lhe chamou o Cons. CARDONA FERREIRA (cfr. “Guia de Recursos em Processo Civil”, 2010, Coimbra pág. 120, nota 99) – no regime dos recursos em Processo Civil com vista a restringir e filtrar as questões que devem ser consideradas merecedoras de serem submetidas à apreciação dos tribunais superiores, impedindo que sucumbências insignificantes (ou, como tal, consideradas pela lei) facultassem a interposição de recurso, porque - e só porque - o valor da causa excedia o valor da alçada do tribunal a quo.
Em síntese, podemos, com Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pág. 37) afirmar que
A necessidade de concentrar energias naquilo que é mais importante, a premência na erradicação de instrumentos potenciadores da morosidade da resposta judiciária ou o interesse em dignificar a actividade dos tribunais superiores convergiram no sentido de fazer dependera recorribilidade também da proporção do decaimento”.
O propósito legislativo era, portanto, afastar dos tribunais superiores os processos em que se debatiam questões de menor importância, as chamadas bagatelas jurídicas (entendendo-se como tais aquelas cujo valor máximo fosse o correspondente a metade do valor da alçada do tribunal que proferiu a decisão) que enxameavam os tribunais e que comprometiam a eficácia e celeridade da resposta dos tribunais superiores, permitindo, simultaneamente, reservar os meios destes para os processos que tivessem real importância e relevância económica.
Aqui chegados, ficamos a saber que, subjacente ao pensamento legislativo, está a propositada inviabilização da apreciação, pelos tribunais superiores de decisões judiciais, em que se discutam litígios de valor igual ou inferior a metade do valor da alçada do tribunal que as proferiu, vedando-se claramente (isto é, quando o valor da sucumbência não oferece dúvidas…) o acesso de tais questões a esses tribunais, por expressamente se lhes não reconhecer dignidade para tal, pelo menos pela via do recurso independente e principal.
A nossa lei consagra, assim, um regime híbrido ou misto quanto à admissibilidade de recurso, pois que esta depende, cumulativa e simultaneamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (differendum), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este.
Parafraseando Carnelutti (cfr. “Instituciones del Proceso Civil”, vol II, Buenos Aires, 1959, pág. 193), poderemos dizer que a limitação da recorribilidade da decisão em função do valor da sucumbência equivalente a metade da alçada do tribunal que a proferiu é o limite máximo da “tolerabilidade da injustiça” da decisão que não justifica os custos do recurso que a reparação de tal injustiça exigiria.
Assim, pese embora o supra observado em relação à admissibilidade da revista interposta por BB, resta, quanto a ambas, apurar o valor da respectiva sucumbência.

4. – A medida da sucumbência
A recorribilidade de uma decisão depende, como se disse, da verificação cumulativa dos requisitos do valor da causa e da sucumbência mínima.
O n.º 1 do art. 678.º do CPC (actual art. 629.º, n.º 1 do NCPC) apenas explicita que, para além de o valor da causa dever exceder o da alçada do tribunal de que se recorre, a sucumbência (na decisão que se pretende impugnar) deve ser superior a metade do valor dessa alçada, sem esclarecer como se determina a respectiva medida.
A sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte e que, por isso, se designa parte vencida; esta é, portanto, aquela a quem a decisão prejudica, que com ela sofreu gravame ou a quem ela foi desfavorável, em suma, quem perdeu…
Recordemos o Prof. Manuel de Andrade:
“(...) Parte vencida é aquela que decaiu no pleito – aquela a quem a sentença seja desfavorável, por não ter acolhido a sua pretensão, já negando-lhe o direito que deduziu em juízo ou não chegando a apreciar a sua existência (art. 288.º), já reconhecendo o direito deduzido pela outra parte. A sucumbência equivale, portanto, ao insucesso na lide – insucesso que não deixa de existir quanto ao Réu pelo facto de ele não ter contestado (...)”.
E, mais adiante, continua:
“(...) Para a apreciação da sucumbência só interessa conhecer o preceito da sentença confrontado com a posição de cada um dos litigantes – isto é, o resultado do processo para cada um deles. A sentença não deixa de ser desfavorável a certa parte pelo facto de não ter atendido a todas as razões do adversário (...)” (“Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, Coimbra, pág. 343).

Por sua vez, o Prof. Castro Mendes, depois de esclarecer que vencido significa “afectado objectivamente pela decisão”, continua, analisando cada um dos termos desta afirmação; e, a propósito do termo “afectado”, esclarece-o como significando que (...) não obteve a decisão mais favorável possível aos seus interesses (...)”, o que pode acontecer quando a sentença proferida é desfavorável ou parcialmente favorável e também quando, “(...) sendo a sentença favorável, se não for a mais favorável possível em face das circunstâncias (...)” (v. ob. cit., pág. 15; assim também ABRANTES GERALDES, ”Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, pág. 63 e ARMINDO RIBEIRO MENDES, “Recursos em Processo Civil”, Coimbra, pág. 162).
Aliás, já a redacção do art. 678.º, n.º 1, do CPC, na Reforma projectada no DL n.º 224/82, de 8 de Junho (que nunca chegou a entrar em vigor), previa o requisito da sucumbência mínima quando excluía da recorribilidade ordinária as decisões – proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre – que forem “desfavoráveis para o vencido ou prejudicado em valor manifestamente igual ou inferior à alçada desse tribunal”.
Sendo a decisão desfavorável, logo implicando perda ou prejuízo para uma das partes (ou para ambas), abre-se a via da respectiva impugnação perante o tribunal superior desde que a medida desse desfavor seja superior a metade da alçada do tribunal que a proferiu (e também desde que, obviamente, o valor da acção exceda o da alçada de tal tribunal).
Ora, a perda ou desvantagem do vencido é susceptível de uma dupla perspectiva:
subjectiva, como frustração de expectativa (sucumbência formal, adjectiva ou processual);
objectiva, como resultado efectivo da decisão (sucumbência material ou substantiva).
Na perspectiva subjectiva (frustração de expectativas), há sucumbência quando o conteúdo da parte dispositiva da decisão judicial diverge do que foi requerido pela parte no processo ou recurso, quando se verificar desconformidade entre o que foi pedido (na acção ou no recurso) e o que foi concedido na decisão, em suma, quando esta não satisfizer (totalmente ou não) o pedido.
Nesta hipótese, a medida do dano ou do prejuízo da sucumbência será a da pretensão não atendida, como diferença entre o valor do pedido (ou do recurso) e o valor da decisão (sucumbência meramente formal ou processual).
Terá sido esta a perspectiva que vingou nos acórdãos deste STJ de 26-09-2007 (Proc. 06S4612) e de 27-10-2010 (Proc. 4483/07.0TTLSB.L1.S1), ambos relatados pelo Cons. Vasques Dinis e segundo os quais:
“(...) o valor da sucumbência corresponde ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, aferido pelo teor da alegação do recurso e pela pretensão nele formulada, equivalendo, pois, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter (...)”.

E, segundo as recorridas, será também esta perspectiva formal que se descortinará subjacente ao Ac STJ de 11-07-2013 (Revista n.º 105/08.0TBRSD.P1-A.S1) de que foi Relator o Cons. Lopes do Rego quando no respectivo sumário se escreve:
Revelando esta situação processual uma efectiva divergência ou dissonância das instâncias sobre um elemento (o montante da condenação) essencial para o interesse das partes – e continuando a parte que pretende recorrer para o STJ, embora relativamente beneficiada com o teor do acórdão da Relação, a configurar-se como parte vencida, por a ampliação obtida ser ainda substancialmente inferior ao montante peticionado, sendo a sucumbência (ou seja, o diferencial entre o valor peticionado e o montante obtido no acórdão que se pretende impugnar) superior a metade da alçada da Relação, nos termos previstos no nº1 do art. 678º do CPC, nada obstará à interposição de revista normal, por não se verificar o requisito da dupla conforme”. (negrito nosso).

Na perspectiva objectiva – que atende ao resultado efectivo da decisão – há sucumbência quando, independentemente das pretensões deduzidas e das posições adoptadas pela parte no processo ou recurso, a decisão judicial a colocar em situação jurídica pior do que aquela que tinha antes da decisão de que pretende recorrer, isto é, quando a decisão produzir efeitos desfavoráveis ou quando o resultado do processo for inferior ao que, virtualmente, dele poderia ter sido obtido.
A este propósito, o Prof. Alberto dos Reis, louvando-se em Carnelutti e depois de definir parte vencida como aquela a quem a decisão causa prejuízo, escreve:
“(...) Poderia pensar-se que parte vencida é aquela cujo pedido, pretensão ou requerimento foi desatendido, mas tal conceito é acanhado, porque não abrangeria o caso de a decisão prejudicar parte que estava em situação de revelia e que, por isso, não formulara pedido algum (...)” (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra, pág. 265).

Quer dizer: a sucumbência, como prejuízo causado pela decisão no processo ou recurso é independente e abstrai da posição (activa ou passiva) da parte que o sofra e da respectiva atitude (intervindo ou não) no processo: o réu que não contesta e o recorrido que não contra-alega, se perderem ou forem condenados, também sucumbem…
E porque a sucumbência abstrai da posição (activa ou passiva) da parte no processo ou recurso, é que ela deve ser perspectivada objectivamente como dano, prejuízo, perda ou resultado final desfavorável da decisão; sucumbe a parte cujos interesses sofram dano ou prejuízo por serem afectados desfavoravelmente pela decisão (seja porque lhe nega aquilo a que se arroga com direito, seja porque lhe impõe obrigações a que sustenta não estar vinculado).
A sucumbência afere-se, por conseguinte, pelo contraste entre, por um lado, o conteúdo da decisão e, por outro, os interesses da parte, ou seja, pelo reflexo negativo daquela nestes.
Ora, como é sabido, o recurso visa eliminar o dano que esse prejuízo ou gravame, causado pela decisão recorrida, importa para a parte vencida; por outras palavras, o recurso é o meio processualmente adequado para a remoção da sucumbência e, por isso, é que, por via de regra, só podem ser interpostos pela parte vencida (art. 631.º, n.º 1, do NCPC).
Nisto consiste a utilidade económica do recurso ou, noutros termos, o interesse em agir da parte vencida (recorrendo…) para eliminar o resultado desfavorável que a decisão traz ao seu interesse, pois é sabido que sem interesse não há prejuízo e sem prejuízo nada se pode reclamar dos Tribunais…
O interesse em recorrer é, pois, o interesse na remoção e eliminação (ou redução) desse dano em que consiste a sucumbência (é especialmente notória, no processo penal, a interconexão entre o interesse em agir e o recurso – v. n.º 2 do artigo 401.º do Código de Processo Penal –) e o titular da respectiva legitimidade é, naturalmente, a parte que o sofreu (parte vencida) (assim ABRANTES GERALDES, loc. cit., e, além do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Abril de 2003 por ele citado, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1997, relatado pelo Cons. Lúcio Teixeira no processo n.º 759/96 - 2.ª Secção).
A sucumbência relevante para aferir a recorribilidade consiste, portanto, numa diferença entre as situações jurídicas delimitadas pela decisão de que se pretende recorrer (antes e depois dela), ou seja, numa modificação negativa (para pior…) da situação jurídica pré-existente à decisão que se pretende impugnar.
Concretizando o que viemos de expor, temos que um dos vectores da operação aritmética tendente a apurar a medida dessa diferença, é, necessariamente, a situação jurídica criada por essa decisão (proferida pela 1ª instância ou pela Relação). Esta é a decisão que vai ser objecto de impugnação se se verificarem os requisitos da recorribilidade.
Decorrentemente, o outro termo da operação será, no caso da sentença de 1ª instância, o valor do pedido inicial da acção e, no caso de acórdão da Relação, o valor que resultar da situação definida pela sentença de 1ª instância.
Sempre que uma decisão judicial colocar a parte em situação mais desvantajosa e desfavorável (pior…) que a que tinha antes, há sucumbência cuja medida é, portanto, o valor da perda que tal decisão acarrete relativamente à situação precedente.
Assim, quando a decisão recorrida é a sentença de 1ª instância o valor da sucumbência será calculado em relação ao valor do pedido formulado e, quando se interpuser recurso de um acórdão da Relação - sendo aí, como se sabe, o objecto do recurso constituído por decisão da 1ª instância -, o valor da sucumbência é sempre calculado com referência àqueloutra decisão e ao acórdão da Relação.
Desta sorte, temos que, no caso da decisão de 1ª instância acolher totalmente a pretensão deduzida, o demandado sucumbiu ou decaiu totalmente.
No caso de o acolhimento ser meramente parcial, há uma sucumbência ou decaimento parcial que é correlativo do vencimento parcial da parte contrária (a sucumbência de uma das partes corresponde ao vencimento da outra).
E, no caso de rejeição total da pretensão, o demandante sucumbiu totalmente (e, correlativamente, o demandado ou recorrido obteve vencimento total).
Assim, o apelante sucumbirá na medida em que a pretensão que deduziu na apelação não for atendida (e, ao invés, obterá vencimento na medida em que o for) e, por sua vez, o apelado que não impugnou a sentença de 1ª instância, sucumbirá na medida do vencimento do apelante.
Resume, assim, Abrantes Geraldes:
“(...) O vencimento ou o decaimento devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que tenha sido objecto de decisão. É parte vencida aquela que é objectivamente afectada pela decisão, ou seja, a que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses. O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou de fundo; o réu quando, no todo ou em parte, seja prejudicado pela decisão.
Nessa medida, o que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir (...)” (cfr. ob e loc. cit.).

O valor da sucumbência é, portanto e em suma, o do prejuízo da decisão para a parte que decaiu, correspectivo do vencimento da parte vencedora; logo, por ele se afere, em regra, a medida do vencimento desta.

5. – A limitação da plenitude da sucumbência
Como atrás referimos, entendeu-se, por razões de política legislativa, que um prejuízo de valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão era insignificante e não justificava o investimento de meios humanos e materiais nos Tribunais Superiores que a interposição, tramitação e julgamento de um recurso implicava e, por isso, condicionou-se a admissibilidade do recurso à verificação desse valor mínimo.
Significa isto que, sempre que a medida da sucumbência não exceda esse limite, a parte vencida está impedida de interpor recurso principal ou independente para apreciar e sindicar a respectiva decisão.
A sucumbência poderá, neste caso, ser apreciada e, se for caso disso, eliminada:
– pela interposição (e procedência) de recurso subordinado (se a parte contrária, interpuser recurso principal ou independente), caso em que, por expressa previsão da lei aquele recurso será admissível “ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respectivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre” (art. 633.º, n.º 5, do NCPC);
– pela ampliação do objecto do recurso interposto pela parte contrária, a requerer pelo recorrido (art. 636.º n.º 1, do NCPC).

Contudo, a aceitação tácita (e, por maioria de razão, também a expressa) por qualquer das partes de uma decisão de improcedência total ou parcial do pedido – que se deve ter por implícita com base na não interposição de recurso no tempo processualmente devido – altera a linearidade e a simplicidade daquela exposição.
Neste caso, o valor tacitamente aceite porque não impugnado – como sucumbência do autor ou recorrente e réu ou recorrido – deixa de relevar; se a parte aceita o dano da improcedência total ou parcial, não recorrendo oportunamente, a questão fica resolvida, não podendo posteriormente ser ressuscitado esse decaimento.
E foi essa aceitação que não se verificou no caso tratado no Ac. STJ de 11-07-2013 (Revista n.º 105/08.0TBRSD.P1-A.S1) invocado pelas recorridas. Como se alcança do respectivo relato, aí o demandante impugnou sempre os montantes indemnizatórios fixados na 1ª instância e no Acórdão da Relação.

A relevância daquela aceitação mais não é do que um reflexo do chamado princípio da oportunidade ou preclusão das deduções e invocações das partes em processo civil, segundo o qual, os actos processuais devem ser praticados nos momentos processuais correspondentes, sob pena de se perder, extinguir ou caducar o direito à respectiva execução ou de esta não ter qualquer valor; o decurso do prazo cancela a oportunidade de realizar o acto processual em data posterior. Por força do princípio da preclusão, a faculdade processual não exercida no momento devido caduca; perde-se pelo seu não exercício.
A preclusão impede, assim, o processo de retroceder com a prática de actos oportunamente omitidos; logo, se a parte não reagiu, no momento adequado, contra determinada decisão, fica impedida de o fazer em momento posterior.
Nas palavras de Francesco Carnelutti:
“(...) O interesse da parte na impugnação está determinado pela sucumbência no procedimento impugnado. A sucumbência resolve-se no contraste entre o conteúdo da sentença e o interesse da parte enquanto essa mesma parte não tenha renunciado à tutela do dito interesse; a sucumbência, portanto, está determinada pela lesão que a sentença ocasiona ao interesse da parte, mas está excluída pela adesão à dita lesão (...)”
E mais adiante:
“(...) Não obstante o interesse na impugnação, nem a parte nem o terceiro podem impugnar uma sentença se a ela aquiesceram expressa ou tacitamente. A aquiescência é uma declaração expressa, ou em geral, uma atitude incompatível com o propósito de impugnação (…)Posto que nesta declaração, ou em geral, nesta atitude vê a lei um índice de justiça da sentença, ou, pelo menos, de tolerabilidade da sua injustiça, daí emerge oportunamente uma razão para excluir a utilidade da impugnação (...)” (cfr. ob cit., págs. 191 e segs.).

Estes princípios estão subjacentes ao preceituado nos n.ºs 2 e 3 do art. 632.º do NCPC (antigo art. 681.º, n.ºs 2 e 3, do CPC).
A atitude da parte, deixando consumar o decurso do prazo de impugnação da decisão (impugnável) sem interpor recurso e determinando o respectivo trânsito em julgado, revela inequivocamente uma aceitação tácita da decisão, no que concerne à valoração quantitativa do interesse cuja tutela era reclamada.
Tal é também imposto pela salvaguarda da incolumidade da parte favorável da decisão, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus (art. 635.º, n.º 5 do NCPC).
Assim, para o apelado que aceitou a decisão da 1ª instância, é, portanto, em face do confronto do resultado dessa decisão – nem podia ser de outra… – com a situação definida pelo acórdão da Relação que se afere o valor da sucumbência para efeitos de interposição do recurso de revista.
Desse modo, além de se ter em conta os vectores supra traçados para aferir a sucumbência, há a considerar, no caso de aquela ser parcial, o valor já julgado improcedente na decisão recorrida e contra o qual o recorrente oportunamente não se insurgiu, pelo que deve ser tida como tacitamente aceite. O recurso – já o sabemos – visa alterar (para melhor e não para pior…) as decisões desfavoráveis ao recorrente.
Em suma, a consideração do valor do interesse que, na 1.ª instância, foi parcialmente acolhido sem impugnação passa a limitar (reduzindo-o) o valor da sucumbência relevante para a recorribilidade do acórdão da 2ª instância.
Quer isto dizer que, no desenvolvimento da relação jurídica processual em fase de recurso, o valor da sucumbência de qualquer parte é sempre limitado pelo valor do interesse reconhecido na instância precedente, ou seja, pelo valor da parte favorável da decisão.
Assim, a parte que aceita tacitamente, não recorrendo, uma condenação, em 1ª instância, em valor inferior ao por ela peticionado não pode, perante a procedência, total ou parcial, na Relação, do recurso interposto pela parte contrária contra aquela decisão, interpor recurso de revista deste acórdão, invocando, como sucumbência, a diferença entre o valor do pedido inicial e o valor fixado na 2ª instância (como se a sucumbência na 1ª instância não tivesse, para ela, “transitado em julgado” …).
Quer isto dizer que a aceitação pela parte da sentença oportunamente proferida na 1ª instância impede a repristinação do valor do respectivo decaimento para preencher o valor da sucumbência em eventual e ulterior recurso dessa mesma parte para o STJ.
Tal consequência constitui uma decorrência do princípio da pessoalidade do recurso.
Ao resignar-se com a sucumbência decretada na 1ª instância, por um lado, inviabilizou a eventualidade de modificação, nessa parte, da decisão a seu favor e, por outro, face ao recurso interposto pela parte contrária, expôs-se ainda ao risco de ver essa decisão alterada contra os seus interesses (para pior…) – como efectivamente aconteceu no caso vertente – porquanto, por força da proibição da reformatio in pejus, a situação jurídica definida pela sentença de 1ª instância estava garantida aos RR contra a eventualidade de qualquer agravamento; quer dizer: para eles e só para eles, melhor talvez, pior nunca…
Aqui chegados, temos que concluir que a sucumbência relevante (summa gravaminis) da parte vencida (e, correlativamente, do vencimento da parte vencedora) no recurso para o STJ assenta numa relação entre as duas instâncias decisórias anteriores, definindo-se como a diferença entre os valores fixados nessas instâncias; logo, em valores efectivos, “reais”, em que a parte decaiu.
Equivale isto por dizer que, mercê da aceitação, pelo impetrante da revista, da decisão da 1ª instância, não releva a diferença entre o valor fixado na Relação e o valor do pedido inicial do processo.
Assim sendo, o valor da sucumbência relevante para a admissibilidade de recurso – superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão recorrida – deve ser aferido, em caso de recurso do acórdão da Relação para o Supremo, pela diferença entre o valor fixado no acórdão recorrido (da Relação) e o fixado na sentença de 1ª instância (se este não foi oportunamente impugnado pela parte que pretende interpor recurso de revista) e, no caso de recurso da sentença de 1ª instância para a Relação, pela diferença entre o valor fixado na sentença e o valor do pedido inicial.
Logo – repetimos – proferida condenação em valor inferior ao peticionado, e conformando-se o demandante com tal decisão, não pode, posteriormente, perante a procedência do recurso interposto pela contra-parte, invocar, como sucumbência, a diferença entre o valor dessa condenação e o valor do pedido inicial (somando, portanto, a sucumbência aceite e transitada na 1ª instância à da 2ª instância). Nesse caso, a sucumbência será medida pela diferença entre o valor da condenação fixado na Relação e o arbitrado na 1ª instância, com o qual ele se conformou, não recorrendo.
Daí que, para efeitos de admissibilidade de recurso, o valor da sucumbência seja sempre aferido pelo valor dos interesses não atendidos na decisão ou acórdão de que se recorre (parte desfavorável da decisão).
Foi este o entendimento deste STJ nos Acórdãos de 27-02-1996 (Proc. 086893, relatado pelo Cons. Aragão Seia), 28-03-2006 (Revista n.º 4086/05 - 1.ª Secção, relatado pelo Cons. Pinto Monteiro) e de 22-11-2006 (Revista nº 06S2332 - 4.ª Secção, relatado pelo Cons. Sousa Grandão, todos acessíveis através de http://www.dgsi.pt).

A interpretação da sucumbência mínima pressuposta para a recorribilidade da decisão de acordo com este critério substancial, é, quanto a nós, a única conforme ao propósito legislativo visado com a criação de tal requisito.
É que um critério formal de sucumbência – que se esgotasse na diferença entre o valor do pedido e o da decisão – dificilmente seria compatível com a confessada intenção de restringir o acesso autónomo ao STJ de litígios destituídos de relevância jurídica, propiciando a dedução de pretensões propositadamente inflacionadas para, por via disso, obter sempre diferenciais superiores ao valor mínimo de metade da alçada da instância decisória.
Tratando-se, in casu, da recorribilidade de acórdãos da Relação para o Supremo, importa perscrutar quais os valores em controvérsia, designadamente os valores fixados em cada uma das instâncias e a posição de cada uma das partes perante eles.
Como resulta do exposto, se, em 1ª instância, foram fixados valores que o Autor aceitou e, perante o recurso do Réu, esses valores foram reduzidos na Relação, a medida da sucumbência é a da diferença entre cada um dos valores fixados pelas duas instâncias, sem qualquer repristinação do valor do pedido inicial.
É correcta a afirmação, feita no acórdão recorrido, de que o acórdão da Relação se sobrepõe à sentença de 1ª instância, pois, como se sabe, em Portugal, a estrutura dos recursos tem como finalidade a substituição da decisão recorrida – o tribunal de recurso profere a decisão que, em seu entender, devia ter sido proferida pelo tribunal recorrido – e não a cassação (anulação) da decisão recorrida para que o tribunal profira nova decisão (cfr. CASTRO MENDES, ob. cit., pág. 70).
Só que a sucumbência no recurso não se confunde com a sucumbência na acção e tem, em caso de sucumbência parcial, e como resulta do exposto, uma medida inferior cujo limite é o do vencimento parcial, ou seja, o valor da parte decisória que lhe é favorável.
Por isso, não há que recorrer ao valor do pedido inicial, desconsiderando a aceitação pelo recorrente da procedência parcial decretada nas decisões recorridas.
Assim, e em resumo, temos que a aceitação, expressa ou tácita, por qualquer das partes da sentença de 1ª instância impede-as de, em caso de procedência da apelação interposta pela contraparte, somar o valor das sucumbências que eventualmente se hajam verificado na 1ª e na 2ª instância, para efeitos de aferir a recorribilidade do acórdão da Relação; nesse caso, a sucumbência relevante corresponderá à diferença entre os valores arbitrados na 1ª instância e na Relação.

6. – Regressando ao caso em apreço:
Estando vedado a este Pleno conhecer da inadmissibilidade da revista interposta por BB em função do valor da causa, compete-lhe apenas conhecer a questão da sucumbência e das implicações da respectiva inverificação.
Ora, a recorrente BB peticionou € 20.000,00 euros e viu a 1ª instância arbitrar-lhe € 10.000,00 euros (valor este que, configurando um decaimento de € 10.000,00, foi por ela aceite). Depois, a Relação negou-lhe qualquer indemnização, absolvendo os RR do pedido por ela formulado, deliberação esta que o STJ confirmou, no acórdão aqui recorrido; logo, o seu decaimento na Relação foi de € 10.000,00 euros, valor este fixado na 1ª instância e que ela “perdeu” com o acórdão da Relação.
A procedência do presente recurso, implicando a revogação do acórdão recorrido para ficar a subsistir o dito acórdão da Relação em nada a afectará, pois que, como se referiu, o seu pedido já fora julgado improcedente na Relação.
Por sua vez, pediu AA a condenação dos RR a pagarem-lhe indemnização no valor de € 35.000,00.
A 1ª instância sentenciou, condenando os RR a pagarem-lhe € 25.000,00.
Conformou-se ela com esta decisão, da qual resulta que a sua sucumbência na 1ª instância ascendeu a € 10.000,00.
Outro tanto, não aconteceu com os RR que interpuseram recurso de apelação no qual tiveram êxito, pois que a indemnização que lhe fora fixada em € 25.000,00 foi reduzida para € 10.000,00.
Neste quadro, a sucumbência da referida Autora na 2ª instância foi de € 15.000,00.
Como se disse, à data da propositura da acção – 2010 – as alçadas eram de € 30.000,00 e de € 5.000,00, respectivamente para a Relação e 1ª instância (art. 24.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção alterada pelo art. 5.º do DL n.º 303/2007 de 24 de Agosto).
Assim, temos que, enquanto a sucumbência relevante da recorrente BB foi de € 10.000,00 euros, a da recorrente AA foi de € 15.000,00 euros, valor este exactamente igual a metade da alçada da Relação; note-se, igual, não superior…
Para que o acórdão da Relação fosse susceptível de recurso para o STJ era necessário que a sucumbência fosse superior a metade da alçada, não bastando que fosse igual.
Logo, não sendo as sucumbências de cada uma das AA. superiores a € 15.000,00, os recursos por ela interpostos não deveriam ter sido admitidos, como, aliás, entendeu o voto do Ilustre Conselheiro vencido.
Assim sendo, não acompanhamos o douto acórdão recorrido quando, perante o recurso interposto do acórdão da Relação, apurou a sucumbência a partir do valor do pedido inicial e não, como em nosso entender deveria ser, a partir da situação jurídica criada pelo acórdão recorrido e do respectivo contraste com a situação jurídica definida pela sentença da 1ª instância na qual as recorrentes tacitamente aquiesceram.

Em síntese final e conclusiva, resta, pois, firmar o entendimento de que, para efeitos de admissibilidade de recurso de revista, interposto pelo Autor de acórdão da Relação que julgou procedente a apelação interposta pelo Réu contra sentença da 1ª instância que o condenara em valor inferior ao inicialmente peticionado pelo Autor e com a qual este se conformara, a sucumbência daquele corresponderá à diferença entre o valor arbitrado na sentença de 1ª instância (que ele tacitamente aceitou) e a quantia fixada no acórdão da Relação que ele pretende impugnar.
Em face do exposto, podemos concluir que o recurso de revista não deveria ter sido admitido por inverificação da sucumbência mínima exigida pelo art. 629.º, n.º 1 do NCPC quanto a ambas as recorrentes.
Logo, procedendo o recurso de uniformização de jurisprudência, impõe-se a revogação do acórdão recorrido.

ACÓRDÃO

Nesta conformidade, acorda-se, no Pleno das Secções Cíveis do STJ, em:
– uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
“Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição do recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e no acórdão da Relação”

– revogar o acórdão recorrido em razão da inadmissibilidade de revista por inverificação da sucumbência mínima quanto a ambas as recorrentes e substituí-lo pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.


Custas pelas recorridas.
Lisboa e STJ, 14 de Maio de 2015
Fernando Bento (Relator)
Martins de Sousa
Gabriel Catarino
João Trindade
Tavares de Paiva
Silva Gonçalves
Abrantes Geraldes
Ana Paula Boularot
Maria Clara Sottomayor
Pinto de Almeida
Fernanda Isabel Pereira
Tomé Gomes
Júlio Gomes
Sebastião Póvoas (Vencido, nos termos da declaração de voto que anexo))
Moreira Alves
Nuno Cameira
Alves Velho
Pires da Rosa (Vencido, conforme declaração que junto)
Bettencourt de Faria
Salreta Pereira
João Bernardo
João Camilo
Paulo Sá
Maria dos Prazeres Beleza
Oliveira Vasconcelos
Fonseca Ramos
Garcia Calejo
Helder Roque
Salazar Casanova
Lopes do Rego
Orlando Afonso
Távora Victor (Revi a posição tomada anteriormente)
Gregório Jesus
Fernandes do Vale
Granja da Fonseca
Henriques Gaspar (Presidente)

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Declaração de voto

Fui vencido, “maxime” quanto ao segmento uniformizador e sem prejuízo de aderir a grande parte da fundamentação do Acórdão ora votado.

Porém a razão primeira do meu afastamento situa-se na conceptualização da sucumbência para a qual é necessário fazer apelo à dogmática do n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil vigente (n.º 1 do artigo 678.º do diploma anterior na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto).

O preceito em apreço torna a admissibilidade do recurso dependente de dois requisitos:

– o valor da causa; e

– o valor da sucumbência.

O primeiro – e principal, tanto mais que a ele se recorre nos casos de “fundada dúvida” acerca do segundo – implica que a lide tenha um valor superior à alçada do tribunal “a quo”.

O valor da sucumbência é encontrado na medida em que a decisão/deliberação recorrida é desfavorável ao impetrante.

E se o valor da causa já constava do Código de Processo Civil de 1939, a colocação do requisito sucumbência no mesmo preceito só surgiu com o Decreto-Lei n.º 242/86, de 9 de Julho.

Mas enquanto aquele está, em grande parte, condicionado à disponibilidade das partes, sem prejuízo de fixação legal ou oficiosa (cfr. os artigos 296.º ss CPC), a sucumbência acompanha-o, tendo em atenção as situações de “reformatio” ou de nulidade por vício de limite de condenação “ultra petitum”.

Daí que a respectiva medida tenha de ser encontrada na diferença entre o valor da causa e o da decisão impugnada, valendo aquele, como acima se referiu e dispõe o n.º 1, “in fine”, “em caso de fundada dúvida”.

Ora, e ao contrário do que refere o douto aresto de que estou em dissensão, irreleva o julgado pela 1.ª instância [que só importaria para apreciar uma eventual dupla conformidade, matéria que transcende a economia do aresto] pois que tendo havido julgamento pela Relação e sendo pedida revista do Acórdão proferido por esse Tribunal superior, aquela decisão “desaparece” para efeitos de sucumbência, já que foi substituída pelo Acórdão do qual se pede revista.

O julgado pela 1.ª Instância só relevaria tratando-se de recurso “per saltum”, tornando-se, então, a decisão objecto de revista e então, sim, nela se centrando a análise da sucumbência.

Do exposto resulta que formularia o segmento uniformizador nestes termos:

“Para os efeitos do n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil a sucumbência consiste na diferença entre o valor da causa e o obtido na decisão de que se recorre”.

Assim ficariam a coberto todos os recursos: apelações, revistas-regra e revistas “per-saltum”.

Manteria, pois, o Acórdão recorrido.


14 de Maio de 2015

Sebastião Póvoas

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Declaração de voto
Vencido em meu entender a sucumbência deveria ser aferida em função do valor do pedido formulado.
O dano ou prejuízo que é o definidor da sucumbência é sempre o mesmo, é a diferença entre aquilo que a parte pensa ser, em termos de valor, o seu direito, e o valor em que a decisão de que recorre lhe quantifica esse mesmo direito. Esse é que é o seu prejuízo.
O dano ou prejuízo não pode ser dividido ou compartimentado por forma a que tenha um primeiro valor (parcelar) numa qualquer decisão ( a primeira ) e depois um outro valor ( igualmente parcelar ) numa segunda decisão, resultando da soma dessas parcelas o valor total da sucumbência, mas tratando-se autonomamente cada uma delas.
Que as recorrentes não interponham recurso, nem principal nem subordinado, da decisão de 1ª instância, é insignificativo – elas não põem ( não querem pôr ) em causa a parte em que ficaram vencidas, conformam-se com esse vencimento se ele tiver a medida que vem assinada nessa decisão; e, obviamente, não podiam recorrer na parte em que ficaram vencedoras.
A parte que sucumbiu na primeira decisão pode estar disposta a aceitar um dano ou prejuízo com a medida decretada ( e por isso não recorre ) e não estar disposta a aceitar o dano ou prejuízo se, numa segunda decisão, esse prejuízo ou dano se fixar de forma mais forte ou mais gravosa.
In casu, isso mesmo é inteiramente transparente ao menos para a recorrente Carolina Patrocínio porque uma coisa é ver os RR reconhecidos como tendo atingido o seu bom nome (embora indemnizada em quantia ainda que inferior à que pedira), outra coisa é não ver reconhecida ( com a improcedência da acção ) essa ofensa.
Acresce que, quanto à alçada, o seu valor é o que é, é o que as partes (que se juntaram) trouxeram até ao tribunal juntas, e que o tribunal reconheceu como tal; não pode, a esse título, ser feita qualquer descoligação que altere o valor que a lei reconhece à acção … coligada.

( Pires da Rosa )