Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27630/13.8YIPRT-A.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: REGULAMENTO (CE) 44/2001
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
TRIBUNAIS PORTUGUESES
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
SEDE SOCIAL
LUGAR DA PRESTAÇÃO
Data do Acordão: 04/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA DOS ESTADOS MEMBROS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES.
Doutrina:
- Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, vol. III, 82/84.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 874.º, 879.º, AL. C), 1155.º, 1207.º.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGOS 2.º, 3.º, 463.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 59.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 8.º, N.º4.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001, DO CONSELHO DE 22.12.2000: - ARTIGOS 1.º, N.º1 E N.º2, 2.º, N.º1, 3.º, 5.º, N.º1, AL. B), 60.º, N.º1
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 3.3.2005, PROC. N.º 05B316, ACESSÍVEL EM WWW.DGIS.PT .
Sumário :

Tendo uma empresa comercial, ora Ré, com sede em França, contratado com uma empresa com sede em Portugal, a Autora, o fabrico de caixilharia que foi entregue em França nos termos por elas convencionados e sendo a causa de pedir o incumprimento pela Ré do pagamento do preço, avultando na economia do contrato a obrigação da entrega da coisa, tendo em conta o conceito autónomo do lugar do cumprimento da obrigação, contemplado no art. 5º, nº1, b) do Regulamento (CE) nº44/2001, do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, e os termos do contrato, a competência internacional radica na jurisdição francesa, sendo materialmente incompetente o tribunal português onde a acção foi proposta.

Decisão Texto Integral:

Proc.27630/13.8yiprt-A.G1

R-544[1]

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 


         “AA & Filhos, Lda.”, apresentou, em 22.2.2013, Requerimento de Injunção contra:

             “BB”, Sociedade comercial com sede em França.

             Pedindo a notificação desta no sentido de lhe ser paga a quantia de € 9 550,03 proveniente de “factura respeitante a obra de caixilharia de alumínio, encomendada pela demandada, por ela recebida sem reclamações, na sede da demandante, aí carregada e transportada por conta da demandada”.

           A demandada respondeu através de carta enviada ao Balcão Nacional de Injunções pedindo a declaração de incompetência a favor do Tribunal de Soissons, por ter a sua sede social em França. Mais alegou a existência de defeitos no material fornecido pela demandante.

           

           Remetida a injunção à distribuição, veio a demandada, agora já representada por advogado, arguir a incompetência internacional do Tribunal de Monção, alegando que “pela prestação de serviços da autora, os bens seriam entregues e aplicados em França”.

           

           Notificada da arguição da incompetência internacional, veio a autora sustentar o já referido no requerimento de injunção quanto ao local de entrega da mercadoria – à porta da fábrica em Portugal – pelo que o Tribunal de Monção será o competente.

           

            Respondeu a ré.

           

            Foi proferida decisão que julgou improcedente a invocada excepção de incompetência absoluta, com o seguinte teor:

            “Da excepção de incompetência absoluta:

             Veio a ré BB, em sede de oposição (e posteriormente no requerimento de fls. 88 e ss.), arguir a incompetência absoluta deste tribunal, tendo para tanto alegado que, sendo a sua sede em França, competente para a apreciação do litígio é o Tribunal de Comércio de Soissons.

               Em resposta à excepção assim aduzida, alegou a autora que, conforme está já assente nos autos, o crédito que se pretende cobrar pela acção respeita à realização de uma obra de caixilharia de alumínio encomendada pela demandada e por ela recebida na sede da demandante (Portugal), aí carregada e transportada por conta desta.

               Cumpre verificar da competência internacional deste tribunal para conhecer da acção.

               A competência internacional dos tribunais portugueses, no que tange à jurisdição comum, está regulada nos arts. 62.º e 63.º do Código de Processo Civil.

               Para além dessas normas de direito interno, outras de direito internacional deverão ainda ser consideradas, contanto que o Estado Português esteja vinculado ao seu cumprimento.

                Na categoria de actos internacionais a cujo cumprimento o Estado Português está vinculado inserem-se os designados actos comunitários, sendo que os regulamentos comunitários são directamente aplicáveis aos Estados-Membros da União Europeia de que Portugal faz parte.

               Ora, na data da instauração da injunção, estava em vigor o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (entretanto revogado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial),

               Previa o art, 5,°, n.º 1, alin. a), do referido Regulamento (CE) n.º 44/2001, a possibilidade de uma pessoa domiciliada no território de um Estado-Membro poder ser demandada noutro Estado-Membro quando estivesse em causa uma matéria contratual, podendo então ser demandada no tribunal do lugar onde foi ou devesse ser cumprida a obrigação em questão, sendo que, nos termos da alin. b) do referido preceito, o lugar de cumprimento da obrigação, no caso da prestação de serviços, corresponde ao lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.

                Pois bem.

               No caso dos autos, parecem as partes estar acordadas que entre si foi celebrado um contrato de empreitada.

                Considerando, então, no caso, que a "obra" (caixilharia) a cuja execução a demandante se vinculou foi prestada (entregue) à demandada nas suas instalações, que, como resulta do requerimento de injunção, se situam em Portugal e nesta Instância Local, e o disposto no art. 5.º, n.º 1, alin, b), do Regulamento (CE) n.º 44/2001, aplicável ao caso por a empreitada ser uma modalidade do contrato de prestação de serviços (cfr. art. 1155.° do Código Civil), temos que concluir que, de facto, este tribunal é internacionalmente competente para o conhecimento do litígio, uma vez que foi em Portugal que os serviços foram prestados, razão pela qual se julga improcedente a invocada excepção de incompetência absoluta, julgando-se este tribunal competente para o conhecimento do litígio.

                Notifique”.


***

           

           A Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por Acórdão de 10.12.2015 – fls. 109 a 123 – julgou procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, declarou a Instância Local de Monção, Comarca de Viana do Castelo, internacionalmente incompetente para conhecer da presente questão e, em consequência, absolveu a ré da instância.


***

           Inconformada a Autora recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

           1. Está em causa neste processo, determinar se é competente o Tribunal da Instância Local de Monção da comarca de Viana do Castelo — que é o tribunal do domicílio da demandante, ou se, pelo contrário, é competente o Tribunal da sede da demandada, em França.

           2. Como resulta do requerimento injuntivo (fls. 133 da certidão que instruiu a apelação) o pedido tem como fundamento a: factura da obra de caixilharia de alumínio, encomendada pela demandada, por ela recebida sem reclamações, na sede da demandante, aí carregada e transportada por conta da demandada.

           3. Na única oposição à injunção, que a demandada apresentou, inicialmente redigida em língua francesa (fls. 100 e 101 da certidão que vem instruir a apelação), depois traduzida (fls. 74 e 75 da certidão que vem instruir a apelação), vem arguida a incompetência do Tribunal de Monção, nestes precisos termos: Liminarmente, observo que a sociedade BB tem a sua sede social em França em ... …. rue ..., sendo que a sua jurisdição é incompetente “ratione loci”, sendo unicamente competente o Tribunal do Comércio de Soissons.

           4. Nesta única oposição deduzida não vem impugnada, especificadamente, a factualidade vertida no requerimento injuntivo, concretamente, não vem contrariado que a caixilharia de alumínio, encomendada pela demandada, foi por ela recebida sem reclamações, na sede da demandante, aí carregada e transportada por conta da demandada.

           5. Está aceite pelas partes que o contrato é de empreitada, consequentemente, por definição do artigo 1155° do Código Civil, estamos perante um contrato de prestação de serviços.

           6. Assim, face ao disposto no artigo 5°, n.°1, alínea b) do Regulamento (CE) o que releva para a determinação da competência internacional do Tribunal é, precisamente, o lugar onde os serviços foram ou devem ser prestados — cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça — Processo 11.0 06B756, disponível em www.dgsi.pt.

            7. Não se descobre forma de fugir a ter de considerar-se, aceite e assente, por não impugnado, que nos termos do contrato da demandante com a demandada, a empreitada foi contratada e executada pela demandante em Portugal, a obra foi entregue à demandada em Portugal, que a transportou, por sua conta e risco para onde entendeu, a fim de, posteriormente, ela própria, demandada, a aplicar, como aplicou, numa obra que ela executava (ver fls. 61 dos autos, § 5° ....Após colocação pela sociedade BB).

            8. É nesta linha que vai a douta decisão da 1ª instância, quando considera facto assente que a obra (caixilharia) a que a demandante se vinculou foi prestada (entregue) à demandada nas suas instalações que, como resulta do requerimento de injunção se situam em Portugal.

            9. Não compreendemos, por isso, que no douto acórdão de que recorremos se tenha estranhado que 1ª instância tenha considerado este facto como provado. Menos compreensível resulta, ainda, que a Relação tenha tirado, exactamente, a conclusão contrária, isto é que a obra se destinava a ser entregue em França, visto a factura referir que o local de entrega da mercadoria era a morada da cliente em França. Esta conclusão, com o devido respeito, é infundamentada.

           10. É que a Relação nem sequer altera um facto que foi dado por assente na a instância porque, em primeiro lugar, a apelação nem sequer visou a alteração de qualquer matéria de facto; em segundo lugar, ao concluir que a entrega se fez em França, a Relação não altera qualquer facto, antes extrai uma mera conclusão interpretativa das alegações da apelante (ao ter concluído que a caixilharia foi entregue em França pela A).

           11. Extraiu tal conclusão louvando-se unicamente nas alegações da apelante, pois a factura em causa nem sequer se encontrava (até agora) junta ao processo.

           12. É que da factura o que resulta é que a mesma serviu de documento a acompanhar o transporte para ser entregue, no destino, à demandada. Por isso, a factura menciona hora de carga, local de carga e local de descarga. Mas, também contém o item TRANSPORTE, onde vem inserida a expressão Vosso Carra (deve ler-se Vosso carro)

            - o que vem reforçar que, com entrega da obra da empreitada à porta das instalações da demandante, o contrato ficou prestado e concluído.

           13. Não aceitamos o defendido no douto acórdão quando se afirma que na factura consta que o local de entrega é na morada da Cliente em França e, por isso, o que releva, para efeito de atribuição de competência é o local de entrega da obra de caixilharia, que foi em França.

            14. Lamentamos afirmar que não é verdade. Em primeiro lugar, não é isso que está escrito na factura. O que consta da factura não é Local de Entrega, está escrito local de descarga, o que faz toda a diferença, conjugada com o outro item transporte vosso carra.

            15. A demandante, nos termos do contrato, a demandante nunca aceitou, nem aceita, que a obra de caixilharia devia ser entregue em França, nem por si foi entregue em França.

            16. Por outro lado, a Relação não separa os dois regimes que o artigo 5° n.°1 alínea b) do Regulamento (CE) estabelece, diferenciados, para o contrato de compra e venda por um lado e, por outro lado para o contrato de prestação de serviços, o acórdão confunde o local de cumprimento da obrigação em caso de venda (que é o lugar do estado membro onde os bens foram ou devem ser entregues) com o diferente regime para a prestação de serviços que, neste caso, é o lugar do estado membro onde os serviços foram ou devem ser prestados.

            17. No caso dos autos, a prestação dos serviços da demandante é o fabrico da caixilharia para entregar à Ré em Portugal e para esta receber aqui apropriando-se da obra, para em seguida a transportar para França para onde lhe aprouver - os serviços da demandante terminam com a conclusão da obra e a sua entrega à ré em Portugal.

           18. O serviço de transporte da obra para França, não é obrigação da Autora mas, antes, por conta risco e responsabilidade da Ré que incumbiu terceiro de o fazer – a corroborar que assim é, que o transporte foi por conta e risco da Ré, a própria apelante veio, muito mais tarde, juntar uma cópia da guia do transporte da obra executada, transporte realizado por uma empresa terceiro (requerimento referência n. °... que integra fls. 2 a 5 da certidão que instruiu a apelação).

           19. A decisão recorrida considerou, erradamente, que a prestação dos serviços da autora nos termos do contrato, era no estado membro da França, confundido o local de prestação de serviços no regime contratual da empreitada, com o destino final dos bens no regime contratual da compra e venda.

            20. Neste conspecto factual, que traduz a realidade do processo, forçoso é concluir que a decisão da 1ª instância é a decisão correcta, face às disposições conjugadas do art. 5º, nº1, alíneas a) e b), do Regulamento (CE) 44/2001, aplicável ao caso sub judice, visto a empreitada ser uma modalidade de prestação de serviço (cf. artigo 1155° do Código Civil), visto a mesma empreitada ter acontecido em Portugal, onde o serviço foi, de facto prestado, em consequência sendo internacionalmente competente o Tribunal de Monção para conhecimento do litígio.

           21. O Acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação aos factos, a disciplina do artigo 5º, 1, alíneas a) e b), do Regulamento (CE) n. °44/2001.

            22. No entanto, não colhendo a tese defendida nas conclusões precedentes, ou seja, a de que a oposição inicial não impugna que a obra foi entregue em Portugal, na sede da demandante, onde esta se apropriou da mesma, aí terminando o contrato e a prestação do serviço, forçoso será, nesse caso, que o processo siga para julgamento, a fim de se esclarecer este ponto fundamental, que é o de saber, se o contrato se cumpriu em Portugal com a entrega da obra à demandada, que aqui a fez sua e a transportou por sua conta e risco para onde entendeu; ou, se pelo contrário a empreitada incluía o transporte até à sede da demandada, por conta da demandante e que a obra foi entregue pela demandante em França — matéria de facto que, em última análise e caso não se considere o alegado supra, o que não se concede, é contraditória e que reclama esclarecimento em sede probatória.

            23. Também, nesta parte, o Tribunal da Relação não podia decidir nos moldes em que o fez, sem primeiro ficar esclarecida se a prestação dos serviços da Autora aconteceu em Portugal ou em França.

            24. À luz das precedentes conclusões, a decisão recorrida incorre, de novo, no vício de violação da lei, por erro de interpretação e aplicação da norma do mesmo citado artigo 5º, n° l, alíneas a) e b), do Regulamento (CE) nº44/2001.

            Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se esta revista, revogando-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação que julgou procedente a apelação, em consequência decidindo-se nos precisos termos da Primeira Instância, declarando-se a competência internacional do Tribunal da instância local de Monção, comarca de Viana do Castelo, devendo o processo prosseguir para julgamento com vista a decidir do mérito da causa.

            A Ré contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.


***


            Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que releva factualmente o que consta do Relatório.

            Fundamentação:

            Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente, que em regra, se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, importa saber qual o tribunal competente internacionalmente para apreciar o pedido formulado pela recorrente: se o Tribunal português onde ao injunção foi intentada.

            A relação jurídico-contratual tem conexão com a ordem jurídica portuguesa e com a ordem jurídica francesa: trata-se e um contrato celebrado em Portugal de fabrico de caixilharia sob encomenda da Ré, sociedade comercial francesa e com sede nesse país.

            No Acórdão recorrido afirmou-se: “Considerando, assim, que o que interessa para efeito da fixação da competência é, não o lugar do pagamento, nem o lugar em que os bens foram entregues ao transportador (ainda que o transporte corra a cargo da demandada), mas o local do destino final dos bens adquiridos pela compradora (ou, no caso de uma prestação de serviços, o local onde os serviços devam ser prestados), terá que concluir-se que o tribunal internacionalmente competente é o Tribunal Francês”.

            A Autora intentou processo de injunção em Portugal pedindo o pagamento do preço que considera devido pela Ré que contrapôs, em sede exceptiva com a incompetência material do Tribunal português, sustentando que nos termos da factura que impulsionou a injunção consta que o local da descarga é a “morada do cliente”, ou seja, em França.

            Não vem questionado que a controvérsia, tal como entenderam as instâncias, se dirime à luz do Regulamento (CE) nº44/2001, do Conselho de 22.12.2000, entretanto revogado pelo Regulamento (EU) n. °1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, este em vigor desde 1.1.2015.

            Tendo a injunção sido requerida em 22.2.2013 vigorava o Regulamento nº44/2001.

Como se disse o litígio deve ser resolvido de harmonia com o Regulamento CE/44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, em vigor desde 1.3.2002, que se aplica, obrigatoriamente, a todos os Estados-Membros, com excepção da Dinamarca, prevalecendo as suas regras, sobre as do direito interno português.

 O Regulamento define, no que respeita à competência internacional para dirimir os litígios a que alude o seu art.1º, nº1:

 “O presente regulamento aplica-se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.” 

Tendo em consideração o teor do seu nº2, que define que são excluídos da sua aplicação; a) o estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes matrimoniais, os testamentos e as sucessões; b) as falências, as concordatas e os processos análogos; c) a segurança social; d) a arbitragem, temos de convir que, não havendo convenção em contrário, o Regulamento se aplica às obrigações emergentes do contrato sub judice, envolvendo sociedades comerciais sedeadas em Portugal e em França, mormente, no que concerne à obrigação do pagamento do preço, que como se sabe à luz do direito interno, é uma das obrigações que impende sobre o comprador – arts. 2º, 3º e 463º, nº1, do Código Comercial e arts. 874º e 879º c) do Código Civil.

Nos termos do art. 2º, nº1, do Regulamento“Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado”.

Artigo 3º – “As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo”.

Dentre essas avulta o artigo 5°:

“Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:

1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

 b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação será:

- no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

- no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c) – Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)”.

A dificuldade está na interpretação da expressão “o lugar de cumprimento da obrigação”, que, no caso que nos ocupa, é apenas o pagamento do preço, já que foi convencionado que os bens vendidos seriam entregues pela Autora à Ré, em França onde esta tem a sua sede – art. 60º, nº1, do Regulamento.

A regra geral está, a nosso ver, definida na al. b) do nº1, precedentemente transcrito, como resulta inequivocamente da al. c) “Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)”.

Neste enfoque importa saber, antes de mais, se se aplica a al. b) 1ª parte.

O litígio tem conexão com as duas jurisdições, mas, dada a prevalência das normas de direito internacional sobre as de direito interno – art.59º do Código de Processo Civil e art. 8º, nº 4, da Constituição da República, onde se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” – aquelas são as aplicáveis.

As partes apodaram o contrato que celebraram de empreitada – art. 1207º do Código Civil que é uma modalidade de contrato de prestação serviços – art. 1155º.

O objecto do contrato foi o fabrico de caixilharia pela Autora, nas suas instalações em Portugal, bens que seriam entregues em França para utilização da Ré que aí tem a sua sede.

A questão que muito divide os litigantes é a de saber, em função do Regulamento, qual o local “onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão”, pois que, nos termos do art. 5º, “o lugar de cumprimento da obrigação será: - no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

- no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados”.

A Autora sustenta que tendo prestado o serviço, leia-se executado a empreitada, em Portugal, releva esta conexão, devendo considerar-se competente a jurisdição portuguesa, irrelevando a questão da entrega e transporte para o dono da obra cuja sede, como vimos, se localiza em França.

Por sua vez a Ré enfatiza não só este facto como também constar da factura alegadamente em dívida que o local da entrega seria em França, sendo que os bens foram efectivamente aí entregues.

 Para efeitos do disposto na alínea b) do n°1, do art. 5º do Regulamento (CE) n°44/2001, “local da entrega” é o local do destino final dos bens e não o local contratualmente estipulado para efeitos de cumprimento da obrigação do vendedor, tratando-se de contrato de compra e venda.

De outro modo, o local geográfico em que ocorre a transferência da posse sobre os bens teria relevância superior ao local do destino final.

A regra prevista na referida al. b) é especial, rege para os contratos de compra e venda e prestação de serviços estabelecendo nestes casos, a competência do lugar onde os bens foram ou devam se entregues, ou os serviços prestados (no contrato de prestação de serviços).

No Acórdão deste Supremo Tribunal, de 3.3.2005, de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Salvador da Costa – aresto acessível em www.dgis.pt – Proc.05B316, pode ler-se:

“ […] Releva a alínea b) do referido n°1 do artigo 5°, segundo o qual, para efeito da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.

É um normativo inspirado, por um lado, pela ideia divulgada pela doutrina nacional e estrangeira de que a prestação característica do contrato de compra e venda é a do vendedor, por assumir natureza não monetária…                […]

Visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro.

Decorrentemente, é fundado o entendimento de que a alínea b) do n° l do artigo 5° abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato”.

Assim o “lugar do cumprimento da obrigação” é o local efectivo da entrega dos bens, sendo a jurisdição desse local (país Estado-Membro) a competente internacionalmente para apreciar o alegado incumprimento do preço.

Não obstante o contrato celebrado entre a Autora e a Ré ter por objecto o fabrico de caixilharia o destino final dos bens era o território francês tendo aí sido recebidos pela Ré para lhes dar o destino conforme à sua actividade que, depreende-se ser a da construção civil.

 

Assim não pode ser desprezado este facto sendo que, pela natureza da prestação compreendida no objecto do contrato, a actividade útil e final do fabrico da caixilharia não cessava com a conclusão da obra; se pensarmos que só mediante a aplicação da caixilharia em França se poderia até avaliar da boa execução da empreitada, concluiremos que o conceito “lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação” seja um conceito autónomo para se atenuarem os inconvenientes do recurso ás regras de direito internacional do Estado do foro.

Na doutrina Lima Pinheiro, in “Direito Internacional Privado” vol. III, pág. 82, elucida:

 “A competência em matéria contratual compreende a apreciação da existência dos elementos constitutivos do contrato, quando for controvertida a própria existência do contrato.

A obrigação relevante para o estabelecimento da competência a é que “serve de base à acção judicial”. Tratando-se de uma pretensão de cumprimento de uma obrigação, serão competentes os tribunais do Estado onde a obrigação deve ser cumprida.

Observe-se que a obrigação relevante é sempre a obrigação primariamente gerada pelo contrato e não a obrigação secundária que nasça do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso.

O elemento de conexão aqui utilizado não se refere ao contrato no seu conjunto mas a cada uma das obrigações por ele geradas”.

A fls. 83/84:

 

“ […] No entanto, relativamente a dois tipos contratuais da maior importância – a venda de bens e a prestação de serviços – o Regulamento veio introduzir uma dita “definição autónoma” do lugar de cumprimento das obrigações contratuais.

Com efeito, o art. 5.°/l/b determina que para efeitos desta disposição, e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.

Segundo a Exposição de Motivos que acompanha a proposta da Comissão, esta dita “definição autónoma” dispensa o recurso ao Direito de Conflitos do Estado do foro.

Não parece, porém, que assim seja. Bem vistas as coisas, não se trata de uma verdadeira definição autónoma de lugar de cumprimento, mas de estabelecer que só releva, na venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação de entrega e, na prestação de serviços, o lugar de cumprimento da obrigação do prestador de serviços.

Assim, é irrelevante o lugar de cumprimento da obrigação de pagamento do preço dos bens ou dos serviços, mesmo que o pedido se fundamente nesta obrigação.

Mas como determinar o lugar onde os bens devem ser entregues ou onde os serviços devem ser prestados?

O art. 5.°/l/b refere-se aos “termos do contrato”. Se as partes estipularam expressamente o lugar de cumprimento o problema está resolvido. Mas o preceito não deve ser interpretado no sentido de prever apenas casos em que as partes estipularam o lugar de cumprimento. Na falta de designação expressa poderá ser possível inferir do conjunto das circunstâncias do caso uma estipulação tácita. Se também não for possível apurar uma vontade tácita, parece inevitável o recurso ao Direito de Conflitos do Estado do foro”. (destaque e sublinhado nossos)

Ponderando a lição do Ilustre tratadista e analisando os “termos do contrato”, não obstante se referir no requerimento da injunção e nunca ser questionado pelas partes, que se trata de contrato de empreitada (contrato de prestação serviço – art. 1155º do Código Civil), o certo é que foi convencionado que a entrega da caixilharia executada pela Autora, sob encomenda da Ré, seria entregue no domicílio do cliente em França, sendo que a injunção não se reporta senão à obrigação alegadamente incumprida pela Ré do não pagamento do preço.

A relação jurídico-contratual tem mais afinidade com um contrato de compra e venda – art. 874º do Código Civil – que com um contrato de prestação de serviços, uma vez que até foi convencionada a entrega da coisa no domicílio do comprador a efectuar pela Autora.

Por outro lado, tendo sido convencionada a entrega da caixilharia na sede da Ré, em França, existe um convenção de entrega da coisa a cargo da Autora que, na economia do contrato, assume um elemento essencial no que respeita ao “lugar onde os bens devem ser entregues ou onde os serviços devem ser prestados”.

Por outro lado, e citando Lima Pinheiro “a obrigação relevante é sempre a obrigação primariamente gerada pelo contrato e não a obrigação secundária que nasça do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso”, no caso, tal obrigação é a do pagamento do preço (esse é o pedido da Autora), não contrapondo a Ré sequer, nas contra-alegações, que a Autora incumpriu o contrato, razão pela qual o critério determinante do “lugar do cumprimento da obrigação” se entende ser o do tribunal da sede da Ré em França, em função do clausulado, por ser esse o local efectivo da entrega dos bens.

 Neste entendimento, a jurisdição desse local (país Estado-Membro) é a competente internacionalmente para apreciar o alegado incumprimento do preço.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

Decisão:

Nestes termos, se bem que com fundamento não coincidente, nega-se a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrida.

 Supremo Tribunal de Justiça, 5 de abril de 2016

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.