Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
903/13.2TTMTS-A.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INSTRUÇÃO
PRAZO
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 10/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR ( POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR ).
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 9.ª Edição, p. 563 e ss..
- Cunha de Sá, Abuso de Direito, p. 454.
- Galvão Teles, Obrigações, 3.ª edição, p. 6.
- Manuel de Andrade, in RLJ, ano 87, p. 307; Teoria Geral das Obrigações, p. 63.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado …, Parte II, 986, 5.ª edição (2014).
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 217; “Código Civil” anotado, Vol. I, 3.ª edição, p. 296.
- Vaz Serra, “Abuso de direito”, BMJ 68/253; in BMJ 85, p. 326.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º.
CÓDIGO DE TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 329.º, N.º3, 351.º, N.º1, 354.º, N.º2, 357.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16/11/2011 PROC. N.º 203/08.0TTSNT.L1.S1.
Sumário :
I- O legislador não fixou qualquer prazo para serem efetuadas as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa ou outras da sua iniciativa que repute relevantes, impondo no entanto, o princípio da celeridade processual que esta fase seja tão breve quanto possível.

II- Tendo o instrutor do procedimento disciplinar, por despacho de 2/8/2013, marcado os dias 25, 26 e 27 de setembro seguinte para a inquirição das testemunhas de defesa da trabalhadora, não se pode considerar que caducou o direito de aplicar a sanção, ao abrigo dos nºs 1 e 2 do artigo 357º do CT/2009, pois não existe qualquer lacuna da lei que legitime a aplicação destes normativos.

III- Na verdade, dispondo o nº 3 do art. 329º, do CT atual que o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final, o legislador considerou que desta forma estava garantida a celeridade do procedimento disciplinar, não havendo necessidade de consagrar outras normas que a promovessem.

IV- Também não se pode considerar que ao designar aquelas datas para a inquirição das testemunhas de defesa da trabalhadora tenha a empregadora atuado com abuso do direito.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

1. AA instaurou uma ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento ([1]) contra  BB, Ldª.

Não tendo a audiência de partes redundado na sua conciliação, veio a empregadora apresentar articulado motivador do despedimento, pugnando pela existência de justa causa.

2. A A contestou, invocando a caducidade do direito de aplicar a sanção, a invalidade do procedimento disciplinar e a inatendibilidade de factos aditados no articulado da empregadora.

Impugnando, de igual passo, as razões aduzidas para fundamentar a justa causa, deduziu reconvenção, onde pede que se declare a ilicitude do despedimento de que foi vítima, com as respetivas consequências legais em que a R deve ser condenada, pedindo também a sua condenação no pagamento da quantia de € 30.000,00 por danos não patrimoniais.

Relativamente à caducidade do direito de aplicar a sanção alegou, em síntese, que: a resposta à nota de culpa foi recebida pela Ré aos 26.07.2013, nela se requerendo a junção de documentos, bem como a inquirição das testemunhas que arrolou; no entanto, as testemunhas por si arroladas só foram inquiridas no dia 27.09.2013, e as indicadas pela Ré nos dias 25 e 26 de setembro de 2013; por outro lado, parte dos documentos por si solicitados foram requisitados pelo instrutor do procedimento disciplinar aos 03.10.2013, havendo outros sido considerados irrelevantes. Desta forma, o procedimento disciplinar esteve completamente parado, nele não se tendo praticado qualquer ato ou desenvolvido qualquer diligência instrutória, entre 25.07.2013 e 25.09.2013, pelo que, tendo decorrido mais de 30 dias entre a resposta à nota de culpa e a realização da 1ª diligência instrutória, pugna pela caducidade do direito de a mesma ser punida. 

3. A Ré respondeu alegando, quanto à caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar: a decisão de despedimento foi proferida e enviada à A. aos 21.10.2013 pelo que, tendo em conta a última diligência probatória, foi observado o prazo de 30 dias previsto no art. 357º, nº 1, do CT/2009. O agendamento da inquirição das testemunhas foi designado por despacho do instrutor de 02.08.2013. E durante esse período (02.08.2013 e 25.09.2013, data do primeiro dia de inquirição das testemunhas), o instrutor realizou diversas diligências probatórias, havendo sido, em 20.08.2013 e 02.09.2013, fornecidos elementos que o mesmo havia solicitado, embora não constem do procedimento disciplinar por terem sido considerados irrelevantes, conforme documentos nºs 1 a 9 que juntou aos autos; por outro lado, no mencionado despacho de 02.08.2013 foi referido que as datas designadas para audição das testemunhas tinham em conta os períodos de férias.

 Advoga que a proteção da celeridade do procedimento disciplinar foi consagrada pelo legislador não através do art. 357º, nº 1, do CT, mas sim pelo seu art. 329º, nº 3, não correspondendo a inexistência de um prazo de 30 dias após a resposta à nota de culpa quer para o início, quer para a duração das diligências probatórias, a uma omissão intencional do legislador, pois entendeu que a conduta do instrutor para a realização das diligências instrutórias é balizada pelo prazo prescricional do nº 3 do citado art. 329º.

Mais pugna pela improcedência do pedido de indemnização de danos não patrimoniais.

4. Os autos seguiram o seu curso e em 19.05.2014, foi proferido despacho saneador que conheceu parcialmente do mérito, decidindo nos seguintes termos:
«I – Julgar procedente, por provada, a excepção de caducidade do direito da empregadora BB – …, LDA à aplicação de sanção disciplinar de despedimento à autora AA e, em consequência, declaro ilícito o despedimento decretado pela ré.
II - Julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência:
a) Condeno o empregador a pagar à trabalhadora todas as prestações pecuniárias que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do despedimento, deduzida dos montantes que a Autora tenha eventualmente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido (incumbindo neste caso à entidade patronal entregar essa quantia à Segurança Social, em conformidade com o estabelecido na al. c) do n.º 2 do art. 390º), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da liquidação que venha a ser efectuada das referidas quantias.
b) Condeno a empregadora a readmitir a trabalhadora no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua antiguidade.
III – Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a reconvenção quanto ao pedido de danos não patrimoniais, absolvendo nessa parte do pedido a Ré BB –..., LDA.
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento - (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do C.P.C.).
(…)».

De referir ainda que, embora não tenha sido transposto para o supracitado segmento decisório, no ponto imediatamente anterior a este, havia-se fixado uma sanção pecuniária compulsória, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, de € 200,00 por cada dia útil de atraso no cumprimento, por parte da Ré, da obrigação de reintegração da A.

Tendo-se fixado à ação o valor de € 83.351,23, ordenou-se o prosseguimento dos autos para apreciação dos outros pedidos da trabalhadora.

5. Inconformada, veio esta apelar do despacho-saneador sentença, na parte em que julgou improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

Também a entidade empregadora recorreu da dita decisão, sustentando que o prazo de 30 dias como prazo de caducidade do direito do empregador aplicar a sanção disciplinar só se inicia com o “terminus” da última diligência de instrução.

Apelou esta, ainda, do despacho de 17/11/2014, proferido a 383, que havia indeferido o pedido de desentranhamento da resposta da trabalhadora ao parecer jurídico por si junto aos autos.

6. Perante estes recursos, decidiu a Relação:
«A. Conceder provimento ao 1º recurso, interposto pela Autora do despacho saneador que absolveu a Ré do pedido de condenação em indemnização por danos não patrimoniais, revogando-se tal decisão, devendo os autos, quanto ao mesmo e se outro impedimento não existir, prosseguir os seus termos.
B. Conceder provimento ao 2º recurso, interposto pela Ré do despacho saneador, revogando-se a decisão recorrida que julgou procedente a exceção da caducidade do direito de aquela aplicar a sanção disciplinar do despedimento e que, com esse fundamento, julgou ilícito o despedimento da A. e condenou a Ré nas consequências dele decorrentes [pagamento das prestações pecuniárias que a A. deixou de auferir desde o despedimento, e respetivos juros de mora, e readmissão da mesma no estabelecimento, a que se reportam, respetivamente, os pontos II. a) e b) do segmento decisório  da decisão recorrida e consequente sanção pecuniária compulsória a que nela se faz referência], devendo  os autos, e se outro impedimento não existir, prosseguir os seus termos.
C. Negar provimento ao 3º recurso interposto pela Ré do despacho de 17.11.2014, que indeferiu o pedido de desentranhamento da resposta da A. ao parecer jurídico junto aos autos, confirmando-se tal despacho.
Custas dos 1º e 2º recursos interpostos (o 1º pela A. e o 2º pela Ré), pela parte vencida a final.
Custas do 3º recurso, interposto pela Ré, por esta.»

7. É agora a trabalhadora que, inconformada, nos traz revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões: 

I. Não fixando a Lei n.º 7/2009, de 27/02, prazo para o empregador dar início às diligências de instrução em processo disciplinar com intenção de despedimento, tal omissão não permite a interpretação de que aquele o poderá fazer quando entender, prolongando-as conforme entender, sob pena de manifesta contradição com o escopo de celeridade e certeza jurídica que o legislador teve em mente na configuração da tramitação de tais processos disciplinares.

II. No caso de despedimento, o interesse social - que não é só do empregador mas também o do trabalhador e, além deles, o interesse geral do mundo laboral e de toda a sociedade, em que os conflitos laborais que põem em causa a subsistência do vínculo laboral e colidem com o princípio constitucional da segurança no emprego, chamam, as mais das vezes, a intervenção da Segurança Social em matéria de asseguramento das condições de sobrevivência na pendência de tais conflitos - exigem maior celeridade, exigem prontidão e diligência.

III. Foi justamente na ponderação de tais interesses e com o intuito de encurtar ao máximo o tempo de resolução dos conflitos laborais relacionados com o despedimento que o legislador de 2009 criou uma nova acção especial de impugnação do despedimento, com carácter urgente, reduzindo o prazo para o trabalhador iniciar a ação de impugnação de um ano para 60 dias.

IV. A noção de justa causa, enquanto impossibilidade imediata de subsistência da relação laboral, não se compadece com a mera observância do prazo de um ano para concluir o procedimento disciplinar, repercutindo-se tanto no prazo de 30 dias - previsto no artº 357º/1 , para proferir decisão, como na própria condução do processo disciplinar.

V. Não faria, aliás, qualquer sentido que o legislador de 2009 tivesse fixado ao empregador um prazo de 30 dias para tudo ponderar e decidir, incitando-o compulsivamente à urgência decisória e, ao mesmo tempo, lhe concedesse por exemplo, 10 meses para iniciar as diligências instrutórias ou a possibilidade de inquirir uma testemunha no 1º mês e outra no 10.°.

VI. A extensão interpretativa que a jurisprudência tem feito relativamente ao início das diligências instrutórias justifica-se por equiparação ponderativa, isto é, no sentido de que se deixa passar o prazo de ponderação (prazo equiparado de 30 dias para decidir) sem nada fazer, então razoavelmente pode contar-se com o desinteresse de aplicar a sanção, desinteresse que está na base da caducidade.

VII. Daí que, também após a vigência do Código do Trabalho de 2009, em processo disciplinar com intenção de despedimento, as diligências instrutórias devem iniciar-se nos 30 dias subsequentes ao termo do prazo para a apresentação da resposta à nota de culpa, sob pena de operar a caducidade do direito de aplicar a sanção, pelo decurso do prazo previsto pelo art. 357.°, n.º 1 do C.T.

VIII. No caso dos autos, o processo disciplinar movido pela recorrida contra a recorrente manteve-se completamente parado, nele se não praticando qualquer ato ou desenvolvendo qualquer diligência instrutória, quer da iniciativa da recorrida, quer das requeridas pela recorrente, entre 25 de julho de 2013 e 25 de setembro de 2013.

IX. Mais, pese embora haja suspendido preventivamente a recorrente em 26-06-2013, antes da notificação da nota de culpa, suspensão esta que a lei admite em função do seu carácter instrumental relativamente à própria instrução (art. 354.°/2), a verdade é que a recorrida só deu início às diligências de instrução em 25-09-2013.

X. São insubsistentes e não podem colher os motivos invocados pela recorrida para aquela sua inércia, quer pela falta de concretização e demonstração dos períodos de férias das testemunhas por si indicadas mas que, seguramente, não se terão estendido por 60 dias consecutivos nem terão ocorrido em simultâneo, quer por não poderem valer em relação às testemunhas arroladas pela recorrente, nem para a requisição e junção aos autos dos documentos por esta elencados.

XI. Foi, assim, largamente excedido o referido prazo de 30 dias, contado entre a apresentação da resposta à nota de culpa e o início das diligências instrutórias, pelo que caducou o direito de a recorrida aplicar a sanção disciplinar de despedimento à recorrente.

XII. De resto, o decurso de tais prazos, seja a partir da data da suspensão preventiva da recorrente, seja a partir da receção da resposta à nota de culpa - 89 e 60 dias, respetivamente -, sem que diligência alguma de instrução haja sido praticada no procedimento, demonstra uma ostensiva falta de diligência na condução do processo, um manifesto desrespeito pelas regras da boa-fé e pelas exigências de celeridade a que se encontra sujeita a condução do processo disciplinar, para além de se não harmonizar com o elemento objetivo da justa causa de despedimento: a impossibilidade imediata de manutenção do contrato de trabalho - n.º 1, do art. 351.° do CT.

XIII. Tal inércia da recorrida na condução do procedimento, consubstancia abuso de direito - art. 334.° do cód. Civil - que, sendo do conhecimento oficioso do Tribunal - cfr. Ac. S.T.J. de 10-‑12-91, 8MJ 412°, 460 -, constitui uma forma de antijuricidade ou ilicitude cujas consequências são as mesmas da atuação sem direito.

XIV. É, pois, de concluir como no citado Acórdão da Relação do Porto de 18-12-2013, Proc. 1088/12.7TTMTS.P1: foi violado o dever de condução diligente e pronta do procedimento disciplinar, o dever de celeridade e de boa-fé, e assim demonstrado o desinteresse na aplicação da sanção, sendo de convocar a regra da caducidade inserta no art. 357.°/1, do CT e considerar que, no caso concreto, tal violação e desinteresse devem ser sancionados com a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar.

XV. O Douto Acórdão recorrido violou as normas contidas nos arts. 351.°/1, 354.°/2 e 357.°/1, todos do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, bem como o art. 334.°, do Código Civil.

Pede assim que se revogue o acórdão recorrido e que se repristine a decisão do Tribunal da 1ª instância que julgou procedente a excepção de caducidade do direito da recorrida aplicar a sanção disciplinar de despedimento, e declarou a sua ilicitude.

8. A empregadora também alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:

 

I. Vem o presente Recurso de Revista do douto Acórdão de fls. 449 e sgs., que deu provimento ao 2° Recurso interposto pela Ré da decisão proferida em despacho saneador de 1ª Instância, despacho esse que julgou procedente a exceção de caducidade do direito da Ré, empregadora, aplicar a sanção disciplinar de despedimento e que, com esse fundamento, julgou ilícito o despedimento da A.

II. Fundamentou o M. Juiz da 1ª Instância a sua decisão no facto de ter sido largamente excedido o prazo de 30 dias entre a apresentação da Resposta à Nota de Culpa - 26.07.2013 - e o início das diligências probatórias levadas a cabo pela empregadora com início em 25 de setembro de 2013. No entender do M. Juiz, o processo teria estado parado entre 02.08.2013 e 25.09.2013 sem justificação pelo que por aplicação analógica do disposto no Art.357°, nº1 do CT ocorrera a caducidade da aplicação da sanção disciplinar de despedimento com consequente ilicitude do despedimento. Em apoio jurisprudencial invocou, fundamentalmente e com grande relevo, o douto Acórdão do TRP de 05.03.2012, disponível em www.dgsi.pt, em que foi Relatora a Exma. Desembargadora Paula Leal de Carvalho.

III. Em recurso de Apelação, a Ré empregadora manifestou a sua discordância relativamente à decisão relevando nas suas alegações que a aplicação analógica do disposto nos nº1 e 2 do Art.357° do CT era abusiva e destituída de qualquer suporte legal, pelo que a mesma decisão havia feito incorreta e errada interpretação desse mesmo preceito e, ainda, Art.9°, nºs 2 e 3 do CC, bem como do nº3 do Art3° do CPC.

IV. Em sede de Recurso de Apelação, a Apelante agora recorrida juntou Parecer Jurídico da autoria do especialista em Direito do Trabalho Dr. Fausto Leite que, de forma erudita, consagra a posição e entendimento da Apelante discordando fundamentadamente do despacho recorrido.

V. O douto Acórdão, agora sob Revista vem dar razão à apelante, considerando que, efetivamente, pelas razões que no aresto minuciosamente se exaram, no âmbito do CT/2009 "não mais se poderá defender a aplicação de prazo de 30 dias previsto no Art.357°, nº1 do CT para o início das diligências probatórias, seja por recurso à analogia, seja por via da resolução da questão segundo a norma que o próprio intérprete criaria se houvesse que legislar dentro do espírito de sistema (Art. 10° do CC)".

É este o entendimento correto segundo o mesmo douto aresto, já que, como nele se refere também, o recurso à analogia ou qualquer outro tipo de colmatação de lacuna da lei "só é admissível perante a existência de um caso omisso e este pressupõe que se esteja perante uma omissão não intencional da lei (Art.10º do CC) ".

VI. O douto Acórdão agora sob recurso explica e fundamenta a razão da divergência deste entendimento com o perfilhado no Acórdão TRP de 05.03.2012 em que há identidade de Relatora.

As alterações ocorridas em 2009 ao CT deixam bem claro que a omissão por parte do legislador em definir e impor um prazo para o início das diligências probatórias foi intencional tendo o mesmo legislador tido a cuidado de prevenir o arrastar das averiguações ou a falta de diligência no procedimento disciplinar com um prazo prescricional de um ano - Art.329°, nº3 do CT - contado da data e que é instaurado e nesse período o trabalhador não seja notificado da decisão final.

VII. Relativamente à invocada falta de diligência, de celeridade e boa-fé na condução do processo disciplinar que pela Recorrente vêm invocados, face ao prazo prescricional em vigor, não há que dar-lhe a relevância pretendida pela Recorrente, pois, como se exara no Acórdão sob recurso:

"Ainda que, porventura e como hipótese de raciocínio, assim se pudesse entender, o certo é que perante a inaplicabilidade desse prazo de 30 dias e ponderando o prazo de conclusão de um ano do procedimento disciplinar, no circunstancialismo do caso em concreto em apreço dos autos, não se afigura que tenha o procedimento disciplinar, analisado na sua globalidade, sido pautado pela demora excessiva susceptível de violar os mencionados deveres".

VIII. Não pode imputar-se falta de diligência ou celeridade à instrução de um processo disciplinar que, desde o envio da nota de culpa, até à prolação da decisão final, apenas necessitou pouco mais de três meses e isto, durante um período de férias a decorrer.

IX. Dos 52 dias decorridos entre a data do despacho do instrutor, de 02.08.2013 e a do início da inquirição das testemunhas (25.09.2013), não pode concluir-se que o processo disciplinar não tenha decorrido de forma célere e diligente não podendo deixar de ser tido em conta que esse mesmo período de 52/55 dias sem diligências inseridas nos mesmos autos, foi devidamente justificado pelo despacho do instrutor de 02.08.2013, despacho esse integrado, já na sua totalidade, no elenco de factos assentes pelo Venerando Tribunal da Relação, como requerido havia sido pela Apelante.

 X. O Venerando Tribunal da Relação dando provimento ao 2º Recurso de Apelação da Ré e revogando a decisão recorrida, deu cabal e perfeito cumprimento aos dispositivos legais em vigor, não tendo violado, como pretende a Recorrente, qualquer preceito legal, nomeadamente, Art.35Iº, nº1, Art.354°, nº2 do CT (que, sinceramente e no entender da Recorrida, nada terão a ver com o assunto e terão sido invocados por mero lapso) ou mesmo o Art.357°, nº1 do CT e Art.334° do CC.

XI. As Conclusões da Recorrente nas suas, aliás doutas, alegações, salvo o devido respeito, não merecem acolhimento e não poderão afetar a erudita fundamentação da douta decisão, pois, na sua globalidade, são irrelevantes (2a e 3a) ou infundadas (as restantes), havendo, ainda, que fazer correção do lapso na Iª dessas conclusões, já que se confunde o Código com Lei que o aprovou.

XII. Bem e doutamente julgou, por conseguinte, o Venerando Tribunal da Relação não merecendo o presente Aresto qualquer espécie de censura.

 

Pede assim que se mantenha a decisão recorrida.

9. Subido o recurso a este Supremo Tribunal, emitiu a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta parecer, nos termos do artigo 87º/3 do CPT, no qual propende para a improcedência da revista, o qual não foi objeto de resposta de qualquer das partes. 

Cumpre pois decidir.

II. A decisão da Relação assentou na seguinte matéria de facto que não é questionada neste recurso:

1. A R. BB – …, Lda desenvolve a sua atividade no setor farmacêutico.

2. Em 24 de agosto de 2004, admitiu ao seu serviço a A. AA com a categoria profissional de Delegada de Informação Médica para exercício de funções na denominada “Zona Norte”, tendo sido acordada a remuneração mensal de 1.400,00 euros como contrapartida do trabalho prestado, conforme contrato cuja cópia consta de fls. 41 e 42.

3. A remuneração base mensal da A. veio sendo alterada ao longo da vigência do contrato, sendo o seu valor à data de despedimento de 2.000,00 euros.

4. A A. exercia as suas funções de Delegada de Informação Médica na denominada Zona Norte do País que incluía os concelhos do Porto e Trofa e integrada numa equipa de três trabalhadores da R., equipa essa designada por “T...”.

5. Mediante carta datada de 26 de junho de 2013, a trabalhadora foi preventivamente suspensa nos termos do n.º 2 do art. 354º do CT.

6. A empregadora enviou à trabalhadora, através de carta registada com aviso de receção, datada de 12 de julho de 2013, a nota de culpa contra ela deduzida, com menção de despedimento com justa causa.

7. A A. recebeu a referida nota de culpa em 16 de julho de 2013.

8. Por carta datada de 25 de julho de 2013 e expedida sob registo postal com o n.º RD 1247 6852 9 PT, a A. remeteu ao Instrutor do processo disciplinar a sua defesa, que foi recebida em 26 de Julho de 2013.

9. Na sua defesa, a A. requereu se procedesse à junção dos documentos ali identificados a final sob III, bem assim como a inquirição das testemunhas arroladas em I.

10. Por despacho de 2-08-2013, o instrutor do processo disciplinar designou os dias 25, 26 e 27 de Setembro para inquirição das testemunhas, constando desse despacho o seguinte:
Constatando que grande parte dos trabalhadores da empresa se encontram já em período de férias ou irão iniciá-las brevemente, e dada a previsível impossibilidade de as testemunhas arroladas estarem presentes em data que, proximamente viesse a ser agendada, designa-se os dias 25, 26 e 27 de Setembro (este último dia a acordar com a douta mandatária da arguida) para em hora que considerem menos prejudicial ao serviço, serem inquiridas as seguintes testemunhas da autuante, a serem contactadas pelas responsáveis dos departamentos em que estão integradas”, seguindo-se a identificação de cinco testemunhas (alterado pela Relação).

11. O mandatário da trabalhadora foi notificado das datas designadas para inquirição das testemunhas arroladas na resposta à nota de culpa mediante carta data de 19/09/2013.

12. As testemunhas nomeadas pela A. foram inquiridas no dia 27 de setembro de 2013, sendo que as indicadas pela empregadora depuseram nos dias 25 e 26 de setembro de 2013.

13. Em 03-10-2013, pelo instrutor foram requisitados elementos contabilísticos, conforme consta do procedimento disciplinar.

14. Mediante carta datada de 15-10-2013 enviada ao mandatário da A., foi-lhe enviada a listagem de movimentos efetuados com o cartão de débito atribuído à A., tendo sido dado conta de não se afigurarem relevantes a organização de envio das notas de despesa e comprovativos de transferências para a conta da A., por esta estar na posse dessa documentação.

15. Em 17-10-2013, foi pelo Instrutor dos autos de Processo Disciplinar elaborado Relatório após o que, em 21-10-2013, pela R., foi emitida a decisão final de despedimento com justa causa.

16. A referida decisão foi rececionada pela A. em 23-10-2013.

III. CONHECENDO

1. Com o presente recurso pretende a Recorrente que seja revogada a decisão da Relação na parte em que não julgou caducado o direito de lhe aplicar a sanção disciplinar de despedimento, alegando para tanto, e em suma, que foi ultrapassado o prazo de 30 dias para se proceder à realização da primeira das diligências probatórias que havia requerido na resposta à nota de culpa, quer se conte este prazo da data da receção desta resposta (26.07.2013), quer se conte da data do despacho do Instrutor do procedimento disciplinar (02.08.2013).

E nesta linha, advoga que caducou o procedimento face ao regime previsto no art. 357º, nºs 1 e 2, do CT/2009, aplicado por analogia.

Na apreciação desta questão, as instâncias divergiram na sua solução.

Assim, na sentença da 1ª instância, sufragando a fundamentação constante do Acórdão da Relação do Porto, de 05-03-2012 (Relatora Paula Carvalho), disponível em www.dgsi.pt., entendeu-se
 que tais diligências instrutórias deverão iniciar-se nos 30 dias subsequentes ao termo do prazo para a apresentação da resposta à nota de culpa e, salvo motivo justificativo, entre elas não deverá mediar ou decorrer um lapso de tempo excedente a 30 dias, sob pena de operar a caducidade do direito de aplicar a sanção, pelo decurso do prazo de 30 dias previsto pelo art. 357º, n.º 1, contado desde o fim do prazo para a resposta à nota de culpa”.

Dissentindo, argumentou a Relação:
“Importa, desde já, referir que o mencionado acórdão foi lavrado no âmbito do regime constante do CT/2003 e não no domínio do CT/2009 que, independentemente da bondade ou não das considerações transcritas, introduziu alterações significativas e que nos levam, no seu âmbito, a diferente entendimento do ali sufragado, como passaremos a explicar.
O prazo de 30 dias para prolação da decisão já vinha do regime legal anterior ao CT/2003, só que, então e como foi entendimento jurisprudencial pacífico, não consubstanciava um prazo de caducidade, mas apenas, quando ultrapassado, um prazo para ponderação no juízo final a emitir quanto à (im)possibilidade da manutenção da relação laboral e consequente existência, ou não, de justa causa para o despedimento.
O CT/2003 veio, então, a definir tal prazo como um prazo de caducidade, havendo (-se), no âmbito desse diploma, suscitado (-se) diversas questões relativamente à sua aplicação, designadamente, desde quando se contaria (no caso de inexistência de comissão de trabalhadores ou não sendo o trabalhador representante sindical, se da última diligência probatória requerida pelo trabalhador ou, sendo posterior, da última diligência probatória levada a cabo pelo empregador) e até quando se contaria (se até à data da decisão, se até à data da notificação dessa decisão ao trabalhador).
Vinha, também, tanto a doutrina, como a jurisprudência aludindo à necessidade de diligência e celeridade no procedimento disciplinar, muito embora, tal como referido no acórdão mencionado, não tivesse sido fixado um prazo seja para o início das diligências probatórias, seja para a conclusão do procedimento disciplinar.
A tal Código sucedeu o CT/2009 que, certamente tendo em conta as questões que se vinham suscitando e de forma pensada e ponderada (art. 9º, nºs 1 e 3 do Cód. Civil), veio introduzir algumas alterações [não nos reportamos às que, posteriormente, vieram a ser objeto de declaração de inconstitucionalidade – possibilidade de o empregador dispensar a realização de diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa] em matéria de procedimento disciplinar, designadamente:
- clarificando que, no caso de inexistência de comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o mencionado prazo (de caducidade) de 30 dias para proferir a decisão final se conta a “partir da data da conclusão da última diligência de instrução” – art. 357º, nº 2;
- introduzindo prazos no âmbito do procedimento do despedimento em caso de microempresas – cfr. art. 358º, nº 2;
- e, especialmente no que importa ao recurso e também aplicável em matéria de procedimento disciplinar com vista ao despedimento, inovando no art. 329º, nº 3, ao dispor que “o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.” [sublinhado nosso].
Ou seja, o legislador introduziu alterações em matéria de prazos do procedimento disciplinar, designadamente fixando, certamente tendo em conta a necessidade de evitar protelamento excessivo do processo disciplinar, um prazo (de prescrição) para conclusão do mesmo (de um ano).
Ora, não obstante as alterações introduzidas, o legislador voltou novamente a não fixar qualquer prazo para o início das diligências probatórias, o que apenas nos poderá levar à conclusão de que tal omissão não poderá deixar de ser considerada como tendo sido intencional. Se o tivesse pretendido fixar, afigura-se-nos que teria aproveitado o ensejo de o fazer. E, por outro lado, na fixação desse prazo de um ano, não poderá o legislador ter deixado de ponderar os deveres de diligência e celeridade na condução do procedimento disciplinar e que, certamente, estarão subjacentes a essa fixação.
Ora, serve isto para dizer que continuando o CT/2009, não obstante essas alterações, a não fixar um prazo para o início das diligências probatórias mas tendo, em contrapartida, fixado um prazo para a conclusão de todo o procedimento disciplinar (desde a data em que é instaurado até à notificação da decisão final), não mais se poderá, em nosso entendimento, continuar a defender a aplicação do prazo de 30 dias previsto no art. 357º, nº 1, para o início das diligências probatórias, seja por recurso à analogia, seja por via da resolução da questão segundo a norma que o próprio intérprete criaria se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema (art. 10º do CC). É que o recurso a tais vias de colmatação de lacunas da lei apenas é admissível perante a existência de um caso omisso (só neste existe lacuna) e, este, pressupõe que se esteja perante uma omissão não intencional da lei (art. 10º). Se a lei silencia, intencionalmente, a resposta a determinada situação, não estamos perante caso omisso.
Assim sendo e face ao CT/2009, não se perfilha a solução adotada na decisão recorrida.
Poder-se-ia, eventualmente, defender que, não obstante o referido e apesar da introdução desse novo prazo de prescrição do procedimento disciplinar (art. 329º, nº 3), sempre seria de apreciar, perante o circunstancialismo de cada caso concreto, dos deveres de diligência, celeridade e boa-fé na condução do procedimento disciplinar apontados pela doutrina e, em caso de violação dos mesmos, apreciar das respetivas consequências.
Ainda que, porventura e como hipótese de raciocínio, assim se pudesse entender, o certo é que, perante a inaplicabilidade desse prazo de 30 dias e ponderando o prazo de conclusão, de um ano, do procedimento disciplinar, no circunstancialismo do caso concreto em apreço nos autos, não se afigura que tenha o procedimento disciplinar, analisado na sua globalidade, sido pautado por demora excessiva suscetível de violar os mencionados deveres.
Com efeito, entre o envio da nota de culpa (12.07.2013) e a prolação da decisão do despedimento (21.10.2013), decorreram pouco mais do que três meses, sem esquecer que o mesmo se reveste de alguma complexidade (foram inquiridas 9 pessoas, como resulta do procedimento disciplinar, e solicitados diversos elementos documentais). E se, entre a data do despacho do instrutor de 02.08.2013 e a do início da inquirição das testemunhas (25.09.2013) decorreram 52 dias, foi o procedimento disciplinar, após, concluído de forma célere, decorrendo menos de um mês entre a data última inquirição das testemunhas (27.09.2013) e a da decisão disciplinar (21.10.2013), período no qual ainda tiveram lugar outras diligências probatórias (requisição e junção de documentos), para além da elaboração do relatório final.
Assim sendo, não se nos afigura que tenha caducado o direito de aplicação da sanção disciplinar, mostrando-se prejudicado, por desnecessária, a apreciação da demais argumentação aduzida.”

E nesta linha, revogou-se a decisão da 1ª instância que havia considerado caducado o direito de aplicar a sanção, pelo decurso do prazo de 30 dias previsto pelo art. 357º, n.º 1, ordenando-‑se que o processo prosseguisse os seus termos.

Pugna a recorrente pela revogação do acórdão sujeito, imputando-lhe violação das normas contidas nos artigos 351°/1, 354°/2 e 357°/1, todos do Código do Trabalho/2009, bem como do artigo 334° do Código Civil.

Sem razão, todavia.

Efetivamente, não se descortina qualquer violação dos referidos artigos 351º, nº 1, do C. do Trabalho atual, que se refere ao conceito de justa causa de despedimento do trabalhador, e que aqui não tem aplicação, pois estamos perante uma questão prévia que se prende com a pretensa perda pelo empregador do direito de proferir decisão no procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento da trabalhadora por ter decorrido um prazo superior a 30 dias, contado da resposta da nota de culpa, sem se ter realizado qualquer diligência de instrução.

Por isso, é também descabida a invocada violação do nº 2 do artigo 354º, que se refere à suspensão do trabalhador ainda antes da notificação da nota de culpa.

Resta, então, a invocada violação do nº 1 do artigo 357º do mesmo compêndio legal, do seguinte teor: “Recebidos os pareceres do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.”

A existência de prazo para o empregador proferir decisão de despedimento remonta ao regime introduzido pelo DL nº 64-A/89 de 27/2 (LCCT), pois não constava do DL nº 372-A/75 de 16/7 (seu antecessor nesta matéria) qualquer norma que lhe impusesse um prazo para proferir decisão final no processo disciplinar.

De qualquer forma, não se estabeleceu qualquer sanção para o seu incumprimento, pelo que se discutia então quais as consequências desta atuação do empregador.

E várias soluções se perfilaram, defendendo uns que se tratava duma mera irregularidade, sem quaisquer consequências para a validade do procedimento disciplinar; outros, que se tratava duma nulidade insanável, considerando que se extinguiu o direito de punir por inobservância do artigo 12º, nº 3, alínea c); outros ainda, propugnavam que a consequência era a de voltar a correr o prazo de exercício da acção disciplinar e que havia ficado suspenso com a notificação da nota de culpa, conforme preceituava o nº 11 do artigo 10º da LCCT; e, por último, também se defendia que o decurso deste prazo apenas relevaria, se ultrapassado, para a ponderação do juízo final sobre a impossibilidade da manutenção da relação laboral, constituindo um indício de que a atuação do trabalhador não fora irremediavelmente comprometedora da sua subsistência.

No Código do Trabalho de 2003 o legislador continuou, no artigo 415º, nº 1, a impor ao empregador que profira decisão de despedimento no prazo de 30 dias contados da data da conclusão das diligências de instrução, da apresentação do parecer previsto no nº 3 do artigo 414º, ou do decurso do prazo para o proferir.

No entanto, e para acabar com as dúvidas que a lei anterior colocava quanto à sua natureza, o legislador qualificou-o como um prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção.

É nesta linha que se insere o regime atual, e que consta do artigo 357º, nº 1 do C.T./2009.

No entanto, ele só se pode aplicar à situação que a lei prevê expressamente, pelo que se trata dum prazo para proferir a decisão final do procedimento disciplinar, não sendo legítimo aplicá-lo a qualquer outra situação.   

Efetivamente, a letra da lei é inequívoca nesse sentido ao estabelecer como termo “a quo” do exercício do direito de aplicar uma sanção a um trabalhador, a data da receção dos pareceres previstos no nº 5 do artigo anterior, ou o decurso do prazo para os proferir. E ainda previu o legislador que não existindo comissão de trabalhadores, ou não sendo o trabalhador representante sindical, então o prazo de 30 dias conta-se da data da última diligência de instrução (nº 2).

Não há assim qualquer razão para aplicar este prazo à situação presente, pois não há lacuna da lei que justifique tal aplicação.

Na verdade, o legislador não fixou qualquer prazo para efetuar as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na nota de culpa ou outras da sua iniciativa que repute relevantes.

De qualquer modo, e como acentua a doutrina, o princípio da celeridade processual impõe que esta fase seja tão breve quanto possível. ([2])

Por outro lado, dispondo o nº 3 do art. 329º, do CT atual que “o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final”, o legislador considerou que garantida estava tal celeridade, não havendo necessidade de consagrar outras normas que a promovessem.

Assim sendo, temos de concluir, como fez o acórdão recorrido, que foi intencionalmente que o legislador não previu quaisquer prazos para a realização das diligências probatórias da fase do instrução do procedimento disciplinar, pois o mencionado prazo de um ano já é suficientemente apertado para garantir que esta fase decorra com celeridade e diligência do empregador.

Por isso, não havendo lacuna da lei, não se pode aplicar ao caso a disciplina dos nº s 1 e 2 do artigo 357º do CT.

2. Improcedendo estas razões invocadas pela recorrente, vejamos então a última questão suscitada por esta e que se prende com a pretensa violação do artigo 334º do CC.


Resulta deste normativo que é ilegítimo o exercício dum direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito.
Vem-se defendendo, no entanto, que não basta um qualquer desvio do fim económico ou social ou uma qualquer ofensa à boa-fé e aos bons costumes, dado que aquele preceito não se basta com isso, pois exige que ocorra um excesso manifesto no exercício dum direito pelo seu titular.
Nesta conformidade a doutrina acentua a densidade da ofensa, exigindo um excesso manifesto e desproporcionado, pronunciando-se neste sentido Galvão Teles, Obrigações, 3ª edição, pgª 6; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, anotado, volume 1º, 3ª edição, pª 296; e Cunha de Sá, Abuso de Direito, 454.
Também Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 63, fala num exercício dum direito em termos clamorosamente ofensivos da justiça; e Vaz Serra, abuso de direito, BMJ 68/253, exige também uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.
Assim, a teoria do abuso do direito serve de válvula de segurança para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstrata, das normas legais, obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado, conforme advogam Manuel de Andrade, in RLJ, ano 87, pg. 307, e Vaz Serra, BMJ 85, pg. 326.
Por isso, não basta que do exercício dum direito advenham prejuízos para outrem, sendo necessário que o seu titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, decorrentes da tutela da confiança e impostos pelos padrões morais de convivência social reinantes na comunidade de contexto, bem como pelo fim económico e social que justifica a existência desse direito, redundando numa injustiça flagrante (sem que seja exigível que tenha consciência disso, como resulta da concepção objectiva do instituto, acolhida no nosso ordenamento jurídico. ([3])

Não é assim, um qualquer exercício excessivo de um direito que o torna, só por si, proibido, pois o que se exige é que o respetivo titular ultrapasse, manifesta e clamorosamente, os limites impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa-fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito.

Nesta conformidade, e conforme se diz no acórdão deste Supremo Tribunal, de 16/11/2011 ([4]) “… existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.”

Postas estas considerações, impõe-se verificar se, no caso em apreço, se justifica a paralisação do direito da empregadora punir a trabalhadora pela circunstância de ter ultrapassado o prazo de 30 dias para proceder à realização da primeira das diligências probatórias que aquela havia requerido na resposta à nota de culpa, pois tendo esta sido apresentada em 26.7.2013, por despacho do instrutor do procedimento disciplinar de 02.8.2013, estas inquirições só foram marcadas para 25, 26 e 27 de Setembro.

Na designação destas datas não podemos ver, todavia, um qualquer excesso no exercício do direito pelo empregador, pois é sabido que a maioria dos trabalhadores portugueses marca as suas férias para Julho e Agosto.

Por isso, tendo sido esta a razão invocada para a sua designação, conforme acentua o despacho do instrutor, não podemos considerar que este direito tenha sido exercido de forma excessiva, ou que o empregador tenha sido movido pela intenção de prejudicar ou comprometer o direito da trabalhadora a ver as suas testemunhas de defesa inquiridas, como exige a figura do abuso do direito.

Outrossim, apreciada a duração do procedimento disciplinar no seu todo, também não podemos considerar que o empregador tenha pautado a sua atuação por qualquer demora excessiva suscetível de constituir violação dos deveres da celeridade, diligência e boa-fé a que está obrigado na sua condução.

Efetivamente, entre o envio da nota de culpa (12.07.2013) e a prolação da decisão do despedimento (21.10.2013), decorreram pouco mais do que três meses, apesar do número de testemunhas que foram inquiridas (9 pessoas).

Por outro lado, se é certo que entre a data do despacho do instrutor de 02.08.2013 e a do início da inquirição das testemunhas (25.09.2013) decorreram 52 dias, temos de considerar que o procedimento disciplinar foi rapidamente concluído, pois decorreu menos de um mês entre a data da última inquirição das testemunhas (27.09.2013) e a da decisão disciplinar (21.10.2013).

Improcedendo também esta questão, temos de manter a decisão impugnada.

IV DECISÃO

Termos em que se acorda em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da trabalhadora.

Anexa-se sumário do acórdão

Lisboa, 8 de Outubro de 2015

Melo Lima (Relator)

Belo Morgado

Ana Luísa Geraldes

______________
[1] Artigo 98º-C do CPT, na redação do DL 295/2009, de 13.10
[2] Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado, Parte II, 986, 5ª edição (2014).
[3] Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1967, pg. 217; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª Edição, pág. 563 e ss.
[4] Recurso nº 203/08.0TTSNT.L1.S1 (Pereira Rodrigues)