Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17436/20.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE LEALDADE
DEVER DE OBEDIÊNCIA
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I- O dever de lealdade inclui um dever de honestidade, que implica uma obrigação de abstenção por parte do trabalhador de qualquer comportamento susceptível de colocar em crise a relação de confiança que deve pautar as suas relações com o empregador, enquanto corolário da boa-fé contratual;


II- Constitui justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora, Directora Comercial e de Marketing em Portugal, que se traduziu na concessão, sem autorização da entidade empregadora, como era necessária, de descontos significativos, na ordem dos 50%, a clientes daquela;


III- Está-se perante a violação, por parte da trabalhadora, dos seus deveres de obediência, mas com mais relevância e gravidade do de lealdade para com a sua empregadora, com a inerente quebra de confiança, tornando-se, assim, prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral.

Decisão Texto Integral:

Processo 17436/20.3T8LSB.L1.S1


Revista


70/22


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


GLOBAL QUALITY IBERIA, SOCIEDAD LIMITADA, intentou acção declarativa de simples apreciação, com processo comum, contra AA, pedindo “que seja apreciada e reconhecida a existência de justa causa para o despedimento da Ré, declarando-se para tanto que:


a) O processo disciplinar instaurado à Ré, visando o despedimento desta, assegurou à trabalhadora arguida todos os mecanismos de defesa consagrados na lei e no instrumento de regulamentação coletiva aplicável e que, por isso, não está ferido de qualquer nulidade;


b) O "Parecer" desfavorável ao despedimento, emitido pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), face à situação de gravidez da Ré, é nulo e de nenhum efeito;


c) Deve considerar-se ilidida a presunção prevista no art. 63.º, nº 2 do Código de Trabalho;


d) Existe motivo justificativo para a cessação do contrato de trabalho mantido com a Trabalhadora aqui Ré, mediante despedimento por justa causa.”.


Realizou-se audiência de partes, tendo-se frustrado a conciliação.


A Ré deduziu contestação.


A Autora apresentou articulado de resposta.


Realizou-se audiência de julgamento.


Em 27.04.2022, o Tribunal de 1ª instância proferiu sentença, na qual decidiu o seguinte:


Pelos fundamentos expostos, julgo a acção improcedente, e, em consequência, não reconheço a existência de motivo justificativo para a autora proceder ao despedimento da ré.”.


A Autora interpôs recurso de apelação.


Por Acórdão de 26.10.2022, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:


“i. quanto à impugnação da decisão da matéria de facto:


a) julgar provado o seguinte facto (e na correspondente medida alterar o que foi julgado não provado n.º 1): "16-A - A Arguida não pode tomar decisões relativas à concessão de descontos a clientes sem o aval da casa mãe em Barcelona".


b) julgar provado o facto (e nessa medida eliminar o julgado não provado n.º 4): "56-A - Nesse documento de reporte, a Ré fez constar dos contratos celebrados que o seu valor era de € 2.300 para dois produtos, fazendo para tanto uso da tabela de preços aplicáveis a 'Pequenas Empresas', com isso visando ocultar da Gerência da Autora o negócio por si executado";


c) julgar provado o facto julgado não provado n.º 5, ficando assim: "23-A - A diferenciação dos produtos seleccionados para cada 'Prémio', é feita em função dos critérios definidos pelo Regulamento do Programa aprovado pela titular da marca M......, que são disponibilizados previamente ao cliente";


d) julgar provado o facto julgado não provado n.º 6, ficando assim: "25-A - No seguimento de insistência feitas junto do cliente M...../C......... pela colaboradora da Autora, BB, viria a ser-lhe comunicado pelo responsável da cliente CC - Director de Negócio T...., que a Ré agindo sem o conhecimento nem consentimento da Autora, decidiu reduzir os 'fees' de participação extensiva à totalidade dos produtos participantes no programa 'Prémios do Ano 2020', incluindo as secções de talho, peixaria, e outros";


e) julgar provado o seguinte facto, eliminando-se o julgado não provado n.º 8: "42-A - Em consequência da actuação da ré, a autora sofreu já uma perda na sua facturação no montante de € 18.000 (dezoito mil euros) correspondente ao montante da Nota de Crédito emitida sem a devida e necessária autorização";


f) julgar não provados os factos julgados provados de 60 a 65;


ii. quanto ao aspecto jurídico da causa: conceder a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida e declarar a existência de motivo justificativo para a cessação do contrato de trabalho mantido entre as partes, mediante despedimento por justa causa da trabalhadora.”.


A Ré interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:


A) No que se refere à matéria de direito a Recorrente não pode concordar com o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa vertido no aresto ora recorrido, pois, mesmo considerando a factualidade nos termos aí decididos, a verdade é que a mesma não é passível de integrar o conceito de justa causa de despedimento vertido no Art. 351º, nºs 1 e 3 do Código do Trabalho.


B) Já que, mesmo a considerar tal matéria de facto – com cuja valoração não se concordar como atrás se referiu – o comportamento da Recorrente dado como provado no Acórdão recorrido não preenche o conceito de justa causa e, por outro lado, a aplicação à Recorrente da mais gravosa sanção disciplinar - o despedimento com justa causa – é desajustado e desadequado quer aos factos quer a todo o contexto da relação laboral desenvolvida pela A. e Ré ao longo de 5 (cinco) anos, violando o Princípio da Proporcionalidade e o disposto no Art. 330º, do Código do Trabalho.


C) Haverá justa causa quando, ponderados os interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes – intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, caráter das relações entre as partes - se conclua pela premência da desvinculação.


D) Importa, assim, que se verifique: a) O objetivo incumprimento de deveres obrigacionais por parte do trabalhador; b) Um juízo de censurabilidade ético-jurídica [culpa], que recaia sobre esse comportamento; c) Uma gravidade que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral, tudo cotejado à luz do princípio da proporcionalidade.


E) Ora, ainda que se considera a matéria de facto como decidida no Acórdão em crise, e se entenda que houve uma violação dos seus deveres por parte da trabalhadora, a aqui Recorrente, se se atender a todo o contexto que motivou o comportamento da Recorrente, bem como às suas motivações para agir como agiu, e ao resultado verificado em virtude de tal comportamento, sempre se terá de concluir, que o comportamento da Ré não preenche o conceito de justa causa, como vertido no Art. 351º, do Código do Trabalho – vide factos provados nºs 2, 12, 13, 14, alínea f), 30, 31, 32, 33, 34, 36, 57, 58, 59, 66, 67, 68, 69.


F) Sendo que a supra referida matéria de facto foi dada como provada em sede de primeira instância e não foi impugnada ou contrariada pela A. no recurso por esta apresentado dessa sentença.


G) Face à factualidade acima referida e dada como provada é forçoso concluir que o comportamento desta, ainda que possa configurar uma violação dos deveres da Ré enquanto trabalhadora, não preenche os restantes requisitos necessários para o preenchimento do conceito de justa causa.


H) No que se refere ao juízo de censuralidade, se atendermos a que a trabalhadora desempenhava as suas funções com total autonomia, tomando as decisões que considerava mais adequadas, quer tendo em atenção a situação concreta em presença, quer situações semelhantes que ocorreram no passado, quer o interesse da A., sempre no pressuposto de manter o cliente, fidelizar o cliente e assim fazer progredir o negócio da entidade patronal, é forçoso concluir que não se verifica uma atuação dolosa por parte da Ré, já que esta agiu sempre crente de que estava a cumprir com o que eram as suas funções com o único objetivo de manter os clientes evitando que clientes de peso abandonassem o programa.


I) Acresce que, a culpa do trabalhador deve ser apreciada com base num critério objetivo, ou seja, de acordo com a diligência média exigível a um trabalhador daquele tipo colocado nas circunstâncias da Ré.


J) Qualquer pessoa colocada nas circunstâncias da Ré, ao ter de optar entre conceder um desconto imediato ou perder um cliente relevante, sendo que tal procedimento não era inédito, optaria, como fez a Ré, por conceder tal desconto. E fá-lo-ia com o intuito de salvaguardar osinteresses da entidade patronal, pois, a Ré não retirou qualquer benefício pessoal de tal situação.


K) No que diz respeito à sanção disciplinar a aplicar em concreto, o Princípio da Proporcionalidade impõe que, tendo em consideração os fins a atingir, a sanção disciplinar aplicada deva ser, simultaneamente, a menos gravosa e a mais adequada à gravidade dos factos.


L) Ainda que se possa entender – o que só por hipótese se admite – que o comportamento da Ré possa ser reprovável, é inequívoco que aplicar á Ré a sanção disciplinar mais gravosa é excessiva face à gravidade do comportamento da mesma, que sempre será diminuta, ou, quanto muito mediana, e face a todo o circunstancialismo em que a relação laboral se desenvolvia, como acima se referiu.


M) No caso em apreço, no que se refere à culpabilidade, a mesma é reduzida na medida em que a Ré agiu na crença de que poderia tomar as decisões que efetivamente tomou, e que com tal comportamento não estava a violar qualquer dever que sobre si impendia na qualidade de trabalhadora. Por outro lado, a Ré agiu no interesse da A., sempre com o objetivo de manter o cliente, fidelizar o mesmo e assim promover e fazer crescer o negócio da A. O que é reconhecido na sentença proferida e não foi impugnado pela A.


N) No que se refere à gravidade da infração a mesma é quanto muito mediana já, mesmo que se considere como se faz no Acórdão recorrido que a consequência imediata do comportamento da Ré foi a perda de faturação no montante de € 18.000,00 (dezoito mil euros), sempre se dirá que tal perda é muito pouco relevante face à manutenção desse cliente no programa em causa e face à permanência do mesmo nos anos subsequentes.


O) Donde resulta que ponderado o circunstancialismo em causa e o contexto no qual a Ré agiu, é forçoso concluir que a gravidade do seu comportamento é mediana, para não dizer reduzida.


P) Em suma, sempre se dirá que aplicar à Ré a sanção mais gravosa viola o Princípio da proporcionalidade e o disposto no Art. 330º, do Código do Trabalho que o consagra.


Q) Pelo que, mesmo atendendo ao circunstancialismo fáctico considerado no Acórdão ora recorrido, seria suficiente a aplicação de uma sanção disciplinar de índole conservatória, possibilitando a permanência da relação laboral.


R) Assim, deve o Acórdão ora recorrido ser revogado e substituído por outro que decida pela inexistência de justa causa para o despedimento da Recorrente.


A Autora contra-alegou.


Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.


x


Cumpre apreciar e decidir.


Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão, a de saber se há justa causa para o despedimento da Ré.


x


Mostra-se fixada a seguinte matéria de facto (a negrito a que resulta da alteração pelo Tribunal da Relação):


1 - A Autora é uma sociedade de direito espanhol que tem por objecto e actividade principal e efectiva a prestação de serviços de marketing e publicidade.


2 - A Ré é trabalhadora ao serviço da A., tendo sido admitida para trabalhar sob suas ordens e direcção, mediante contrato vertido em escrito particular datado de 20.04.2015, nominado como 'CONTRATO PROMESSA DE TRABALHO A TERMO CERTO', para exercer funções na sua sucursal em Portugal, localizada na ..., N.º..., ..., ..., ... ..., dando-se aqui por reproduzido o teor do referido contrato, conforme consta de fls. 75v. e 76 dos autos, fls. 1, 2 e 3 do doc. 1 junto com a petição.


3 - Por decisão da administração da sociedade Autora de 13 de Abril de 2020 foi determinada a instauração de procedimento disciplinar contra a Ré com vista ao seu despedimento com justa causa.


4 - No dia ... de ... de 2020, o administrado único da A., DD, elaborou a Nota de Culpa, do seguinte teor:


'1.º A Arguida é trabalhadora da GLOBAL QUALITY IBERIA S.L. (adiante GQI) desde 20 de Abril de 2015, desempenhando funções na sua sucursal em Portugal, desde 1 Maio de 2015.


2.º A Arguida foi contratada para implementar e desenvolver o projecto denominado 'Sabor do ano em Portugal' em 2016 e nos anos subsequentes, como 'Country Manager' (Directora Comercial e de Marketing) em Portugal.


3.º A Arguida reporta ao Director Geral Ibérico e Gerente da empresa, Sr. EE, além de existir em Portugal um 'account manager' - gestor de conta de cada cliente, actualmente a colega BB - com a qual coordena as tarefas de prospecção de clientes, relacionamento comercial e o desenvolvimento de campanhas promocionais.


4.º Ou seja, a Arguida não pode tomar decisões sem o aval da casa mãe em ... e sem a concordância da referida gestora da conta de cada cliente.


5.º O projecto 'Sabor do Ano' consiste numa ferramenta de marketing sub licenciada à G.. e que esta comercializa a empresas do ramo alimentar, para promover factores de competitividade dos produtos e potenciar o aumento das suas vendas.


6.º Como produto sub licenciado, a 'Sabor do Ano' tem regras pré definidas pelo titular da marca, a empresa francesa M......, nomeadamente quanto a valores de entrada, anuidades e fees, que não podem ser unilateralmente alterados.


7.º A tabela de valores para a campanha Sabor do Ano 2020 é a seguinte: Pequenas Empresas Inscrição 1.º Prod. Inscrição 2.º Prod. Fee Participação Fact entre 2 e 10 M€ 1.200 € 600 € 2.300 € Médias empresas Inscrição 1.º Prod. Inscrição 2.º Prod. Fee Participação Fact. entre 10 e 40 M€ 1.200 € 600 € 4.500 € Grandes Empresas Inscrição 1.º Prod. Inscrição 2.º Prod. Fee Participação Fact. entre 10 e 40 M€ 1.200 € 600 € 6.000 €


8.º Ora a trabalhadora Arguida acordou directamente com um dos principais clientes da G.., a S..../C......... (que se enquadra no terceiro grupo supra, de mais de 40 milhões de facturação), na pessoa do director do negócio de carne, um desconto de 50% no montante correspondente à aplicação correcta das taxas de seis produtos de carne da S..../C........., para 2020.


9.º Sem autorização (anterior ou posterior) nem conhecimento da casa mãe, em ..., nomeadamente do Director Geral, Sr. EE.


10.º E sem conhecimento da colega BB, gestora de conta da S..../C......... em Portugal.


11.º Estavam em causa seis produtos de carne (rolo de carne bovino, hambúrguer de angus, lombo de angus, lombinhos de farinheira, frango do campo, bifana e picanha), no valor de € 6.000 cada - € 36.000 no total (6x6) - que assim passaram por iniciativa exclusiva da Arguida, sem autorização nem conhecimento da GQI, para um valor de € 18.000, prejudicando a sua entidade empregadora em igual montante.


12.º Acresce que a S..../C......... em Portugal trabalha também com a GQI/Sabor do Ano em outros produtos nomeadamente peixe e o respectivo gestor de negócio pretende que seja aplicado o mesmo desconto, de 50%, em outros produtos, o que poderá implicar mais um prejuízo para a GQI, no montante de € 9.000.


13.º Podendo gerar-se o mesmo problema em outras áreas de negócio de produtos alimentares do grupo S..../..., pelo conhecimento interno que entretanto obtiveram das condições acordadas na carne, com a Arguida.


14.º Além de poder criar problemas no relacionamento entre a GQI e a titular e licenciadora da marca 'Sabor do Ano', a empresa M......, pois as regras do negócio e do respectivo franchising não podem ser unilateralmente alteradas.


15.º Bem como um eventual problema de violação de regras de concorrência, por estarem a ser aplicadas descontos e condições diferenciados de venda.


16.º Acresce que já em Janeiro de 2020 a Arguida havia feito um outro acordo com descontos e redução de preços, sem conhecimento nem autorização da GQI (Director Geral Ibérico e Colega de Lisboa), envolvendo dois produtos do Cliente E......... ........, com um prejuízo de € 4.500.


17.º Apenas em ... de ... de 2020, com a passagem dos assuntos pendentes por parte da trabalhadora A......, por ter entrado de licença de maternidade, a G.., sua entidade empregadora, teve conhecimento dos factos acima descritos, envolvendo descontos não autorizados com os clientes S..../C......... e Europastry.


18.º Ora a conduta acima referida da trabalhadora Arguida é muito grave, pois desrespeitou normas da empresa, do seu conhecimento, ao negociar e aplicar directamente descontos com clientes da GQI, sem conhecimento nem autorização da sua entidade empregadora.


19.º Assim prejudicando directamente a sua entidade empregadora em € 22.500 (vinte e dois mil e quinhentos euros) - 18.000 mais 4.500.


20.º Além dos problemas criados com outras áreas de negócio do Cliente S..../C......... e dos que podem ser criados com a empresa francesa franqueadora do negócio (M......), bem como com a Autoridade da Concorrência, assim colocando em causa o bom nome e reputação da empresa GQI.


21.º A conduta da Arguida determina a total perda de confiança da sua entidade empregadora, que não mais pode contar com a mesma para o desempenho das suas funções.


22.º A conduta da Arguida torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, por exclusiva culpa sua.


O comportamento da Arguida atrás descrito, constitui uma conduta dolosa e grave da mesma consubstanciando as infracções previstas nas alíneas c) e e) do n.º 1 do art. 128.º e nas alíneas a), d) e e) do n.º 2 do art. 351.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 2. .. ...... e subsequentes alterações, constituindo justa causa de despedimento.'


5 - A A. enviou a Nota de Culpa para a residência habitual da R. por carta registada com A/R expedida no dia 16.04.2020, mas a R. não recebeu a Nota de Culpa via CTT na sua residência habitual, uma vez que à data, havia sido decretado o estado de emergência em virtude do COVID 19 e a mesma estava a gozar o período de licença de maternidade e encontrava-se no ..., tendo a carta sido reexpedida pelos CTT em 6 de Maio de 2020 para ..., após o que foi entregue à autora no ponto CTT de ... no dia 8 de Maio de 2020; a ora R. foi notificada via e-mail da Nota de Culpa deduzida contra si no dia 17 de Abril de 2020, e, no dia 30 de Abril de 2020, solicitou através da sua mandatária, a consulta do processo disciplinar, uma vez que a localização do mesmo não constava da Nota de Culpa, pedido que foi reiterado via e-mail no dia 4 de Maio de 2020, após o que foi recepcionado em formato pdf e zip a totalidade dos documentos que constituíam processo disciplinar, pelas 16h07, tendo sido solicitado o prazo de mais 24 horas para responder à Nota de Culpa, o que foi concedido através do e-mail do mesmo dia recepcionado pelas 17h48.


6 - No processo disciplinar, a Ré trabalhadora deduziu defesa, tendo apresentado Resposta à Nota de Culpa em 5 de Maio de 2020, através da sua mandatária, cujo teor se dá aqui por reproduzido (conforme consta de fls. 59 a 62 dos autos, fls. 29 a 36 do doc. 1 junto com a petição - processo disciplinar), tendo junto 7 documentos e requerido a inquirição de 10 testemunhas.


7 - No dia 8 de Maio de 2020, o administrado único da A., DD, nomeou para instruir o processo disciplinar instaurado à A. o Dr. FF, advogado, o qual proferiu despacho, em 13 de Maio de 2020, a determinar a notificação da Arguida, via email, para esclarecer questões relativas ao número de testemunhas indicadas e factos a que as mesmas deveria ser inquiridas, o que mereceu resposta da através da mandatária da A. de 20 de Maio de 2020, seguida de novo despacho do instrutor do processo disciplinar de 29 de Maio de 2020 e nova resposta da mandatária da A. de 5 de Junho de 2020, após o que o instrutor do processo disciplinar proferiu despacho em 16 de Junho de 2020 a determinar a inquirição das 5 testemunhas aceites, conforme fls. 52 a 58, 63v. e 64 dos autos, fls. 25, 26, 27 e 38 a 49 do doc. 1 junto com a petição - processo disciplinar.


8 - Nos dias 22 e 23 de Junho de 2020, o instrutor do processo disciplinar procedeu à inquirição de 5 testemunhas indicadas pela trabalhadora arguida que haviam sido admitidas.


9 - No dia 26 de Junho de 2020, o instrutor do processo disciplinar proferiu despacho a determinar o encerramento da fase de instrução, bem como a notificação da CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego para a emissão de parecer exigido pelo n.º 1 do artigo 63.º do Código do Trabalho, notificação efectuada por carta registada expedida no dia 02.07.2020.


10 - Por carta registada com A/R expedida no dia 24.07.2020, a A. recebeu ofício da CITE datado de 22.07.2020, com a referência 1451/2020, a comunicar-lhe o teor do PARECER N.º 342/CITE/2020, com o seguinte assunto: 'Parecer prévio do despedimento de trabalhadora, grávida, por facto imputável a trabalhadora, nos termos do n.º 1 e da alínea a) do n.º 3 do artigo 63.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Processo n.º 3140-DG-C/2020', parecer aprovado 'por maioria dos seus membros' na reunião da CITE de 22 de Julho de 2020, cujo teor integral consta de fls. 25 a 34 dos autos, documento n.º 1 junto com a petição, que se dá aqui por reproduzido, e no qual a Comissão consigna a seguinte conclusão: 'Face ao exposto, a CITE opõe-se ao despedimento com justa causa da trabalhadora grávida AA, promovido pela empresa, em virtude de se afigurar que tal despedimento poderia constituir uma discriminação por motivo de maternidade.'


11 - Em 18.08.2020 a CITE recebeu da Global Quality Iberia, Sociedade Limitada, reclamação do parecer referido, ao abrigo do disposto no artigo 184.º, n.º 1, al. a) do Código do Procedimento Administrativo, reclamação que veio a ser apreciada e decidida por maioria dos membros da CITE em 14 de Outubro de 2020, cujo teor integral consta de fls. 225 a 245 dos autos, que se dá aqui por reproduzido, e no qual a Comissão consigna a seguinte conclusão: 'Face ao exposto e nos termos supra enunciados, a CITE delibera:


3.1. Indeferir a presente reclamação e manter o sentido do parecer n.º 342/CITE/2020.


3.2. Comunicar à entidade empregadora e à trabalhadora o teor da presente deliberação'.


12 - A Arguida é trabalhadora da GLOBAL QUALITY IBERIA S.L. (adiante GQI) desde 20 de Abril de 2015, desempenhando funções na sua sucursal em Portugal, desde 1 Maio de 2015.


13 - A Arguida foi contratada para implementar e desenvolver o projecto denominado 'Sabor do ano em Portugal' em 2016 e nos anos subsequentes, como 'Country Manager' (Directora Comercial e de Marketing) em Portugal, tendo conseguido desde a sua génese conferir credibilidade e notoriedade à marca hoje conhecida pela indústria de fabricantes e distribuição.


14 - As funções desempenhadas pela R. como Country Manager sempre incluíram:


a) Desenvolvimento e implementação das marcas.


b) Responsabilidade de Gestão: definição do Plano de Negócios Anual com informação sobre previsão de vendas, custos com publicidade e marketing, custos com recursos humanos e custos fixos (como escritório), definição de prémios de resultados.


c) Organização das facturas enviadas a clientes e follow up dos pagamentos.


d) Gestão de fornecedores e respectivos pagamentos.


e) Gestão do economato.


f) Responsabilidade Comercial: contacto com clientes e potenciais clientes e gestão de oportunidades de negócio, com vista à venda dos serviços da A..


Contactos efectuados por telefone, em reunião ou e-mail. Envio de proposta comercial com documentos de inscrição e follow up.


g) Gestão de Recursos Humanos: colocação de anúncios nos locais apropriados, entrevistas e selecção de candidatos às funções.


h) Negociação de salários, aumentos e prémios de resultados.


i) Prospecção e angariação de novos clientes e gestão da relação com clientes através da presença em reuniões, feiras, exposições e conferências sobre o tema da Alimentação, Marketing e Publicidade.


15 - A Arguida reporta ao Director Geral Ibérico e Gerente da empresa, Sr. EE, além de existir em Portugal um 'account manager' - gestor de conta de cada cliente, actualmente a colega BB - com a qual coordena as tarefas de prospecção de clientes, relacionamento comercial e o desenvolvimento de campanhas promocionais.


16 - A Ré não possui poderes de representação legal ou voluntária da A. estando-lhe tão-somente contratualmente concedidos os deveres de promover a celebração dos contratos de comercialização dos serviços aos seus clientes e de zelar pelo seu pontual cumprimento.


16-A - A Arguida não pode tomar decisões relativas à concessão de descontos a clientes sem o aval da casa mãe em Barcelona


17 - O projecto 'Sabor do Ano' consiste numa ferramenta de marketing sub licenciada à GQI e que esta comercializa a empresas do ramo alimentar, para promover factores de competitividade dos produtos e potenciar o aumento das suas vendas.


18 - Como produto sub licenciado, a 'S.... .. ...' tem regras pré definidas pelo titular da marca, a empresa francesa M......, nomeadamente quanto a valores de entrada, anuidades e fees, que não podem ser unilateralmente alterados.


19 - A tabela de valores para a campanha Sabor do Ano 2020 é a seguinte:


Pequenas Empresas Inscrição 1.º Prod. Inscrição 2.º Prod. Fee Participação Fact entre 2 e 10 M€ 1.200 € 600 € 2.300 € Médias empresas Inscrição 1.º Prod. Inscrição 2.º Prod. Fee Participação Fact. entre 10 e 40 M€ 1.200 € 600 € 4.500 € Grandes Empresas Inscrição 1.º Prod. Inscrição 2.º Prod. Fee Participação Fact. entre 10 e 40 M€ 1.200 € 600 € 6.000 €


20 - O 'projecto Sabor do Ano' corresponde a um programa de marketing criado e detido pela sociedade de direito francês M......, destinado à valorização e diferenciação de produtos da área alimentar perante os consumidores, através da aposição nos produtos seleccionados do símbolo da marca 'Sabor do Ano', com o objectivo promoção das vendas, reforço da notoriedade das marcas, e da sua diferenciação relativamente a produtos concorrentes.


21 - O acesso à participação nesse programa é feito por candidatura das empresas interessadas, estando condicionado à prévia aprovação por testes e ao pagamento de que submetem os seus produtos a um teste sensorial executado no laboratório da ALS Controlvet Fullsense.


22 - As características do programa - relativamente às condições de acesso pelas empresas nele participantes, e de comercialização - são definidas pela titular da marca MONADIA.


23 - Tais regras - que incluem a categorização das empresas clientes em função da sua dimensão, a definição de tabelas anuais de preços dos serviços, e a obrigação de aplicação uniformemente em função dos apontados critérios - encontram-se contratualizadas entre a A. e a titular da marca desde 2017.


23-A - A diferenciação dos produtos seleccionados para cada 'Prémio', é feita em função dos critérios definidos pelo Regulamento do Programa aprovado pela titular da marca M......, que são disponibilizados previamente ao cliente


24 - Para o ano de 2020, as taxas de participação no programa 'Sabor do Ano' indicadas no artigo 7.º da Nota de Culpa (também n.º 20 supra), foram definidas pela Gerência da Autora em Abril de 2019.


25 - A Ré/Arguida tinha igualmente conhecimento das taxas constantes da tabela inserta no artigo 7.º da Nota de Culpa (também n.º 20 supra) e da obrigatoriedade da sua aplicação no ano de 2020.


25-A - No seguimento de insistência feitas junto do cliente M...../C......... pela colaboradora da Autora, BB, viria a ser-lhe comunicado pelo responsável da cliente CC - Director de Negócio Talho, que a Ré agindo sem o conhecimento nem consentimento da Autora, decidiu reduzir os 'fees' de participação extensiva à totalidade dos produtos participantes no programa 'Prémios do Ano 2020', incluindo as secções de talho, peixaria, e outros.


26 - A trabalhadora Arguida acordou directamente com um dos principais clientes da GQI, a S..../C......... (que se enquadra no terceiro grupo supra, de mais de 40 milhões de facturação), na pessoa do director do negócio de carne, uma alteração para menos 50% do montante correspondente à aplicação das taxas inicialmente contratadas de seis produtos de carne da S..../C........., para 2020.


27 - Sem autorização (anterior ou posterior) nem conhecimento da casa mãe, em ..., nomeadamente do Director Geral, Sr. Jordi Bove.


28 - E sem conhecimento da colega BB, actual gestora de conta da S..../C......... em Portugal.


29 - Estavam em causa seis produtos de carne (rolo de carne bovino, hambúrguer de angus, lombo de angus, lombinhos de farinheira, frango do campo, bifana e picanha), no valor de € 6.000 cada - € 36.000 no total (6x6) - que assim passaram por iniciativa exclusiva da A......, sem autorização nem conhecimento da G.., para um valor de € 18.000, quando a sua contratação inicial e facturação fora de € 36.000,00 por corresponder a seis produtos de carne.


30 - A R. é gestora de conta dos maiores clientes da A., pela sua presença na empresa desde a sua génese e pela necessidade de ter uma pessoa sénior na gestão de clientes, pelo que era a R. quem geria a conta S..../C......... desde sempre, nomeadamente, enviando propostas, recebendo listas de produtos candidatos e fazendo a gestão dos processos.


31 - Após a emissão da factura de € 36.000,00, a cliente S..../C........., na pessoa do Dr. GG, Director da Área do Talho Sonae MC, questionou a Ré quanto à organização das categorias de produtos, colocando em causa a participação no ano de 2021.


32 - O que sucedeu foi que os produtos não se encontravam agrupados e a cliente solicitou o agrupamento, como acontecera no ano transacto.


33 - Face a um pedido de um cliente tão importante como a S..../C........., com a invocação de não concorrer no ano seguinte, foi efectuado pela R. o agrupamento por categoria de produto: bovino, suíno e aves. Tal agrupamento de categorias de produtos já havia ocorrido anteriormente.


34 - A S....C......... torna-se cliente da G..... ....... ...... em 2..., resultado dos contactos da R., que desde sempre acompanha este e outros clientes estratégicos de forma minuciosa e bem-sucedida.


35 - A S....C......... é um cliente que pertence às B.. ......... por ter uma facturação superior a 40 milhões, logo, exige que, caso os produtos passem no teste sensorial e obtenham maior avaliação, cada categoria que use o prémio pague 6.000,00 € (seis mil euros).


36 - Os produtos inscritos pela S....C......... ..... foram agrupados em 3 grupos de categorias, a saber, bovino, suíno e aves, por ser esse o critério utilizado anteriormente e aquele que assegurava a manutenção do cliente, para o ano seguinte.


37 - No final do ano de 2..., a Ré promoveu junto da sociedade M..... .......... ............., a renovação da inscrição de vários produtos comercializados por esta empresa nos seus estabelecimentos no âmbito do programa 'Prémio Sabor do Ano 2020'.


38 - Após a negociação comercial mantida para o efeito, mediante a intervenção da R., em ... de ... de 2019 foram formalizados entre a Autora e aquela cliente, 6 (seis) contratos vertidos em escrito particular, nominados como 'Formulário e Acordo de Participação', sendo os produtos da MODELO/CONTINENTE objecto da promoção individualizados em cada um dos contratos celebrados, pela forma seguinte:


a. Contrato referente ao produto 'FRANGO DO CAMPO INTEIRO SELECÇÂO');


b. Contrato referente ao produto 'HAMBURGER ANGUS 100% CARNE Sel. 300G' 'incluindo o Lombo Angus ';


c. Contrato referente ao produto PICANHA;


d. Contrato referente ao produto BIFANAS DE PORCO;


e. Contrato referente ao produto LOMBINHO COM FARINHEIRO E CASTANHAS;


f. Contrato referente ao produto ROLO DE CARNE BOVINO C/QUEIJO E FIAMBRE.


39 - De acordo com as condições constantes dos referidos contratos, a cliente M..... .......... obrigou-se a pagar à Autora as seguintes importâncias:


a. Pagamento da quantia de € 1.200 (mil e duzentos euros) por cada um dos produtos identificados naqueles contratos sujeitos a tributação legal em IVA, a realizar no acto de assinatura do Acordo e Formulário de inscrição;


b. Pagamento da quantia de € 6.000 (seis mil euros) por cada um dos produtos identificados naqueles contratos sujeitos a tributação legal em IVA, a titulo de direito à utilização da Certificação de Qualidade 'Aprovado Sabor do Ano de 2...', pelo período de um ano, a efectuar no momento de entrega do Relatório de resultados das provas de sabor.


40 - No seguimento da celebração dos Acordos de Participação acima indicados, a Ré deu instruções para a emissão de factura titulando o preço dos serviços relativos à participação da cliente M...../C......... no programa 'Prémio Sabor do Ano 2020', e fez emitir a Factura com o n.º F2020 datada de .../.../2020, no valor de € 36.000 (trinta e seis mil euros).


41 - Em ... de ... de 2020, a Ré deu instruções para o cancelamento da factura inicialmente emitida e, a emissão de uma (nova) factura pelo valor reduzido de € 18.000 e titulado por referência a 3 (três) produtos não correspondentes aos previstos nos contratos assinados com aquela cliente, a saber: 'Bovino' - 6000€ 'Suíno' - 6000€ 'Aves' - 6000€ : Total 18.000€


42 - Satisfazendo as instruções da Ré, os serviços de contabilidade fizeram emitir em ... de ... de 2020 a Nota de Crédito registada com o n.º R2020 - e a (nova) Factura com o número F2020.


42-A - Em consequência da actuação da ré, a autora sofreu já uma perda na sua facturação no montante de € 18.000 (dezoito mil euros) correspondente ao montante da Nota de Crédito emitida sem a devida e necessária autorização


43 - A S..../C......... em Portugal trabalha também com a G../S.... .. ... em outros produtos nomeadamente peixe e o respectivo gestor de negócio pretende que seja aplicado o mesmo critério em outros produtos, o que poderá implicar uma redução de facturação para a G.. no montante de € 9.000 em tais produtos, correspondente a 50%.


44 - Podendo gerar-se o mesmo problema em outras áreas de negócio de produtos alimentares do grupo S..../C........., pelo conhecimento interno que entretanto obtiveram das condições acordadas na carne, com a Arguida.


45 - Acresce que já em J...... HH a A...... havia feito um outro acordo com redução de preços, sem conhecimento nem autorização da G.. (D............. ....... . ...... .. ......), envolvendo dois produtos do Cliente E......... ........, com uma redução de facturação de € 4.500.


46 - Em S....... .. ...., a Ré promoveu junto da sociedade E......... ........ ...., a inscrição de dois produtos comercializados por esta empresa no programa 'Sabor do Ano 2020'.


47 - Para esse efeito, e mediante a intervenção da Ré, em ... de ... de 2019 foram formalizados, entre a Autora e aquela cliente, dois contratos vertidos em escrito particular nominados como 'Formulário e Acordo de Participação', resultando do seu teor que os dois produtos da E........., objecto da promoção, são designados por 'MALHA DE VEGETAIS E QUEIJO' e 'DOTS COBERTURA GLACÉ'.


48 - De acordo com as condições contratualizadas com a A., a cliente E......... obrigou-se ao pagamento das seguintes importâncias:


a. Pagamento da quantia de € 1200 (mil e duzentos euros) por cada produto, sujeitos a tributação em IVA à taxa legal, a realizar no ato de assinatura do Acordo e Formulário de inscrição, destinados;


b. Pagamento da quantia de € 4.500 (quatro mil e quinhentos euros), por cada produto, sujeitos a tributação em IVA à taxa legal, a título de direito à utilização da Certificação de Qualidade 'Aprovado Sabor do Ano de 2020', pelo período de um ano, a efectuar no momento de entrega do Relatório de resultados das provas de sabor.


49 - Em ... de ... de 2019 a Ré comunicou ao cliente que (...) 'A E......... ganhou o prémio Sabor do Ano 2020 com o Folhado de vegetais e Donuts, parabéns!'.


Nesse email a Ré comunicou à cliente E......... a autorização para o desenvolvimento das peças de comunicação, remetendo para o efeito o logótipo do selo SABOR DO ANO 2020 e o Manual de Normas Gráficas.


50 - No seguimento dessa comunicação, a Ré deu instruções para a emissão de factura titulando o preço dos serviços relativos à participação no programa 'Prémio Sabor do Ano 2020'.


51 - A Autora fez emitir a Factura com o n.º F2019 datada de .../.../2019, no valor de € 9.000 (nove mil euros), à cliente E......... ........, SA., factura que a Ré remeteu à cliente em 3 de Outubro de 2019.


52 - Em ... de ... de 2019, a Ré deu instruções para que a factura emitida com o n.º F2019 fosse cancelada, solicitando para tanto a emissão de uma Nota de Crédito pelo correspectivo valor. Como justificação de tal pedido, a Ré invocou ter acordado com a cliente E........., facturar os 'fees' de participação no programa 'Produto do Ano 2020' apenas em Janeiro de 2020.


53 - No seguimento do que vai acima dito, na indicada data de ... de ... de 2019 - a Ré fez remeter à cliente E......... a 'Nota de Crédito' emitida com o n.º R2019-13, pelo valor de 9.000 (nove mil euros) com o teor 'Cancelamento factura F2019 nos produtos Dots Cobertura Glacé - Malha de Vegetais e Queijo'.


54 - Na mensagem de remessa da 'Nota de Crédito' à cliente, por email de .../.../2019 à(s) 15:05, a Ré faz menção do seguinte:


'Boa tarde II,


No seguimento do que falamos,


Envio-lhe em anexo uma anulação da factura do FEE DO USO DO SELO Sabor do Ano 2.... Em J...... emitimos nova factura.


Obrigada e continuação de bom trabalho,


JJ


55 - Ocorre que, em ... de ... de 2020, a Ré deu instruções para a emissão de uma (nova) factura pelo valor somente de € 4.500 e referente apenas a um produto - DOTS GLACE - nela indicando para ser feita constar um número de Ordem de Compra (Número de Pedido) com a referência 831718.


56 - A Ré agindo sem o conhecimento nem consentimento da A., acordou em ... de ... de 2020, proceder a uma redução do preço dos fees de participação dos dois produtos da cliente 'E.........' para o montante de € 4.500, sob título e requisição de um novo e diferente 'NUMERO DE PEDIDO' datado de 2...


56-A - Nesse documento de reporte, a Ré fez constar dos contratos celebrados que o seu valor era de € 2.300 para dois produtos, fazendo para tanto uso da tabela de preços aplicáveis a 'Pequenas Empresas', com isso visando ocultar da Gerência da Autora o negócio por si executado


57 - O cliente E......... ........ pertence ao grupo das M..... ........., tendo-lhe sido apresentada proposta em reunião com a Ré e formalizados os acordos escritos, mas quando a cliente recebeu a factura do fee (€ 4500 x 2) afirmou em e-mail datado de ... de ... de 2019 não ter esse budget disponível e alegou que esse custo poderia condicionar a sua participação em edições Sabor do Ano futuras.


58 - Uma vez que a E......... ........ é um cliente internacional, com prestígio e imagem reconhecidamente importante na sua categoria, foi feita pela Ré uma redução de valor em € 4.500,00.


59 - No passado outras situações semelhantes ocorreram de forma a criar portfólio Sabor do Ano, maior visibilidade e impacto junto dos clientes e potenciais clientes, porque na realidade são as marcas de fabricante como a E........., que criam portfólio Sabor do Ano e incrementam o negócio maior que reside nas marcas da distribuição, como S..../C........., L..., A..., I.........., etc.


60 a 65- Eliminados pelo Tribunal da Relação.


66 - No início do projecto da Autora em Portugal não havia uma tabela de valores na marca S.... .. ..., tendo a Ré como estratégia inicial a entrada de clientes/marcas conceituadas com condições de participação flexíveis para aumentar a visibilidade da marca e o seu portfólio, sobretudo para clientes estratégicos, que ditaram o sucesso da marca S.... .. ... em Portugal.


67 - A G..... ....... ...... ........ está em crescendo desde 2..., especificamente na edição de 2..., teve um aumento de 80% e na edição de 2... mais 15%, sendo certo que a equipa era composta por 2 pessoas, a R. e a account manager BB, que apresentaram excelentes resultados de cobrança.


68 - Portugal tem sido desde sempre um case study seguido e copiado por outros países (Espanha, França, Itália, México) ao nível da gestão, criatividade, design, contactos de fornecedores, ferramentas de marketing e publicidade, tendo a performance do negócio, liderada pela ora R., JJ - C...... ......., sido aplaudida por equipas internacionais e pela própria A. que sempre a reconheceu como uma profissional de excelência, tendo Portugal sido o primeiro país a ser muito bem-sucedido na sua relação com as marcas da distribuição devido à estratégia definida e implementada pela C...... ......., a aqui R.


69 - A tabela de valores do projecto Sabor do Ano 2020 foi acordada entre o D....... ..... ....... e a C...... ....... .. ........, mas a forma como é aplicada pode variar de acordo com os interesses da empresa em criar portefólio, aumentar visibilidade, criar mais concorrência e competição entre as marcas, tendo cada Country Manager a responsabilidade de desenvolver e implementar o projecto/marca Sabor do Ano de acordo com a realidade do mercado de cada país, os seus clientes e o seu histórico, pelo que cada situação de aplicação da tabela de valores, dependendo do grau de complexidade da decisão, poderá ou não ser discutida com o director-geral.


70 - A R. enviou e-mail em ... de ... de 2020, onde constavam os resultados 'Sabor do Ano para 2...' ao seu Director-Geral, na pessoa do representante da A., onde solicitava que o mesmo conferisse os referidos resultados, 'Recapitulatif for MONADIA SDA2020 PT — in attachment, check if everything is ok'.


71 - Com o envio deste documento denominado 'Recapitulatif', a Ré reportou à G....... .. ......, uma relação dos contratos efectuados para a edição 'Sabor do Ano 2020', destinada a servir de base à informação de reporte a prestar à titular da marca 'M......', com vista ao cálculo dos 'Royalties' a liquidar à titular da marca, reporte feito tal como nos anos anteriores, em que este documento era analisado e conferido pelo D............. .. .. e a ora R.


72 - No referido documento denominado 'Recapitulatif', enviado por e-mail no dia ... de ... de 2020, constava a informação respeitante à E......... ........ de que os valores dos contratos celebrados era de € 2.300 para dois produtos (total de € 4.600,00), fazendo para tanto uso da tabela de preços aplicáveis a 'Pequenas Empresas'.


73 - No referido documento denominado 'Recapitulatif', enviado por e-mail no dia ... de ... de 2020, constava relativamente à S..../C......... a informação de seis produtos de carne (rolo de carne bovino, hambúrguer de angus, lombo de angus, lombinhos de farinheira, frango do campo, bifana e picanha), no valor de € 6.000 cada - € 36.000 no total.


74 - Todos os anos era realizada uma reunião entre o D............. e a ora R. onde o referido documento denominado Recapitulatif, (documento elaborado pela R. - versão provisória), era discutido e analisado de forma detalhada, através do confronto com facturas emitidas, com o catálogo impresso, bem como toda a documentação de suporte, para que, posteriormente a A. pudesse elaborar o documento final e enviá-lo à MONADIA.


75 - O 'Recapitulatif’ enviado para 2..., não foi objecto de discussão, entre o Director-Geral da A. e a ora R., nem conferido por ambos, como sempre o foi nos anos anteriores, porque a Ré em ... de ... de 2020 passou a encontrar-se em licença de maternidade, tendo deixado de executar a sua prestação laboral à Autora.


76 - Apenas em ... de ... de 2020, com a passagem dos assuntos pendentes por parte da trabalhadora Arguida à colaboradora da Autora BB, por ter entrado de licença de maternidade, a G.., sua entidade empregadora, teve conhecimento dos factos acima descritos, envolvendo descontos com os clientes S..../C......... e E........., e veio a sua G....... a tomar conhecimento da actuação da Ré relativamente ao cancelamento da factura e emissão de Nota de Crédito ao cliente S..../Continente.


77 - Os factos acima relatados relativos ao desconto do cliente E......... chegaram, na sua íntegra, ao conhecimento da G....... .. Autora na data de ........2020, quando no seguimento da interpelação feita pela Autora ao cliente E........., a sua funcionária KK revelou o teor das comunicações por si trocadas com a Ré.


78 - Em Março de 2020, a cliente M...../C......... suspendeu a sua participação no programa '...' para o ano de 2021 das secções de peixaria e talho.


79 - A cliente M..... .......... representa a esta data aproximadamente 20% do volume global de facturação da Autora em Portugal.


80 - Para além das funções de Country Manager que desempenhava em Portugal, a R. foi nomeada, em 2..., Country Manager para ..., o que implicava, no mínimo uma viagem mensal àquele país.


81 - Através de uma conferência telefónica via Skype ocorrida em ... de ... de 2019, o D............. .. .. comunica à R. que esta deixa de desempenhar as funções de Country Manager em ..., tendo-lhe sido solicitado que passasse todas as informações ao novo account para o negócio de ..., LL, o que fez na última viagem ocorrida em 2. . .. .. ....... de 2019"


x

• o direito:


Importa fazer um pequeno introito, para referir que não pode ser atendida a “factualidade” aduzida pela Autora na sua resposta ao Parecer do MºPº.


É que, como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de .../.../2006, Processo nº 06P2261 (que, embora referente à área criminal, tem aqui plena aplicação), a notificação feita à parte, nos termos do nº 3 do artº 87º, do CPT, que se destina a assegurar o princípio do contraditório relativamente ao parecer do MP, não tem a virtualidade de apresentar nova motivação, alterando o sentido da inicialmente apresentada, logo, o objecto do recurso e/ou os respectivos fundamentos.


Além de que é jurisprudência consolidada deste STJ (veja-se, por exemplo, o Ac. de 17 de Março de 2022, proc. 6947/19.3T8LSB.L1.S1) que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 46º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário) e 682º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista que, salvo nos casos excepcionais contemplados no nº 3 do artigo 674º do CPC aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, consistindo as excepções referidas “na ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”, como dispõe o nº 3 do artigo 674º do C.P.C. - prova vinculada. E não estamos perante esta última prova.


Feita tal ressalva, verificamos que, in casu, para caracterizar a justa causa de despedimento a Autora imputou à Ré factos consubstanciadores da violação dos art.os 128.º, n.º 1, alíneas c) e) e f), do Código do Trabalho.


O acórdão recorrido considerou ter a Ré violado os deveres de obediência e de lealdade, previstos nesse art.º 128.º, n.º 1, alíneas e) e f). Mais considerou que se configuravam infracções disciplinares laborais graves, concluindo-se, consequentemente, pela existência de justa causa de despedimento.


Alinhando-se a seguinte argumentação:


Como já vimos, constava da nota de culpa e provou-se em juízo que as partes acordaram por escrito em que a apelada trabalharia para a apelante como Directora Comercial e de Marketing em Portugal,1 que aquela reportava ao Director-geral Ibérico e Gerente desta e que a mesma não poderia tomar decisões relativas à concessão de descontos a clientes sem o aval da casa-mãe em Barcelona;2 que a apelada acordou directamente com um dos principais clientes da apelante, a S..../C........., um desconto de 50% no montante correspondente à aplicação correcta das taxas de seis produtos de carne da S..../C........., para 2..., sem autorização (anterior ou posterior) nem conhecimento da casa mãe, em ..., nomeadamente do Director-geral, Sr. MM e ainda que em J...... .. .... fez um outro acordo com descontos e redução de preços, sem conhecimento nem autorização da mesma (através do D....... ..... .......), envolvendo dois produtos do Cliente E......... ........, com um prejuízo de € 4.500.4


Deste modo, é apodíctico concluir-se pela ilicitude dos actos praticados pela apelada pois que se traduziram na concessão de descontos aos clientes da apelante no preço daqueles produtos sem que tal tivesse sido por ela autorizada, descontos esses assaz significativos pois que se atingiram metade do que seria devido; e o mesmo se terá que dizer relativamente à culpa da apelada, que de resto se presume ex vi do art.º 799.º, n.º 1 do Código Civil. Pelo que tais actos se consubstanciaram na violação dos seus deveres de realização do trabalho com zelo e diligência e obediência às regras vigentes na empresa, com isso lesando seriamente os interesses desta, o que, considerando a posição destacada na apelante (Directora comercial para Portugal) e a gravidade das consequências decorrentes desses actos, torna inexigível para a apelante a manutenção da relação laboral”.


Subscrevemos inteiramente e sem qualquer dúvida este entendimento.


Dispõe o artigo 351º, n.º 1, do CT, que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.


No seu n.º 3, determina-se que na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.


A justa causa de despedimento define-se segundo duas linhas marcantes: de um lado, a existência de um comportamento culposo do trabalhador, traduzido na violação grave dos seus deveres pessoais e profissionais; de outro, a imediata impossibilidade prática de subsistência do vínculo laboral com o empregador.


São requisitos da justa causa de despedimento:


a. Um elemento subjectivo – traduzido num comportamento culposo do trabalhador por ação ou omissão;


b. Um elemento objectivo – traduzido na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;


c. Um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.


A justa causa visa sancionar situações laborais que, por razões imputáveis ao trabalhador, tenham entrado de tal modo em crise, que não mais se possam manter.


Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição de empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo laboral represente uma incomportável e injusta imposição ao empregador.


Por outro lado, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é necessário que ele seja grave em si mesmo e nas suas consequências.


Ora, a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir-se em função do critério subjetivo do empregador, devendo antes atender-se a critérios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.


Tanto a gravidade como a culpa deverão ser apreciadas em termos objetivos e concretos, como já sobredito, de acordo com o entendimento de um "bom pai de família" ou de um "empregador normal", em face do caso concreto e segundo critérios de objetividade e razoabilidade.


Deste modo, o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, o que sucederá sempre que a ruptura dessa relação seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento culposo- cfr. , entre outros, ac. do STJ de 05-06-2019, Proc. n.º 6926/15.0T8FNC.L1.S1, 28-10-2020, Proc. n.º 2670/18.4T8CSC.L1.S1, 16-12-2021, Proc. n.º 3195/19.6T8VNF.G1.S1 e, mais recentemente, 14-07-2022, Proc. n. º 150/21.0T8AVR.P1.S1


No caso concreto, a justa causa consubstancia-se na violação, por parte da trabalhadora, dos seus deveres de obediência, mas com mais relevância e gravidade, do lealdade para com a sua empregadora.


Como se refere no recente acórdão deste STJ e secção social, de 01/02/2023, proc. 625/21.0T8CSC.L1.S1, entre outras obrigações, o trabalhador deve “guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios” [art. 128º, nº 1, f) do CT].


Como v.g. julgou o Ac. desta Secção Social (como todos os que se citarem sem menção em contrário) de 05.06.2013, P. 192/10.0TTVNF.P1S1, “o dever de lealdade tem uma dimensão ampla, que abrange, para além do cumprimento do contrato, de acordo com a boa fé, um especto pessoal e um especto organizacional, cujo conteúdo se densifica quando os trabalhadores exercem cargos de responsabilidade na gestão financeira da empresa”.


Efectivamente, “o dever de lealdade (…) tem um alcance normativo que supera os limites do sigilo e da não concorrência, impondo ao trabalhador que aja, nas relações com o empregador, com franqueza, honestidade e probidade, em consonância, aliás, com a boa fé que deve presidir à execução do contrato, nomeadamente, vedando-lhe comportamentos que determinem situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa, por um lado, e, por outro, impondo-lhe que tome as atitudes necessárias quando constate uma ameaça de prejuízo”.5


Vale por dizer que aqui se inclui um dever de honestidade que implica uma obrigação de abstenção por parte do trabalhador de qualquer comportamento suscetível de colocar em crise a relação de confiança que deve pautar as suas relações com o empregador, enquanto corolário da boa-fé contratual.6


Na verdade, nos termos do art. 126º, do CT, epigrafado “deveres gerais das partes”, “o empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações”, sendo ainda certo que, “na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade (…)”.


Precisando a delimitação deste dever na sua tríplice dimensão (obrigacional, pessoal e organizacional), refere Maria do Rosário Palma Ramalho:7,


“Na dimensão restrita, o dever de lealdade (…) concretiza-se, essencialmente, no dever de não concorrência e no dever de sigilo.


(…)


Em sentido amplo, (…) é o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato.


(…)


[A] primeira dimensão (…) corresponde a uma exigência geral em matéria de cumprimento dos contratos.


(…)


O elemento da pessoalidade explica que (…) seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. É este elemento (…) que justifica, por exemplo, o relevo de condutas extralaborais (…), , bem como o relevo da perda de confiança pessoal (…).


(…)


No caso que nos ocupa, e como se salientou no acórdão recorrido, a Ré, que tinha um cargo de elevada responsabilidade- Directora Comercial e de Marketing em Portugal, não se coibiu em, ao arrepio de ordens expressas da Autora, no sentido de que não poderia tomar decisões relativas à concessão de descontos a clientes sem o aval da casa-mãe em ..., de conceder descontos que se não podem considerar como insignificantes, já que atingiram nada menos do que 50% do que seria devido.


Como se acertada e doutamente se refere no Parecer do Exmº PGA, a conduta da recorrente foi ilícita por exceder as competências decorrentes da sua categoria profissional e por contrária às instruções que tinha que observar, pois não tinha poder para proceder aos referidos descontos, sendo que os mesmos tiveram uma tradução económica expressiva.


O comportamento da recorrente também não pode deixar de se considerar como culposo, já que, por um lado, não poderia deixar de saber que não tinha poder de decisão para esses descontos, sendo certo, por outro lado, que nada consta como provado que sem os mesmos as empresas em causa saíssem efectivamente do programa em questão, pelo que não se encontra justificação aparente para essas decisões


Com o consequente prejuízo da Autora, sendo que “a diminuição de confiança não está dependente da verificação de prejuízos nem – salvo no tocante à medida ou grau – da existência de culpa grave do trabalhador”, bastando, em certas circunstâncias, um “grau moderado de culpa”. 8


Grave e culposamente, a Ré violou os deveres laborais de obediência e de lealdade, com maior gravidade face ao cargo que ocupava, sendo que a infracção do dever de lealdade, com reflexos na quebra de confiança, varia em função directa do grau de responsabilidade e posição hierárquica que o trabalhador tenha na empresa, ou por outras palavras, da extensão da “delegação de poderes no trabalhador” e da “atinência das funções exercidas à realização final do interesse do empregador”. 9


Aliás, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência, “nos cargos de direção ou de confiança, a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador”.10


Tal comportamento culposo e ilícito, grave em si mesmo e nas suas consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral que ligava a Ré à sua empregadora.


Com este comportamento foi quebrada a confiança entre as partes. A que não obsta o facto de a Ré não ter antecedentes disciplinares, atenta a gravidade da violação do dever de lealdade.


Não é, deste modo, exigível que a empregadora mantenha a trabalhadora ao seu serviço.


x


Decisão:


Nos termos expostos, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


Lisboa, 08/03/2023


Ramalho Pinto (Relator)


Domingos Morais


Mário Belo Morgado





Sumário (da responsabilidade do Relator).


_______________________________________________

1. Factos 1, 2, 3 (1.º e 2.º), 12 e 13.↩︎

2. Factos 3 (3.º e 4.º), 15, 16 e 16-A.↩︎

3. Factos 3 (8.º e 9.º), 26 e 27.↩︎

4. Factos 4 (16.º a 19.º) e 45.↩︎

5. Ac. de 22.04.2009, Proc. 09S0153.↩︎

6. Cfr. Ac. de 14.07.2022, Proc. 150/21.0T8AVR.P1.S1.↩︎

7. Ob. Cit., II, p. 379 e ss.↩︎

8. Ibidem, págs. 200 – 201.↩︎

9. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 16ª edição, p. 200.↩︎

10. Ibidem.↩︎