Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3958/07.5TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES
FIANÇA
LIVRANÇA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA
LIVRANÇA EM BRANCO
SUB-ROGAÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
TÍTULO DE CRÉDITO
PACTO DE PREENCHIMENTO
ASSINATURA
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO COMERCIAL - TÍTULOS DE CRÉDITO.
Doutrina:
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 187.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 2, 473.º, 474.º, 524.º, 627.º, 628.º, 634.º, 644.º, 649.º, N.º 1, 650.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.ºS 1 E 3, 607.º, N.º 5, 608.º, N.º 2, 609.º, N.º 2, 659.º, 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 2.
CÓDIGO DOS PROCESSOS ESPECIAIS DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA E DE FALÊNCIA, APROVADO PELO DL Nº 132/93, DE 23 DE ABRIL: - ARTIGOS 209.º, 210.º.
LEI UNIFORME SOBRE LETRAS E LIVRANÇAS (LULL): - ARTIGOS 10.º, 47.º, 48.º, 75.º, 77.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 24.04.2013, PROC. N.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A fiança caracteriza-se pela acessoriedade e destina-se a garantir a satisfação do direito do credor (art. 627.º do CC).

II - Esta garantia pessoal tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou da culpa do devedor, transmitindo-se os direitos do credor para o fiador que cumpre, na medida em que estes foram satisfeitos (arts. 634.º e 644.º do CC). Por efeito desta sub-rogação legal, satisfeita a obrigação pelo fiador transfere-se para este o crédito com todas as garantias e acessórios.

III - Existindo pluralidade de fiadores e sendo a responsabilidade solidária, o fiador ou os fiadores sub-rogados nos direitos do credor podem optar por exercê-los contra o devedor ou por exercer o direito de regresso contra os demais fiadores (observando-se o regime das obrigações solidárias – arts. 650.º, n.º 1 e 524.º do CC), embora não possam exercita-los cumulativamente.

IV - Em face deste regime legal, resultando provado que na prestação da garantia intervieram seis fiadores, têm os autores direito a exigir dos réus, co-fiadores, a quantia proporcional à sua responsabilidade relativamente ao montante global que satisfizeram com referência à garantia bancária prestada, ou seja, um sexto.

V - Os arts. 75.º, 77.º e 10.º da LULL reconhecem a figura da livrança em branco, a qual, desde que preenchida antes do vencimento por quem tenha legitimidade para o fazer, produz todos os efeitos próprios desse título de crédito.

VI - O título cambiário pode ser entregue ao seu tomador contendo apenas a assinatura do subscritor ou contendo, além daquela, também as assinaturas dos respectivos avalistas, sem que estejam na altura presentes os demais requisitos de forma exigidos pelo art. 75.º da LULL.

VII - A obrigação cambiária torna-se perfeita desde que as assinaturas apostas no título de crédito exprimam a intenção de os signatários se obrigarem cambiariamente e o mesmo se mostre preenchido de forma a conter os requisitos essenciais exigidos no art. 75.º da LULL, sob pena de, faltando algum deles, o escrito não poder valer como livrança e produzir os efeitos deste título cambiário.

VIII - Não tendo a obrigação cambiária chegado a constituir-se – no caso, por não ter sido preenchida pelo tomador – ainda que os autores e outros avalistas, que não os réus, tenham efectuado o pagamento de determinada quantia ao tomador, não se provando que desse pagamento tenha resultado o correlativo enriquecimento dos réus, não pode a acção proceder com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa (art. 473.º do CC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:


AA e BB, intentaram, em 4 de Setembro de 2007, contra CC, DD e EE, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo que os réus fossem condenados a pagar-lhes, solidariamente, a quantia de € 50.478,34, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.

Alegaram, para tanto, em síntese:

Em Julho de 1994, os autores, juntamente com os réus CC e DD e ainda com FF e GG subscreveram, na qualidade de garantes da sociedade HH - Viagens e Turismo, SA, um pedido de garantia bancária, que esta formulou junto do Banco II, S.A., tendo aquela sociedade subscrito uma livrança em branco, avalizada pelas identificadas seis pessoas, enviada ao banco acompanhada de carta contendo autorização de preenchimento até ao limite de Esc. 75.000.000$00, também subscrita pelos avalistas.

  Em 1996 foi declarada a insolvência de HH - Viagens e Turismo, SA., e, em 2001, o Banco II foi incorporado na Caixa JJ, S.A.

No processo de insolvência apurou-se um crédito da Caixa JJ, SA, no montante de € 575.754.33, emergente dos negócios jurídicos referidos, do qual a mesma recebeu apenas € 18.276,33.

Em Maio de 2004 a Caixa JJ, SA, informou os autores de que autorizava a exoneração da responsabilidade dos avalistas desde que, no prazo de oito dias, fosse feita a entrega da quantia de € 126.195,87, acrescida do remanescente relativo a obrigações de capital não recebidas pela Caixa JJ no âmbito do processo falimentar, tendo os autores pago a quantia de € 84.779,87, correspondente à sua quota-parte de € 25.239,17 e às quotas-partes dos réus CC, DD, os quais nada pagaram.

A ré EE vive em comunhão de leito mesa e habitação com o réu DD desde, pelo menos, 1984, e a dívida foi contraída no exercício do comércio deste.


Ainda antes da contestação os autores ampliaram o pedido para o montante de € 56.992,34 com fundamento em que haviam pago no dia 03-10-2007, o montante de € 12.871,25, cada um, à Caixa JJ, a título de remanescente das obrigações de capital, sendo que cabia a cada um dos avalistas € 6.514,00, pelo que pretendem receber dos réus, que nada pagaram, também esta quantia, que liquidaram para além do que lhes cabia.


Os réus contestaram, por excepção, invocando a ilegitimidade da ré EE, e por impugnação, alegando desconhecerem os pagamentos referidos pelos autores e afirmando serem alheios às negociações realizadas entre os ora autores e o banco, o qual nunca os interpelou para satisfazerem créditos sobre a HH garantidos por aval.

   Mais alegaram que a livrança subscrita não se mostra preenchida, não podendo fundar, como título de crédito, o direito de regresso dos autores contra os réus, e que a fiança invocada, sendo reportada a uma garantia bancária, caducou na mesma data da garantia.

Alegaram ainda que o banco credor recebeu, no âmbito da falência, € 369.093,27. E os avalistas são seis, e não apenas cinco, pelo que a cada um apenas caberia pagar o montante de € 21.032,65.

Houve réplica, reiterando os autores o alegado na petição inicial.

E os réus treplicaram, respondendo à ampliação do pedido.


Foi indeferida a apensação da acção, intentada pelo co-avalista GG contra os aqui réus, em que este, com base nos mesmos factos e alegando ter pago a quantia de € 47.631,01 à Caixa JJ, sendo a sua quota-parte apenas no valor de € 21.300,66, pedia a condenação dos réus no pagamento deste montante.

   Os réus agravaram deste despacho, recurso que foi admitido com subida diferida.


Tendo falecido, entretanto, o autor AA, foram habilitados, como seus sucessores, a autora sobreviva e os filhos daquele, KK, LL, MM e NN.


No saneador foi julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da ré EE, que foi absolvida da instância.

Considerando o decidido na aludida acção, vieram os réus defender (fls. 434 e ss.) que as questões ali decididas não poderiam ser reapreciadas na presente acção por a tal obstar a autoridade do caso julgado.

Os autores opuseram que não existe identidade de sujeitos nas duas acções; que a absolvição dos réus na outra acção foi, essencialmente, fundada em falta de prova; e que a presente acção não é fundada apenas na livrança.

Seguiu-se, a fls. 473, despacho nos seguintes termos:

«Fls. 434, 466 e 471: como decorre da própria exposição dos RR não se verifica a tríplice identidade que funda a figura do caso julgado, nos termos do art. 407 e segs, actualmente com colo legal no art. 580 e segs. do NCPC. Termos em que, sem necessidade de mais espraiados considerandos, se indefere a pretensão dos RR.»


Realizado julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com fundamento em enriquecimento sem causa, e condenar, cada um dos réus, a pagar aos autores a quantia de € 22.495,21, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.


Inconformados, apelaram os réus, suscitando, para além do mais e no que ora releva, a apreciação das seguintes questões:

- Não tendo a presente acção sido fundada em enriquecimento sem causa, nem tendo sido alegada matéria de facto nesse sentido, o tribunal não podia ter decidido com esse fundamento.

- Nem estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa.

- A fundamentação da decisão em enriquecimento sem causa constitui uma questão nova, não contida no recorte inicial da acção nem comportável por ela, sobre a qual os réus não tiveram a oportunidade de se defender, não tendo sido assegurado o direito de contraditório.

- Não se mostra fundada a condenação no pagamento de juros desde a citação.


Os apelados, contra-alegaram, após o que foi proferido acórdão onde:

- Foi julgada finda, por inutilidade superveniente da lide, a instância do recurso de agravo interposto pelos réus do despacho que não admitira a apensação da outra acção, entretanto decidida com trânsito em julgado.

- Foi julgada verificada a nulidade processual consubstanciada na falta de audição das partes sobre a fundamentação da decisão recorrida em enriquecimento sem causa, tendo sido anulada a decisão recorrida e determinado o prosseguimento dos autos com a audição omitida.

No seguimento, os autores vieram defender que lhes deve ser reconhecido o direito de receberem, de cada um dos réus a quantia de € 22.495,21, a título de enriquecimento sem causa.

    E que esse direito não prescreveu, uma vez que, atenta a sua natureza subsidiária, o enriquecimento sem causa não podia ter sido invocado enquanto existissem outras possibilidades legais de obter o pagamento das quantias reclamadas.

Pelo que o prazo de prescrição apenas deve ser contado da sentença proferida nos presentes autos, que declarou nula a fiança e inexistente a obrigação cambiária dos réus.

Por seu turno, os réus reproduziram parte das suas alegações do anterior recurso, defendendo, em síntese:

- A autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida no processo n.º 1157/09.0YXLSB, também abrange o fundamento “enriquecimento sem causa”.

- A presente acção não foi fundada em enriquecimento sem causa, nem foi alegada matéria de facto nesse sentido, pelo que o tribunal não podia ter decidido com esse fundamento.

- Não estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa.

- À cautela, invocam a prescrição de qualquer restituição por enriquecimento sem causa, devendo aquele prazo contar-se a partir do momento em que os autores consideraram verificado o enriquecimento.


Foi proferida sentença, que reproduziu a decisão anterior, com idêntica fundamentação, sem qualquer referência ao anterior acórdão, nem à oposição deduzida pelos réus em relação à fundamentação da decisão no instituto do enriquecimento sem causa.


Apelaram, de novo, os réus.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 29 de Setembro de 2016, julgou a apelação parcialmente procedente, «alterando-se a decisão recorrida no sentido de condenar cada um dos réus a pagar aos autores a quantia de € 17.870,00 (dezassete mil, oitocentos e setenta euros), acrescida de juros, contados à taxa supletiva legal, ora de 4% ao ano, sobre o montante de € 12.434,38, desde a citação, e sobre a totalidade de 17.870,00 desde 24-12-2007até pagamento».

      Ainda irresignados, recorreram os réus de revista.

      Na respectiva alegação formularam, no que aqui releva, as seguintes conclusões:

I - A matéria de 14, 15, 16 e 17 que sustenta o Acórdão recorrido prova-se por certidão, donde resulta violado o artigo 607°, n° 5 do Código de Processo Civil (e idênticas disposições das duas anteriores versões do antigo Código, se se entenderem aplicáveis), redundando nas nulidades referidas em b) e d) do n° 1 do artigo 615° do Código de Processo Civil, devendo tais pontos ter-se por não escritos.

III - A nova versão de 33 que sustenta o Acórdão recorrido, "O impresso de livrança junto por cópia como documento 3 à petição inicial não chegou a ser preenchido pela Caixa JJ" (pp. 13 do Acórdão recorrido), deveria ter sido transposta para o elenco factual que termina a pp. 23 do mesmo Acórdão, traduzindo-se essa não transcrição em nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão de facto (alínea c) do artigo 615° do Código de Processo Civil), de que este Tribunal pode conhecer.

IV - Em vão se escalpelizará a petição inicial ou a réplica, onde foi feita a ampliação do pedido, à procura de factos ou de razões de Direito que pudessem minimamente sustentar uma decisão no sentido do enriquecimento sem causa, portanto, o Tribunal a quo não está correcto ao transmitir a ideia de que nada lá falta excepto a qualificação jurídica.

VII - Se o Tribunal a quo entendeu, correctamente, que o processo tinha de baixar, foi precisamente porque se estava perante um tema novo, pois só um tema novo teria susceptibilidade de influir na decisão da causa, uma vez que se tudo já resultasse claro das peças processuais, a influência na decisão da causa estaria limitada a essas peças e, portanto, os contraditórios já estariam todos exercidos.

VIII - Desse ponto de vista, quando decidiu que a excepção de prescrição deveria ter sido invocada na contestação, a uma acção que nem sombra de referência tinha a enriquecimento sem causa, o Tribunal a quo decidiu pela primeira vez nos autos sobre matéria nova, o que antes lhe repugnava, e decidiu em violação de caso julgado, pois veio a entender que essa matéria afinal não era nova por já constar da petição inicial.

X - Esta é a total antítese da posição conservadora quanto ao contraditório que tinha sido perfilhada, e bem, no Acórdão de 3.12.2015 (aliás a exemplo de Jurisprudência pacífica dos nossos Tribunais, irredutíveis na defesa desse princípio basilar do direito processual) e com ela o Tribunal a quo não entrou na análise da argumentação que a esse respeito os Réus haviam produzido em sede de apelação.

XI - A prescrição de três anos prevista no artigo 482° do Código Civil que os Réus tinham invocado na sua primeira apelação relativamente a qualquer suposto direito emergente do instituto do enriquecimento sem causa e reiteraram a 25.2.2016, tem de considerar-se verificada e qualquer suposto direito dos Autores ao abrigo desse instituto tem de ter-se por extinto.

XII - Não cabia às Instâncias substituírem-se aos Autores na alegação do enriquecimento sem causa, tanto mais que - ao interpor uma acção - eles tinham por ónus o de prever todas as soluções de direito possíveis, alegando os factos que interessem a essas soluções, inclusivamente podendo recortar pedidos alternativos; no fundo, a substituição do Tribunal à parte na fundamentação jurídica da sua pretensão tem de conter-se no limite fundamental que lhe marca a acção, não podendo alterar as afirmações que identificam a razão e justificam as conclusões.

XVII - Como não há nas peças processuais dos Autores sombra de qualquer alegação de factos virados para o enriquecimento sem causa, eram os conclusivos 19 e 33 que sustentavam a sentença da Primeira Instância no tocante à "convolação" que operou para o instituto do enriquecimento sem causa e, uma vez que 19 desapareceu e 33 ficou a: "O impresso de livrança junto por cópia como documento 3 à petição inicial não chegou a ser preenchido pela Caixa JJ", não restou nada onde tal "convolação" se pudesse segurar.

XVIII - Em consequência, a decisão sobre o enriquecimento sem causa passou a assentar num encadeamento de prognoses completamente ajurídicas sobre o preenchimento do impresso de livrança pela Caixa JJ, sobre o que aconteceria aos Réus depois desse hipotético preenchimento ou, em alternativa, por que razões não teria sido preenchido esse impresso (!).

XX - Também não era nesta acção que os Réus teriam que demonstrar ou fazer valer as razões que tinham contra a Caixa JJ porque aí estariam a entrar nos mesmos prognósticos em que as Instâncias entraram; fazê-las valer em sede própria ou, pura e simplesmente, enfrentarem a Caixa JJ numa acção era um direito que lhes assistia.

XXII - A partir do momento em que Autores e Caixa JJ negociaram, comprovadamente à revelia dos Réus, uma composição de interesses, esse acordo não vincula os Réus, que relativamente a ele são terceiros, não havendo disposição legal donde se possa retirar que desse acordo emergiu alguma obrigação para eles.

XXIII - A proposta da Caixa JJ não foi aceite pelos Réus (nada se retira dos factos provados que o teria sido, precisamente porque não foi), mas sim pelo falecido Autor marido, passando este, sim, a estar vinculado por ela, pelo que, ao cumprir (se o fez) aquilo a que se obrigara perante a Caixa JJ, o Autor marido (os Autores) actua(m) no cumprimento de uma obrigação sua e não de outrem, sendo certo que o cumprimento de uma obrigação própria na (improvável) convicção de que é alheia não releva para a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa.

XXIV - Com esse acordo, houve novação, exclusivamente da relação jurídica dos Autores com a Caixa JJ, não tendo a declaração deste banco de 19.10.2007 vertida em 26 da matéria de facto provada o condão de operar essa desobrigação, na medida em que os nomes dos Réus lá aparecem mencionados como avalistas, qualidade que não tinham, pois só a teriam - como muito bem se diz na sentença de fls. 370 a 383, confirmada por Acórdãos sucessivos da Relação de Lisboa e deste Supremo Tribunal - se tivesse havido uma livrança a entrar em circulação, o que nunca aconteceu.

XXVIII - Os Réus enriqueceram em nada e os Autores empobreceram em nada, pois prognosticaram um risco consistente no valor pelo qual a Caixa JJ lhes transmitiu que preencheria e executaria a livrança, risco que, no entender dos Réus, não existia,

XXX - A sentença da Primeira Instância considerou que a cada um dos seis signatários do verso do impresso de livrança caberia um sexto dos 157.982,13 € que teriam sido pagos à Caixa JJ, 26.330,35 €; no processo 1157/09.0YXLSB foram pedidos dos aqui Réus (47.631,01 € - 26.330,35 € =) 21.300,66 €, também por conta do total que teria sido alegadamente "pago a mais " à Caixa JJ (cf. fls. 371), pedido esse do qual os Réus foram absolvidos.

XXXI - Seguindo este raciocínio, nesta acção não podia ter sido pedida dos Réus senão a diferença entre os 44.990,12 € que os Autores reclamavam ter "pago a mais" e os 21.300,66 € que GG reclamava ter "pago a mais", 23.689,46 €, porque essa era a totalidade do que alegadamente fora "pago a mais".

XXXII - Não entrar em linha de conta com essa diferença significa desconsiderar o caso julgado consubstanciado no referido conjunto de decisões proferido no processo 1157/09.0YXLSB, condenando os Réus a pagar nesta acção o mesmo dinheiro que foram absolvidos de pagar a GG.

XXXIV - O Tribunal a quo não levou em consideração a autoridade de caso julgado da decisão reproduzida a fls. 369 a 386, proferida no processo 1157/09.0YXLSB do 3o Juízo Cível de Lisboa, confirmada por esta Relação e, implicitamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao negar-lhe revista excepcional, decisão cujo objecto é rigorosamente o mesmo da presente, como aliás se alcança dos factos que a sustentam, tendo-se aí o Tribunal pronunciado pela inexistência de uma dívida de que os ali e aqui Réus fossem fiadores da HH e decidido que a "livrança", a mesma que é tema destes autos, apenas pode vincular o devedor e os avalistas caso se encontre completa, pelo que tal escrito não pode produzir efeitos como livrança e, assim, os ali e aqui Réus não são responsáveis pela dívida de HH ao Banco II, pois no fundo inexiste qualquer livrança por eles avalizada.

XLI - O Acórdão recorrido só consegue defender o enriquecimento sem causa ancorando-se numa fiança declaradamente nula e numa "livrança" inexistente.

XLIV - Face à nulidade da fiança e à inexistência de livrança, o vínculo jurídico assumido por Autores e Réus perante o banco é nenhum, por isso os Réus nem tinham que o honrar nem ser dele "exonerados" sem que isso lhes gerasse consequências de espécie alguma.

XLVI - Daqui decorre que o Acórdão recorrido é nulo por contraditório nos seus termos porque, logicamente, segue o caminho da recusa da aplicação de dois cenários jurídicos (fiança e livrança) e, logo de seguida, baseia-se nesses institutos ou num deles para concluir que haveria um dever dos Réus de pagarem à Caixa JJ algo que os Autores teriam suportado.

XLVIII - A condenação em juros desde a citação que o Tribunal a quo entende ser adequada não o é, em circunstância alguma.

XLIX - Se os Autores assentaram a sua acção na divisão por cinco do valor acordado com a Caixa, alocando dois dos quintos resultantes aos Réus e exigindo que lhe fossem pagos, se a Primeira Instância entendeu que os Réus tinham que suportar, não dois quintos mas dois sextos desse bolo, e manifestou tal entendimento na sentença, se a Segunda Instância entendeu (pecando também por defeito) que só deveriam suportar 79,44% de 44.990,12 €, então o correspondente valor só agora foi liquidado.

L - Esse valor sempre seria excessivo, mesmo dentro do quadro conceptual em que os Réus deveriam algo aos Autores, atendendo ao valor pago por GG, de cujo reembolso foram absolvidos, contudo o que interessa para o cálculo de juros é que eles só são devidos a partir do momento em que a obrigação se torna líquida, o que só sucedeu com a notificação do Acórdão recorrido.

LII - O Acórdão recorrido violou as normas contidas nos artigos 473° e seguintes e 784°, n° 1 do Código Civil, 3o, n° 3, 5o, 580°, n°s. 1 e 2, 607°, n°s. 4 e 5 do Código de Processo Civil, e incorre nas nulidades previstas nas alíneas c), d) e e) do n° 1 do artigo 615° deste Código. A aplicação correcta dessas normas teria levado à absolvição dos Réus do pedido».

Finalizaram, pedindo a revogação do acórdão recorrido.


  Os autores contra-alegaram, defendendo a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.


    II. Fundamentos:

De facto:

1 - Em meados de Julho de 1994, a empresa HH - Viagens e Turismo S.A., com sede na Avenida …, nº 14, 12º em Lisboa, formulou ao Banco II um pedido de prestação de garantia bancária no montante de Esc. 50.000.000$00 (A);

2 - Tal garantia bancária teria a validade de um ano, figurando como entidade beneficiária a OO, com sede no Edifício nº …, 2º, Aeroporto de Lisboa (B);

3 - Destinava-se a garantir o pagamento mensal à OO/BSP (Companhias Aéreas) dos bilhetes emitidos pela HH, S.A. (C);

4 - No pedido de garantia bancária foram apresentados como "garantes" da operação:

a) Os AA. AA e BB;

b) O 1º R. CC;

c) O 2º R. DD;

d) FF e

e) GG (D);

5 - Todos outorgaram o pedido de garantia bancária na qualidade de garantes, apondo as respectivas assinaturas na parte do formulário destinado a esse fim (E);

6 - Na sequência desse procedimento, o Banco II, S.A. emitiu a garantia bancária solicitada, através do escrito com a epígrafe "garantia N/Nº9…0", datado de 15 de Julho de 1994, onde declarou: - “(...) que presta uma garantia até à importância de Esc. 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos), destinada a caucionar o pagamento mensal à OO/BSP (Companhias Aéreas) dos bilhetes emitidos pela HH - Viagens e Turismo, S.A.. O valor desta garantia é, pois, até ao limite máximo de Esc. 50.000.000$00 (Cinquenta milhões de escudos), e é válida até 95-07-15, após o que ficará nula e nenhum efeito, pelo que qualquer eventual reclamação não poderá ser atendida se não nos for apresentada até àquela data" (F);

7 - O Banco concedeu uma conta caucionada no valor de Esc. 25.000.000$00 para ser utilizada, em caso de necessidade, nos pagamentos mensais à OO/BSP (G);

8 - Além das fianças como garantia do Banco II, S.A., foram prestadas garantias reais pela HH, designadamente a hipoteca sobre uma loja e o penhor sobre o direito às rendas e ao arrendamento de dois estabelecimentos comerciais (H);

9 - Em 14 de Julho de 1994, a empresa HH - Viagens e Turismo S.A. remeteu ao Banco II, S.A. uma carta e uma livrança em branco, subscrita pela própria e avalizada pelos AA. AA, pelo 1º R. CC, pelo 2º R. DD e ainda por FF e GG (I);

10 - A carta que acompanhava a livrança referia que: - "De acordo com as negociações havidas com V. Exªs e para garantia de todas e quaisquer responsabilidades por nós contraídas ou a contrair perante esse Banco, até ao limite de Esc. 75.000.000$00 (setenta e cinco milhões de escudos), provenientes de qualquer operação ou título em direito permitidos, designadamente de empréstimos, saldos devedores em contas de qualquer natureza, garantias ou avales, créditos em moeda nacional ou estrangeira, desconto de títulos de crédito, letras e livranças, incluindo capital, juros, comissões e demais encargos, junto remetemos uma livrança em branco, datada de hoje, subscrita pela HH - Viagens e Turismo, S.A. e avalizada por: Major AA, BB, FF, GG, Dr. DD e Dr. CC. Fica esse Banco autorizado a preencher a referida livrança pelo montante que em qualquer momento se encontrar em dívida, fixando-lhe o vencimento, em qualquer das modalidades possíveis, podendo igualmente proceder ao desconto da mesma, se assim o entender. Esclarecemos que:

1. Esse Banco fica com a faculdade de determinar as nossas dívidas que integram o referido limite;

2. As responsabilidades, entretanto pagas, deixam de ser contadas para o preenchimento do referido limite;

3. Esse Banco fica com a faculdade de não nos conceder crédito ainda que, para tanto, haja margem suficiente do referido limite.

Os outros intervenientes da livrança concordam com as estipulações desta carta-contrato, anuem a que título nos seja entregue pelo banco, contra recibo, logo que nós cumpramos todas as obrigações para com esse banco, assinando, também, esta carta-contrato em confirmação" (J);

11 - A carta foi assinada pela HH e pelos avalistas (L);

12 - A sentença datada de 15.02.1996, proferida pelo Exmº Sr. Juiz de Direito da 4ª vara Cível de Lisboa, 3ª Secção, no Processo nº 701-B/1995, foi declarada a falência da HH - Viagem e Turismo S.A.. (M);

13 - No decurso do ano de 2001, teve lugar a fusão do Banco II e da Caixa JJ por incorporação do Banco II na Caixa JJ (1º);

14 - No Plano e Mapa de Rateio Parcial, elaborado nos termos dos artºs 209º e 210º do C.P.E.R.E.F., no âmbito do processo nº 701-B/1995, ficou estabelecido que a Caixa JJ teria direito a receber € 575.754,33 (2º);

15 - A quantia referida em 14 derivou de créditos do Banco II sobre a HH decorrentes (i) do saldo da conta corrente caucionada (referida em 7) e (ii) de valores pagos pelo Banco II – em observância do acordo referido em 6 – à OO em substituição da HH, acrescidos de juros (4º);

16 - No âmbito da falência, a Caixa JJ recebeu 369.093,27 € de um total de 575.754,33 (33º);

17 - A Caixa JJ ficou credora do valor remanescente (diferença entre o valor referido em 14 e 16) (3º);

18 - Por carta datada de 28 de Maio de 2004 remetida aos AA., a Caixa JJ informou-os que autorizava:

-"a exoneração da responsabilidade dos avalistas da Sociedade HH - Viagens e Turismo Ldª, desde que fossem satisfeitas as condições:

a) Entrega à Caixa JJ no prazo de 08 dias, a contar da recepção da presente comunicação, de importância no valor de € 126.195,87 (cento e vinte e seis mil, cento e noventa e cinco euros e oitenta e sete cêntimos;

b) No prazo de 60 dias após interpelação pela Caixa dos avalistas para o efeito, liquidação do remanescente relativo às obrigações de capital não recebidas pela Caixa JJ no âmbito do processo falimentar da sociedade avalizada” (23º);

19 - (suprimido);

20 - Os AA. foram interpelados pelo Banco credor no sentido de satisfazerem créditos deste sobre a HH, SA garantidos por aval (27º);

21 - Os RR. foram interpelados pelo Banco credor no sentido de satisfazerem créditos deste sobre a HH, S.A. garantidos por aval (28º);

22 - A Caixa JJ, S.A., em 21. 06.2004, declarou que:

“-...relativamente aos pagamentos necessários para a exoneração da responsabilidade da totalidade dos avalistas da sociedade HH - Viagens e Turismo, S.A., (a saber AA e mulher BB, GG, FF, CC e DD), pagamentos esses, cujo montante, condições e prazo de entrega se encontram fixados nas cartas datadas de 28.05.2004, emitidas pela Caixa JJ, foram efectuadas as seguintes entregas:

- mediante cheque nº 73…4, datado de 04.06.2004, sacado sobre o Banco PP, pelo avalista FF foi efectuado o pagamento da importância de 6.500,00 € (seis mil e quinhentos euros);

- mediante cheque nº 94…3, datado de 04.06.2004, sacado sobre o Banco QQ, pelo avalista GG foi efectuado o pagamento de 34.916,00 (trinta e quatro mil, novecentos e dezasseis euros;

- mediante ordem de transferência bancária datada de 17.06.2004, transferência essa da conta nº 21…, titulada na Agência da … da Caixa JJ, pelos avalistas: AA e mulher BB foram efectuados o pagamento da importância de € 84.779,87 (12º);

23 - Através de carta datada de 28.06.2007, a Caixa JJ interpelou os AA para que:

- (...) no prazo de 60 dias, procedam à entrega à Caixa JJ da importância no valor de 31.786.26€, corresponde ao remanescente das obrigações de capital não recebidas pela Caixa JJ no âmbito da acção falimentar da sociedade avalizada.

Por último, explicitamos que a não satisfação do exarado no parágrafo que antecede importa o renascimento da dívida pela sua expressão normal, ou seja, apenas com dedução da supra apontada importância de 126.195,87 € e das verbas que foram entregues à Caixa no âmbito da ação falimentar, sem qualquer perdão de capital ou juros e até ao limite das responsabilidades pelas quais os avalistas se vincularam." (P);

24 - Em resposta, através de carta datada de 23 de Julho de 2007 os AA. solicitaram à Caixa JJ que aceitasse fixar como prazo limite para a liquidação da dívida de € 31.786,26 o dia 4 de Outubro de 2007 (Q);

25 - A Caixa JJ através de carta datada de 21.08.2007 informou os AA. que "relativamente à proposta apresentada no pretérito mês de Julho, referente à prorrogação do prazo de liquidação do remanescente em dívida, no valor de € 31.786,26, vimos trazer ao conhecimento de V. Exa., na qualidade de avalista, que a mesma foi autorizada, pelo que a referida importância deverá ser liquidada até o próximo dia 4 de Outubro ". (R)

26 - A Caixa JJ, S.A. por documento datado de 19 de Outubro de 2007, declarou que:

(…) para exoneração da responsabilidade da totalidade dos avalistas da sociedade "HH VIAGENS E TURISMO, S.A./I (a saber:

AA e mulher BB, GG, FF, CC e DD, lhe foram entregues as seguintes importâncias:-

- Mediante cheque n.º 73…4, datado de 04.06.2004, sacado sobre o Banco PP, pelo avalista FF foi efectuado o pagamento da importância de 6.500,00 € (seis mil e quinhentos euros);

- Mediante cheque n.º 94…3, datado de 04.06.2004, sacado sobre o Banco QQ, pelo avalista GG foi efectuado o pagamento de 34.916,00 € (trinta e quatro mil, novecentos e dezasseis euros);

- Mediante ordem de transferência bancária datada de 17.06.2004, transferência essa da conta n.° 21…0, titulada na Agência da … da Caixa JJ, pelos avalistas AA e mulher BB foi efectuado o pagamento da importância de 84.779,87 € (oitenta e quatro mil, setecentos e setenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos);

- Através de cheque n.° 17…9, datado de 03.10.2007, sacado sobre o Banco PP, pelo avalista GG foi efectuado o pagamento da importância de 10.000,00 € (dez mil euros);

- Através de cheque n.º 08…0, datado de 03.10.2007, sacado sobre o Banco PP, pelo avalista GG foi efectuado o pagamento da importância de 2.715,01 € (dois mil, setecentos e quinze euros e um cêntimo);

- Através de cheque n.º 17…4, datado de 03.10.2007, sacado sobre o Banco Comercial Português, pelos avalistas AA e mulher BB foi efectuado o pagamento da importância de 12.871,25 € (doze mil, oitocentos e setenta e um euros e vinte e cinco cêntimos);

- Através de cheque n. ° 45…0, datado de 3 0.09.2007, sacado sobre o Banco RR, pelo avalista FF foi efectuado o pagamento da importância de 6.200,00 € (seis mil e duzentos euros).

Mais se declara que as supra identificadas verbas entregues pelos avalistas, que totalizam a importância de 157.982,13 €, adicionadas do quantitativo de 369.093,27 €, relativo à verba atribuída à Caixa JJ em sede da acção falimentar da sociedade avalizada "HH VIAGENS E TURISMO, S.A.", perfazem a importância de 527.075,40 € fixada pela Caixa JJ como necessária para a exoneração da responsabilidade dos avalistas pelas dívidas daquela empresa, pelo que, relativamente a tal responsabilidade, se declara, também, que nada mais é devido pelos mesmos à Caixa JJ. (S)

27 - Os AA. Efectuaram o pagamento da quantia de € 84.779,87 à Caixa JJ (10º);

28 – Dos Documentos juntos a fls. 28 e 29 decorre que o pagamento de € 12.871,25 referido em 26 resultou de uma contraproposta negocial do próprio Banco a que os AA terão parcialmente correspondido (25º);

29 - Tal contraproposta teve origem numa proposta dos AA. (26º);

30 - Os RR. não procederam ao pagamento de qualquer montante (9º e 20º);

31 - O 2º R. era o Director Financeiro e Administrador da HH (15º);

32 - Não lhe sendo conhecida outra actividade profissional (16º);

33 - O impresso de livrança junto por cópia como documento 3 à petição inicial não chegou a ser preenchido pela Caixa JJ (29º);[1]

34 - Alegando ter pago à Caixa JJ, com base nos mesmos factos, a quantia de € 47.631,01, excedendo em € 21.300,66, a sua quota-parte de responsabilidade de co-avalista, GG intentou contra os mesmos réus, CC e DD, acção judicial pedindo a condenação destes no pagamento da referida quantia de € 21.300,66.

35 - Nessa acção foi proferida a sentença certificada a fls. 370 e seguintes, transitada em julgado, onde a acção foi julgada improcedente.

- No que respeita à “fiança”, foi considerado que:

«Perante tais factos, dúvidas não existem de que Autor e Réus intervieram no supra referido contrato como fiadores e principais pagadores da HH, respondendo solidariamente com esta pelas obrigações derivadas da garantia bancária – artigos 627.º, 634.º e 640.º, do Código Civil.

Isto é, o Autor e os Réus apenas foram fiadores da HH relativamente às obrigações decorrentes da garantia bancária prestada.

Todavia, o Autor não provou que o montante pago à sucessora do Banco II correspondesse a qualquer obrigação decorrente do accionamento da garantia bancária…»

Consequentemente, o Autor não logrou provar que o pagamento por si efectuado correspondesse às obrigações assumidas pelos Réus enquanto fiadores.»

- No que respeita ao aval, ponderou-se que a livrança, não tendo sido preenchida pelo credor, não produzia efeitos como tal.

- Não foi ali feita qualquer referência a enriquecimento sem causa.


Importa ainda consignar como provado, porque resultante do documento junto a fls. 13 (documento 1 junto com a petição inicial), documento particular assinado por autores e réu não impugnado e, por isso, dotado de força probatória plena (artigo 376º nºs 1 e 2 do Código Civil), estoutro facto:

36. Consta do último parágrafo do documento referido em 4. e 5.: «Os garantes propostos anuem às condições acima descritas, responsabilizando-se solidariamente comigo/connosco por todos os pagamentos que forem devidos a esse Banco, pelo que abaixo subscrevem o presente documento».


     De Direito:

     Um breve nota para referir que a presente acção foi instaurada no dia 4 de Setembro de 2007, sendo-lhe aplicável o regime recursivo decorrente do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, – artigos 5º nº 1 e 7º nº 1 –, com excepção do disposto no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, na versão actual, norma que consagra a designada «dupla conforme» impeditiva do recurso de revista, pelo que nada obsta ao conhecimento do presente recurso de revista.

 

1. Afirmam os réus que o ponto 33 da matéria de facto provada não corresponde à versão resultante do segmento que decidiu a impugnação da decisão fáctica.

Têm razão.

Na verdade, a redacção primitiva desse ponto 33 era a seguinte:

33 - Em consequência do referido em 22 e 27, a livrança (junta como como doc. nº 3 com a petição inicial), não chegou a ser preenchida pela Caixa JJ (29º);

    O acórdão recorrido, dando procedência à pretensão dos réus, aceitou a redacção proposta por estes, a qual passou a ser a seguinte:

O impresso de livrança junto por cópia como documento 3 à petição inicial não chegou a ser preenchido pela Caixa JJ”.

      Certamente por lapso, essa alteração não está reflectida no ponto 33 do elenco dos factos provados, pelo que cumpria efectuar a respectiva correcção e inserir no local próprio a nova versão do aludido facto, o que foi feito.

Defendem os réus que a facticidade dos pontos 14, 15, 16 e 17 apenas por certidão pode ser provada, tendo sido violado o disposto no artigo 607º nº 5 do Código de Processo Civil, o que redunda nas nulidades previstas nas als. b) e d) do nº 1 do artigo 615º do mesmo código.

Naqueles pontos de facto consta como provado que:

14 - No Plano e Mapa de Rateio Parcial, elaborado nos termos dos artºs 209º e 210º do C.P.E.R.E.F., no âmbito do processo nº 701-B/1995, ficou estabelecido que a Caixa JJ teria direito a receber € 575.754,33 (2º);

15 - A quantia referida em 14 derivou de créditos do Bano II sobre a HH decorrentes (i) do saldo da conta corrente caucionada (referida em 7) e (ii) de valores pagos pelo Banco II – em observância do acordo referido em 6 – à IATA em substituição da HH, acrescidos de juros (4º);

16 - No âmbito da falência, a Caixa JJ recebeu 369.093,27 € de um total de 575.754,33 (33º);

17 - A Caixa JJ ficou credora do valor remanescente (diferença entre o valor referido em 14 e 16) (3º).

De harmonia com a motivação da sentença proferida na 1ª instância, a convicção formada resultou de prova testemunhal produzida, da qual se destaca, quanto aos factos 15 e 17, o depoimento de FF, e, quanto aos factos 14 a 17, o depoimento de GG, ambos subscritores da garantia e da livrança a que os autos se reportam, e, bem assim, dos documentos juntos a fls. 26 e 44/45, o primeiro relativo ao facto 14 e o segundo ao facto 16.

Esta convicção e fundamentação mantiveram-se inalteradas pelo Tribunal da Relação, o que não suscita qualquer reparo.

Está em causa matéria relativa ao montante global do crédito da Caixa JJ, à origem do mesmo e aos pagamentos efectuados, a qual consente qualquer espécie de prova, não decorrendo de qualquer dispositivo legal a exigência da sua demonstração através de certidão a extrair do processo de falência.

De salientar apenas, quanto ao ponto de facto 14, que este se refere ao plano de pagamentos aos credores preferentes e mapa de rateio parciais proposto pelo liquidatário judicial, elemento de trabalho submetido à apreciação do juiz, para, nada a tal obstando, autorizar os pagamentos (artigo 209º e 210º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril, então em vigor).

Os autores instruíram a petição inicial com cópia desse documento (fls. 26 e uma carta subscrita pela Caixa JJ dirigida aos autores (fls. 44/45), documentos que os réus não impugnaram oportunamente, não se tornando necessária certidão judicial para a prova dos aludidos factos. Era lícito às Instâncias formar a sua convicção quanto aos questionados factos com base na prova testemunhal e documental considerada, ao abrigo do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artigo 607º nº 5 do Código de Processo Civil - anterior artigo 659º).

Ao Supremo Tribunal de Justiça, por escapar ao âmbito dos seus poderes de cognição, está vedado conhecer do eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, já que tal controlo só lhe é permitido quando ocorra ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, o que não se verifica.

Só nos casos de prova vinculada ou tarifada compete a este Supremo Tribunal escrutinar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil).

De qualquer modo, ainda que fosse exigível certidão judicial para a demonstração dos referidos factos, como sustentam os réus, tal nunca se reconduziria a um vício do acórdão recorrido subsumível à previsão das als. b) e d) do nº 1 do artigo 615º – falta de fundamentação e omissão ou excesso de pronúncia –, mas ao fundamento do recurso de revista previsto no nº 3 do artigo 674º, ambos do citado código.

Também se não verifica a alegada contradição do acórdão recorrido nos seus termos, resultando do mesmo uma linha de raciocínio lógica, estruturada e coerente, sendo que essa contradição, a ocorrer, consubstanciaria erro de julgamento e não nulidade do mesmo, nos termos da al. c) do nº 1 do mencionado artigo 615º, já que esta se verifica apenas quando a motivação é contraditória com a decisão, ou seja, quando esta, em vez de ser a consequência lógica daquela, se apresenta em oposição com a mesma.

     Improcedem, assim, as arguidas nulidades.

           

    2. Suscitam os recorrentes a questão de saber se o efeito do caso julgado formado com a decisão que julgou improcedente a acção nº n.º 1157/09.0YXLSB, intentada pelo co-avalista GG contra os aqui réus, se impõe à decisão da presente acção, obstando a que as mesmas questões obtenham decisão diferente.

   Considerou a Relação, e bem, de afastar o caso julgado, excepção dilatória que, a verificar-se, conduziria à absolvição dos réus da instância, porquanto não existe a tríplice identidade exigida pelo artigo 581º do Código de Processo Civil (anterior artigo 498º). Falta, desde logo, a necessária identidade de sujeitos, uma vez que os aqui autores nela não foram partes, nem tiveram qualquer intervenção.

Também não colhe a invocação da autoridade do caso julgado produzido na referida acção. Na realidade, «a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção» (Acórdão do Supremo Tribunal de 24.04.2013, proc. nº 7770/07.3TBVFR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj, citado no acórdão recorrido).

Ora, a decisão a proferir nos presentes autos não se encontra numa relação de dependência daquela outra de tal forma que o ali decidido constitua pressuposto que condiciona ou impede agora a decisão das questões colocadas.

Aliás, a sentença proferida no aludido processo, transitada em julgado em 26 de Setembro de 2011 e cuja cópia certificada faz fls. 370 a 383 destes autos, considerou:

«Perante tais factos, dúvidas não existem de que Autor e Réus intervieram no supra referido contrato como fiadores e principais pagadores da HH, respondendo solidariamente com esta pelas obrigações derivadas da garantia bancária – artigos 627º, 634º e 640º do Código Civil.

(…)

«Todavia, o Autor não provou que o montante pago à sucessora do Banco II correspondesse a qualquer obrigação decorrente do accionamento da garantia bancária por parte da OO/BSP (COMPANHIAS AÉREAS), relativamente a bilhetes emitidos pela HH».

A acção só soçobrou na totalidade porque o ali autor GG não logrou provar que, pelo menos, parte dos pagamentos por si efectuados correspondia às obrigações assumidas pelos réus enquanto fiadores da garantia bancária.

Conexão que os ora autores conseguiram estabelecer na presente acção ao terem logrado provar a matéria do ponto 15 dos factos provados, ou seja, que a quantia em dívida derivou dos créditos do Banco II sobre a HH decorrentes do saldo da conta corrente caucionada (referida no ponto 7) e de valores pagos pelo mesmo banco – em observância da garantia que prestou (a que se refere o ponto 6) – à OO em substituição daquela sociedade, acrescidos de juros.


3. Os autores fundamentam o pedido que deduziram no instituto da sub-rogação, alegando, essencialmente, que liquidaram à Caixa JJ um crédito global emergente de negócios jurídicos garantidos e avalizados, no que ora releva, por si e pelos réus, perante o Banco II, que veio a ser incorporado naquela.

Invocaram que, sendo tal responsabilidade solidária, estão os réus obrigados a pagar-lhes a quantia correspondente à sua quota-parte, de harmonia com o disposto nos artigos 644º, 649º nº 1 do Código Civil e artigos 47º e 48º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL).

A alegada obrigação dos réus teria duas fontes: (i) a fiança prestada no âmbito da garantia bancária; (ii) o aval prestado na livrança em branco, subscrita pela HH e entregue por esta ao Banco II para ulterior preenchimento nos termos previamente acordados, a qual garantia o pagamento ao banco.

No que concerne à garantia, relevam os seguintes factos provados:

1 - Em meados de Julho de 1994, a empresa HH - Viagens e Turismo S.A., com sede na Avenida …, nº 14, 12º em Lisboa, formulou ao Banco II um pedido de prestação de garantia bancária no montante de Esc. 50.000.000$00 (A);

2 - Tal garantia bancária teria a validade de um ano, figurando como entidade beneficiária a OO, com sede no Edifício nº …, 2º, Aeroporto de Lisboa (B);

3 - Destinava-se a garantir o pagamento mensal à OO/BSP (Companhias Aéreas) dos bilhetes emitidos pela HH S.A. (C);

4 - No pedido de garantia bancária foram apresentados como "garantes" da operação:

a) Os AA. AA e BB;

b) O 1º R. CC;

c) O 2º R. DD;

d) FF e

e) GG (D);

5 - Todos outorgaram o pedido de garantia bancária na qualidade de garantes, apondo as respectivas assinaturas na parte do formulário destinado a esse fim (E);

6 - Na sequência desse procedimento, o Banco II, S.A. emitiu a garantia bancária solicitada, através do escrito com a epígrafe "garantia N/Nº9…70", datado de 15 de Julho de 1994, onde declarou: - “(...) que presta uma garantia até à importância de Esc. 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos), destinada a caucionar o pagamento mensal à OO/BSP (Companhias Aéreas) dos bilhetes emitidos pela HH Viagens e Turismo, S.A.. O valor desta garantia é, pois, até ao limite máximo de Esc. 50.000.000$00 (Cinquenta milhões de escudos), e é válida até 95-07-15, após o que ficará nula e nenhum efeito, pelo que qualquer eventual reclamação não poderá ser atendida se não nos for apresentada até àquela data" (F);

36. Consta do último parágrafo do documento referido em 4. e 5.: «Os garantes propostos anuem às condições acima descritas, responsabilizando-se solidariamente comigo/connosco por todos os pagamentos que forem devidos a esse Banco, pelo que abaixo subscrevem o presente documento».

Não se discute no presente litígio a natureza da garantia bancária prestada, na qual autores e réus intervieram como fiadores da HH, nem que o banco que a concedeu assumiu perante terceiro as responsabilidades emergentes da mesma, tendo resultado provado que o crédito reconhecido à Caixa JJ – entidade bancária que incorporou o banco garante –, no processo que decretou a falência daquela sociedade está conexionado com o cumprimento pelo Banco II de obrigações emergentes dessa garantia.

A fiança, que se mostra formalmente válida à luz das exigências contidas no artigo 628º do Código Civil, caracteriza-se pela acessoriedade e destina-se a garantir a satisfação do direito do credor (artigo 627º do Código Civil).

Esta garantia pessoal tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, transmitindo-se os direitos do credor para o fiador que cumpre, na medida em que estes foram satisfeitos (artigos 634º e 644º do Código Civil).Por efeito desta sub-rogação legal, satisfeita a obrigação pelo fiador transfere-se para este o crédito com todas as garantias e acessórios.

Existindo pluralidade de fiadores e sendo a responsabilidade solidária, o fiador ou os fiadores sub-rogados nos direitos do credor podem optar por exercê-los contra o devedor ou por exercer o direito de regresso contra os demais fiadores, observando-se o regime das obrigações solidárias (artigos 650º nº 1 e 524º do Código Civil), embora não possam exercitá-los cumulativamente.

Em face da facticidade provada resulta que os seis fiadores que nela intervieram, entre os quais os autores e os réus, se vincularam, solidariamente, perante o banco ao pagamento da quantia objecto da garantia prestada à HH, a qual tinha como limite máximo Esc. 50.000.000$00.

Logo, em face do regime legal da fiança brevemente traçado, temos de concluir que cada um dos réus (co-fiadores) está obrigado a entregar aos autores o que estes pagaram para além da quota-parte que competia a cada um dos fiadores, ou seja, um sexto no âmbito da responsabilidade emergente da referida garantia.

A tal não obsta o facto de a garantia bancária ter caducado, posto que os contraentes convencionaram que seria válida pelo prazo de um ano e até 15 de Julho de 1995.

Na verdade, não resulta da facticidade provada que tivesse sido accionada pela sua beneficiária – OO/BSP (Companhias Aéreas) – para além do prazo de validade estabelecido, sendo certo que, por se tratar de matéria de excepção, cabia aos réus a sua alegação e prova, em consonância com o disposto no artigo 342º nº 2 do Código Civil.

Consequentemente, têm os autores o direito de exigir dos réus, co-fiadores, a quantia proporcional à sua responsabilidade relativamente ao montante global que satisfizeram com referência à garantia bancária prestada, ou seja, um sexto.


No que tange à responsabilidade dos réus emergente de aval, importa notar, desde logo, que os artigos 75º, 77º e 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) reconhecem a figura da livrança em branco, a qual, desde que preenchida antes do vencimento por quem tenha legitimidade para o fazer, produz todos os efeitos próprios desse título de crédito.

Na verdade, o título cambiário pode ser entregue ao seu tomador contendo apenas a assinatura do subscritor ou, como sucedeu no caso, contendo, além daquela, também as assinaturas dos respectivos avalistas, sem que estejam nessa altura presentes os demais requisitos de forma exigidos pelo artigo 75º da LULL.

Necessário é que os intervenientes cambiários tenham acordado os termos e condições em que o tomador há-de efectuar o preenchimento dos elementos em falta para poder fazer entrar o título de crédito em circulação, apresentando-o, nomeadamente, a pagamento. O preenchimento dos requisitos em falta com observância do estipulado pelas partes no referido acordo, designado por pacto de preenchimento, permitirá ao tomador do título exigir o cumprimento da obrigação cambiária.

A obrigação cambiária torna-se perfeita desde que as assinaturas apostas no título de crédito exprimam a intenção de os signatários se obrigarem cambiariamente e o mesmo se mostre preenchido de forma a conter os requisitos essenciais exigidos no mencionado artigo 75º, sob pena de, faltando algum deles, o escrito não poder valer como livrança e produzir os efeitos deste título cambiário.

Sucede que a livrança em branco, avalizada, entre outros, por autores e réus, entregue para «garantia de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair» perante o Banco II pela sua subscritora, a HH - Viagens e Turismo, SA, não foi preenchida pelo tomador, neste caso a Caixa JJ por via da falada incorporação nesta do Banco II.

O que significa que a obrigação cambiária não chegou a constituir-se, uma vez que tal só aconteceria se completada nos termos estabelecidos na «carta-contrato» que consubstancia a convenção de preenchimento, também assinada, entre outros, por autores e réus, os quais, na qualidade de avalistas da subscritora deram a sua anuência a esse ulterior preenchimento (cfr. ponto 10 da matéria de facto).

Consequentemente, nenhum direito de crédito existe contra os réus com base no aval prestado num escrito que não foi preenchido por forma a valer como livrança e a produzir os efeitos deste titulo cambiário.

Não obstante, entenderam as instâncias que os réus deveriam ser também responsabilizados pelo pagamento dos créditos que a livrança em branco visava garantir, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

O acórdão recorrido sufragou o decidido na sentença da 1ª instância, e considerou que os factos alegados e provados permitiam proceder a tal convolação.

É sabido que os poderes de cognição do juiz quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito não estão condicionados pela alegação das partes, apenas existindo limitação relativamente à alegação fáctica (artigo 5º nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil).

Também é pacífico que o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária. Não actua como fundamento da restituição se a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído (artigo 474º do Código Civil).

A restituição com base em enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia depende da verificação cumulativa de três requisitos (artigo 473º nº 1 do Código Civil), a saber: (i) é necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento; (ii) em segundo lugar, que o enriquecimento careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, a haja perdido; (iii) finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem quer a restituição.

O enriquecimento traduz-se numa vantagem ou valorização de ordem patrimonial e pode ser alcançado por várias formas, nomeadamente, através de aumento do activo, diminuição do passivo e poupança de despesas.

O sentido normativo de ausência de causa justificativa há-de encontrar-se no nº 2 do artigo 473º segundo o qual “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.

Escreve Inocêncio Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág.187) que «o enriquecimento tem ou não causa justificativa consoante, segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele. Cumpre ver em cada hipótese, no âmbito do instituto jurídico aplicável, se o enriquecimento corresponde à vontade profunda da lei».  

O enriquecimento à custa de outrem, entendido enquanto exigência de empobrecimento do outro, ocorre se a uma vantagem patrimonial corresponde uma diminuição ou um sacrifício também de índole patrimonial.

Em regra, existe no enriquecimento sem causa uma correlação entre enriquecimento e empobrecimento, «no sentido de que o facto ou factos que geram um geram também o outro» (autor e loc. cit.).


Para se apurar da verificação ou não dos pressupostos do enriquecimento sem causa, no caso vertente, releva a seguinte facticidade provada:

12 - A sentença datada de 15.02.1996, proferida pelo Exmº Sr. Juiz de Direito da 4ª vara Cível de Lisboa, 3ª Secção, no Processo nº 701-B/1995, foi declarada a falência da HH - Viagem e Turismo S.A.. (M);

14 - No Plano e Mapa de Rateio Parcial, elaborado nos termos dos artºs 209º e 210º do C.P.E.R.E.F., no âmbito do processo nº 701-B/1995, ficou estabelecido que a Caixa Geral de Depósitos teria direito a receber € 575.754,33 (2º);

15 - A quantia referida em 14 derivou de créditos do Banco II sobre a HH decorrentes (i) do saldo da conta corrente caucionada (referida em 7) e (ii) de valores pagos pelo Banco II – em observância do acordo referido em 6 – à OO em substituição da HH, acrescidos de juros (4º);

16 - No âmbito da falência, a Caixa JJ recebeu 369.093,27 € de um total de 575.754,33 (33º);

17- A Caixa JJ ficou credora do valor remanescente (diferença entre o valor referido em 14 e 16) (3º);

18 - Por carta datada de 28 de Maio de 2004 remetida aos AA., a Caixa JJ informou-os que autorizava:

-"a exoneração da responsabilidade dos avalistas da Sociedade HH- Viagens e Turismo Ldª, desde que fossem satisfeitas as condições:

a) Entrega à Caixa JJ no prazo de 08 dias, a contar da recepção da presente comunicação, de importância no valor de € 126.195,87 (cento e vinte e seis mil, cento e noventa e cinco euros e oitenta e sete cêntimos;

b) No prazo de 60 dias após interpelação pela Caixa dos avalistas para o efeito, liquidação do remanescente relativo às obrigações de capital não recebidas pela Caixa JJ no âmbito do processo falimentar da sociedade avalizada” (23º);

20 - Os AA. foram interpelados pelo Banco credor no sentido de satisfazerem créditos deste sobre a HH, SA garantidos por aval (27º);

21 - Os RR. foram interpelados pelo Banco credor no sentido de satisfazerem créditos deste sobre a HH, S.A. garantidos por aval (28º);

22 - A Caixa JJ, S.A., em 21. 06.2004, declarou que:

“-...relativamente aos pagamentos necessários para a exoneração da responsabilidade da totalidade dos avalistas da sociedade HH - Viagens e Turismo, S.A., (a saber AA e mulher BB, GG, FF, CC e DD), pagamentos esses, cujo montante, condições e prazo de entrega se encontram fixados nas cartas datadas de 28.05.2004, emitidas pela Caixa JJ, foram efectuadas as seguintes entregas:

- mediante cheque nº 73…04, datado de 04.06.2004, sacado sobre o Banco PP, pelo avalista FF foi efectuado o pagamento da importância de 6.500,00 € (seis mil e quinhentos euros);

- mediante cheque nº 94…23, datado de 04.06.2004, sacado sobre o Banco QQ, pelo avalista GG foi efectuado o pagamento de 34.916,00 (trinta e quatro mil, novecentos e dezasseis euros;

- mediante ordem de transferência bancária datada de 17.06.2004, transferência essa da conta nº 217…0, titulada na Agência da … da Caixa JJ, pelos avalistas: AA e mulher BB foram efectuados o pagamento da importância de € 84.779,87 (12º);

23 - Através de carta datada de 28.06.2007, a Caixa JJ interpelou os AA para que:

- (...) no prazo de 60 dias, procedam à entrega à Caixa JJ da importância no valor de 31.786.26€, corresponde ao remanescente das obrigações de capital não recebidas pela Caixa JJ no âmbito da ação falimentar da sociedade avalizada.

Por último, explicitamos que a não satisfação do exarado no parágrafo que antecede importa o renascimento da dívida pela sua expressão normal, ou seja, apenas com dedução da supra apontada importância de 126.195,87 € e das verbas que foram entregues à Caixa no âmbito da ação falimentar, sem qualquer perdão de capital ou juros e até ao limite das responsabilidades pelas quais os avalistas se vincularam." (P);

25 - A Caixa JJ através de carta datada de 21.08.2007 informou os AA. que "relativamente à proposta apresentada no pretérito mês de Julho, referente à prorrogação do prazo de liquidação do remanescente em dívida, no valor de € 31.786,26, vimos trazer ao conhecimento de V. Exa., na qualidade de avalista, que a mesma foi autorizada, pelo que a referida importância deverá ser liquidada até o próximo dia 4 de Outubro ". (R)

26 - A Caixa JJ, S.A. por documento datado de 19 de Outubro de 2007, declarou que:

(…) para exoneração da responsabilidade da totalidade dos avalistas da sociedade "HH - VIAGENS E TURISMO, S.A./I (a saber:

AA e mulher BB, GG, FF, CC e DD, lhe foram entregues as seguintes importâncias:-

- Mediante cheque n.º 73…04, datado de 04.06.2004, sacado sobre o Banco PP, pelo avalista FF foi efectuado o pagamento da importância de 6.500,00 € (seis mil e quinhentos euros);

- Mediante cheque n.º 94…23, datado de 04.06.2004, sacado sobre o Banco QQ, pelo avalista GG foi efectuado o pagamento de 34.916,00 € (trinta e quatro mil, novecentos e dezasseis euros);

- Mediante ordem de transferência bancária datada de 17.06.2004, transferência essa da conta n.° 217…0, titulada na Agência da … da Caixa JJ, pelos avalistas AA e mulher BB foi efectuado o pagamento da importância de 84.779,87 € (oitenta e quatro mil, setecentos e setenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos);

- Através de cheque n.° 170…9, datado de 03.10.2007, sacado sobre o Banco PP, pelo avalista GG foi efectuado o pagamento da importância de 10.000,00 € (dez mil euros);

- Através de cheque n.º 08…0, datado de 03.10.2007, sacado sobre o Banco PP, pelo avalista GG foi efectuado o pagamento da importância de 2.715,01 € (dois mil, setecentos e quinze euros e um cêntimo);

- Através de cheque n.º 17…4, datado de 03.10.2007, sacado sobre o Banco Comercial Português, pelos avalistas AA e mulher BB foi efectuado o pagamento da importância de 12.871,25 € (doze mil, oitocentos e setenta e um euros e vinte e cinco cêntimos);

- Através de cheque n. ° 45…0, datado de 3 0.09.2007, sacado sobre o Banco RR, pelo avalista FF foi efectuado o pagamento da importância de 6.200,00 € (seis mil e duzentos euros).

Mais se declara que as supra identificadas verbas entregues pelos avalistas, que totalizam a importância de 157.982,13 €, adicionadas do quantitativo de 369.093,27 €, relativo à verba atribuída à Caixa JJ em sede da acção falimentar da sociedade avalizada "HH - VIAGENS E TURISMO, S.A.", perfazem a importância de 527.075,40 € fixada pela Caixa JJ como necessária para a exoneração da responsabilidade dos avalistas pelas dívidas daquela empresa, pelo que, relativamente a tal responsabilidade, se declara, também, que nada mais é devido pelos mesmos à Caixa JJ. (S)

27 - Os AA. Efectuaram o pagamento da quantia de € 84.779,87 à Caixa JJ (10º);

28 – Dos Documentos juntos a fls. 28 e 29 decorre que o pagamento de € 12.871,25 referido em 26 resultou de uma contraproposta negocial do próprio Banco a que os AA terão parcialmente correspondido (25º);

29 - Tal contraproposta teve origem numa proposta dos AA. (26º);

30 - Os RR. não procederam ao pagamento de qualquer montante (9º e 20º);

31 - O 2º R. era o Director Financeiro e Administrador da HH (15º);

32 - Não lhe sendo conhecida outra actividade profissional (16º);

33 - O impresso de livrança junto por cópia como documento 3 à petição inicial não chegou a ser preenchido pela Caixa JJ (29º).


Destes factos não resulta a constituição válida de qualquer obrigação de pagamento pelos réus, porquanto a mera aposição das respectivas assinaturas como avalistas no escrito livrança é insuficiente. Por isso, a subscritora e os avalistas autorizaram o banco credor a completar o preenchimento do mesmo, nomeadamente, com menção do montante em dívida e data de vencimento.

Reafirma-se que sem o preenchimento da livrança pela credora Caixa JJ, nos termos estipulados no pacto de preenchimento, não existe título crédito e, consequentemente, aval cambiário.

Logo, não existe obrigação validamente constituída.

O pagamento efectuado pelos autores e outros avalistas, que não os réus nesta acção, consubstancia um empobrecimento dos mesmos, mas desse pagamento não resultou o correlativo enriquecimento dos réus.

Estes foram alheios às negociações levadas a cabo com a Caixa JJ e, não obstante, essas negociações tivessem logrado alcançar uma redução do montante que a Caixa JJ teria ainda direito a receber após dedução dos pagamentos que obteve no âmbito do processo de falência da HH, o certo é que não é possível imputar aos réus qualquer obrigação pelo pagamento da quantia em dívida pela apontada razão de a livrança não poder valer como título de crédito.

Segundo as instâncias, «os Autores anteciparam um pagamento que teria de ser feito pelos Réus, de forma mais gravosa com mais juros, no caso de preenchimento previsível da livrança e seu accionamento».

Não sabemos se assim seria. Não pode excluir-se a possibilidade de os réus, uma vez preenchida a livrança, lograrem alcançar, também eles, um acordo de pagamento tão ou mais vantajoso ou de terem, eventualmente, fundamentos para deduzir oposição eficaz no caso de serem accionados com base naquela.

Temos, assim, por afastado o necessário enriquecimento dos réus para que a acção pudesse triunfar com fundamento no instituo do enriquecimento sem causa.

Fica, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pelos recorrentes (artigo 608º nº 2 do Código Civil).


Neste contexto, não dispondo os autos de elementos que permitam saber qual o valor que, do montante global pago pelos autores, corresponde à obrigação emergente da fiança prestada no âmbito da garantia bancária, terá de relegar-se a sua quantificação para momento ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º nº 2 do Código de Processo Civil, sendo a responsabilidade de cada um dos réus correspondente a um sexto do valor que vier a apurar-se.

Não serão levados em linha de conta os montantes já pagos pelos réus e demais fiadores porque respeitantes à globalidade da dívida acordada com a Caixa JJ.

Sobre a quantia que vier a ser determinada incidirão juros à taxa supletiva legal aplicável desde a data da liquidação até pagamento.


III. Decisão:


Termos em que se acorda no Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcialmente a revista e, julgando a acção parcialmente procedente, condenar cada um dos réus a pagar aos autores o montante correspondente a um sexto da quantia que vier a liquidar-se ulteriormente como tendo sido paga pelos autores com referência à garantia bancária prestada, que não poderá exceder o valor do pedido formulado na acção, acrescida de juros à taxa supletiva legal desde a data da liquidação até pagamento, absolvendo-os do mais pedido.

Custas por recorrentes e recorridos na proporção do respectivo decaimento, que se fixa, provisoriamente, em 50%.


Lisboa, 25 de Maio de 2017


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Nunes Ribeiro

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[1] Este ponto de facto, cuja redacção era:Em consequência do referido em 22 e 27, a livrança (junta como como doc. nº 3 com a petição inicial), não chegou a ser preenchida pela Caixa JJ” foi corrigido em conformidade com o decidido no acórdão recorrido, no âmbito da apreciação da impugnação da decisão fáctica (cfr. fls. 780 e 781).