Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
74/19.0T8MTS.P1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 01/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I- Existe contradição entre acórdãos que fundamenta a admissibilidade do recurso de revista excecional quando, na interpretação da cláusula 136.º do ACT do sector Bancário, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 3 de 22/01/2011 e para cálculo da parte da pensão paga pelo Centro Nacional de Pensões que é devida á Ré pelo Autor, um dos acórdãos (o acórdão fundamento) atende apenas ao fator tempo, ao passo que o outro (o Acórdão recorrido) atende também ao valor das retribuições efetuadas naquele período.
II- Havendo contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento e não tendo sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência conforme com o acórdão recorrido, há que admitir a revista excecional.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 74/19.0T8MTS-P1.S2 (revista excecional)

Acordam na formação prevista no artigo 672.º, n.º 3 do Código do Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Caixa Económica Montepio Geral, veio interpor recurso de revista excecional com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código do Processo Civil (aplicável por força do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 81.º n.º 6 do Código do Processo de Trabalho).

A Exma. Conselheira Relatora neste Tribunal proferiu já decisão no sentido de estarem reunidos os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de revista.

Havendo, como o próprio Recorrente reconhece no seu recurso, “dupla conformidade” esta Formação tem apenas que pronunciar-se sobre os pressupostos especiais previstos no n.º 1 do artigo 672.º do CPC para a admissibilidade da revista excecional.

O Recorrente invocou apenas o fundamento previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º, ou seja, a contradição entre o Acórdão recorrido e um outro Acórdão (no caso vertente proferido pelo mesmo Tribunal da Relação, o Tribunal da Relação do Porto) incidindo sobre a mesma questão e no domínio da mesma legislação.

O Recorrente indicou com precisão o Acórdão fundamento – trata-se do Acórdão proferido a 10/10/2016 pelo Tribunal da Relação do Porto no processo n.º 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado. Assim, ainda que no recurso se refiram outros Acórdãos (designadamente um Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 25/09/2017) atender-se-á apenas ao Acórdão fundamento para aferir da existência, ou não, da alegada contradição.

Para o Recorrente, “a interpretação preconizada pelo douto Acórdão recorrido olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40)” (Conclusão n.º 22) e “em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP” (Conclusão n.º 23), tendo sido este último o entendimento do Acórdão fundamento (Conclusão n.º 24).

Destarte, Acórdão recorrido e Acórdão fundamento terão dado resposta oposta à mesma questão respeitante à interpretação da referida cláusula 136.ª do ACT aplicável.

Na sua Resposta o Recorrido, AA, sustentou a inadmissibilidade desta revista excecional, afirmando, a propósito, o seguinte:

“(…) Considera-se que o acórdão-fundamento está manifestamente desatualizado face à profusão de decisões dos Tribunais Superiores que lhe sucederam, quer no tempo, quer nas decisões que são diametralmente opostas à que conclui o mesmo. Mas mais. O acórdão-fundamento, proferido em 10/10/2016, foi subscrito pelos Venerandos Desembargadores BB, CC e DD. Ora, o acórdão em crise nos presentes autos, prolatado a 22/06/2020, teve como Relatora a Veneranda Desembargadora EE, o mesmo (subscritor do acórdão-fundamento) Venerando Desembargador BB como 1.º Adjunto; e a mesma (subscritora do acórdão-fundamento) Veneranda Desembargadora CC como 2.ª Adjunta, que por unanimidade e sem voto de vencido reviram em 2020 a posição assumida em 2016 no acórdão-fundamento, alterando a sua posição e aderindo à tese que brilhantemente é caucionada pelos arestos dos presentes autos e que é sustentada pelo Recorrido.

Esta alteração de posição dos Venerandos Desembargadores citados esvazia de dimensão pragmática a revista excecional, na medida em que dois dos seus três autores inverteram o seu entendimento, limitando de forma impressiva a pertinência do mesmo e, por maioria de razão, a admissão do recurso.

Nesta medida, considera ainda o Recorrido que se deverá aplicar o entendimento preconizado no Acórdão do STJ datado de 09/09/2020, no processo registado sob o n.º 416/19.9T8CTB.C1.S2, onde foi Relator o Colendo Conselheiro Leones Dantas, e Adjuntos os Colendos Conselheiros Júlio Gomes e Chambel Mourisco os quais, a propósito do preenchimento dos requisitos previstos no art. 672/1/al a) do CPC, formularam a seguinte fundamentação e conclusão (fls. 14 e 15):

“Está em causa, como se referiu, a interpretação de uma específica cláusula do instrumento de regulamentação coletiva aplicável, pretendendo o recorrente encontrar apoio nos dispositivos relativos ao cálculo das pensões atribuídas pela Segurança Social para suportar a sua posição relativamente ao valor da pensão correspondente ao tempo de atividade bancária que pretende descontar na pensão que paga ao Autor.

Sem pôr em dúvida que o regime da Segurança Social dos trabalhadores bancários tem motivado inúmeros litígios e múltiplas pronúncias deste Tribunal, nem por isso se aceita que a intervenção do STJ na apreciação deste caso possa contribuir para uma melhoria da aplicação do Direito e que a decisão a proferir, se o recurso fosse admitido teria uma dimensão pragmática e relevante em termos de futuro, a justificar nesse caso a admissão do recurso.
São várias, de facto, as pronúncias deste Tribunal sobre a interpretação da mencionada cláusula dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho dos trabalhadores bancários, todas elas dominadas pelas particularidades dos casos, o que lhes retira dimensão pragmática.

O litígio não tem, desse modo, dimensão que justifique a admissão da revista”

Cumpre apreciar.

No Acórdão recorrido pode ler-se:

“Quanto àquela que tem sido a posição da Jurisprudência, cumpre aqui referir ter esta secção se pronunciado já em diversos acórdãos, no mesmo sentido daquele que é defendido na sentença recorrida: de 14.03.2016 (Relator Desembargador FF), 24.01.2018 (Relatora Desembargadora GG, subscrito também pelo aqui 1º Adjunto que aí consignou “revendo posição tendo em conta a posição do STJ no Ac. de 06.12.2016”, tendo o mesmo relatado anteriormente o Acórdão de 10.10.2016, parcialmente transcrito pela Apelante nas Alegações do presente recurso). Ainda no mesmo sentido, se pronunciou a Relação de Lisboa, no Acórdão de 24.02.2010 (Relatora Desembargadora HH). E também no mesmo sentido se tem vindo a pronunciar o STJ nos Acórdãos de 27.10.2010, de 06.12.2016 (o qual confirmou o referido Acórdão desta secção de 14.03.2016), de 22.02.2018 (o qual revogou o Acórdão da Relação de Lisboa de 25.09.2017 referenciado pela Apelante) e de 12.07.2018 (o qual confirmou o referido Acórdão desta secção de 24.01.2018)”.

O Acórdão recorrido transcreveu passagens de vários Acórdãos deste Tribunal, designadamente do Acórdão proferido a de 27 de outubro de 2010, no processo n.º 1889/06.5TTLSB.L1.S1, no qual se afirmou que:

“Nem a Lei, nem o Acordo Coletivo de Trabalho em causa, exigem que se pondere no desconto a realizar não só o “fator tempo” como também o “fator das contribuições efetuadas”.

As expressões utilizadas na cláusula 136.ª “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.

Na verdade, todos os fatores em causa já foram considerados no cálculo de valor da pensão por parte do Centro Nacional de Pensões, pelo que, independentemente do peso que as contribuições efetuadas pelo exercício da atividade bancária relativas ao período de 01/01/2011 até 2015 possam ter tido no cálculo do valor da pensão de reforma atribuída ao autor, afigura-se-nos que a ré só tem direito a compensar na pensão de reforma que lhe é paga nos termos do ACT a parte proporcional da pensão da segurança social que corresponde ao período em que o trabalhador exerceu funções no sector bancário com descontos para a Segurança Social, pois só aí existe uma sobreposição das prestações por serem da mesma natureza” (negritos e sublinhados no original).

Em suma, o Acórdão recorrido considerou apenas o tempo e não valor relativo das contribuições efetuadas.

Já o Acórdão fundamento afirma expressamente (f. 18) que “resulta das regras de cálculo das pensões por velhice, estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10 de maio que a pensão estatutária é apurada tendo em consideração os fatores “tempo” e “retributivo”, fatores esses considerados no cálculo da pensão reportada no período de dois anos e sete meses, em que o autor esteve integrado no regime da segurança social por força do disposto no Decreto-Lei n.º 1-A/2011” (sublinhado nosso)

Existe, assim, efetivamente, uma contradição entre Acórdão recorrido e Acórdão fundamento quanto à mesma questão de Direito. E, como já se disse, esse é o único fundamento invocado para a presente revista excecional – a contradição de Acórdãos. Acresce que a circunstância de o Acórdão recorrido corresponder à jurisprudência que tem sido reiteradamente proferida, em tempo recente, por este Tribunal não é de molde a afastar a admissibilidade da revista excecional com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.ª do CPC, a qual se basta com a existência da referida contradição.

Decisão: Acorda-se em admitir a presente revista excecional

Custas a fixar a final.

Transitado, remetam-se os autos à distribuição, nos termos do Provimento n.º 23/2019, de S. Ex.ª, o Presidente deste Tribunal

27 de janeiro de 2021

Para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020 de 1 de maio) consigna-se que o Ex.mo Conselheiro Joaquim António Chambel Mourisco e a Ex.ma Conselheira Maria Paula Sá Fernandes votaram em conformidade, sendo o Acórdão assinado apenas pelo Relator.

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)