Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
103-H/2000.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/20/2010
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Referência de Publicação: DR Iª SÉRIE, 36, 22-02-2010, PÁG. 494 - 500
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :
Fora dos casos previstos no artigo 688.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º303/2007, de 24.9), apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá admiti-lo como requerimento para a conferência prevista no artigo 700.º, n.º 3 daquele código.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

I –
Em processo de recuperação de empresa, foi proferida, no Tribunal Judicial de Alcanena, sentença que decretou a falência de AA, Lda e nela foi fixado o prazo para a reclamação de créditos.
Entre muitos outros, reclamou o Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Santarém (doravante apenas “Instituto”).
O crédito deste – no valor de € 1.042.546,12 – foi reconhecido.
E graduado:
Com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo, no que respeita ao montante correspondente à venda dos imóveis sobre os quais incide hipoteca a seu favor;
Como crédito comum na parte em que extravasa tal montante.
II –
Apelou o Instituto.
No Tribunal da Relação de Coimbra, o Senhor Desembargador relator proferiu decisão sumária, nos termos do artigo 705.º do Código de Processo Civil, concedendo parcial provimento ao recurso.
III –
Apresentou, então, o Instituto requerimento referindo que:
“Não se conformando com o douto acórdão de fl.s…, na parte em que não deu atendimento à apelação, do mesmo pretende interpor recurso de revista com fundamento, nomeadamente, em erro de interpretação da lei substantiva, ao abrigo do disposto no artigo 721.º do CPC.
E porque o recurso é o próprio e tempestivo, se requer a V.Ex.ª se digne admiti-lo.”
IV –
O Sr. Desembargador lavrou despacho do seguinte teor:
“Porque está em causa uma decisão sumária (v. folhas 170/181) e destas não se recorre, reclama-se, nos termos do artigo 700.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, não admito o recurso pretendido interpor.
Notifique.”
V –
Reagiu o Instituto com o requerimento de folhas 324:
“Instituto…, vem reclamar pelo facto de não ter sido convertido o seu requerimento de recurso em reclamação para a conferência, nos termos do artigo 700.º, n.º3.
Assim, requer a conversão legal do seu requerimento de recurso em reclamação para a conferência por analogia com o disposto no artigo 687.º, n.º3 do CPC, em “homenagem aos princípios da adequação formal, material e de economia processual (neste sentido Ac. STJ, de 2.12.1998 : BMJ, 482-172 e AD, 449.º-710).”
VI –
Paralelamente, para a hipótese de indeferimento, reclamou da não admissão do recurso para o Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Esta reclamação não foi conhecida por despacho do Ex.mo Vice-Presidente, com o entendimento de que não era caso de reclamação para o Presidente do Tribunal Superior.
VII –
O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, entretanto, em conferência, “confirmar o entendimento implícito no despacho do relator, proferido a folhas 293, no sentido de não convolar o recurso interposto para reclamação nos termos do artigo 700.º, n.º3.”
VIII –
É desta decisão que traz a parte o presente agravo.
Conclui as alegações do seguinte modo:
- Foi apresentado requerimento pelo Centro Distrital de Santarém do Instituto da Segurança Social, para ser submetido à Conferência, o qual requeria que fosse proferida decisão que convertesse o requerimento de interposição de recurso para a relação, em reclamação para a Conferência nos termos do artigo 700.º n.º 3 do CPC, proferindo-se o necessário acórdão.
- A conferência, em acórdão proferido em 26 de Maio de 2009, entendeu confirmar o entendimento implícito no despacho do relator em decisão sumária a fls. 293, por considerar não ser possível a convolação de uma indevida interposição de recurso de uma decisão sumária em reclamação para a conferência.
- Ora é desta decisão que discordamos, pois consideramos que não se trata de inadequação de meio processual, mas sim de erro no meio processual, sendo susceptível de proceder-se à convolação do recurso em reclamação para a conferência.
- Assim, o erro na apresentação do recurso do despacho do relator deveria ser corrigido, não havendo razão para o fundamento de que tal não poderia acontecer, em virtude da tramitação do recurso ser substancialmente distinta daquela prevista para a reclamação para a conferência.
- Neste sentido, deverá proceder-se à aplicação analógica, do disposto no artigo 688.º n.º 5, de acordo com os artigos 199.º n.º1, 687.º n.º3 e 702.º n.º1 do CPC, e atento o disposto no artigo 10.º n.º2 do Código Civil, e convolar-se o recurso em reclamação para a conferência.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão sumária e o Acórdão da conferência da Relação de Coimbra serem revogados e em consequência que o requerimento de interposição de recurso prossiga a tramitação própria da reclamação para a conferência.
Não houve contra-alegações.
IX –
Tendo em conta a tramitação processual supra descrita – que serve de base factual à presente decisão - cifra-se a discussão na questão de saber se:
Apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator (“in casu”, a decisão sumária a que se reporta o artigo 705.º), este deverá convolá-lo para requerimento para a conferência, indeferi-lo ou convidar a parte a esclarecê-lo.
X –
Por proposta do relator, o Ex.mo Presidente deste Supremo Tribunal determinou que se procedesse a julgamento com intervenção do Plenário das secções cíveis.
XI –
Na sequência da tramitação assim determinada, pronunciou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal.
Defendeu a uniformização de jurisprudência nos seguintes termos:
“Apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, este deverá convolar o meio processual erroneamente utilizado em requerimento para a conferência, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, nele indo implicada a prevalência do fundo sobre a forma e por aplicação analógica da norma constante do artigo 668.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24.8).
XII –
Quer a acção que referimos em I, quer a reclamação de créditos, vieram a lume antes de 1.1.2008. Assim, nos termos dos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º303/2007, de 24.8, dúvidas não se levantam de que não é aplicável a reforma introduzida por este, devendo entender-se os preceitos que se vão citar sem menção de inserção como reportados à redacção anterior do Código de Processo Civil.
XIII –
A questão que enunciámos em IX conduz-nos de imediato ao n.º3 do artigo 700.º, assim redigido:
Salvo o disposto no artigo 688.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.
XIV –
Há, então, que distinguir, de entre os despachos do relator:
Por um lado, os que não admitam a apelação, a revista ou o agravo, ou que retenham o recurso – com a precisão que se vai referir a propósito deste caso – ou, ainda, que sejam de mero expediente;
Por outro, os demais.
Daqueles, os primeiros podem ser objecto de reclamação, nos termos do artigo 688.º, para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso; os de mero expediente não podem ser impugnados.
No nosso caso, foi, formalmente, denegada a admissão da revista, mas o que estava, verdadeiramente, em causa era a apreciação, ou não, da decisão sumária pela conferência e não pelo tribunal que seria competente para conhecer do recurso, pelo que, como decidiu o Ex.mo Vice-Presidente, estamos fora deste artigo 688.º.
XV -
No que concerne aos demais, levanta-se, primeiro, a questão de saber se a decisão tomada nos termos do artigo 705.º, neles se integra ou constitui, para estes efeitos, uma realidade autónoma.
Este preceito alude a “decisão sumária” e, numa primeira análise, poder-se-ia colocar a dicotomia entre:
Despachos do relator;
Decisões sumárias deste, tomadas nos termos daquele artigo.
Aos primeiros seria de aplicar o regime do n.º3 do artigo 700.º e a decisões sumárias podiam ser impugnadas imediatamente por via do recurso.
O artigo 156.º, n.º2 define sentença como “o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa”, para, na epígrafe do artigo seguinte, contrapor “sentença” a “despacho”.
O artigo 676.º, n.º1 refere que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”
Sendo certo que, no artigo 705.º, ou em qualquer outro, se ignorou previsão específica relativamente à impugnação da figura que o preceito criou.
Estes argumentos apontariam para a autonomia do regime de impugnação destas decisões, mas cedem, manifestamente, perante outros.
O primeiro emerge do teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, quando refere que:
“No que respeita ao julgamento do recurso, amplia-se muito significativamente o elenco das competências atribuídas ao relator, permitindo-lhe inclusivamente julgar, singular e liminarmente, o objecto do recurso, nos casos de manifesta improcedência ou de o mesmo versar sobre questões simples e já repetidamente apreciadas na jurisprudência. Pretende-se com tal faculdade, dispensar a intervenção – na prática em muitos casos puramente formal – da conferência na resolução de questões que podem perfeitamente ser decididas singularmente pelo relator, ficando os direitos das partes acautelados pela possibilidade de reclamarem para a conferência da decisão proferida pelo relator.”
Está aqui o pensamento legislativo a que alude o artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, cujo mínimo de correspondência nos textos legais se pode encontrar precisamente naquele artigo 700.º, n.º3.
Ademais, nos casos em que não há recurso – como, por regra, das decisões do Supremo Tribunal de Justiça, ou das Relações em que este não é admissível – a negação da conferência deixaria as partes num acolhimento forçado duma decisão singular quando a colegialidade enforma, por regra, o conhecimento dos recursos.
Não vemos, pois, razões decisivas para autonomizarmos as decisões sumárias tomadas nos termos do artigo 705.º, dentro da segunda das categorias que deixámos referidas no número anterior.
XVI -
Perante uma decisão englobada por esta segunda categoria, se a parte interpuser recurso, abrem-se, ao relator, três hipóteses:
Ou convola o requerimento para requerimento para a conferência;
Ou o indefere;
Ou convida a requerente a, tendo em conta o regime daquele n.º3 do artigo 700.º, dizer o que entender.
XVII – 1
Já vem de longe o regime do artigo 199.º, respeitante ao erro na forma de processo. O processo não naufraga, antes devendo “observar-se fielmente o princípio da boa economia processual” (A. dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, I, 310), ou seja, devendo aproveitar-se os actos que puderem ser aproveitados e “devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida por lei.”
Entretanto, visando, no essencial, a eficiência e celeridade, há muito reclamadas pela comunidade e só sofrivelmente conseguidas, o processo civil tem, entre nós, sofrido profundas e sucessivas alterações.
Do mesmo passo que se prosseguem aqueles objectivos, vêm-se sucedendo alterações das bases ideológicas do processo, com implementação dum regime “submetido ao activismo judiciário”, cujas linhas essenciais Teixeira de Sousa enumera, incluindo nelas a possibilidade de afastamento ou adaptação das regras processuais “quando não se mostrem idóneas para a justa composição do litígio.” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 59).
Na evolução dessas bases ideológicas, o legislador, delineou, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, o que chama as “linhas mestras de um modelo de processo”, entre as quais as que aqui nos importam:
“Distinção entre o conjunto de princípios e de regras, que, axiologicamente relevantes, marcam a garantia do respeito pelos valores fundamentais típicos do processo civil, e aquele outro conjunto de regras, de natureza mais instrumental, que definem o funcionamento do sistema processual.”
“Garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado pela previsão do princípio de cooperação, por uma participação mais activa das partes no processo de formação da decisão.”
Surgiram, assim, os princípios da adequação formal (artigo 265.º A) – que o próprio legislador refere, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25.11, ser a “expressão do carácter funcional e instrumental da tramitação relativamente à realização do fim essencial do processo” -, o princípio da cooperação (artigo 266.º) e a imposição ao juiz relativa ao suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação (artigo 265.º, n.º2).
Temos aqui todo um “pano de fundo”, vindo de longe, mas particularmente intensificado com a reforma de 1995-1996, caracterizado pela elasticidade do regime processual em benefício da justa composição do litígio. A lei processual civil não constitui um fim em si mesma, devendo antes ser encarada, tendo precisamente em conta o seu papel adjectivo. O fim disciplinador que ela também encerra deve ser confinado àquela finalidade.
XVII - 2
Neste quadro, compreende-se bem o teor, quer do n.º3, 2.ª parte, do artigo 687.º, quer do n.º5 do artigo 688.º. O primeiro, vindo, aliás, já do antigo artigo 688.º, deixava e deixa de fora a questão de saber o que fazer, no caso não de a parte indicar erradamente a espécie de recurso, mas de omitir tal referência. E já A. dos Reis, na apreciação de tal questão, referia que:
“Se o tribunal tem de sobrepor-se ao recorrente, substituindo ao recurso interposto aquele que no caso couber, não se compreende que haja de indeferir pelo facto de o recorrente ter deixado de apontar a espécie. Mais grave que a falta de indicação é a indicação errada. Se a actividade oficiosa do tribunal se exerce no sentido de corrigir o erro, com mais razão deve exercer-se no sentido de suprir a falta.”(Código de Processo Civil Anotado, V, 335).
Por sua vez, o n.º5 do artigo 688.º veio a lume com o a reforma de 1996-96 e consagra entendimento que já fora assumido por este Tribunal, no Acórdão de 26.11.1996 (BMJ, 461, 379), com o argumento-base de que “O formalismo processual não tem carácter rígido ou absoluto, podendo as irregularidades cometidas ser objecto, em princípio, das necessárias correcções ou adaptações, salvo nos casos em que a lei determine o contrário.”
Dispõe ele quanto à reclamação prevista no mesmo artigo. Mas tem como razão de ser a mencionada adequação processual. Esta adequação processual não deixa – como resulta do que supra expusemos – de se justificar também no caso de reclamação nos termos do artigo 700.º, n.º3.
Decerto que as reclamações correspondem a figuras distintas. Este n.º3 inicia-se pela expressão “Salvo o disposto no artigo 688.º”. Esta ressalva “tem sentido porque o Código de 1961 criou uma solução mais simples para a impugnação do despacho do relator que não admitiu um recurso ou reteve um agravo. Em vez de seguir a via normal de reclamação para a conferência, permitiu-se a impugnação imediata para o presidente do Supremo…” Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2.ª ed., 135.
Mas não se pode daí inferir que a lei pretende, no que aqui nos importa, um regime para uma das figuras e outro para outra. No que aqui nos importa, não há especificidade que leve a tal pensar. Pelo contrário, subjaz a ambas a mesma razão de ser – fundamentalmente a consagração do princípio da adequação, no contexto evolutivo do processo civil, supra descrito - e, subjazendo, está aberto e deve ser seguido o caminho da interpretação analógica, previsto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.
Interpretação analógica que ainda poderia ter lugar, perante a disposição do referido n.º3 do artigo 687.º (neste sentido, Teixeira de Sousa, ob. cit. 480) e até face ao artigo 702.º(veja-se Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 598).
Assim, se os referidos princípios gerais já apontavam, eles mesmos, fortemente, para a interpretação do n.º3 do artigo 700.º, no sentido da convolação do requerimento de recurso para requerimento para a conferência, a aplicação, por analogia, do mencionado n.º5 do artigo 688.º, ou até dos outros preceitos acabados de referir, determina-a categoricamente.
XVII – 3
Pela conversão do requerimento, pronunciaram-se Teixeira de Sousa (ob. cit., 480 e 546), Lopes do Rego, (ob. e loc. citados) e Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 233). E a maioria das decisões deste Tribunal - Acórdãos de 14.3.2000, Revista n.º 1024/99, 6.ª Secção; 15.5.2002, Incidente 4271, 4.ª Secção; 8.7.2003, Recurso n.º 2243/02, 4.ª Secção (neste o requerimento não era de recurso da decisão do relator, mas de reclamação da decisão deste para o Presidente do STJ e, entendendo-se que devia ter tido lugar reclamação para a conferência, decidiu-se dever a reclamação ser apreciada por esta); 20.11.2003, Agravo n.º 2769/03 1.ª Secção; 3.2.2005, Incidente n.º 4284/04, 2.ª Secção; 14.4.2005, Incidente n.º 4416/04, 7.ª Secção (em caso idêntico ao do Ac. de 8.7.2003); 20.9.2005, Agravo n.º1515/05, 1.ª Secção; 16.2.2006, Agravo n.º 3925/05, 7.ª Secção; 16.2.2006, Agravo n.º 346/06, 7.ª Secção; 19.12.2007, Recurso n.º 1804/07, 4.ª Secção (em caso idêntico ao do Ac. de 8.7.2003); 29.1.2008, Agravo n.º 4443/07, 6.ª Secção; 15.5.2008, Agravo n.º17/08, 7.ª secção (em caso idêntico ao do Ac. de 8.7.2003); 23.9.2008, Agravo n.º 2128/08, 7.ª Secção (em caso idêntico ao do Ac. de 8.7.2003); e 4.11.2008, Agravo n.º 3353/08, 6.ª secção.
XVIII –
Esta tomada de posição afasta, por incompatibilidade, a do indeferimento do requerimento, enunciada em XVI, e que corresponde a orientação também já assumida, ainda que minoritariamente, por este Tribunal - Acórdãos de 18.2.1999, Agravo n.º 494/98, 2.ª Secção, 27.09.2007, Revista n.º 4788/06, 2.ª Secção, 16.9.2008, Incidente n.º 1725/08, 2.º Secção e 23.9.2008, Agravo n.º 2129/08, 2.ª Secção.
XIX –
Resta a terceira das hipóteses referidas em XVI. Alguma da argumentação que expendemos supra comporta este entendimento. Mais do que o princípio da adequação, viria ao de cima o da cooperação.
Todavia, se se entende dever ser aplicado, por analogia, o regime do artigo 688.º, n.º5, que não prevê qualquer convite à parte no sentido do esclarecimento, então está excluído o convite.
E também se compreende muito bem que não esteja previsto. Decerto que as partes têm hoje uma intervenção muito acutilante no evoluir processual. Só que, há que procurar encontrar o equilíbrio entre a sua intervenção e as necessidades de celeridade. De outro modo, o processo poder-se-ia encaminhar para um emaranhado de tramitações pseudo-garantísticas, elas mesmas preclusoras da garantia a uma decisão justa em tempo razoável.
A parte, ao apresentar o requerimento de recurso, manifestou a vontade de impugnar a decisão do relator, não devendo a apresentação ser entendida como manifestação específica da vontade de ver o tribunal superior apreciá-la. Se a lei prevê a impugnação apenas para a conferência, deve ser entendido, sem mais, que a intervenção desta está contida naquela manifestação de vontade.
A terceira das hipóteses que enunciámos em XVI não é de aceitar.
XX –
Face a todo o exposto:
Concede-se provimento ao agravo, devendo o Tribunal da Relação proceder em conformidade com a jurisprudência agora uniformizada;
Uniformiza-se esta nos seguintes termos:
Fora dos casos previstos no artigo 688.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º303/2007, de 24.9), apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá admiti-lo como requerimento para a conferência prevista no artigo 700.º, n.º 3 daquele código.
Sem custas – artigo 2.º, n.º1 g) do, ainda aqui aplicável, Código das Custas Judiciais de 1996.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2010
João Bernardo (Relator) (reponderando entendimento anterior)
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Moreira Alves
Ferreira de Sousa
Santos Bernardino
Alves Velho
Moreira Camilo (vencido, subscrevendo, com a devida vénia, a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Dr. Urbano Dias)
Pires da Rosa (com a declaração que junto)
Bettencourt de Faria (revendo posição anterior)
Sousa Leite
Salreta Pereira
Custódio Montes (vencido de acordo com a declaração que junto)
Pereira da Silva (vencido, consoante declaração de voto que junto)
Rodrigues dos Santos (vencido pelas razões constantes da declaração de voto que junto)
Urbano Dias (vencido, conforme declaração de voto que junto)
João Camilo
Oliveira e Sá
Alberto Sobrinho
Oliveira Rocha (vencido, subscrevendo o voto de vencido do Exmo. Cons. Urbano Dias)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (com declaração)
Oliveira Vasconcelos
Fonseca Ramos (revendo posição anterior)
Mário Cruz (vencido nos termos da declaração de voto junta)
Cardoso de Albuquerque (vencido nos termos da declaração que antecede)
Garcia Calejo
Serra Baptista
Lázaro Faria
Hélder Roque
Salazar Casanova
Álvaro Rodrigues - Tem voto de conformidade, mas não assina por não estar presente (Luís António Noronha Nascimento)
Lopes do Rêgo
Noronha Nascimento
___________________________
Declaração de voto:

Fixado o entendimento de que a impugnação da decisão singular do Relator não passa directamente pelo recurso – o que é um dado no presente processo, mas não é o meu entendimento uma vez que persisto na ideia de que da decisão singular ( afinal uma sentença, na definição do art.156º, nº2 do CPCivil ) há recurso directo, ressalvando apenas os casos em que o Relator decide em tribunal do qual já não há recurso e, aí sim, haverá reclamação para a conferência de modo a obter-se pelo menos uma decisão colectiva – estou inteiramente de acordo com a solução encontrada no acórdão, que além do mais garante as partes até mesmo contra a divergência jurisprudencial que assumo.
Pires da Rosa
Esta minudência processual carece de estatuto, com o mínimo de dignidade, para integrar uma questão fundamental de direito, a demandar a intervenção do plenário das secções cíveis do nosso mais alto tribunal – o STJ - 732.º, 2 do CPC (actualmente, ver também o art. 763.º, 1).
Na Relação foi interposto recurso do despacho proferido pelo Relator, nos termos do art. 705.º do CPC; o Relator não admitiu o recurso e a parte reclamou para a conferência por a interposição de recurso não ter sido interpretada como reclamação para a conferência; mantido o despacho do Relator, vem interposto recurso para se decidir se, recorrendo a parte de um despacho do Relator, este o deve interpretar, não como recurso, mas como reclamação para a conferência.
Poderá o caso ser qualificado como questão fundamental de direito para que o Relator possa sugerir o julgamento alargado ?
A dúvida leva-nos a questionar, em primeiro lugar, sobre a admissibilidade da uniformização – questão fundamental de direito.
Mas mesmo que se conclua pela sua admissibilidade, parece-nos, de forma clara, que não ocorre a alegada analogia justificativa da uniformização proposta.
Isto porque a analogia “é,…, uma aplicação correspondente dum princípio ou dum complexo de princípios a casos juridicamente semelhantes” – Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de Manuel de Andrade, pág. 159 -, consistindo na aplicação desse princípio jurídico a facto não regulado.
Ora, nem o caso em apreciação é semelhante ao abrangido pelo art. 688.º, 5 do CPC - até porque o art. 700.º, 3 ressalva o disposto nesse normativo -, nem, por outro lado, há lacuna para recorrer à analogia.
Como informa Amâncio Ferreira, Manual, 8.ª ed., pág. 100, e resulta do seu próprio texto, o art. 700.º, 3 do CPC aplica-se a qualquer decisão do relator, “quer seja a que julgue sumariamente o objecto do recurso, nos termos do art. 705.º, quer a que julgue extinta a instância por causa diversa do julgamento, quer seja qualquer outra proferida no decurso da preparação do processo….”
Portanto, não há lacuna.
Por outro lado, nenhum dos princípios, invocados na decisão proposta, se verificam, quer o do dever de esclarecimento de facto ou de direito – art. 266.º, 2 do CPC, porque ao emitir a declaração de recorrer – e não reclamar - do despacho do relator, a parte é clara; nem o dever de prevenção – art. 508.º, 1, b) e 508.º-A, 1, c) por se não verificar nenhum dos casos aí previstos; nem o dever de consulta – art. 3.º, 3 do CPC – contraditório que, com a decisão proposta, é até entendido ao contrário, pela surpresa processual que causa à parte contrária; nem o dever de auxílio – art. 266.º, 4 que, no caso, não tem qualquer justificação.
A parte, ao interpor recurso da decisão singular do Relator foi clara e inequívoca na expressão da sua vontade: um declaratório normal colocado na posição do real declaratário não pode deduzir outra vontade que não seja essa – art. 236.º do CC – sendo, por isso, destituída de fundamento a uniformização proposta porque não tem na declaração manifestada processualmente a mínima correspondência – art. 238.º, 1 do CC.
As partes, representadas por mandatários minimamente diligentes, têm por obrigação saber que na lei se prevê expressamente que das decisões singulares na Relação só se pode reclamar para a conferência e não recorrer, o que é também atestado por toda a doutrina - ver, por todos, Amâncio Ferreira, ob. cit, pág. 101: “tenha-se sempre presente que das decisões do relator na Relação não se pode recorrer para o Supremo, por, nos tribunais superiores, o poder jurisdicional residir no órgão colegial”.
A seguir-se a uniformização proposta, isso implicará que, doravante, qualquer erro ou imprecisão das partes nas suas pretensões imponha ao tribunal uma constante insegurança no devir processual, designadamente para a parte contrária, além de desresponsabilizar totalmente as partes pelos actos processuais de que lhes cabe a iniciativa.
Julgaria, pois, improcedente o agravo, confirmando a decisão recorrida; a uniformizar jurisprudência, concluiria que não é de convolar para reclamação para a conferência, o recurso interposto de uma decisão singular proferida nos termos do art. 705.º do CPC.
Custódio Montes

DECLARAÇÃO DE VOTO
*
1. Vencido.
Negaria provimento ao agravo, confirmando, consequentemente, a decisão impugnada, com sugestão da seguinte fórmula para o acórdão uniformizador:
“Fora dos casos contemplados no art. 688.º n.º 1 do C.P.C. (redacção anterior à dada pelo art. 1.º do D.L. n.º 303/2007, de 24 de Agosto), apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, é-lhe defeso tal meio impugnatório convolar em reclamação para a conferência prevista no art. 700.º n.º 3 de tal Código”.
2. A tese que perfilhamos abona-se no expendido em acórdãos de 08-09-16 e 08-09-23, com relato nosso, sem qualquer declaração de voto, disponíveis in www.dgsi.pt (Proc.ºs n.ºs 08B1725 e 08B2129), ora se reafirmando, à guisa de síntese, que:
a) Não estamos ante hipótese de erro na espécie de recurso instalado, cabido, por mor de tal, não sendo fazer jogar o plasmado no 2.º período do n.º 3 do art. 687.º do C.P.C. (redacção vigente até 07-12-31, a considerar, não olvidado o prescrito nos art.ºs 11.º n.º 1 e 12.º n.º 1 do D.L. n.º 303/2007, de 24 de Agosto) em prol do entendimento que fez vencimento.
A lei fulmina, sim, com o indeferimento, o requerimento de interposição de recurso de decisão que aquele não admite (1.º período do último comando legal chamado à colação), como ocorre, “in casu”.
b) A norma do art. 688.º n.º 5 do C.P.C., introduzida pela RPC95-96, como sustenta Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª Edição págs. 98 a 99, nota 192, “… reveste carácter excepcional, atento o local em que foi incluída e os termos em que se encontra redigida.
Mas, mesmo que se entenda ser passível de interpretação extensiva, de harmonia com o que se dispõe no art. 11.º do CC, o princípio da permuta ou da fungibilidade que contempla não pode desrespeitar o seu espírito.
E este apenas abrange os meios de impugnação devolutivos, ou sejam, os submetidos à apreciação de órgãos hierarquicamente superiores e não afectos ao conhecimento e resolução do órgão jurisdicional que proferiu a decisão questionada, indevidamente interpostos para um órgão superior»
Lisboa, 20 de Janeiro de 2010
Pereira da Silva

Voto vencido por entender que a proposta poderá, pelo menos, ter dois efeitos perversos fundamentais, a saber: o de ofensa aos princípios de segurança e certeza do direito e o da igualdade de armas por banda das partes em litígio, posição que já defendi, intervindo como adjunto nos acórdãos citados no projecto.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2010
Rodrigues dos Santos

Resulta claramente do disposto nos artigos 678º, nº 4, e 732º, nº 2, do Código de Processo Civil que o Plenário só deve ser convocado para firmar jurisprudência uniforme, quando, inter alia, esteja em causa uma questão fundamental de direito.
Saber se o recurso indevidamente interposto, para o Supremo Tribunal de Justiça, da decisão do relator, proferida no âmbito das competências conferidas pelos artigos 705º e 700º, nº 1, alínea g), ambas daquele mesmo diploma adjectivo, deve ser, ex officio, convolado para reclamação a levar à Conferência, é questão que, seguramente, não estava, nem está, nas cogitações do legislador quando delimitou o campo de cognição das nobres atribuições do Plenário, e que, caso a questão lhe fosse posta, a rejeitaria sem mais.
Pela nossa parte, respeitando, como teremos e deveremos respeitar a opinião contrária, entendemos que o Plenário não devia ter sido convocado a resolver esta questão (menor) da (in) admissibilidade da convolação pretendida (de recurso não admissível para o Supremo Tribunal para reclamação para a Conferência), dado que a mesma não entra sequer, tanto quanto pensamos, no elenco das questões substanciais e fulcrais que constituem o âmago do processo civil.
Isto posto, certo que teria de ser dito, como resultado da ponderação a que chegamos, e em homenagem à nossa convicção, é altura de nos debruçarmos, minimamente (tanto quanto o assunto o possa merecer), sobre a questão de fundo.
Antolha-se-nos como importante deixar, desde logo, uma nota dirigida ao próprio legislador: ele sabe o que quer e tem todos os meios ao seu alcance para o dizer (haja em vista as chamadas normas interpretativas), não cabendo na missão do julgador imiscuir-se na sua função. Queremos tão-somente lembrar que, se fosse intenção do legislador consagrar a pretendida convolação, certamente que ele, de forma expressa e clara, o teria dito. Referimo-nos, em particular, ao preceituado no artigo 688º, nº 5, do Código de Processo Civil (redacção anterior à Reforma de 2007, e aqui aplicável, atenta a temporalidade dos factos em apreciação): aqui o legislador disse, com precisão, que, se a parte, em vez de reclamar (para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça), impugnar por meio de recurso (para o Supremo Tribunal de Justiça), mandar-se-á seguir os termos próprios da reclamação.
Repare-se que este caso nada tem a ver com o que é objecto do presente recurso. Compreende-se bem este admitido regime de convolação: estamos, ao cabo e ao resto, perante uma impugnação de uma decisão apresentada a um tribunal superior (recurso de queixa se chama, ainda hoje, em Espanha, à reclamação para o Tribunal superior, pelo que nos informa Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª edição, página 88, nota 179. Este recurso de queixa teve, também, consagração no artigo 689º do Código de Processo Civil de 1939).
Note-se que, a Reforma de 2007, muito embora tenha mantido o nome de reclamação à forma de impugnação do despacho de indeferimento de recurso, o certo é que, como, argutamente, nota Armindo Ribeiro Mendes, “esta reclamação passa a ser um verdadeiro recurso porque é uma impugnação dirigida ao tribunal com competência para conhecer do recurso, se este tivesse sido admitido” (Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, página 111).
E, por isso mesmo, a excepcional convolação, até então admitida pelo nº 5 do artigo 688º citado, deixou de fazer parte do texto legal, mui embora, como observam com percurciente perspicácia J. F. Salazar Casanova e Nuno Salazar Casanova, se deva “continuar a entender da mesma forma, determinando-se que suba como reclamação ao tribunal superior o indevidamente interposto recurso desde que, como é evidente, os prazos atinentes à reclamação tenham sido observados” (Apontamentos Sobre a Reforma dos Recursos, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, I, Janeiro de 2008, página 79).
Igual é o entendimento de Luís Correia Mendonça e Henrique Antunes, face ao regime saído da última Reforma: “a reclamação contra o despacho de indeferimento de interposição do recurso não é apenas recurso – mas um recurso puro” (Dos Recursos, página 217).
Faz, todo o sentido, que assim seja: só por formalismos exagerados ou conceptualismos ultrapassados, hoje unanimemente afastados, se poderia defender o contrário.
Precisamente dentro desta ideia (correctiva, de pura adequação) se compreende o preceituado no artigo 687º, nº 3, parte final (admissibilidade da alteração da espécie do recurso).
Fora deste quadro, voluntariamente consagrado pelo legislador, e que, perante o mesmo, o julgador não pode desobedecer, sob pena de grave violação dos seus deveres, mais nenhuma outro caso se nos afigura como sendo permitido, nomeadamente o presente.
Convocar, aqui e agora, a analogia, como o faz a tese vencedora, é algo que, com o devido respeito, se nos afigura despropositado e inadequado, pois reclamação e recurso são figuras jurídicas diferentes e vocacionadas para distintas finalidades: com a primeira pretende-se obter a revisão, pelo mesmo órgão judicial, da decisão proferida; a segunda visa a apreciação de uma decisão, por um tribunal hierarquicamente superior.
Saber da vontade efectiva da parte recorrente no preciso momento em que, indevida e incorrectamente, declarou pretender interpor recurso da decisão (sumária) do relator, no âmbito das competências atribuídas pelos artigos 700º, nº 1, alínea g), e 705º, ambos do Código de Processo Civil, para este Supremo Tribunal de Justiça é questão que se insere, necessariamente, na dogmática da interpretação dos actos postulativos.
Aderindo à proposta, profunda e complexa, de Paula Costa e Silva, de não aceitação do dogma da vontade na interpretação do acto postulativo, não podemos deixar de classificar aquele acto do recorrente como sendo um acto jurídico unilateral e formal, dirigido ao desembargador-relator (e em relação ao qual a parte contrária não é, nem pode ser alheia), através do qual manifestou a sua vontade de impugnar aquela decisão, por via de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.
À míngua de mais elementos relativos à interpretação de tal acto (só, a posteriori, perante a tomada de posição do relator (de indeferimento), é que a parte se lembrou da figura da reclamação para a Conferência (pelo meio ficou a reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça); fora esta realidade fáctica, nada mais foi vazado em favor da interpretação desejada), não podia o juiz, ao conhecer o seu teor, deixar de atribuir à declaração o que, objectivamente, dela consta, atenta a natureza formal de tal acto postulativo: é que o acto não pode prevalecer relativamente ao tribunal com um sentido que não encontra apoio mínimo na forma (“Acto e Processo, páginas 361 a 451).
Não podemos deixar de notar que, no concreto, releva com particular acuidade o facto de o acto ter sido produzido através de mandatário judicial e de os destinatários (juiz e parte contrária) serem, outrossim, participantes no tráfego processual, o que nos obriga a concluir que o declarante sabia (ou tinha obrigação de saber) o que queria dizer. Por outro lado, eadem ratio, os outros dois naturais declaratários apenas podiam captar outro sentido que não o vertido no papel.
No caso em apreciação, como dito, a parte discordante começou por recorrer da decisão sumária do juiz relator, reclamou, de seguida para o Presidente deste Supremo Tribunal e, agora, pretende obter a revogação do julgado pela Relação: eis, pois, um bom quadro factual que nos permite dizer, sem tibiezas, que a parte não sabe o que quer.
Prova provada, mais uma, de que nada justifica a convolação pretendida.
Estas as razões que, ditas de uma forma sinóptica, nos obrigam a votar contra a proposta que obteve vencimento. Pela nossa parte, não há razão alguma para deferir a pretendida convolação.
Compreende-se, ora, mui bem a observação de Fernando Amâncio Ferreira, a este respeito: “tenha-se sempre presente que das decisões do relator na Relação não pode recorrer-se para o Supremo, por, nos tribunais superiores, o poder jurisdicional residir no órgão colegial” (obra citada, página 95).
Conforta-nos, é importante dizê-lo, não estarmos desacompanhados nesta nossa tomada de posição: são disso exemplo eloquente os brilhantes acórdãos proferidos neste Supremo Tribunal de Justiça, a 16 de Setembro de 2008 (processo 08B1725) e a 23 de Setembro de 2008 (processo nº 08B2129), ambos relatados pelo Exº Cons. Pereira da Silva e que mereceram, então, plena concordância do ora relator, que neles interveio como 2º Adjunto, e nos quais, louvando-se na argumentação sólida e, sobretudo, na posição expressa do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, derramada no Acórdão de 10/02/1999, com relato do Exº Cons. Mário Torres (in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, nº 448, página 547 e seguintes).
Por último, cabe-nos, ainda, referir e avisar dos inúmeros inconvenientes que a consagração da tese vencedora trará ao nosso judiciário: por isto e por aquilo, deixar-se-á de ter legitimidade para indeferir tudo o que incorrectamente tenha sido peticionado: reclamou-se indevidamente, não há mal nenhum, corrige-se; recorreu-se, mas deveria reclamar-se, convola-se, não se curando sequer de saber dos interesses da parte contrária, nem tão-pouco da exigência que esta, eventualmente, ponha nas suas declarações. Em suma, protege-se a incúria, a negligência, para não dizer a ignorância.
Em conclusão:
1º Estamos em total desacordo com a posição maioritária, que entendeu por bem que o Plenário das Secções Cíveis tomasse posição sobre esta questão (menor) da convolação do requerimento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça para pedido de intervenção da Conferência, após decisão sumária do relator, sufragando, assim, a posição do Exº Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça e do seu ilustre relator proponente;
2º Ultrapassado este primeiro momento e admitida a intervenção do Plenário, entendemos que a decisão correcta deveria ser a oposta à perfilhada pela maioria: dever-se-ia negar provimento ao agrado e, por consequência, firmar jurisprudência uniforme no seguinte sentido:
Tendo sido, indevidamente, interposto recurso de uma decisão do juiz desembargador relator, proferida no âmbito da competência que lhe é conferida pelo artigos 701º, nº 1, alínea g), e 705º, do Código de Processo Civil, não é admissível a convolação de tal requerimento em reclamação para a Conferência.
Urbano Dias
Declaração de Voto
Votei o acórdão, não por entender ser aplicável por analogia o nº 5 do artigo 688º do Código de Processo Civil, mas por considerar que deve prevalecer a intenção de impugnar a decisão, desde que inequivocamente expressa no correspondente requerimento.
Procedem, para a convolação, as razões que justificam a possibilidade de correcção do erro na forma de processo.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Voto de acordo com as «conclusões» apresentadas pelo Conselheiro Urbano Dias.
Mário Cruz