Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3704/12.1TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: INTERESSES COLETIVOS
LEGITIMIDADE
SINDICATO
Data do Acordão: 03/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - DIREITO COLECTIVO / ACORDO DE EMPRESA.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - PROCESSO CIVIL / LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAÇÕES SINDICAIS.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2ª ed., p. 111.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 247.
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª edição, pp. 615/616, 650.
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1ª edição, pág. 123.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, 2º, pág. 153.
- Vicente de Paula Maciel Júnior, “Teoria do direito coletivo: Direito ou interesse (difuso, coletivo e individual homogêneo)?” in
http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2004/TEORIA%20DO%20DIREITO%20COLETIVO%20DIREITO%20OU%20INTERRESSE%20DIFUSO%20COLETIVO%20E%20INDIVIDUAL%20HOMOGENEO.pdf
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 30.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 5.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 56.º, N.º1.
LEI N.º 55-A/2010, DE 31-12. – ARTIGO 19.º.
LEI N.º 64-B/2011, DE 30-12: - ARTIGO 21.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 5/4/89, IN BMJ 386/446, DE 23/3/90, IN AJ, 7º/90, PÁG. 20, DE 12/12/95, IN CJ, 1995, III/156, DE 18/6/96, CJ, 1996, II/143, DE 31/1/91, IN BMJ 403º/382, O AC RE DE 7/3/85, IN BMJ, 347º/477
-DE 24/02/1999, PROCESSO N.º 5/98.
-DE 22/04/2015, IN CJ-ACSTJ, 2015, TOMO II, P. 234 E SS..
Sumário :

1 – São interesses coletivos os pertencentes a um grupo, classe ou categoria indeterminada, mas determinável de indivíduos, ligados entre si pela mesma relação jurídica básica, e válida e legalmente associados. São interesses de uma categoria, grupo ou classe de pessoas, não se reduzindo a um mero somatório de interesses individuais.

2 – O sindicato tem legitimidade, nos termos do art. 5º, nº 1 do CPT, para intentar ação em que peticiona a declaração de que as normas dos artigos 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro e artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro violam as do acordo de empresa em que foi outorgante e que, por isso, não têm como destinatários os seus associados.

Decisão Texto Integral:

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça

SPAC – SINDICATO DOS PILOTOS DA AVIAÇÃO CIVIL, moveu ação em processo comum contra TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A. (TAP), pedindo: 

a) Declarar-se que as medidas de redução remuneratória e desconsideração do tempo de serviço prestado em 2011 e 2012, aplicadas aos associados do A., violam as Cláusulas 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 7ª do Regulamento de Remunerações, Reformas, Garantias Sociais (RRGS) do Acordo de Empresa e os artigos 129.º n.º 1 al. d) e 520.º n.º 1 e 3 do Código do Trabalho;

b) Declarar-se que as normas dos artigos 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro e artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, não têm como destinatários os associados do A., enquanto trabalhadores da R., tendo em consideração os objetivos e fins das leis e a natureza e destino das receitas da R.

c) Declarar-se que as normas dos artigos 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, se interpretadas no sentido de abrangerem os associados do A., violam o disposto nos artigos 2.º, 13.º,18.º, nº3, 56.º n.º 3, 59.º, n.º 1, al. a), e 106. n.º 1 Constituição da República Portuguesa;

d) Declarar-se a nulidade das medidas de redução remuneratória e de desconsideração do tempo de serviço prestado em 2011 e 2012, tomadas pela R. em relação aos associados do A. trabalhadores da R.

e) Condenar-se, em consequência, a R. a pagar aos trabalhadores da R. associados do A. todas as remunerações reduzidas, acrescidas de juros de mora à taxa máxima legal, vencidos desde o último dia de cada mês a que respeitam e até ao integral pagamento das mesmas;

f) Condenar-se a R. no reconhecimento do tempo de serviço prestado em 2011 e 2012, designadamente, o vencimento de antiguidade da companhia (com a rubrica 1091 vencimento/senioridade PNT), promoções, progressões, mudanças de posição remuneratória ou categoria profissional, vencimento de diuturnidades ou anuidades.

 

Na contestação a ré pugna pela improcedência da ação.

Foi proferido despacho saneador em que se julgou carecer o A. de legitimidade e, em consequência, foi a ré absolvida da instância.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, o qual mereceu a seguinte decisão por parte da Relação: «julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e julga-se verificada a legitimidade processual do autor na formulação dos pedidos constantes nas alíneas a) a d) da petição inicial. Confirma-se a decisão recorrida no que respeita à ilegitimidade do autor na formulação dos pedidos constantes nas alíneas e) e f) da petição inicial e absolvição da ré da instância quanto a estes dois pedidos de condenação.»

A Ré, inconformada com esta decisão, dela recorre de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão e a repristinação da sentença da 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([1]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

”1. O Direito individual do trabalho rege as relações individuais, tendo como sujeitos o trabalhador e o empregador, e como objecto a prestação de trabalho subordinado.

2. O Direito colectivo do trabalho é, por seu turno, entendido como o conjunto de normas que consideram os trabalhadores e empregadores colectivamente reunidos, normalmente na forma de associações sindicais ou de empregadores, versando, portanto, sobre organizações sindicais, sua estrutura, suas relações e os conflitos colectivos.

3. As normas de Direito Colectivo não conformam directamente as relações individuais de trabalho, não criam direitos nem deveres para o trabalhador subordinado e seu empregador, regulando tão-somente certos modos de produção de normas aplicáveis aos contratos de trabalho.

4. O Direito individual do trabalho é integrado pelas normas convencionais e legais relacionadas com a delimitação da liberdade individual de estipulação nos contratos de trabalho, que definem os períodos mínimos de férias, exigências a observar na extinção dos vínculos, condições de fixação da retribuição, em suma, os direitos e deveres dos trabalhadores e empregadores individualmente vinculados, o Direito colectivo regula comportamentos (naturalmente) colectivos que exprimem, em formas como a negociação, a greve e a acção sindical, a tensão e os interesses entre grupos sociais contrapostos.

5. Embora aí não se esgotem os seus fins e objectivos, o n.º 2 do art. 56.º da C.R.P. enumera certos direitos específicos das associações sindicais - participação na elaboração da legislação do trabalho, na gestão das instituições de segurança social, no controlo de execução dos planos económico-sociais, e representação nos organismos de concertação social.

6. Estamos perante questões de interesses colectivos, delineados no seio das colectividades profissionais organizadas, os quais pertencem à pluralidade dos seus membros e são sentidos por cada um deles enquanto elementos do grupo e não como pessoas isoladas.

7. Sendo o contrato de trabalho - e as cláusulas que o compõem, incluindo remuneratórias - expressão da autonomia privada, não se pode deixar de concluir que a matéria a que os presentes autos respeitam se enquadram no âmbito do Direito individual e não colectivo.

8. De acordo com o disposto no art. 5.º do C.P.T., a legitimidade do Apelado advirá da defesa de um direito respeitante aos interesses colectivos que representa (n.º 1) ou, no caso, da defesa de um direito de um trabalhador seu associado, mas devendo, neste último caso, estar devidamente autorizado pelos seus associados (n.º 2).

9. Atento o pedido e a causa de pedir, através da procedência da presente acção, o Recorrido pretende a declaração de que as normas em que se fundou a decisão da Recorrente respeitante às reduções salariais, sejam nulas, por violarem o AE aplicável, o Código do Trabalho e a Constituição da República Portuguesa.

10. Nessa medida, o Recorrido pretende igualmente a condenação da Recorrente no pagamento aos seus associados das diferenças salariais resultantes das reduções operadas e, por fim, o reconhecimento do tempo de serviço, com as necessárias consequências remuneratórias.

11. O direito à retribuição um direito individual e não colectivo, pelo que a legitimidade do Recorrido deve operar por via do disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 5.º, e não por via do n.º 1 do referido preceito legal.

12. A noção de interesse colectivo não advém de estarem em causa interesses de muitas ou poucas pessoas, embora, na generalidade dos casos ocorra tal coincidência, mas sim da transindividualidade e indisponibilidade do bem jurídico tutelado e que se contrapõe aos direitos individuais homogéneos ou também denominados "direitos acidentalmente colectivos": aqueles que decorrem de uma origem comum e apenas possuem uma transindividualidade artificial ou aparente, em que os seus titulares são pessoas determinadas.

13. Considerar, como fez o tribunal "a quo", que a legitimidade do Recorrido advém do n.º 1 do art. 5.º do C.P.T., uma vez que os pedidos constantes das alíneas a), b), c) e d) da petição inicial derivam da aplicação aos associados do Acordo de Empresa que a Recorrente não aplicou para efeitos remuneratórios, será desvirtuar a distinção entre o direito individual e o direito colectivo e, bem ainda, tornar inútil o disposto no n.º 2 do referido preceito legal.

14. A legitimidade do Recorrido só poderia advir-lhe do disposto no n.º 2, alínea c) do art. 5.º do C.P.T., e não do n.º 1 do mesmo preceito legal, sob pena de compressão da autonomia privada individual de cada trabalhador, essa sim inaceitável e constitucionalmente sancionável.

15. Os pedidos constantes das alíneas e) e f) estão indissociavelmente ligados aos pedidos formulados nas alíneas a) a d), sendo estes a consequência decorrente da decisão que sobre aqueles se vier a proferir.

16. Não é possível perfilhar o entendimento de que os pedidos constantes das alíneas a) a d) da petição inicial respeitam a interesses colectivos, sendo consequentemente aplicável o n.º 1 do art. 5.º do C.P.T., enquanto os pedidos deduzidos nas alíneas e) e f) respeitam já a direitos individuais, sendo aplicável, afastando-se, assim, a legitimidade do Recorrido, o disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal.

17. Não estando em causa nenhuma situação em que a lei reconheça ao Recorrido representação legal, o mesmo apenas poderia ter intentado a presente acção através do instituto da representação voluntária, requisito que o mesmo não alegou, nem provou, ter cumprido.

18. Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida fez incorrecta interpretação das regras processuais, violando os requisitos e pressupostos constantes no n.º 1 do art. 5.º do C.P.T. no que respeita à legitimidade das estruturas de representação colectiva dos trabalhadores.”

O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu parecer no sentido da negação da revista e da confirmação do acórdão recorrido.

ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se o A. tem legitimidade para formular os pedidos constantes nas alíneas a) a d) da petição inicial.

Debrucemo-nos então sobre a referida questão que constitui o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([2]).

Se o A. tem legitimidade para formular os pedidos constantes nas alíneas a) a d) da petição inicial.

No despacho saneador, a 1ª instância entendeu carecer o A. de legitimidade para a presente ação por não se verificar a «situação excepcional prevista no art. 5º, nº 1 do CPT, em que o Autor funda a sua legitimidade», tendo aduzido a seguinte argumentação:

«No caso dos autos, conforme decorre dos pedidos formulados (que se subsumem à declaração de nulidade das leis do Orçamento de Estado de 2011 e 2012 que determinaram reduções remuneratórias e desconsideração do tempo de serviço e à condenação da Ré no pagamento das diferenças salariais decorrentes de tais normas) e da posição expressamente assumida pelo Autor, este propôs a acção em nome próprio e não em representação dos seus associados (não se apresentando, assim, ao abrigo do instituto da representação). A questão da legitimidade do Autor nos autos, depende, pois, da natureza dos interesses que pretende defender, ou seja, dos direitos que pretende ver reconhecidos por via da acção. Tal como o Autor admite e afirma na resposta à excepção em apreciação, está em causa “a existência de uma pluralidade de interessados na manutenção do direito à remuneração”. O direito subjacente a tal interesse é obviamente o direito à retribuição, todas as suas dimensões, que tem, como sabemos, natureza individual.

A noção de interesse colectivo não advém de estarem em causa interesses de muitas ou poucas pessoas, embora, na generalidade dos casos ocorra tal coincidência, mas sim da transindividualidade e indisponibilidade do bem jurídico tutelado e que se contrapõe aos direitos individuais homogéneos ou também denominados “direitos acidentalmente colectivos”: aqueles que decorrem de uma origem comum e apenas possuem uma transindividualidade artificial ou aparente, em que os seus titulares são pessoas determinadas. No caso dos autos, não estando em causa qualquer direito ou interesse jurídico colectivo (mas apenas direitos individuais homogéneos), impõe-se concluir pela não verificação da situação excepcional prevista no art.5º nº 1 do CPT, em que o Autor funda a sua legitimidade.»

A posição assumida não mereceu a total adesão da Relação pelas seguintes ordens de razões:

«A questão da legitimidade do sindicato autor depende da natureza dos interesses que pretende defender, pois, como resulta do n.º 1 do artigo 5º do CPT, as associações sindicais são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam. Estes interesses colectivos exprimem-se em diversas formas, como a negociação colectiva, a greve, acção sindical e outras, expressam a tensão entre interesses de grupos sociais contrapostos, e geram a criação de normas de direito colectivo que definem novas condições de trabalho destinadas a incorporar as relações individuais de trabalho mas que não as conformam directamente.

Esta legitimidade processual directa existe assim na defesa dos direitos respeitantes aos interesses colectivos que as associações sindicais representam, e por isso ocorre nos conflitos que envolvam, por exemplo, o cumprimento de instrumentos de regulamentação coletiva. Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1999, in ACT do STA, Ano 38, n.ºs 452, 453, p. 1155, que a propósito de uma acção intentada por um sindicato com vista à condenação para reconhecimento do direito de aplicação de um acordo de empresa aos trabalhadores da mesma, refere: (...) se bem que cada um dos trabalhadores representados pelo Autor (...) tenha o seu interesse (individual) em ver aplicar-se-lhe o referido Acordo de Empresa, que lhe proporcionaria melhores proveitos (...) não se podem oferecer dúvidas de que se está perante um “interesse colectivo”, dado que a pluralidade de trabalhadores (...) se encontram “irmanados nos mesmo interesse”, o de ver reconhecida a aplicação de um Acordo de Empresa, manifestamente mais favorável (...)” Concluindo, que se verifica estarem em causa interesses coletivos.

No presente caso, verifica-se que os pedidos formulados nas alíneas a), b) c) e d) da petição inicial, acima transcritos, derivam da aplicação aos associados do autor do Acordo de Empresa que a ré entendeu desaplicar nomeadamente para efeitos remuneratórios, nos termos da causa de pedir ao invocar uma determinada interpretação das normas legais (Leis n.ºs 55-A/2010, 31/12 e 64-B/2011, de 30/12).

Assim sendo, o primeiro objectivo da presente acção é o de obrigar judicialmente o empregador a aplicar o Acordo Coletivo de Empresa aos seus associados em detrimento das normas legais, trata-se de obter uma declaração judicial sobre qual das normas se deve optar, pelo que estão em causa direitos relativos aos interesses colectivos que o autor representa.

No entanto, relativamente aos pedidos de condenação da Ré, formulados nas alíneas e) e f) - respeitante ao pagamento, aos trabalhadores associados do autor, de todas as remunerações reduzidas - ainda que possa ser uma consequência da interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva em confronto com as normas legais, esse condenação pressupõe sempre e apenas os interesses individuais de cada um dos trabalhadores, pelo que para estes pedidos o autor apenas tem legitimidade indirecta mediante a substituição processual ou representação dos trabalhadores que o autorizem, nos termos do nº 5 do artigo 5º do CPT, o que no caso não se verificou.

Assim e em síntese, se no caso dos pedidos formulados nas alíneas a) a d), estamos perante um interesse coletivo que legitima a intervenção do autor, nos termos do n.º1 do artigo 5.º do CPT, no caso dos pedidos de condenação formulados nas alíneas e) e f), já não se verifica a mesma legitimidade por estarem apenas em causa os interesses individuais de cada um dos trabalhadores.»

É contra este entendimento que vem interposta a presente revista por, no entender da recorrente, se ter violado o disposto no art. 5º, nº 1 do CPT.

Vejamos então.

Dispõe o invocado art. 5º, nº 1 do CPT: “As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam”.

A legitimidade processual (e é desta que aqui se trata) “representa a posição da parte em relação a certo processo em concreto, melhor em relação a certo objecto do processo, à matéria que nesse processo se trata, à questão de que esse processo se ocupa. É uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objecto do processo” ([3]).

“O que se pretende saber, através do requisito da legitimidade, é que posição devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a acção procedente ou improcedente”([4]).

O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar, exprimindo-se este pela utilidade derivada da procedência da ação (art. 30º, nºs 1 e 2 do CPC).

Há casos em que é a própria lei que refere quem tem legitimidade para intentar determinadas ações. É o caso do art. 5º do CPT.

Rebela-se a recorrente quanto à subsunção do caso ao transcrito nº 1 do art. 5º feita pela Relação, propugnando, ao invés, pela sua integração no nº 2, al. c) do mesmo preceito: “as associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de acção, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem, nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados”. Porém, argumenta, não demonstrou a recorrida estar munida da necessária autorização representativa.

A solução do diferendo radica, pois, em saber o que são “interesses colectivos”, já que, entendendo-se que na ação se visa a defesa desse tipo de interesses, a A. terá legitimidade para a ação relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a) a d) (únicos em causa na revista), como decidido no acórdão revidendo, carecendo dessa legitimidade no caso inverso, como entendeu a 1ª instância e impetra a recorrente.

Os interesses coletivos poderão ser definidos como sendo interesses transindividuais ou metaindividuais, isto é, pertencem a um grupo, classe ou categoria indeterminada, mas determinável de sujeitos, ligados entre si pela mesma relação jurídica básica. São interesses de uma categoria, grupo ou classe de pessoas ([5]) ([6]).

Mas apesar do cariz transindividual, não perdem a sua dimensão individual, já que é neste plano que se insere o respetivo gozo.

 “A noção do interesse colectivo há-de delinear-se em função do específico modo por que, no seio das colectividades profissionais organizadas (maxime do sindicato) se transita das pretensões individuais dos respectivos membros – nem sempre coincidentes entre si – para a identificação dos fins da acção colectiva, ou, noutros termos, daqueles interesses que pertencem à pluralidade desses membros e são (ou passam a ser) sentidos por cada um deles enquanto elementos do grupo e não como pessoas isoladas.

(…)

O interesse colectivo não se reduz ao mero somatório dos interesses individuais dos membros do grupo: pode, eventualmente existir uma pretensão coincidente e simultânea de todos eles, mas pode também (e será a regra) verificar-se divergência, se não conflito, de interesses individuais no seio da colectividade. A organização profissional (um sindicato, por exemplo) não constitui um dispositivo de representação cuja legitimidade se cinja aos casos de coincidência (ou complementaridade) originária de pretensões dos seus associados. «O interesse colectivo sindical é o interesse unitário do grupo; unidade no sentido de unificação de vontades, ainda que dissidentes; o contrário, por isso, da soma ou da uniformidade»” ([7]).

O interesse coletivo, podendo ou não ser coincidente com o interesse individual, não afasta este.

Embora se trate de interesses pertencentes a um determinado grupo determinável de indivíduos, válida e legalmente associados e que, por isso, podem ser judicialmente acionados pela entidade associativa (v.g., o sindicato), porque para tanto o legislador lhe conferiu legitimidade “per si”, isto é, não dependente da autorização individual, pode o seu reconhecimento ser também requerido em juízo por cada um dos indivíduos integrantes do grupo, na defesa do seu interesse individual. A legitimidade da entidade organizativa e legalmente representativa do grupo, categoria ou classe de pessoas, não afasta a legitimidade individual.

«O conceito de “interesse colectivo” assenta na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular. Porém, o “interesse colectivo” não elimina nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhe, antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respectiva tutela por entidade distinta» ([8]).

O art 56º nº 1 da CRP dispõe que “compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem”.

“Como pessoas jurídicas, as associações sindicais têm capacidade judiciária relativamente à sua esfera de direitos e obrigações. Mas o CPT vai bastante mais longe. As associações sindicais, podem intervir, como partes legítimas, nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas das convenções colectivas em que sejam outorgantes (art. 5º CPT). Para além disso, dispõem de legitimidade para a autoria em «acções respeitantes aos interesses colectivos que representam»…” ([9]).

Na presente ação o sindicato autor formula os seguintes pedidos (a reprodução limita-se aos pedidos em causa na revista):

“a) Declarar-se que as medidas de redução remuneratória e desconsideração do tempo de serviço prestado em 2011 e 2012, aplicadas aos associados do A., violam as Cláusulas 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 7ª do Regulamento de Remunerações, Reformas, Garantias Sociais (RRGS) do Acordo de Empresa e os artigos 129.º n.º 1 al. d) e 520.º n.º 1 e 3 do Código do Trabalho;

b) Declarar-se que as normas dos artigos 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro e artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, não têm como destinatários os associados do A., enquanto trabalhadores da R., tendo em consideração os objetivos e fins das leis e a natureza e destino das receitas da R.

c) Declarar-se que as normas dos artigos 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, se interpretadas no sentido de abrangerem os associados do A., violam o disposto nos artigos 2.º, 13.º,18.º, nº3, 56.º n.º 3, 59.º, n.º 1, al. a), e 106. n.º 1 Constituição da República Portuguesa;

d) Declarar-se a nulidade das medidas de redução remuneratória e de desconsideração do tempo de serviço prestado em 2011 e 2012, tomadas pela R. em relação aos associados do A. trabalhadores da R.

(…)”

Como se vê, o que se visa primordialmente nesta ação, é a declaração judicial de que as medidas de redução remuneratória e desconsideração do tempo de serviço prestado em 2011 e 2012, aplicadas aos associados do A., violam as Cláusulas 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 7ª do Regulamento de Remunerações, Reformas, Garantias Sociais (RRGS) do Acordo de Empresa e os artigos 129.º n.º 1 al. d) e 520.º n.º 1 e 3 do Código do Trabalho.

Os pedidos formulados nas alíneas b) a d) são mera consequência ou complemento deste.

Não oferece, dúvida de que estamos perante a defesa de um interesse que é comum a todos os associados do A., já que beneficiários da retribuição fixada no Regulamento de Remunerações, Reformas, Garantias Sociais (RRGS) do Acordo de Empresa invocado, em que o autor foi outorgante. Estão em causa interesses de um grupo indeterminado, mas determinável de indivíduos - os associados do A.

Estes interesses não se reduzem ao somatório dos interesses individuais, que é a hipótese comtemplada no nº 2, al. c) do art. 5º do CPT, de que são exemplo os formulados nas alíneas e) e f) do petitório.

Estamos, por conseguinte, perante um inquestionável interesse coletivo, na definição que atrás deixámos exarada e, daí, a legitimidade conferida ao A. pelo art. 5º, nº 1 do CPT, que, assim, se não mostra violado pelo acórdão da Relação.

Esta Secção teve já oportunidade de se pronunciar sobre um caso com alguma similitude, tendo reconhecido legitimidade processual ao sindicato para propor a ação peticionando, entre outros, a “declaração de ilicitude dos cortes… na retribuição prevista…” no CCT, considerando que se traduz “na defesa de um interesse coletivo” ([10]).

Termos em que, a revista é negada.

DECISÃO

Pelo exposto decide-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

Lisboa, 3.03.2016


Ribeiro Cardoso (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha


____________________
[1] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[2] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n. 2 do CPC.
[3] Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, 2º, pág. 153.
[4] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1ª edição, pág. 123.
[5] Diferem dos interesses difusos que dizem respeito a um grupo indefinível de indivíduos e afetam a todos e a cada um, são indivisíveis. São exemplos desta categoria de interesses os inerentes à qualidade de vida, ao ambiente e aos direitos dos consumidores.
[6] Cfr. neste sentido: https://pt.wikipedia.org/wiki/Interesses_coletivos; https://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_difusos,_coletivos,_individuais_e_homog%C3%AAneos; http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14164 e Vicente de Paula Maciel Júnior, “Teoria do direito coletivo: Direito ou interesse (difuso, coletivo e individual homogêneo)?” in http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2004/TEORIA%20DO%20DIREITO%20COLETIVO%20DIREITO%20OU%20INTERRESSE%20DIFUSO%20COLETIVO%20E%20INDIVIDUAL%20HOMOGENEO.pdf
[7] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 615/616.
[8] Ac. do STJ, 4ª secção, de 24.02.1999, revista nº 5/98 (relator Padrão Gonçalves).
[9] António Monteiro Fernandes, in ob. cit. pág. 650.
[10] Ac. de 22.04.2015, (relator Gonçalves Rocha), in CJ-ACSTJ, 2015, Tomo II, pág. 234 e segs.