Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13/14.5TBMGD-B.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
EXPROPRIAÇÃO
ADJUDICAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
ACTO DA SECRETARIA
ATO DA SECRETARIA
RECTIFICAÇÃO
RETIFICAÇÃO
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES / PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO / EXPROPRIAÇÃO LITIGIOSA / TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / ACTOS DA SECRETARIA ( ATOS DA SECRETARIA ) - RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
Doutrina:
- Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra 1982, 114, 115.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 266 e 267.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP), APROVADO PELA LEI Nº 168/99, DE 18 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 3.º, N.º2, 51.º, N.º5, 52.º, 55.º, 66.º, N.º5.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 157.º, N.º6, 219.º, 608.º, N.º2, 613.º, 614.º, 629.º, N.º 2, AL. D),
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 18.09.2014, PROCESSO N.º 1100/11.7TBCHV-B.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Em sede de processo de expropriação é admissível recurso de revista, com fundamento em contradição de julgados entre acórdãos da Relação, nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), do NCPC (2013), quando o acórdão recorrido e o acórdão fundamento contendem com o preceituado no art. 157.º, n.º 6, do NCPC que dispõe que: “os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes” e neles foram proferidas decisões divergentes no tocante à tempestividade da prática de actos processuais.

II - O despacho de adjudicação a que se refere o art. 51.º, n.º 5, do CExp, tem por função controlar, ainda que com carácter meramente formal, o procedimento expropriativo e, bem assim, adjudicar a propriedade e, sendo caso disso, a posse à entidade expropriante, o que acontecerá quando esta não tiver já sido conferida administrativamente.

III - O despacho de adjudicação e a decisão arbitral não são cindíveis, tratando-os a lei como mesmo acto para efeitos de notificação e funcionando a prolação daquele despacho como um pressuposto para a notificação e subsequente interposição de recurso da decisão arbitral.

IV - A notificação a que alude o n.º 5 do art. 51.º do CExp pressupõe que tenha sido proferido um despacho de adjudicação consolidado e estabilizado, ainda que susceptível de correcção, posto que o esgotamento do poder jurisdicional não obsta a que, respeitado o núcleo fundamental de pronúncia jurisdicional, sejam, designadamente, rectificados erros materiais, como decorre do disposto nos arts. 613.º e 614.º do NCPC.

V - Sendo a notificação em causa um acto processual unitário, só ficou o mesmo perfeito com a subsequente notificação do despacho de adjudicação corrigido, tornando-se então apto a desencadear todos os efeitos, designadamente, o início do prazo para o recurso da decisão arbitral.

VI - O lapso da secretaria na notificação do despacho de rectificação jamais pode prejudicar as partes, devendo prevalecer, à luz do estatuído no art. 157.º, n.º 6, do NCPC, o prazo que lhes confira maiores garantias de recurso.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:

Nestes autos, em que é expropriante EDP - Gestão da Produção de Energia, S.A, e são expropriados AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, Soporcel - Sociedade Portuguesa de Papel, S. A., Sociedade de Gestão Agrícola Quinta de HH, Lda. e II - Actividades de Gestão Cinegética, Lda, o processo (fase administrativa) foi remetido ao Tribunal Judicial de Mogadouro, com o requerimento de 16 de Janeiro de 2014, da entidade expropriante, com vista à adjudicação da parcela MM0114.00

Em 21.01.2014 (fls. 295 dos autos), foi proferido despacho de adjudicação. Este despacho, bem como a decisão arbitral, foi notificado aos expropriados, com excepção da expropriada GG por cartas registadas expedidas em 24.01.2014. Esta expropriada veio a ser notificada apenas no dia 23.04.2014 (fls. 568).

Em 25.02.2014 foi interposto recurso do acórdão arbitral pelos expropriados AA, FF, EE, BB, CC, DD e Sociedade de Gestão Agrícola Quinta de HH, Lda., os quais apresentaram as respectivas alegações (fls. 395) e, bem assim, documento comprovativo do pagamento da multa prevista no artigo 139º nº 5 al. a) do Código de Processo Civil pela prática do acto no 1º dia após o termo do prazo.

Em 26.02.2014 a expropriada II - Actividades de Gestão Cinegética, Lda interpôs recurso da decisão arbitral, apresentando as respectivas alegações (fls. 518 e segs).

As partes foram notificadas para se pronunciarem quanto à extemporaneidade dos recursos apresentados.

A expropriada II - Actividades de Gestão Cinegética, Lda., pugnou pela tempestividade do recurso por si interposto, alegando aproveitar a todos os interessados o prazo de que dispunha expropriada GG para interpor recurso, apenas notificada a 23.04.2014, por força do disposto no artigo 569.º do Código de Processo Civil. Referiu ainda que a contagem do prazo para recurso se iniciou apenas com a notificação da rectificação do despacho de adjudicação que teve lugar a 5.02.2014. E ainda, que o aviso de recepção da carta da citação foi assinado por terceiro e não pelos representantes legais da sociedade, não tendo o mesmo sido advertido, nos termos e para os efeitos do artigo 228.º, 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do seu artigo 246.º, 1, não podendo a data constante do aviso ser tida em consideração. Também não lhe foi assinalado o prazo de dilação de que dispunha e que ora invoca, por estar sediada em comarca diferente da deste tribunal.

Por seu turno, AA e os demais expropriados recorrentes, vieram alegar que se iniciou novo prazo aquando da notificação das rectificações introduzidas, dado que os expropriados foram novamente notificados para usar a faculdade prevista no n.º 5 do artigo 51.º do Código das Expropriações, não podendo os erros da secretaria prejudicar as partes, nos termos do artigo 157.º do Código de Processo Civil. Alegaram também que expropriada GG foi notificada posteriormente, pelo que o seu prazo deve aproveitar aos demais.

Por fim, a entidade expropriante veio pronunciar-se no sentido da extemporaneidade dos recursos e consequente rejeição dos mesmos.

A 1ª instância admitiu os recursos da decisão arbitral interpostos pelos expropriados.

Inconformada, apelou a expropriante.

O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 9 de Julho de 2015, julgou a apelação procedente e revogou o despacho recorrido, não admitindo os recursos da decisão arbitral interpostos pelos expropriados AA, FF, EE, BB, CC, DD, Sociedade de Gestão Agrícola Quinta de HH, Lda. e II - Actividades de Gestão Cinegética, Lda.

Irresignados, recorreram aqueles expropriados de revista ao abrigo do disposto no artigo 671º nº 1 do Código de Processo Civil.

Subsidiariamente, invocam oposição entre o Acórdão recorrido e outro, proferido pela Relação de Lisboa, em 6.11.2008, no âmbito do processo 7993/2008-6.


Na alegação apresentada, formularam a seguinte síntese conclusiva:

«1 – O Acórdão recorrido, ao decidir não admitir os recursos interpostos das decisões arbitrais põe fim ao processo, pelo que é uma decisão recorrível nos termos previstos no nº 1 do art. 671º do Código de Processo Civil (CPC).

2 – Por ofício expedido em 24.1.2014, o Tribunal de 1ª instância notificou pessoalmente os recorrentes do despacho de adjudicação e do Acórdão arbitral (1ª notificação).

3 – Por despacho de 3.2.2014, foi decidido rectificar o despacho de adjudicação: esta alteração consistiu em consignar que a expropriação não era total, como primeira e erradamente decidido, mas sim parcial.

4 - Por ofício expedido em 5.2.2014, o Tribunal de 1ª instância notificou pessoalmente os recorrentes do despacho que decidiu a rectificação do despacho de adjudicação solicitada pela ora recorrida e do despacho de adjudicação rectificado (2ª notificação).

5 – Ou seja, o Tribunal de 1ª instância notificou duas vezes os recorrentes do despacho de adjudicação, no qual é referida a faculdade de interposição de recurso da decisão arbitral prevista no art. 51º, nº 5 do Código das Expropriações (CE).

6 – Em 11.2.2014, após as duas notificações pessoais referidas nas conclusões 2 e 4, os recorrentes juntaram aos autos procuração forense.

7 – A rectificação introduzida no despacho de adjudicação não corresponde à correcção de um mero lapso de escrita, mas sim a uma alteração substancial, tendo em conta que modificou a amplitude do ataque ao direito de propriedade dos recorrentes que foi afectado pela expropriação.

8 – Na 2ª notificação, o Tribunal de 1ª instância notificou os recorrentes (para além do despacho que apreciou e decidiu a rectificação solicitada), do despacho de adjudicação rectificado na íntegra e, como tal, contendo a menção à faculdade de recurso da decisão arbitral mencionada no art. 51º, nº 5, in fine, do CE.

9 – A notificação referida na conclusão precedente foi correcta na medida em que o art. 51º, nº 5 do CE impõe a notificação simultânea dos elementos aí mencionados, com vista a que os expropriados possam exercer cabalmente o seu direito de recurso do laudo arbitral.

10 – In casu, o exercício efectivo do direito de recorrerem da decisão arbitral dos aqui recorrentes só pôde ser exercido de forma cabal e efectiva perante a notificação do despacho de adjudicação rectificado na íntegra (2ª notificação), visto que a alteração que lhe foi introduzida alterou o âmbito substancial da ablação do direito de propriedade dos recorrentes e objecto de indemnização.

11 – A rectificação feita ao despacho de adjudicação é uma alteração substancial que implica a reanálise desse despacho e da decisão de recorrer.

12 – Em face da alteração introduzida no despacho de adjudicação, a 1ª notificação deixou de ser suficiente para cumprir as exigências impostas pelo art. 51º, nº 5 do CE, levando o Tribunal a proceder a uma 2ª notificação (tanto mais que são notificações pessoais e não a mandatário forense).

13 - As duas notificações do despacho de adjudicação (quer a 1ª, quer a 2ª) foram feitas pessoalmente aos expropriados ora recorrentes e não a mandatário forense (que só posteriormente é que juntou procuração aos autos), o que reclama uma maior tutela da segurança jurídica e da protecção da confiança.

14 – Ao que acresce o facto do art. 52º, nº 1 do CE dispor que o prazo de recurso da decisão arbitral se contar “da notificação realizada nos termos da parte final do nº 5 do artigo anterior”.

15 – A 2ª notificação do despacho de adjudicação foi feita “nos termos da parte final do nº 5 do artigo anterior”.

16 – A 2ª notificação do despacho de adjudicação foi feita enquanto ainda decorria o prazo de recurso decorrente da 1ª notificação.

17 – Pelo que, com a 2ª notificação feita por ofício expedido pelo Tribunal de 1ª instância em 5.2.2014, iniciou-se o decurso do prazo para interposição de recurso do laudo arbitral que terminou no dia 3.3.2014, pelo que, tendo os recorrentes interposto tal recurso em 25.2.2014, interpuseram-no tempestivamente.

18 – Deste modo, ao considerar intempestivo o recurso da decisão arbitral interposto pelos ora recorrentes, o Acórdão recorrido interpretou erradamente e, em consequência, violou o disposto no art. 614º do CPC e 52º, nº 1 e 51º, nº 5 do CE.

TODAVIA:

19 – Mesmo que se entendesse que a 2ª notificação do despacho de adjudicação rectificado na íntegra (i.e., contendo também a menção à faculdade de recurso) feita pelo Tribunal de 1ª instância não era devida, o que sem conceder se refere, haverá que considerar tempestivamente apresentado o recurso da decisão arbitral interposto pelos recorrentes, por aplicação do disposto no art. 157º, nº 6 do CPC, que prescreve que “Os erros ou omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.

20 – Por ofício datado de 5.2.2015, o Tribunal de 1ª instância não notificou os recorrentes apenas do despacho que decidiu a rectificação;

21 – Por ofício datado de 5.2.2015, o Tribunal de 1ª instância notificou também os recorrentes, e pessoalmente, do despacho de adjudicação rectificado na íntegra, e do qual consta a menção à faculdade prevista no art. 51º, nº 5 do CE que é a faculdade de interposição de recurso da decisão arbitral.

22 – Ao notificar os recorrentes desse despacho do qual consta a referida menção, o Tribunal criou-lhes a legítima expectativa jurídica de que podiam recorrer da decisão arbitral no prazo de 20 dias contados de tal notificação, tendo em conta a confiança que depositam nos actos dos Tribunais e nas notificações que os mesmos expedem e tendo em conta, ainda, que o art. 130º do CPC proíbe a prática de actos inúteis.

23 – A protecção da confiança e a segurança jurídica justificam a aplicação ao caso sub judice do disposto no art. 157º, nº 6 do CPC por diversos motivos: (i) a 2ª notificação contém a referência expressa à norma que prevê a possibilidade de recurso do laudo arbitral; (ii) a 2ª notificação conferiu aos recorrentes um direito que lhes assiste; (iii) a 2ª notificação foi feita quando ainda não se tinha esgotado o prazo de recurso decorrente da 1ª notificação; (iv) as notificações foram pessoais e não a mandatário forense; e (v) a 2ª notificação determinou de forma directa (nexo de causalidade directa) o comportamento dos recorrentes, nomeadamente o momento em que interpuseram o recurso da decisão arbitral.

24 - Deste modo, ao considerar que não se está perante um erro da secretaria, o Acórdão recorrido interpretou erradamente o disposto nos arts. 157º, nº 6 e 130º do CPC, normas que violou, e caucionou uma interpretação inovatória das regras processuais aplicáveis com a qual os recorrentes não podiam razoavelmente contar, tendo violado os princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica e da proporcionalidade.

SUBSIDIARIAMENTE:

25 – Para o caso de se entender que o presente recurso não é admissível nos termos previstos no art. 671º, nº 1 do CPC como referido na conclusão 1., o que se menciona por mero dever de mandato e sem transigir;

26 – Sempre teria que se considerar que o Acórdão recorrido é uma decisão que admite sempre recurso nos termos previstos nos arts. 629º, nº 2, al. d) e 671º, nº 2, al. a) do CPC, pois está em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 6.11.2008 no processo nº 7993/20008-6 (Acórdão-fundamento), porquanto:

a) As duas decisões versam sobre a mesma legislação (o art. 157º, nº 6 do CPC a que alude o Acórdão recorrido mantém a mesma redacção do art. 161º, nº 6 do CPC de 1961 a que se refere o Acórdão-fundamento);

b) As duas decisões versam sobre a mesma questão fundamental de direito: as consequências dos actos da secretaria à luz da tutela da protecção da confiança e da segurança jurídica enquanto elementos de um processo judicial equitativo;

c) As duas decisões tiveram por objecto uma questão de facto idêntica: a realização por parte da secretaria judicial de duas notificações do mesmo despacho, e qual resulta a abertura de prazo para a prática de um determinado acto processual;

d) É inegável a relevância jurídica da questão em causa: saber se, tendo a secretaria judicial expedido duas notificações em momentos distintos e com o mesmo objecto, a parte pode praticar o acto processual subsequente dentro de prazo contado a partir da segunda notificação, questão de direito que é fundamental pois contende directamente com a segurança jurídica que, por si só, uma notificação judicial encerra, bem como com a confiança que os destinatários das notificações judiciais depositam nos actos praticados pelas secretarias judiciais.

27 – O Acórdão-fundamento entendeu que situação teria que ser resolvida com recurso ao disposto no art. 161º do CPC então em vigor, cujo nº 6 prescrevia que os actos da secretaria não podem, em qual caso, prejudicar as partes, fazendo ainda alusão ao art. 137º do mesmo diploma que proíbe a prática de actos inúteis, por considerar que “Esta é a única solução que garante a imprescindível tutela de confiança, como elementos de um processo equitativo, confiança que sairia certamente abalada quando o tribunal, dando um sinal no sentido de um acto produzir determinados efeitos, afinal, como que “dando o feito por não feito” e retirando quaisquer efeitos ao acto judicial praticado (remessa da 2ª carta), acaba por tirar o que acabara de conceder à parte.”

28 – O Acórdão recorrido considerou que tais normas (a que correspondem, respectivamente, os arts. 157º, nº 6 e 130º do CPC em vigor) não eram aplicáveis ao caso dos autos, não tendo cuidado de fundamentar esse entendimento de modo suficiente, o que acarreta a nulidade constante do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC e prevista no art. 674º, nº 1, al. c) do mesmo diploma.

29 – Ao decidir não aplicar o disposto no art. 157º, nº 6 do CPC, o Acórdão recorrido restringiu os direitos e interesses legalmente protegidos dos recorrentes, fazendo precludir o seu direito de recurso que foi exercido no prazo que lhes foi concedido pela 2ª notificação, mesmo que se considere que foi feita erradamente, perfilhando um entendimento manifestamente desproporcionado das normas processuais e das finalidades do processo judicial (a justa composição do litígio).

30 – O recuso da decisão arbitral interposto pelos recorrentes foi interposto dentro do prazo legal de 20 dias contado da 2ª notificação feita pelo Tribunal de despacho contendo a referência a essa faculdade de recurso, e na qual os recorrentes legitimamente confiaram.

31 - A disposição contida no art. 157º, nº 6 do CPC é uma emanação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança decorrentes do princípio do Estado de Direito (princípios essenciais para a convivência nas sociedades que se organizam segundo o modelo do Estado de Direito), bem como do princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo tal como se encontra consagrado no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

32 - Ao decidir como decidiu, o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 157º, nº 6 e 130º do CPC e os princípios referidos na conclusão precedente, bem como inviabilizou o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional para defesa dos direitos legalmente protegidos dos recorrentes, designadamente do direito de recurso.

33 - Em homenagem às normas legais e princípios jurídicos supra referidos, deve prevalecer in casu o entendimento e a solução jurídica perfilhados pelo Acórdão-fundamento e, em consequência, ser aplicado ao caso dos autos o disposto no art. 157º, nº 6 do CPC, admitindo-se o recurso da decisão arbitral interposto pelos ora recorrentes e revogando-se o Acórdão recorrido.

Em qualquer caso (quer o recurso seja apreciado nos termos deduzidos a título principal, quer nos termos deduzidos subsidiariamente):

34 – A decisão recorrida padece de inconstitucionalidade por violação do disposto no nº 1 do art. 20º da Constituição da República Portuguesa: o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva que o referido normativo constitucional tutela são violados quando, pondo em causa a confiança que o conteúdo das notificações judiciais encerram e a segurança jurídica que delas decorre, os seus destinatários são surpreendidos por uma interpretação em sentido contrário àquele que as próprias notificações encerram, com as consequentes ofensas aos seus direitos e interesses legalmente protegidos (in casu, o direito ao recurso), como aconteceu com a decisão sob recurso que, ao não aplicar o disposição contida no art. 157º, nº 6 do CPC, violou o disposto no art. 20º, nº 1 da CRP.

35 - A decisão recorrida padece de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 2º da Constituição da República Portuguesa: ao negar aos recorrentes o exercício de um direito dentro do prazo constante do despacho de adjudicação rectificado e não impugnado (despacho que lhes criou a legítima expectativa e a fundada confiança de que poderiam praticar tal acto nesse prazo), o Acórdão recorrido violou o princípio da segurança e da confiança jurídica ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no art. 2º da CRP, ou seja, o Acórdão recorrido violou este preceito constitucional ao não aplicar o disposto no art. 157º, nº 6 do CPC.

36 – O Acórdão recorrido interpretou erradamente e violou o disposto nos arts. 51º, nº 5 e 52º, nº 1 do Código das Expropriações e no art. 614º do Código de Processo Civil, violou a previsão constante dos arts. 157º, nº 6 e 130º do CPC, bem como, ainda, violou o estatuído nos arts. 2º e 20º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e os princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica e da transparência e da lealdade processuais decorrentes da primeira norma constitucional mencionada, e pôs em causa o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional a que se refere o segundo preceito constitucional aludido.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado concedendo-se provimento ao mesmo, devendo, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que admita o recurso da decisão arbitral interposto pelos expropriados ora recorrentes».


A expropriada II - Actividades de Gestão Cinegética, Limitada, veio aderir aos recursos de revista interposto por AA e demais expropriados, fazendo suas as alegações e conclusões apresentadas.

Interpôs ainda, adicionalmente, recurso de revista em cuja alegação aduziu, em resumo, que a notificação a que alude o artigo 51º nº 5 do Código das Expropriações deve equiparar-se à citação e seguir o seu formalismo, o que não aconteceu, e, bem assim, que aproveita aos recorrentes o prazo de que dispunha a expropriada Elsa Ribeiro, posteriormente notificada, pelo que tem de concluir-se pela tempestividade dos recurso, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito.


Foram apresentadas contra-alegações pela expropriante, nas quais deduziu as seguintes conclusões:

«A) Bem andou o acórdão recorrido ao julgar extemporâneo o recurso da decisão arbitral interposto pelos Recorrentes da parcela MM0114.00;

B) Decisão arbitral e despacho de adjudicação são decisões diferentes e autónomas, que apenas têm em comum o facto de serem simultaneamente notificadas ao expropriado;

C) O prazo para a apresentação do recurso da decisão arbitral começa a correr na data da notificação do despacho de adjudicação da propriedade da parcela expropriada na justa medida em que é nessa mesma data que os expropriados são notificados da decisão arbitral, nos termos do n.º 5 do artigo 51.º do Código das Expropriações;

D) O prazo de recurso da decisão arbitral não se renova, nem se interrompe, com a notificação de uma retificação do despacho de adjudicação que corrige um erro – menos ainda um erro manifesto – na identificação da parcela;

E) A retificação do despacho de adjudicação é absolutamente indiferente para o objeto do recurso (a decisão arbitral), para a tomada da decisão de recorrer (que se alicerça na discordância ou não com a indemnização fixada) e para a motivação do recurso (que são os argumentos com base nos quais se ataca a avaliação feita na decisão arbitral);

F) Acresce que, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, a retificação do despacho de adjudicação não alterou o âmbito da expropriação, muito menos substancialmente;

G) Primeiro, porque a parcela expropriada, a respetiva área e o prédio correspondente (em suma, o âmbito da expropriação) estavam corretamente identificados no despacho de adjudicação, tendo a retificação deste despacho servido tão-só para corrigir a referência de que a área expropriada era “correspondente ao prédio” e não “a desanexar do prédio”, o que, embora pudesse até passar despercebido, poderia indiciar que se tratava de uma expropriação total e colocar problemas em termos registais;

H) Segundo, porque o âmbito da expropriação é definido pela DUP e, no caso de uma expropriação litigiosa, concretizado pela decisão arbitral, e não pelo despacho de adjudicação;

I) O lapso corrigido era outrossim um lapso manifesto e ostensivo, porque (i) o prédio tinha uma área muito superior à da parcela expropriada, conforme certidões predial e matricial juntas aos autos com o processo expropriativo, o que tornava claro que a expropriação era parcial, e (ii) todos os atos do processo expropriativo e o requerimento de adjudicação caracterizavam corretamente a expropriação, pelo que a respetiva retificação – porque de uma verdadeira retificação se trata – seria sempre insuscetível de fazer renovar o prazo de recurso, nos termos do CPC após a sua revisão de 2007;

J) Finalmente, mesmo que a argumentação dos Recorrentes fosse correta, e o despacho de adjudicação contivesse de facto uma identificação errada do objeto da expropriação que não se devesse a lapso ostensivo, tal apenas abriria aos Recorrentes a possibilidade de requererem a aclaração do despacho de adjudicação ou arguirem a sua nulidade por exceder o objeto da expropriação, mas nunca teria como consequência suspender o prazo de recurso da decisão arbitral até à correção desse erro;

K) Não existiu outrossim qualquer erro da secretaria, pois o ofício de notificação aos Recorrentes da retificação do despacho de adjudicação não fez – nem tinha de fazer – qualquer menção a que o prazo de recurso se renovasse ou começasse a correr nessa data, menção que também não consta do despacho de retificação;

L) Pelo que a atuação da secretaria e do Tribunal não criou nem era suscetível de criar qualquer confiança nos Recorrentes numa renovação do prazo de recurso da decisão arbitral, sendo aliás claro, como dilucidou o acórdão recorrido, que o motivo pelo qual o recurso foi entregue intempestivamente não teve que ver com qualquer pretensa criação de uma situação de confiança como aquela que os Recorrentes alegam mas sim com o facto de estes terem contado o prazo de recurso em dias úteis – única razão que explica que, tendo apresentado o recurso no dia 25.02.2014, tenham pago a multa correspondente a um dia de atraso na observância do prazo (pois o prazo, se contado em dias úteis, terminaria em 24.02.2014)».

Finalizou pedindo a confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Fundamentos:

De facto:

A Relação julgou assente, com interesse para a decisão do recurso, a seguinte facticidade:

1- Nestes autos, em que é expropriante EDP - Gestão da Produção de Energia, S.A e são expropriados AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, Soporcel - Sociedade Portuguesa de Papel, S. A., Sociedade de Gestão Agrícola Quinta de HH, Lda. e II - Actividades de Gestão Cinegética, Lda, o processo (fase administrativa) foi remetido ao Tribunal Judicial de Mogadouro, com o requerimento de 16 de Janeiro de 2014, da entidade expropriante, com vista à adjudicação da parcela MM0114.00

2 - Em 21.01.2014 (fls. 295 dos autos), foi proferido despacho de adjudicação da parcela em causa ao Estado.

3 - Tal despacho de adjudicação, bem como a decisão arbitral, foi notificado aos expropriados por cartas registadas expedidas em 24.01.2014, com indicação da possibilidade de interposição do recurso a que se refere o artigo 52º do Código das Expropriações, no prazo de 20 dias.

4 - Sob requerimento da expropriante, em 3.2.2014 procedeu-se à rectificação de um lapso de escrita no despacho de adjudicação, no sentido de que a parcela expropriada não correspondia ao prédio (…), mas sim a parte desse prédio (fls. 314 e 315).

5 - Os expropriados, por cartas expedidas em 5.02.2014, foram notificados do conteúdo deste despacho, de que se juntou cópia.

6 - Em 11.02.2014 (fls. 333), os expropriados, AA, FF, EE, BB, CC e DD, juntaram procuração forense.

7 - A carta expedida para notificação da expropriada GG foi devolvida (fls. 341). Tentada nova notificação a mesma apenas se veio a concretizar em 23.04.2014 (fls. 568).

8 - Em 25.02.2014 foi interposto recurso do acórdão arbitral pelos expropriados AA, FF, EE, BB, CC, DD e Sociedade de Gestão Agrícola Quinta de HH, Lda., apresentando as respectivas alegações (fls. 395) e juntando documento comprovativo do pagamento da multa prevista no artº 139º nº 5 al. a) do CPC, pela prática do acto no 1º dia após o termo do prazo.

9 - Em 26.02.2014 a expropriada II - Actividades de Gestão Cinegética, Lda. interpôs recurso da decisão arbitral, apresentando as respectivas alegações (fls. 518 e segs).


De direito:

1. Está em causa no presente recurso saber qual o dies a quo para a contagem do prazo para interposição de recurso da decisão arbitral, no âmbito de um processo de expropriação por utilidade pública, tendo havido notificação do despacho de adjudicação, com expressa advertência da faculdade de interposição daquele recurso, e subsequente notificação de ulterior rectificação desse mesmo despacho de adjudicação.

Sendo o processo de expropriação um processo especial que se rege, em primeira linha, pelas disposições que lhe são próprias e que integram o Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, aqui aplicável, poderia equacionar-se a questão da admissibilidade do recurso de revista em face do estatuído no seu artigo 66º nº 5, o qual estipula que, sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida.

Com efeito, poderia considerar-se, no seguimento da doutrina do Acórdão deste Supremo Tribunal de 18.09.2014, proferido no processo nº 1100/11.7TBCHV-B.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt/jstj) que, para além dos casos consignados no artigo 629º nº 2 do Código de Processo Civil, em que o recurso é sempre admissível, o processo expropriativo não comporta recurso de revista de decisões, processuais ou substantivas, proferidas no seu decurso, porquanto todas elas se orientam ou constituem passos para um mesmo destino: a fixação do valor da indemnização, decisão final que, por sua vez, escapa ao âmbito de cognoscibilidade deste Supremo Tribunal, salvo os casos excepcionais em que é sempre admissível recurso.

Não haveria, seguindo este entendimento, razão para afastar a regra da não admissibilidade da revista também na situação que se discute nestes autos, uma vez que aqui está em causa saber se foi atempada a interposição do recurso da decisão arbitral interposto pelos expropriados.

Contudo, os recorrentes alegam que o Acórdão recorrido está em oposição com o que foi proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 06.11.2008, no processo nº 7993/2008-6, de que juntaram cópia, e que invocam como acórdão-fundamento, cujo sumário se transcreve:

I – As partes têm que contar com a diligência e eficácia dos servidores judiciais confiando neles e no papel que cada agente judiciário tem no processo, com vista a uma sã administração da justiça.

II – A regra constante do nº 1 do artº 161º do CPC, implica que o acto da parte não pode, em qualquer caso, ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido.

III – A tutela da confiança, como elemento de um processo equitativo, sai abalada quando o tribunal, dando um sinal no sentido de um acto produzir determinados efeitos, acaba por decidir em sinal contrário, dando o feito por não feito. Das omissões e erros dos actos que os funcionários pratiquem não pode resultar, em qualquer caso, prejuízo para as partes”.

Ao artigo 161º do Código de Processo Civil ali citado corresponde o artigo 157º do actual Código de Processo Civil, o qual reproduz, ipsis verbis, nos seus nºs 3,5,e 6, o que constava nos correspondentes números daquele primeiro preceito, sendo idêntica em ambos a respectiva epígrafe (Função e deveres das secretarias judiciais).

Quer o Acórdão recorrido, quer o Acórdão-fundamento contendem com o preceituado no nº 6, que dispõe: “Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes” e neles foram proferidas decisões divergentes no tocante à tempestividade da prática de actos processuais.

Razão por que se tem por verificado o requisito de excepcionalidade a que alude a al. d) do artigo 629º do Código de Processo que justifica a admissibilidade do presente recurso.


2. A decisão da 1ª instância considerou dever operar a notificação do despacho de rectificação para o início da contagem do prazo para interposição do recurso e, com base nesse entendimento, julgou tempestivos os recursos da decisão arbitral interpostos pelos expropriados.

O acórdão recorrido revogou este despacho, considerando que a segunda notificação não tem qualquer efeito dado que o recurso tem por objecto o acórdão arbitral e não o despacho de adjudicação.

Cumpre, assim, apreciar quais as consequências da rectificação do despacho de adjudicação e da subsequente notificação feita aos expropriantes, em que medida esta notificação se reflectiu ou não na contagem do aludido prazo.

No que ora releva, estabelece o artigo 51º do Código das Expropriações que:

5 - Depois de devidamente instruído o processo e de efectuado o depósito nos termos dos números anteriores, o juiz, no prazo de 10 dias, adjudica à entidade expropriante a propriedade e a posse, salvo, quanto esta, se já houver posse administrativa, e ordena simultaneamente a notificação do seu despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, com indicação, quanto a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52º.

6 – A adjudicação da propriedade é comunicada pelo tribunal ao conservador do registo predial competente para efeitos de registo oficioso”.

Realizada esta notificação, devem os expropriados interpor recurso no prazo de 20 dias a contar da mesma (artigo 52º).

Defende a entidade expropriante, e assim considerou o acórdão recorrido, que decisão arbitral e despacho de adjudicação são decisões diferentes e autónomas, que apenas têm em comum o facto de serem simultaneamente notificadas ao expropriado, começando a correr o prazo para a apresentação do recurso da decisão arbitral na data da notificação do despacho de adjudicação, sendo a rectificação deste despacho absolutamente indiferente para o objecto daquele recurso (a decisão arbitral), para a tomada da decisão de recorrer (que se alicerça na discordância ou não da indemnização fixada) e para a sua motivação, concluindo que o prazo para o recurso deve contar-se a partir da data da primeira notificação e, sendo assim, os recursos dos expropriados, aqui recorrentes, são extemporâneos.

In casu, divergimos deste entendimento.

A notificação (notum facere) tem por finalidade chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto (artigo 219º do Código de Processo Civil). É o acto processual através do qual se leva ao conhecimento de alguém certo facto – notificações para mero conhecimento – ou se determina a sua comparência – notificações para comparência – (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 266 e 267).

A notificação a que alude o nº 5 do artigo 51º referido pressupõe que tenha sido proferido um despacho de adjudicação consolidado e estabilizado, ainda que susceptível de correcção, posto que, como se referiu, o esgotamento do poder jurisdicional não obsta a que, respeitado o núcleo fundamental de pronúncia jurisdicional, sejam, designadamente, rectificados erros materiais (não erros de julgamento), como decorre do disposto nos artigos 613º e 614º do Código de Processo Civil).

Embora o recurso vise a decisão arbitral, por alguma razão o legislador não determinou a sua notificação à entidade expropriante, aos expropriados e demais interessados autonomamente, fazendo-a coincidir com a notificação do despacho de adjudicação, notificação essa que determina o início da contagem do prazo para a interposição do recurso.

O despacho de adjudicação não é inócuo. Tem por função controlar, ainda que com carácter meramente formal, o procedimento expropriativo e, bem assim, adjudicar a propriedade e, sendo caso disso, a posse à entidade expropriante, o que acontecerá quando esta não tiver já sido conferida administrativamente.

Através deste despacho o juiz realiza “um «controle preventivo», de âmbito limitado, verificando a regularidade formal dos actos do procedimento administrativo”, sem apreciar da legalidade ou ilegalidade da expropriação ou os critérios que lhe estiveram subjacentes, como dá nota Alves Correia (As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra 1982, pág. 114). Esta intervenção do tribunal apresenta-se, contudo, “como um «elemento integrativo da eficácia» do acto de declaração de utilidade pública, na medida em que transfere a propriedade e porventura a posse dos bens para a entidade beneficiária da expropriação. Poderá dizer-se que o acto de declaração de utilidade pública, como acto constitutivo da expropriação, carece, para produzir os efeitos de transferência da propriedade e da posse dos bens, de ser integrado com um «visto» do tribunal comum” (autor e obra citados, págs. 114 e 115).

O despacho de adjudicação e a decisão arbitral não são cindíveis, tratando-os a lei como mesmo acto para efeitos de notificação e funcionando a prolação daquele despacho como um pressuposto para a notificação e subsequente interposição de recurso da decisão arbitral.

No caso que nos ocupa, não era indiferente o despacho de adjudicação fazer referência à totalidade do prédio ou a uma parcela desse prédio e, por isso, a entidade expropriante teve o cuidado de requerer a sua rectificação.

Note-se que é também com a notificação de tal despacho de adjudicação e dento do prazo para o recurso da decisão arbitral que os interessados, sendo a expropriação parcial, podem requerer a expropriação total nos termos do disposto no nº 2 do artigo 3º do Código das Expropriações (cfr. artigo 55º).

Razão por que também para este efeito não era indiferente fazer-se menção ao prédio, enquanto unidade, ou a uma parcela do mesmo no despacho de adjudicação, porquanto são realidades substancialmente diferentes.

Não obstante a primeira notificação, efectuada por ofício expedido em 24 de Janeiro de 2014, permitisse aos expropriados conhecer o teor do acórdão arbitral, o acto processual – notificação – praticado, sendo unitário, só ficou perfeito com a subsequente notificação do despacho de adjudicação corrigido através do ofício expedido em 5 de Fevereiro de 2014, tornando-se então apto a desencadear todos os efeitos, designadamente, o início do prazo para o recurso da decisão arbitral.

E nenhuma razão existia para não se proceder à notificação do despacho de rectificação às partes, o qual era passível de suscitar dúvidas fundadas sobre qual das notificações devia prevalecer em ordem a desencadear ao contagem do aludido prazo.

Sendo que o falado lapso da secretaria na notificação do despacho de rectificação jamais poderia prejudicar as partes, no caso os recorrentes. Sempre teria de prevalecer, à luz do estatuído no artigo 157º nº 6 do Código de Processo Civil, o prazo que lhes conferisse maiores garantias de recurso.

Aliás, também a boa fé processual aponta neste sentido, uma vez que, conhecendo os expropriados o pedido de rectificação apresentado pela entidade expropriante no dia 30 de Janeiro de 2014, seria natural que esperassem a ulterior notificação do despacho que sobre ele recairia, o qual, sendo de deferimento, passaria a integrar, como passou, o despacho rectificado, que só nesse momento ficou consolidado e poderia, aliás, ser objecto de impugnação pelos expropriados, desde que verificados os requisitos gerais, caso discordassem da correcção determinada.

Termos em que, tomando por referência a notificação realizada por ofício expedido em 5 de Fevereiro de 2014, se têm por tempestivos os recursos da decisão arbitral, restando prejudicada a apreciação de todas as demais questões suscitadas, incluindo as aduzidas pela recorrente II – Actividades de Gestão Cinegética (artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil).


III. Decisão:

Nesta conformidade, acorda-se em conceder a revista e, revogando-se o acórdão recorrido, julgam-se tempestivos os recursos interpostos pelos expropriados da decisão arbitral, repondo-se a decisão da 1ª instância.

Custas pela expropriante.


Lisboa, 21 de abril de 2016


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Pires da Rosa

Maria dos Prazeres Beleza